UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE SAÚDE E SOCIEDADE ILENE FIGUEIREDO PESSOA A TRANSFERÊNCIA NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE RIO DE JANEIRO 2013 ILENE FIGUEIREDO PESSOA A TRANSFERÊNCIA NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado Profissional em Psicanálise Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, para obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Psicanálise, Sociedade e Práticas Sociais. ORIENTADORA: Profª Drª Sonia Xavier de Almeida Borges RIO DE JANEIRO 2013 DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU E DE PESQUISA Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 20271-020 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922 FICHA CATALOGRÁFICA P475t Pessoa, Ilene Figueiredo. A Transferência na interação professor-aluno na educação on-line / Ilene Figueiredo Pessoa, 2013. 91f : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, 2013. a a Orientação: Prof . Dr Sonia Xavier de Almeida Borges. 1. Psicanálise. 2. Educação à Distância. 3. Interação Professor-Aluno. I. Borges, Sonia Xavier de Almeida. II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título. . CDD – 616.8917 Decs Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho ILENE FIGUEIREDO PESSOA A TRANSFERÊNCIA NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado Profissional em Psicanálise Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, para obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Psicanálise, Sociedade e Práticas Sociais. Aprovada em 26 de abril de 2013 BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Profª Drª Sonia Xavier de Almeida Borges Universidade Veiga de Almeida _______________________________________ Profª Drª Maria Helena Coelho Martinho Universidade Veiga de Almeida _______________________________________ Profª Drª Wania Clemente de Castro Universidade Estadual do Rio de Janeiro Aos meus queridos pais, Emma e Jandovy, por permanecerem valores que presentes, indicam os impulsionando caminhos para os o crescimento. Às sobrinhas, Maysa e Isabela, que temperam a minha vida com muito amor e alegria. AGRADECIMENTOS À Sonia Borges pelos valiosos ensinamentos, disponibilidade, dedicação e comprometimento em relação à orientação do trabalho desenvolvido. À Wania Clemente e Maria Helena Martinho por integrarem a banca e contribuírem com importantes depoimentos e observações que conduziram ao aperfeiçoamento desta dissertação. Ao Reitor Mario Veiga de Almeida Junior pelo estímulo ao meu desenvolvimento acadêmico e pela oportunidade de enfrentar os desafios profissionais da Educação a distância, que motivaram a realização deste Mestrado. Ao Reitor Arlindo Cardarett Vianna, à Pró- Reitora de Pós-Graduação Maria Beatriz Balena e à Coordenadora do Mestrado, atual Coordenadora do Doutorado em Psicanálise, Glória Sadala, pelo incentivo para a conclusão do curso. Aos mestres Antonio Quinet, Maria Anita Carneiro Ribeiro e Cristina Poli pela forma criativa e instigante que abordaram os ensinamentos sobre a teoria psicanalítica. Às professoras Marina Espírito Santo, Luzia Araújo e Flavia Cunha pela colaboração. À equipe do NEAD pelo carinho e incentivo. Aos amigos e familiares pelo estímulo e compreensão da ausência. RESUMO Esta dissertação propõe-se a indicar as possibilidades de articulação entre a teoria psicanalítica de Sigmund Freud e a Educação a distância mediada pela internet, tendo como foco a relação transferencial estabelecida entre professores e alunos no processo ensino– aprendizagem, naquilo que interfere no desejo de saber. Destaca a necessidade de uma melhor compreensão das variáveis subjetivas que estão presentes no processo educacional a distância para que se possa convergir para um ensino voltado ao sujeito, em que uma das principais atribuições do professor passa a ser a de conduzir o aluno criativamente ao estilo que lhe é próprio, enfatizando a singularidade. Considera que os meios de comunicação on-line, síncronos e assíncronos, bem como a conectividade disponibilizada pelas redes sociais facilitam a transposição da distância transacional e permitem um diálogo mais intenso e dinâmico entre docentes e discentes na Educação a distância. Destaca que, numa abordagem psicanalítica, na Educação on-line, é a transferência que vai determinar a possibilidade de construção da presença virtual. Se o aluno não estabeleceu vínculo com o processo de aprendizagem, é considerado ausente no processo educacional. Assim, a transferência ultrapassa a dimensão geográfica do espaço, fazendo com que a distância se torne subjetiva. A imprevisibilidade do inconsciente dificulta a definição de um método que permita uma associação da Pedagogia com a Psicanálise. O manejo da transferência fica restrito ao analista, não cabendo ao professor a responsabilidade por interpretá-la para garantir a ação educativa. Em sua abordagem sobre o desejo de saber a Psicanálise indica duas condições para que seja possível educar levando em consideração a singularidade do sujeito: a sustentação da posição do professor como sujeito do suposto saber diante do aluno e a manutenção do movimento constante na busca do saber sobre seus desejos, tanto por parte do professor quanto do aluno. Conclui afirmando que, se o educador acreditar no inconsciente e na transferência, poderá encontrar o caminho para o reencontro do sujeito com o desejo. Palavras- chaves: Educação on-line. Transferência. Desejo de saber. Interação professor-aluno. ABSTRACT This dissertation proposes to indicate the possibilities of articulation between Sigmund Freud’s psychoanalytical theory and internet mediated distance education, focusing on the transferential relationship established between teachers and learners in the teaching-learning process, in that which interferes in the desire for knowledge. It highlights the need of a better understanding of the subjective variables which are present in the distance learning process so it can move towards a subject-centered teaching, in which one of the teacher’s main tasks evolves to be that of creatively conducting the learner to his own style, with emphasis on singularity. It considers that the online media, both synchronous and asynchronous, as well as the connectivity made available through social networks, help to cross the transactional distance and allow a more intense and dynamic dialogue between teachers and learners in Distance Education. It remarks that, in a psychoanalytical approach to e-learning, it is transference that will determine the possibility of a virtual presence construction. If the learner has not established a bond with the learning process, he or she will be absent from the educational process. Thus, transference overpasses the geographic dimension of space, turning distance into a subjective concept. The unpredictability of the unconscious makes it difficult to define a method which allows an association of Pedagogy and Psychoanalysis. The handling of transference is limited to the analyst, and the teacher has no responsibility to interpret it and make sure that the learning experience takes place. In its approach to the desire for knowledge, Psychoanalysis indicates two conditions to make education possible, taking into account the singularity of the subject: to sustain the position of the teacher as the Subject Supposed to Know before the student, and to maintain the constant movement towards knowledge about his desires, from both teacher’s and learner’s part. It concludes stating that, if the teacher believes in unconscious and transference, he or she may find the way to reunite subject and desire. Key-words: Online Education, Transference, Desire for knowledge, Teacherstudent interaction. O bebê procura se apropriar da caneta com a qual sua mãe escreve, do livro que ela lê e não de um outro. É assim que o professor pode fazer nascer o amor pelo saber, quando ele próprio conhece sua paixão. (CORDIÈ, 1996, p.155) SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 1 A INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE 13 1.1 Fundamentos da Educação a distância 13 1.2 A interação on-line na Educação a distância 19 1.3 A expansão do ciberespaço e as novas possibilidades de deliberação coletiva 33 2 CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA EDUCAÇÃO ON-LINE 36 2.1 Desejo de saber 36 2.2 Transferência 50 3 TRANSFERÊNCIA E DESEJO DE SABER NA EDUCAÇÃO ON-LINE 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO 10 INTRODUÇÃO A presente dissertação tem por objetivo estudar o processo de transferência e suas relações com o desejo de saber na interação professor-aluno nos cursos a distância, à luz da teoria psicanalítica. Comecei a trabalhar com Educação a distância em 1976 e tenho acompanhado seu processo evolutivo até chegar aos nossos dias. Com o advento da internet, percebi as mudanças ocorridas, tanto na fundamentação teórica da metodologia de desenvolvimento dos cursos, quanto na interação entre os diversos atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Destaco como objeto de estudo a interação professor-aluno, na qual tenho focado minha atenção desde que comecei a trabalhar como Coordenadora do Núcleo de Educação a distância, em março de 2003, na Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro. Tenho interesse em sistematizar os conhecimentos obtidos nesta experiência, realizando uma reflexão mais aprofundada das questões transferenciais presentes nesta interação. Percebo que precisamos compreender melhor a subjetividade e a relação entre as subjetividades presentes na relação professor-aluno na Educação a distância para que sejam identificados caminhos que permitam equacionar as dificuldades ainda existentes. A psicanálise pode ajudar na compreensão do funcionamento mental e inconsciente dos sujeitos envolvidos no processo educacional, sem que precise assumir o papel da educação. É preciso lembrar que o objeto da psicanálise é o inconsciente e o funcionamento do aparelho psíquico, e o da educação é o conhecimento. As duas áreas, no entanto, convergem na transferência, o que torna importante uma melhor compreensão deste processo. Esta é uma reflexão que será aprofundada no presente estudo. A metodologia a ser adotada é a pesquisa bibliográfica de obras clássicas e atuais, ilustrada com fragmentos de entrevistas e depoimentos de alunos de cursos a distância, coletados na minha prática profissional. O advento da sociedade da informação incentiva o aparecimento das novas tecnologias que provocam a necessidade de pesquisas para identificar formas mais criativas do processo ensino-aprendizagem. Entretanto, o conceito de novas tecnologias é dinâmico, suscetível a muitas mudanças, que depende do contexto 11 social e do meio ambiente em que se situa. Desse modo, a aplicação de uma tecnologia requer cuidados para garantir a adequação dessas ferramentas em uma sociedade que está em crescente transformação, bem como deve estar fundamentada em referenciais teóricos e modelos técnicos que realmente contribuam para uma caminhada mais segura em direção ao futuro. Lévy (1997) destaca que as tecnologias não podem ser utilizadas indiscriminadamente, mas devem acompanhar os impactos das mudanças que questionam as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educativos tradicionais. Antes da internet, o aluno estava acostumado com uma linguagem didática linear, sequencial, estática, com início, meio e fim. O ciberespaço oferece a oportunidade da narrativa não-linear, hipertextual, multidirecional. Nesse cenário a introdução das novas tecnologias desloca o professor do centro do processo ensino-aprendizagem e as interações tornam-se mais democráticas e oferecem maior oportunidade de diálogo e troca de conhecimentos e experiências. Assim, torna-se fundamental considerar como ficam os aspectos subjetivos presentes nesta relação professor-aluno. Segundo Lévy (1997) essas novas tendências influenciam o surgimento de um novo estilo de pedagogia onde o professor torna-se o incentivador da inteligência coletiva e não um mero disseminador do saber. Um ensino voltado para o sujeito, que entende a educação como ferramenta para o sujeito do desejo, “estará submetido aos limites que a psicanálise impõe à sua transmissão uma vez que não se trata de informar, mas de permitir que um sujeito crie um estilo que trará a marca do sujeito do desejo” (KUPFER, 2007, p. 133). Nesta concepção, uma das principais atribuições do professor no processo ensino-aprendizagem passa a ser a de conduzir o aluno criativamente ao estilo que lhe é próprio, enfatizando a singularidade. Atualmente, os estudantes mostram-se mais capazes de gerenciar sua própria aprendizagem, interagir com professores e colegas, desenvolver trabalhos conjuntos em regime de aprendizagem colaborativa, bem como se comunicarem com o mundo fora da escola, derrubando as barreiras geográficas. O diálogo que passa a ser estabelecido entre professor e estudante, altera, significativamente, o posicionamento da autoridade em relação ao ensino tradicional. O saber passa a ser construído com base na troca e em relações mais igualitárias. O professor precisa 12 estimular a postura crítica e investigativa do estudante, bem como conviver com a ambivalência, da concordância ou discordância, que passam a ser expressas pelos alunos na construção coletiva do conhecimento. Os meios altamente interativos de teleconferência eletrônica, a audioconferência e os meios de comunicação on-line, síncronos e assíncronos, bem como a conectividade possibilitada pelas redes sociais facilitam a transposição da distância transacional e permitem um diálogo mais intenso e dinâmico. No entanto, é importante destacar que este diálogo também é influenciado pelas características pessoais e emocionais dos alunos e professores e pela especificidade dos conteúdos. Mesmo que alguns programas tenham um potencial elevado de interação, esta pode não ocorrer porque os professores não se encontram em condições de explorar sua interatividade. Além disso, os alunos podem não desejar o diálogo com seus professores. A relevância deste estudo, organizado em três capítulos, consiste em contribuir para uma melhor compreensão das variáveis subjetivas que estão presentes no processo educacional a distância, a partir da adoção das novas tecnologias de informação e comunicação, com base no referencial teórico da psicanálise sobre o fenômeno da transferência, naquilo que interfere no desejo de saber. No primeiro capítulo - A interação professor-aluno na Educação on-line - são analisadas ideias de autores que têm contribuições expressivas para os estudos e a prática da Educação a distância, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Nele pretendemos apresentar uma articulação entre as propostas dos diferentes autores traçando um cenário da Educação a distância, com foco na Educação on-line, especificamente na interatividade professor-aluno definindo as principais preocupações que os profissionais desta área vêm demonstrando, tendo em vista a qualidade requerida pelos projetos educacionais. No segundo capítulo - Contribuições da psicanálise para a Educação on-line - abordaremos os conceitos psicanalíticos de transferência e desejo de saber que julgamos essenciais para construir o pensamento sobre a interação professor-aluno na Educação a distância, fundamentado na teoria freudiana. No terceiro capítulo será realizada uma análise crítica da relação professor-aluno em EAD, articulando os conceitos de Educação a distância e psicanálise estudados nos capítulos anteriores com exemplos práticos extraídos de depoimentos de alunos de cursos a distância. 13 1 A INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE 1.1 Fundamentos da Educação a distância No presente capítulo serão apresentadas ideias de autores que têm contribuições expressivas aos estudos e à prática da Educação a distância, tanto no âmbito nacional quanto internacional, com o objetivo de contextualizar a questão da interatividade professor – aluno na Educação on-line, tema desta dissertação. Pretendemos, aqui, apresentar uma articulação entre as propostas apresentadas pelos diferentes autores com o objetivo de traçar um cenário da Educação a distância que defina as principais preocupações que os profissionais desta área vêm demonstrando, tendo em vista a qualidade requerida pelos projetos educacionais. Otto Peters, considerado uma das maiores autoridades no campo do conhecimento sobre a Educação a distância, foi fundador da Universidade Aberta – da cidade de Hagen, na Alemanha e possui grande produção bibliográfica na área. Em sua obra, A Educação a distância em transição (2004), o autor destaca a crescente importância da Educação a distância no mundo atual e analisa a sua origem e desenvolvimento a partir do importante legado pedagógico deixado pelas abordagens adotadas em experiências anteriores realizadas fora do âmbito da sala de aula tradicional. Ao abordar o desenvolvimento histórico da EAD, Peters (2004) relata que, no início da era cristã, houve algumas iniciativas isoladas, como as epístolas de São Paulo, que foram escritas para ensinar aos cristãos da Ásia Menor como viver de maneira cristã em um ambiente desfavorável. Essas iniciativas podem ser consideradas como as primeiras experiências desta modalidade de ensino, uma vez foram usadas tecnologias relativas à escrita e aos transportes com o objetivo de evitar as viagens que seriam necessárias para que o trabalho missionário fosse realizado. Nesse caso, pode-se considerar que houve uma substituição do ensino face a face pelo ensino assíncrono e mediado. A partir do século XIX, Peters (2004) identifica três grandes fases, ocorridas na evolução da Educação a distância: I. a instrução por correspondência, que acompanhou a industrialização do trabalho, compensando as deficiências do sistema educacional; 14 II. a expansão da capacidade das instituições de ensino superior, nos anos 1970, 1980 e 1990, caracterizada pela criação das universidades abertas de ensino a distância, influenciadas pela Open University britânica, que utilizam rádio, TV, vídeos, fitas cassetes e centros de estudo. Nesta fase surgiram significativas inovações pedagógicas. III. a Educação a distância informatizada, que representa o maior desafio do futuro, a partir do rápido desenvolvimento das tecnologias de comunicação. Essa terceira fase nos interessa, particularmente, por tratar da problemática da comunicação, aspecto intrinsecamente ligado aos objetivos do presente estudo, a interatividade professor - aluno. Peters (2004) afirma que cada um desses períodos apresentou a EAD de forma diferenciada, mas, com o passar dos anos, a importância dessa modalidade educacional cresceu principalmente em termos de abrangência de países e alunos. Atribui essa relevância principalmente ao crescimento da demanda educacional que os governos têm que administrar e as empresas privadas têm para explorar. Nesse sentido, considera que as inovações tecnológicas certamente podem justificar o interesse ascendente por EAD. Dentre elas destaca: o aperfeiçoamento da tecnologia dos microcomputadores, a tecnologia multimídia, a tecnologia de compactação digital e vídeo e o surgimento da tecnologia da internet. Segundo Peters (2004), a evolução desta modalidade de educação está diretamente relacionada às tecnologias utilizadas em cada período: escrita, meios impressos e transporte por meio de ferrovias, carros, aviões, transmissão por “velhas mídias” como o rádio e a televisão, assim como pelas “novas mídias”, especialmente o computador. Considera que a EAD tornou-se ainda mais relevante pelo interesse de governos em reduzir as diferenças educacionais e as consequentes emergências de demandas neste sentido. Peters afirma ainda que: A maior demanda, e isto é muito impressionante, é por parte dos alunos. Estão correndo para se matricular em instituições de ensino a distância, especialmente universidades, por todo o mundo. Um número notável destas universidades de ensino a distância tem várias centenas de milhares de alunos matriculados. Este é um desenvolvimento extraordinário e surpreendente. (PETERS, 2004, p. 35) O uso crescente de ambientes informatizados de aprendizagem e da rede está determinando uma revolução pedagógica na Educação a distância, o que nos 15 faz caminhar para uma nova era da educação, em que os profissionais enfrentarão e terão oportunidade de dispor dos avanços rápidos e inesperados das tecnologias de informação e comunicação. No entanto, é também necessário rever métodos, conteúdos e instituições de EAD frente aos desafios das inovações tecnológicas. A educação passa agora a acontecer também num território até então desconhecido: o espaço virtual de aprendizagem que se caracteriza como um espaço digital baseado na internet. Peters (2004) considera que este fato requer o planejamento de novos formatos de aprendizagem, causando mudanças estruturais poderosas e de longo alcance no processo de ensino–aprendizagem. Declara, também, que devemos reconhecer que a Educação a distância e a aprendizagem on-line fornecem os recursos que nos possibilitam lidar com as novas exigências sociais, com novos objetivos educacionais e novos grupos de estudantes. Ainda segundo Peters (2004), as mudanças mais notáveis nos processos educacionais atuais são: (...) o surgimento do aluno adulto que trabalha, a aprendizagem aberta, o aumento do número de alunos, novos tipos de alunos, inclusive alunos capazes, mas mal preparados e deixados de lado, as cambiantes funções, conteúdos e estrutura pedagógica da educação superior, comercialismo, globalização e competição com outros provedores de recursos intelectuais. O resultado destas modificações será um ensino-aprendizado diferente dos formatos tradicionais. Terá de ser aberto, centrado no aluno, baseado no resultado, interativo, participativo, flexível quanto ao currículo, às estratégias de aprendizado e envio e não muito preso a instituições de aprendizado superior, porque pode também se dar nos lares e nos locais de trabalho. (PETERS, 2004, p.41 e 42) Tais mudanças de paradigma educacional seriam modificadoras das condições socioeconômicas da educação, valorizando a aprendizagem independente, auto-organizada e em grupo? Este é o desafio da Educação a distância no Brasil. Peters (2004) declara que o aluno atual tem acesso a informações globalizadas tornando-se necessário repensar a educação, já que as necessidades sociais vão exigir mudanças radicais no processo de ensino – aprendizagem. A ênfase não seria mais em saber o que o professor tem interesse em ensinar, mas o que o estudante precisa aprender. Propõe também uma reflexão sobre o conceito e a função dos Planos de Ensino. Considera que no ensino tradicional, há sempre um 16 objetivo geral e um conjunto de objetivos específicos. A partir dos novos paradigmas educacionais, os objetivos são, muito frequentemente, ainda desconhecidos no início do processo de aprendizado. Espera-se que o estudante os descubra por si mesmo e até os modifique, se necessário, durante o processo de estudar e aprender. O autor convida os professores a se transformarem, nesta fase de transição, em protetores da educação e dos seus alunos para adequar-se a esta visão da universidade do futuro. Ressalta a importância das mudanças aqui citadas e declara que os professores devem não apenas compreender esta mudança fundamental, como também a necessidade de se tornarem ativos neste processo de mudança. Propõe que os professores reajam quando o entusiasmo tecnológico ultrapassar os limites e tornar-se prejudicial à educação em função da possível desumanização do processo ensino-aprendizagem. Segundo Palloff e Pratt (2004), as instituições acadêmicas vivem hoje um momento de transição. Grande parte das mudanças observadas deve-se à exigência da sociedade moderna onde o conhecimento desempenha um papel de destaque. Outro fator que contribui para esta fase de mudanças é a maior diversidade entre os alunos chamados não-tradicionais, definidos por sua idade e situação de vida, que buscam, em número cada vez maior, um diploma de curso superior. Os autores investigam ainda a forma como as instituições de ensino respondem a essas demandas que se apresentam no cenário educacional. De acordo com Palloff e Pratt (2004) o uso da internet tem sido cada vez mais adotado pelas instituições de ensino superior para ministrar cursos a distância e para ampliar a abrangência dos programas. Algumas instituições estão preocupadas apenas em atrair um número cada vez maior de alunos que não teriam outras opções para estudar; outras buscam satisfazer as necessidades de uma nova espécie de estudante. À medida que se faz maior uso da tecnologia, professores e alunos lutam para se adequar às mudanças que ela traz ao ambiente educacional. É esta nova espécie de estudante em interação com uma nova espécie de professor que pretendemos discutir aqui. Palloff e Pratt (2004) consideram que é preciso passar por uma etapa de transição da educação presencial para a virtual. Considera que professores e estudantes têm diferentes comportamentos em cada uma dessas modalidades de ensino, gerando diferentes resultados da aprendizagem. De acordo com estes autores, muitas instituições ainda usam o método de ensino tradicional em um 17 ambiente on-line. É necessário modificar a abordagem educacional, para adequar-se aos novos tempos e, sobretudo, às novas tecnologias. Nesse sentido, pretendemos abordar aqui as mudanças que ocorrem no processo ensino-aprendizagem quando professores e alunos relacionam-se apenas por meio de uma interface tecnológica. As definições de Educação a distância englobam tanto o ensino a distância (o papel do professor no processo) quanto a aprendizagem a distância (o papel do estudante). Palloff e Pratt (2004) apresentam os seguintes elementos que consideram fundamentais para identificar a Educação a distância: a separação do professor e do aluno durante, pelo menos, a maior parte do processo de instrução; o uso de mídia educacional com a finalidade de unir professor e aluno para a disseminação na construção do conhecimento; o oferecimento de uma via dupla de comunicação entre o professor e o aluno; a separação do professor e do aluno no tempo e no espaço; o controle volitivo da aprendizagem com o estudante, em vez de com o professor. Os autores consideram que esses elementos iniciam um novo paradigma educacional: Na arena on-line, o professor pode continuar a definir o conteúdo do curso e a dirigi-lo. Contudo, há espaço para que os alunos explorem o conteúdo de forma colaborativa ou para que busquem seus interesses. Não há mais uma comunicação unidirecional do conhecimento vinda de um especialista em determinado assunto. Não há mais a necessidade de que os cursos estruturem-se a partir dos elementos local e tempo. (PALLOFF e PRATT, 2002, p. 27) Se concordarmos com estas ideias, que contribuições a psicanálise pode oferecer para que este novo paradigma realmente se efetive? É esta a contribuição que pretendemos apresentar nesta dissertação, ainda que bastante elementar, pois não encontramos bibliografia a respeito do tema. De acordo com Palloff e Pratt (2002), o California Distance Learning Project, em 1997, analisou pesquisas efetuadas com alunos que obtiveram bons resultados em programas de EAD. Os dados encontrados indicam algumas características em comum, tais como: buscam, de forma voluntária, novas formas de aprender; 18 são naturalmente motivados, disciplinados e têm expectativas mais altas; tendem a ser mais velhos que os alunos médios, do mesmo grupo; e tendem a manifestar uma atitude mais séria em relação ao curso. Talvez por isso, os processos de ensino a distância têm sido realizados, em maior grau, com adultos e tenham obtido melhores resultados com eles. Palloff e Pratt (2002, p.38) consideram que ainda não se começou a explorar, para valer, o poder e o potencial da tecnologia na educação, ainda há uma “lacuna tecnológica” entre as gerações. Enquanto as crianças acessam com rapidez e facilidade qualquer forma de mídia, de videogames à internet, passando pelos celulares e computadores, os adultos são, em sua maioria, aprendizes nesse mundo tecnológico. Dessa forma, um novo paradigma se apresenta para os programas de EAD, composto pelos seguintes elementos: acesso à tecnologia: professores e alunos devem ter acesso fácil a toda a tecnologia necessária e devem estar familiarizados com ela. diretrizes e procedimentos: devem ser mais flexíveis e gerados predominantemente pelos participantes do programa. participação: os alunos devem se comprometer em participar, bem como entender aquilo com que estão se comprometendo. aprendizagem colaborativa: as experiências de aprendizagem mais poderosas são aquelas em que a participação envolve todo o grupo, em vez de se dar apenas na direção professor – aluno. aprendizagem transformadora: um aspecto crucial é a atenção a ser dada à aprendizagem que ocorre pelo uso do próprio meio em que está inserida. Os alunos devem ter a oportunidade de explorar o ambiente virtual em que a aprendizagem ocorre. Precisam discutir medos e inseguranças, bem como as surpresas e os aspectos positivos desse meio. avaliação do processo: como será avaliado o sucesso ou o fracasso no curso? Como um dos resultados desejados é a formação de alunos mais autônomos, a autoavaliação também é um componente importante. Em continuidade a seus estudos, Palloff e Pratt (2004) apresentam o perfil do aluno virtual, a partir da definição das seguintes competências requeridas para o sucesso na Educação on-line. São elas: 19 ter acesso a um computador e a um modem ou conexão de alta velocidade e saber usá-los; ter a mente aberta e compartilhar detalhes sobre sua vida, trabalho e outras experiências educacionais; não se sentir prejudicado pela ausência de sinais auditivos ou visuais no processo de comunicação; dedicar uma quantidade significativa de seu tempo a seus estudos e não ver o curso como a maneira mais leve e fácil de obter créditos ou um diploma; ter possibilidade de pensar criticamente; ter capacidade de reflexão; acreditar que a aprendizagem de alta qualidade pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento. Pallof e Pratt (2004) consideram, ainda, que tanto o aluno virtual quanto o professor devem sentir-se à vontade com a ausência dos sinais visuais e sugerem que devem ser capazes de lidar com questões emocionais sob a forma textual e personalizar a comunicação criando a sensação de percepção de presença virtual. Afirmam ainda que os educadores devem construir um clima de confiança, abertura, autonomia e correspondência para que os alunos possam sentir-se seguros em relação à forma como são percebidos no grupo. Somente a partir destes princípios uma comunicação ativa e produtiva poderá ser desenvolvida, permitindo a aprendizagem em comunidade. 1.2 A interação on-line na Educação a distância Marco Silva, sociólogo, doutor em Educação e professor da UERJ, aborda a interatividade a partir das pesquisas que desenvolve sobre este tema aplicado tanto ao ensino presencial quanto à Educação a distância, com desdobramentos nos campos da sociedade, da arte, do mercado e das tecnologias digitais. Em seu livro Sala de aula interativa (2006), destaca a transição do modo massivo para o interativo das comunicações humanas em geral e sua influência no processo educacional. Considera que o novo espectador tem mais possibilidade de intervir na mensagem e se afasta da forma clássica de receber o conhecimento passivamente. 20 Segundo Silva (2006), no modelo interativo o aluno passa a ter mais domínio sobre o conteúdo a ser aprendido e tem mais possibilidades de atuar sobre ele modificando o seu papel de mero espectador passivo do processo ensinoaprendizagem para a condição de sujeito atuante e transformador. A interatividade torna-se um desafio para os novos agentes do processo de comunicação. Na TV, para enfrentar a concorrência da internet, há uma preocupação em adaptar-se à linguagem digital, procurando alternativas em que o espectador tenha mais possibilidades de escolhas em seus programas e participação no processo. Esta preocupação com a interatividade, no entanto, surge de forma mais lenta nos sistemas de ensino. Silva (2006) alerta para o fato de que as escolas precisam estar atentas para a necessidade de um novo modelo comunicacional com os alunos em sala de aula tanto na modalidade presencial quanto na virtual. O modelo que separa emissão e recepção, já não se adéqua mais aos novos tempos. Apesar de muitos educadores já terem percebido que o processo educacional requer a participação autêntica do aluno, o professor parece ainda não se ter dado conta da urgência de transformar o seu modelo comunicacional. Segundo o autor, é necessário que o professor conheça mais sobre interatividade para transformar a comunicação em efetivos processos de construção do conhecimento. Sabemos que a psicanálise traz uma contribuição reconhecida com relação aos processos de comunicação. Daí nosso interesse em discutir a Educação a distância com a contribuição da Psicanálise. Em muitos cursos a distância, via web, considerados interativos, o que se tem, na verdade, é a utilização de modernas tecnologias servindo principalmente para intensificar o velho modelo da transmissão. O que ocorre na prática, é que muitos sites disponibilizam textos estáticos para leitura que não dispõem de recursos para a aprendizagem colaborativa. O que seria aprendizagem colaborativa para a psicanálise? Não estaria relacionada às noções de transferência na teoria freudiana? É o que pretendemos discutir nesta dissertação. Silva (2006) destaca ainda que interatividade é um conceito de comunicação e não de informática. O computador potencializa e não substitui o trabalho docente; é preciso saber operá-lo para não subutilizar sua natureza interativa, hipertextual que é o diferencial entre a comunicação massiva e a comunicação interativa. Considera que a interatividade só acontece quando há dialogicidade (associação 21 entre emissão e recepção de forma complementar) e intervenção do receptor no conteúdo da mensagem. Estas características da interatividade determinam uma alteração básica no processo de comunicação: o emissor deixa de propor uma mensagem fechada e passa a oferecer alternativas, para que a mensagem possa ser elaborada em conjunto com o receptor que não se encontra mais em situação de recepção clássica. Como defende o autor, pode-se dizer que o computador é conversacional para diferenciá-lo dos meios massivos unidirecionais, exatamente porque permite o diálogo da emissão e recepção. E se o computador está conectado à Internet, ampliam-se as possibilidades de operar com múltiplas conexões em rede. Segundo Silva (2006), tanto no ambiente virtual como no presencial, o professor precisa estabelecer áreas que serão exploradas, não um caminho linear a ser seguido incondicionalmente. É necessário que o professor seja problematizador e incentivador da formulação de questões, além de ter boa capacidade para coordenar grupos de trabalho. A partir dos estudos sobre interatividade associados às novas tecnologias de informação e comunicação, Silva (2006) considera que, para promover a sala de aula interativa, o professor precisa desenvolver pelo menos cinco habilidades, entre outras: 1. pressupor a participação-intervenção dos alunos; 2. garantir a comunicação entre emissores e receptores; 3. disponibilizar múltiplas redes articulatórias, permitindo ao receptor ampla liberdade de associações; 4. engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e o conhecimento se constroem entre alunos e professor como co-criação e não no trabalho solitário; 5. suscitar a expressão e a confrontação das subjetividades. Segundo Silva (2006), a sala de aula interativa supõe que o professor se dê conta do hipertexto para que aproveite o potencial do computador e da Internet em sala de aula. O hipertexto consiste num sistema essencialmente interativo que permite complexidade na informação e na comunicação a partir da montagem de conexões em rede que possibilitam o diálogo e a participação. 22 O autor alerta, ainda, para o fato de que as salas podem ganhar equipamentos de realidade virtual, mas ainda assim, podem prevalecer a transmissão e a lógica da distribuição encontradas na sala de aula tradicional e da mídia de massa. É preciso que o professor modifique a comunicação com seus alunos, o que demanda a criação de um novo modelo de educação. É importante atentar para o fato de que algumas soluções imediatistas adotadas para as mudanças emergenciais e imprescindíveis da sala de aula e do processo ensinoaprendizagem, não implicam em que, necessariamente, haja um aumento significativo na qualidade da educação. Em seu livro Educação online, Silva (2010) desenvolve um capítulo sobre a formação de professores-tutores, no qual destaca a importância de levá-los a vencer o preconceito que já alimentavam com a Educação a distância em suportes analógicos, ampliado para as possibilidades da Educação a on-line. Descreve vários aspectos que podem gerar esta resistência nos professores: desconfiança da ausência do contato visual, considerado essencial no ensino e na avaliação; sentimento de ameaça frente a qualquer tecnologia de informação e comunicação cujo desempenho de transmissão possa estar acima da sua; e conservadorismo fazendo com que se sinta excluído do processo por não estar preparado para a utilização das tecnologias digitais. Silva (2010) considera essencial que a prática pedagógica para a Educação on-line seja estruturada a partir da arquitetura de um desenho didático com o objetivo de definir o planejamento, a produção e a operatividade de conteúdos e de situações de aprendizagem, que estruturam processos de construção do conhecimento na sala de aula on-line. Ressalta ainda que estes conteúdos e situações de aprendizagem devem contemplar a interatividade própria dos ambientes virtuais. O autor enfatiza a necessidade do desenho didático para contemplar uma intencionalidade pedagógica que garanta a Educação on-line como obra aberta, plástica, fluida, hipertextual e interativa. Caso contrário repetirá práticas próprias da Pedagogia de transmissão. O desenho didático é a estruturação de um conjunto de conteúdos e situações de aprendizagem numa sala de aula virtual. Silva (2010) aponta algumas questões importantes para o planejamento e definição da arquitetura hipertextual de um desenho didático na sala de aula on-line. São elas: contexto sócio histórico e cultural dos estudantes e respectivos perfis 23 sociocognitivo e político-cultural; expectativas para o curso on-line; infraestrutura tecnológica que dispõem os docentes e os estudantes; competências a serem desenvolvidas; definição da equipe para garantir uma produção multidisciplinar; identificação dos conteúdos, objetos e situações de aprendizagem em hipertexto, bem como da arquitetura a ser adotada nas interfaces de conteúdos e comunicação; definição da estrutura para autoestudo e aprendizagem colaborativa; possibilidades de aproveitamento das situações de aprendizagem como subsídios para avaliação formativa; e descrição de indicadores para avaliação a partir das participações dos alunos nas interfaces de comunicação a serem utilizadas em cada fase do curso. Como afirma Silva, O desenho didático pode estruturar-se como hipertexto assim entendido para exprimir o perfil da sala de aula on-line engendrada pela coautoria da equipe de produção, do docente dos cursistas na produção da aprendizagem e da própria comunicação. A sala de aula on-line não está mais centrada na figura do professor, mas possuidora permanente de diversos centros em que se dão a constante produção e a renegociação dos atores em jogo. Nela a aprendizagem se dá com as conexões de imagens, sons, textos, palavras, diversas sensações, lógicas, afetividades e com todos os tipos de associações. O docente não perde a sua autoria enquanto mestre. Do polo transmissor ele passa a agente provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador da inteligência coletiva. (SILVA, 2010, p. 221) O autor declara ser fundamental que o desenho didático leve em conta pelo menos três condições para que possa ser produzido de forma adequada: arquitetar percurso em teias de conexões disponibilizar uma montagem de conexões em rede que permita múltiplas ocorrências provocar situações de inquietação criadora. Assim, é fundamental que o desenho didático do curso seja desenvolvido de acordo com os princípios básicos que norteiam a comunicação pela mídia digital. “Será preciso romper com a linearidade do livro e das apostilas eletrônicas de modo que não subutilizem a disposição hipertextual e comunicacional própria do ambiente de aprendizagem on-line, na web”. (Silva, 2010, p.229) As mídias digitais estão cada vez mais diversificadas, podendo ser a tela do computador on-line, do celular, dos tablets, da TV digital, dentre outros. Estes são 24 elementos fundamentais para que a Educação a distância possa evitar a massificação dos sistemas baseados na lógica da transmissão e ampliar as potencialidades de realizar um processo educacional de qualidade na cibercultura. Em relação à interação professor-aluno em cursos on-line, são, portanto, incentivados os processos comunicacionais que adotam práticas interativas e utilizam recursos hipertextuais. Os ambientes virtuais de aprendizagem, doravante AVAs, as teleconferências e as videoconferências são as tecnologias digitais mais utilizadas na educação online. Os AVAs têm como característica principal a reunião de um conjunto de interfaces de conteúdo e de comunicação que consistem em dispositivos tais como: textos, áudio, imagens e animações que permitem apresentar o conteúdo digitalizado de diferentes formas. As interfaces de comunicação são aquelas destinadas à interatividade. Esses ambientes tornam-se verdadeiras salas de aula virtuais por meio das quais é possível socializar informações e conteúdos e principalmente intensificar a comunicação síncrona e assíncrona que privilegiam a troca de mensagens na comunidade de aprendizagem. Por comunicação síncrona entende-se a interação em tempo real, em que os interlocutores precisam estar conectados simultaneamente. Como exemplo pode-se citar os chats, as web conferências e as mensagens instantâneas. A comunicação assíncrona é realizada em tempos diferentes, ou seja, os interlocutores podem enviar as mensagens em dias e horários diversos, sem que estejam conectados simultaneamente, como ocorre, por exemplo, no correio eletrônico, nos fóruns, nas listas de discussão, nos blogs e nos wikis. Segundo Lévy (1997), o movimento social e cultural provocado pelo ciberespaço pressupõe que tanto a criação das comunidades virtuais como a exaltação da inteligência coletiva são estimuladas por dois valores essenciais: a autonomia e a alteridade. Estes valores fazem com que a cibercultura tenda a ser universal sem totalidade, permitindo o acesso às comunidades virtuais e seus produtos de forma ampliada. O ciberespaço possibilita a articulação entre os coletivos inteligentes de forma democrática, inibindo o totalitarismo. De acordo com Lévy (1997), o movimento que impulsiona a comunicação interativa de todos os envolvidos no 25 processo indica que a totalização estará impedida de ocorrer, pois a linhas de fuga tendem a se proliferar e as fontes tornam-se cada vez mais diferenciadas. Neste contexto as dimensões de tempo e espaço precisaram ser revistas e adaptadas, ultrapassando os limites das instituições de ensino. A possibilidade de flexibilizar a mensagem, tornando-a passível de ser reformulada pelos alunos no processo ensino-aprendizagem, provoca uma mudança significativa no papel do professor. Lévy afirma que: Não quero com isto dizer que a universalidade do ciberespaço seja neutra ou sem consequências (...) trata-se de um universal indeterminado e que tende mesmo a manter a sua indeterminação visto que cada nó da rede das redes em expansão constante pode tronar-se produtor ou emissor de informações novas, imprevisíveis, e reorganizar uma parte da interligação global por sua conta. (LÉVY, 1997, p.113) A incorporação dos recursos da web 2.0 à Educação on-line ampliou as possibilidades de comunicação e de criação coletiva, fazendo com que tanto professores quanto estudantes fossem ao mesmo tempo transmissores e receptores no processo educacional. O professor deixa de ser o detentor e veiculador do saber e passa a ser o orientador e disseminador de critérios para que os estudantes possam entrar em contato com a diversidade de estímulos que lhes são disponibilizados no momento atual. O estudante passa a ser mais ativo no processo, a partir da provocação do professor para estimular sua curiosidade direcionada a descobertas enriquecedoras. Como afirma Litto (2008), o professor neste contexto da web 2.0 precisa levar o estudante a refletir sobre a autoridade da fonte das informações de modo que o conhecimento possa ser abordado de forma menos superficial, com base em parâmetros mais confiáveis. A questão que se apresenta é como desenvolver novas competências no professor diante dos impactos provocados pelo redimensionamento de espaço e tempo determinado pela adoção das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação. O diálogo que passa a ser estabelecido entre professor e estudante, altera significativamente o posicionamento da autoridade em relação ao ensino tradicional. O saber passa a ser construído com base na troca e em relações mais igualitárias. Segundo Silva (2006), para que a interatividade ocorra é preciso haver uma atitude intencional de comunicar-se com o outro. É comum encontrarmos nas 26 práticas tradicionais de EAD modelos em que a emissão não está conectada com a recepção, impedindo, portanto, que o processo de interatividade ocorra. De acordo com Cabral e Cavalcante (2012), na Educação on-line, é por meio da linguagem escrita que o professor poderá transmitir que está aberto ao diálogo, demonstrando que deseja estabelecer uma parceria. Trata-se de um processo complexo, já que nem o professor nem o estudante estão acostumados a conviver com esta condição de igualdade, sem a presença do componente autoritário que tradicionalmente é atribuído ao professor. No atual contexto, o professor precisa desenvolver competências para estimular a postura crítica e investigativa do estudante, bem como conviver com a ambivalência, da concordância ou discordância, que passam a ser expressas pelos alunos na construção coletiva do conhecimento. Apesar da entrada de novos elementos na EAD, como as tecnologias de informação e comunicação (TICs), o papel do professor foi ampliado. É possível que, na história da educação, o professor nunca tenha assumido um papel tão essencial como na atualidade. Wedemeyer (1977) apresentou o conceito de estudo independente que consiste em processos educacionais nos quais educadores e aprendizes realizam suas atividades separadamente, diversificando as maneiras de comunicar-se. Daí surgiu a ideia de criação de uma educação superior que oferece mais liberdade e oportunidades, fora do campus presencial. Moore (2007) interessou-se pela teoria da autonomia de Wedemeyer (1977) e aprofundou seus estudos nesta área. Segundo Moore (2007), a distância transacional é uma variável relativa e não absoluta, ocorrendo, portanto em diferentes intensidades, principalmente no que se refere à relação entre alunos e professores. A partir daí o autor propõe que estas relações sejam analisadas com base em três elementos: o diálogo educacional, a estrutura dos programas e o grau de autonomia do aluno. Embora os termos diálogo e interação tenham significados semelhantes, podem-se destacar algumas diferenças entre eles. O diálogo é uma interação que possui qualidades positivas. É intencional, construtivo e valorizado pelas partes envolvidas. O diálogo em uma relação educacional deve estar voltado para a aprendizagem do aluno e as condições para que aconteça devem estar determinadas, dentre outros, pelos seguintes fatores: filosofia educacional do projeto 27 do curso; características pessoais do professor e do aluno; ementa do curso; e o meio de comunicação. Se o modelo de EAD adotado utiliza apenas meios de via única de comunicação, tais como a televisão, o vídeo ou um livro autoinstrucional, a possibilidade de ocorrer diálogo fica bastante limitada, uma vez que os alunos não podem enviar mensagens aos professores. Pode-se considerar, que mesmo no ensino por correspondência havia uma troca, embora reduzida e lenta, entre professor-aluno, realizada pelo correio. Além disso, a leitura de textos pode proporcionar uma interação silenciosa e interior entre o aprendiz e o autor do conteúdo. Os meios altamente interativos de teleconferência eletrônica, a audioconferência e os meios de comunicação on-line, síncronos e assíncronos, facilitam a transposição da distância transacional (MOORE,2007) e permitem um diálogo mais intenso e dinâmico. Mesmo que alguns programas tenham um potencial elevado de interação, esta pode não ocorrer porque os professores não se encontram em condições de explorar sua interatividade. Além disso, os alunos podem não desejar o diálogo com seus professores. A interação varia também em função da natureza do conteúdo, por exemplo, conteúdos das áreas de Ciências Sociais e Educação normalmente requerem mais diálogo do que conteúdos das áreas exatas como Matemática, onde a abordagem é mais centrada no professor. Em função de suas características pessoais, há alunos que preferem programas mais dialógicos, com pouca estrutura, enquanto outros apresentam um melhor aproveitamento em programas mais estruturados com pouco diálogo. Um dos fatores determinantes para reduzir a distância transacional (MOORE,2007) é ampliar as possibilidades de diálogo nos cursos a distância. Segundo Anderson (2003), a interação pressupõe que o diálogo ocorra de maneiras diferenciadas em um cenário inovador, onde a Educação possa articular-se com as tecnologias visando reduzir o afastamento físico entre o professor e o estudante. A estrutura de um programa educacional é influenciada pelos meios de comunicação empregados. Quando um programa privilegia a estrutura e reduz as possibilidades de diálogo professor-aluno, aumenta a distância transacional (MOORE, 2007) entre alunos e professores. No planejamento de um curso a distância, deve ser enfatizada estruturação do conteúdo a ser estudado, para superar a distância transacional da melhor forma possível. 28 Outro desafio da educação é estruturar o desenvolvimento de habilidades cognitivas de nível mais elevado, como por exemplo, a capacidade de análise e crítica dos estudantes. Em consequência desta necessidade de estruturação, os programas de Educação a distância são desenvolvidos tendo como base um processo colaborativo, envolvendo equipes compostas de diferentes categorias profissionais tais como: desenhistas instrucionais, especialistas em tecnologias educacionais e autores de conteúdo. Os programas desta modalidade de ensino também podem ser analisados a partir do grau em que o professor ou o aluno exercem o controle sobre o processo de aprendizagem. A autonomia em relação ao programa desenvolvido ocorre quando é o aluno e não o professor quem decide sobre os objetivos, as experiências de aprendizagem e a avaliação. Quanto maior a distância transacional (MOORE, 2007), mais o aluno terá necessidade de exercer esta autonomia. Cabe aqui uma questão fundamental: a Educação a Distância torna o aluno mais independente? Esta ideia de independência do aluno associada à Educação a distância, tomou força nos anos 70, antes do surgimento das novas tecnologias interativas, como a internet. Como não havia tecnologia disponível capaz de privilegiar a interação, esta não era enfatizada nos programas de EAD. Assim, nos anos iniciais, “o estudo independente e o aprendizado privado, desenvolvidos pela EAD, desafiariam a necessidade de interação em educação” (MAIA e MATTAR,2007, p.8). O potencial do aluno para assumir a responsabilidade de aprendizagem autônoma pode influenciar significativamente a distância transacional (MOORE, 2007) em qualquer programa educacional. As modernas tecnologias provocam mudanças nos papéis do aluno e do professor gerando a necessidade de desenvolvimento de novas competências. O professor passa a ser um guia, trabalhando lado a lado com o aluno. Este, por sua vez, deve estar aberto a compartilhar suas experiências profissionais e pessoais com o professor e com o grupo de alunos. É preciso também que se sinta à vontade para utilizar recursos básicos de comunicação pela internet e que seja capaz de comunicar-se virtualmente, podendo prescindir do contato visual e auditivo. Além disso, necessitam desenvolver a capacidade de reflexão e análise crítica para que possam 29 dialogar com os professores, elaborar questionamentos e construir novos significados para os conteúdos. Para aprofundar o tema da interação em EAD, citamos a seguir as três gerações que foram apresentadas por Anderson e Dron (2011), para descrever os principais modelos pedagógicos que coexistem, atualmente, na EAD: 1ª geração: behaviorismo/cognitivismo O conceito de behaviorismo foi apresentado por John Watson, em 1913, no artigo Psychology as the behaviorist views it publicado no periódico Psychological Review, e tem como foco o estudo de comportamentos resultantes de respostas em relação aos estímulos externos. Fundamenta-se na definição de objetivos de aprendizagem mensuráveis e observáveis, desconsiderando os aspectos estruturais de cada indivíduo que podem influenciar suas atitudes e capacidades. Esta teoria deu origem ao cognitivismo, no final da década de 1950. As funções cerebrais passam a ter um papel primordial na aprendizagem e os modelos computacionais começam a ser aplicados intensamente na pesquisa e avaliação educacional. O professor assume o controle do processo neste modelo que introduz novos fatores determinantes da aprendizagem tais como: a capacidade de aquisição de conhecimentos, a motivação e outros aspectos atitudinais. Nos modelos de ensino a distância que são baseados nas abordagens behavioristas e cognitivistas o professor está no centro do processo de transmissão do conteúdo. Predominam os conteúdos estruturados e a aprendizagem individual. A comunicação professor-aluno é reduzida e há baixa interação social no grupo. 2ª geração: socioconstrutivismo O socioconstrutivismo de Vygotsky (1896-1934) foca nas construções e interações que ocorrem no processo educacional. As principais publicações surgiram no Brasil a partir dos anos 70 e 80, introduzindo a utilização de novas tecnologias na comunicação como elementos mediadores da interação interpessoal e de atividade conjunta do aluno com o professor e demais colegas. Neste caso o professor afasta-se do controle e passa a atuar como guia. De acordo com Coll: Segundo essa perspectiva, o professor aparece caracterizado como tutor ou orientador e seu papel consiste basicamente em acompanhar o processo de aprendizagem do aluno, mantendo diferentes graus de envolvimento no processo, cedendo o controle ao aluno quando este é capaz de assumi-lo e recuperando o papel de guia quando o aluno necessita. (COLL, 2010, p.123) 30 Os alunos são orientados a dar significado aos conteúdos e passam a ser os agentes do processo ensino-aprendizagem. O professor tem o papel de facilitador e precisa disponibilizar a tecnologia para o aluno de modo a possibilitar a reorganização de suas funções cognitivas. Pode-se observar, portanto, que neste modelo a aprendizagem inclui as dimensões afetivas e de autorregularão, além das cognitivas. Parte-se do princípio de que os estudantes são dotados de estilos próprios de aprendizagem e a flexibilização é possibilitada pelas características das tecnologias da informação e comunicação. Coll (2010) destaca as seguintes competências a serem desenvolvidas pelo professor: possibilitar que o aluno aproprie-se do conteúdo a partir da proposta de atividades que permitam a construção individual do conhecimento; incentivar a solicitação de assessoria e apoio por parte do aluno, a partir da forma como planeja suas atividades. assegurar o compromisso do aluno e sua continuidade no processo de aprendizagem; facilitar o acesso do aluno aos conteúdos de aprendizagem a partir da orientação adequada quanto ao uso das tecnologias e ferramentas disponíveis. Coll (2010) denominou de triângulo interativo a relação entre professor, aluno e conteúdos, nos cursos a distância de orientação socioconstrutivista. Refere-se a uma relação complexa onde o aluno tem o papel de aprendiz, o conteúdo é o objeto de estudo e o professor auxilia o aluno a atribuir significados aos conteúdos. Segundo o autor: A partir da orientação construtivista e sociocultural a aprendizagem é entendida como resultado de uma relação interativa entre professor, aluno e conteúdos – o triângulo interativo. Essa interação é um processo complexo que resulta da inter-relação dos três elementos: o aluno, que aprende desenvolvendo sua atividade mental de caráter construtivo; o conteúdo, que é objeto de ensino aprendizagem; e o professor que ajuda o aluno no processo de construção de significados e de atribuição de sentido aos conteúdos de aprendizagem. (COLL, 2010, p.125) 31 Acrescenta ainda que esse processo reflete-se na interatividade resultante da articulação dos desempenhos dos docentes e estudantes em relação aos conteúdos a serem aprendidos e ao desenvolvimento do processo de construção do conhecimento. Entende-se, portanto, que é competência fundamental do professor identificar e ajustar-se às necessidades de auxílio demandadas pelos alunos a partir do processo de interação que se estabelece entre eles. De acordo com Paulsen (1992), é preciso que o professor virtual avalie as condições de participação dos alunos não só em função de seus, conhecimentos e necessidades, mas também a partir do interesse em relação ao envolvimento com o grupo, visando à construção social do conhecimento e da atividade comunitária. 3ª geração: conectivista Esta pedagogia surge na atualidade, a partir de 2003, quando foi iniciada a era da construção do conhecimento em rede. Esta geração destaca a presença social e o capital social e permite que o indivíduo busque as informações de que precisa, por meio de diversos tipos de interações em redes que possibilitam a inclusão de alunos atuais, do passado e especialistas que contribuem para o alcance dos objetivos de aprendizagem. Segundo Mattar (2012), o aluno precisa saber pesquisar e aplicar o conhecimento onde e quando necessário. No conectivismo considera-se que grande parte do processamento mental e da resolução de problemas pode ficar sob a responsabilidade das máquinas. As ferramentas de comunicação em rede assumem um papel fundamental por permitirem que a presença social seja enfatizada por meio de comentários e contribuições de participantes que já concluíram o curso, que permanecem na rede para fornecer subsídios à aprendizagem dos alunos atuais. Dron (2006) afirma que as atividades realizadas pelos usuários anteriores tornam-se caminhos que novos usuários podem trilhar para chegar ao conhecimento. Dron & Anderson (2009) acrescentam que este processo gera um coletivo emergente, que pode tronar-se uma entidade socialmente constituída, no entanto, sem alma, que reflete a mente do grupo, mas não dialoga. Neste modelo, alunos e professores colaboram para criar o conteúdo de estudo, no processo de re-criar esse conteúdo para uso futuro por outros. O principal problema consiste em que a estrutura do conteúdo que emerge da rede é distribuída de forma desigual, podendo dificultar o alcance dos objetivos de aprendizagem. 32 A partir destas gerações podemos analisar o perfil e as competências dos professores e alunos em relação ao processo de interação em EAD. De acordo com Coll (2010), a educação precisa formar o estudante para que seja capaz de organizar e atribuir significado e sentido à informação. Sendo assim o professor necessita dominar e valorizar não só um novo instrumento, mas uma nova cultura de aprendizagem. Na percepção do autor é necessário que o professor desenvolva as seguintes competências: colocar a tecnologia a serviço do aluno, enfatizando o uso dos recursos de consulta e assessoria que as tecnologias oferecem. criar um contexto que possibilite reorganizar as funções cognitivas do aluno. reduzir sua interferência no processo ensino-aprendizagem elaborar propostas que criem condições para que o aluno se aproprie do conteúdo a partir de uma atividade construtiva individual. garantir o envolvimento do aluno no processo de aprendizagem. As principais questões que se apresentam aqui são: como preparar o estudante para conviver com a incerteza do conhecimento e desenvolver suas visões de mundo baseadas em critérios significativos? Coll (2010) afirma que estas questões deram origem ao surgimento de novos espaços formativos de caráter flexível que reduziram as limitações de tempo e espaço da escola tradicional. É preciso rever diante desta realidade, a dinâmica da interação entre professor, aluno e conteúdo para encontrar os novos caminhos da Educação a Distância. Assim, o ciberespaço vem oferecendo um campo de expansão para as teorias psicológicas, particularmente as interacionistas de Vygotsky e Piaget, que destacam a interatividade como fator primordial para o processo de aprendizagem. Cabe ressaltar que os modelos que historicamente foram um marco inicial da Educação a distância, e que ainda permanecem presentes, são baseados nas escolas behavioristas e cognitivistas, determinados pelo estado da arte das tecnologias de comunicação e informação da época. Pode-se considerar que tais modelos apresentam características predominantemente totalitárias, uma vez que o processo educacional está focado na transmissão do conhecimento, colocando o aluno como um receptor passivo, sem possibilidade de interferir de forma dinâmica e significativa 33 no conteúdo transmitido. É possível ainda aperfeiçoar tais modelos naquilo que oferecem como contribuições para a Educação a Distância. 1.3 A expansão do ciberespaço e as novas possibilidades de deliberação coletiva As novas aplicações da computação social que, a partir de 2004, passaram a ser denominadas de Web 2.0, constituem um ambiente de interação que compartilha de maneira colaborativa as memórias coletivas, de modo que “as distinções de status entre produtores, consumidores, críticos, editores e gestores da midiateca se apagam em proveito de uma série contínua de intervenções onde cada um pode desempenhar o papel que desejar” (LÉVY e LEMOS, 2010, p.11). Estas condições passam a alterar a própria cultura da era digital, introduzindo formas diferenciadas de comunicação nas quais os conteúdos são elaborados e disponibilizados pelos próprios usuários. Como afirmam Lévy e Lemos (2010) nem todos os grupamentos sociais formados na internet podem ser considerados como comunitários. As comunidades virtuais e as redes sociais do ciberespaço necessitam que seus participantes compartilhem um espaço telemático e simbólico estabelecendo uma ligação afetiva que possibilite a integração de seus membros durante um período de tempo. As principais características desta fase de expansão das redes sociais são a transparência das informações e a possibilidade de multiplicar rapidamente os contatos que interferem na disseminação de novas ideias e comportamentos. A computação social passa então a ser um importante fator para ampliar a inteligência coletiva. Segundo Lévy e Lemos, As novas mídias interativas com funções pós-massivas são, mais do que informativas, verdadeiras ferramentas de conversação. Essa é uma das características que as diferenciam das mídias de função massiva de caráter mais informativo. No espaço midiático das mídias de massa, a conversação só acontece em um segundo momento (...) as funções pós-massivas, que caracterizam de forma hegemônica o ciberespaço e vão se expandir no futuro por sua característica eminentemente conversacional (bidirecional, interativa e aberta, planetária), implicam debates e conversas ou não mediadas, ou mediadas pelos agentes da conversação e assim não são mais controladas por centros editores de informações. (LÉVY e LEMOS, 2010, p.70) 34 As mudanças trazidas pela computação social, de acordo com Lévy e Lemos (2010), não estão relacionadas somente à forma como as mídias são utilizadas, mas principalmente ao modo de produção e disseminação das informações. As singularidades são mantidas quando se entrelaçam no espaço virtual, sem perder a dimensão local na produção de conteúdos. Da mesma forma podemos considerar que é possível fazer uso das redes sociais na EAD, sem perder as singularidades dos sujeitos produtores dos conteúdos, que apesar de estarem distantes geograficamente, vivendo em culturas diferenciadas, têm condições de manter uma conexão intensa no diálogo educacional. Lévy e Lemos afirmam que: Essa nova “ecologia” midiática evolui de um sistema centrado em um polo emissor, sem possibilidade de conexão e configurando massas de usuários, para um sistema onde qualquer um pode, com poucos recursos, produzir informações, cooperar, adicionar e criar processos coletivos e inteligentes. Pode-se assim transformar a “massa” em “produtores” de conhecimento. (LÉVY e LEMOS, 2010, p.77) Assim, a expansão dos recursos interativos e colaborativos da web determina a liberdade de expressão no ciberespaço. Segundo Lévy e Lemos (2010), a mutação das mídias faz com que, potencialmente, todos os atores sociais possam libertar-se do polo de emissão, tornando-se mais autônomos e independentes. Essa nova dinâmica provoca a ampliação da capacidade de produzir coletivamente e tem como consequência uma reconfiguração dos espaços público, social, cultural e político. É tempo, portanto, de refletirmos sobre as possibilidades da Educação on-line frente ao surgimento destas novas mídias que resultam numa aprendizagem coletiva com mudanças significativas nas interações e conexões possíveis entre professores e alunos no ato educativo. As redes sociais foram amplamente incorporadas aos ambientes virtuais de aprendizagem disponibilizando formas de compartilhamento de conteúdos não somente entre alunos e professores de um mesmo grupo, mas também com as demais comunidades interligadas a determinadas áreas de conhecimento. Apesar desta revolução da comunicação no ciberespaço e dos inúmeros recursos interativos que ele oferece, ainda encontramos argumentos contrários às possibilidades de se educar a distância que se baseiam na ausência física do professor e na falta de interação e de contato pessoal nesta modalidade de ensino. 35 É importante ressaltar que, “sobre o novo território virtual, as proximidades são semânticas e não mais necessariamente e unicamente geográficas ou institucionais” (Lévy e Lemos, 2010, p.105). Desta forma, o ciberespaço redefine as proximidades, sem eliminá-las. A tendência futura é que as novas práticas sociais e comunicacionais mantenham os modelos de EAD em permanente mutação. Concluindo podemos afirmar que, para diferenciar uma comunidade virtual de um agrupamento eletrônico é preciso que haja compartilhamento de interesses, intimidade e permanência nas relações. As redes sociais não sobrevivem sem incentivo contínuo à participação de seus membros. No âmbito da Educação a distância, o professor assume um importante papel como incentivador dos alunos no processo de aprendizagem colaborativa disponibilizado nas redes sociais. Nesta dissertação, como já foi dito, abordaremos a interação professor-aluno nos cursos on-line, considerando o estado da arte da Educação a distância, a partir de uma reflexão baseada nos conceitos psicanalíticos de pulsão de saber e transferência. 36 2 CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA EDUCAÇÃO ON-LINE 2.1 Desejo de saber Neste capítulo abordaremos ideias da psicanálise que julgamos poder contribuir para a construção do pensamento sobre Educação a distância que desenvolvemos no presente estudo. Freud, em seu texto Sobre as teorias sexuais das crianças (1908), tomando por base a observação direta das crianças, os relatos dos neuróticos adultos durante o tratamento psicanalítico e as lembranças inconscientes traduzidas em material consciente resultantes da psicanálise de neuróticos, faz um exame minucioso da curiosidade infantil sobre o sexo e analisa a natureza das teorias sexuais infantis. Na verdade, estas teorias representam a base de todo o desenvolvimento intelectual posterior e influenciam diretamente o processo de solução de problemas que o sujeito desenvolverá até sua vida adulta. São as primeiras questões que a criança está realmente interessada em resolver e nas quais investe esforços para realizar suas descobertas. Em função das variações individuais no comportamento sexual das crianças, Freud optou por apresentar o texto de acordo com os períodos da infância, definidos em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (Freud, 1905). Afirma que todas as crianças consideradas mentalmente normais têm interesse pelas questões sexuais nos anos que precedem a puberdade. O autor argumenta que é possível “utilizar as comunicações dos neuróticos a respeito de sua infância para delas inferir, por analogia, conclusões sobre a vida infantil normal” (FREUD, 1908, p. 192). Considera que a diferença dos neuróticos para os normais é que as pessoas sadias conseguem superar seus complexos sem danos graves na vida prática. Os neuróticos, no entanto, por apresentarem uma precocidade em relação à expressão da pulsão sexual, permitem uma melhor observação da atividade sexual infantil. Freud (1908) focou neste trabalho o desenvolvimento sexual masculino. A curiosidade sexual das crianças não surge espontaneamente, aparece a partir das pulsões egoístas que podem surgir, por exemplo, a partir da chegada de um novo bebê. O temor pela perda da atenção dos pais e a presunção da necessidade de compartilhar seus bens com o recém-chegado despertam suas 37 emoções. Daí surge o primeiro grande problema que dá origem à pergunta: De onde vêm os bebês? Ao exigir diretamente uma resposta dos pais ou dos responsáveis que, a seus olhos representam a fonte de todo o conhecimento, a criança recebe respostas evasivas ou uma explicação mitológica como a lenda da cegonha. Segundo Freud (1905), estas respostas não são satisfatórias para a maioria das crianças, gerando dúvidas que não ousam admitir abertamente. Assim surge nas crianças a desconfiança dos adultos e a suspeita que estes lhes escondem algo proibido. Como consequência elas passam a manter em segredo suas investigações posteriores. O complexo nuclear da neurose é formado a partir deste ponto, constituído por um conjunto de opiniões recalcadas e inconscientes resultantes do conflito psíquico determinado pelo trabalho de investigação infantil. Com o conhecimento de que os bebês crescem no interior do corpo da mãe, a criança passa a elaborar falsas teorias que lhe são impostas por sua própria sexualidade. Freud (1905) descreve as três teorias sexuais infantis que considera fundamentais: 1ª – Consiste em atribuir a todos, inclusive às mulheres, a posse de um pênis. 2ª – Consiste na teoria cloacal, ou seja, na crença de que os bebês nascem pela passagem anal. 3ª – Consiste na concepção sádica do coito, que pode surgir quando a criança testemunha acidentalmente uma relação sexual entre os pais. A primeira dessas teorias pressupõe que na infância o pênis é o mais importante objeto sexual erótico. O menino, ao atribuir um elevado valor ao pênis, não consegue imaginar que uma pessoa semelhante possa ser desprovida dele. No caso do Pequeno Hans, Freud (1909) transcreve o seguinte diálogo entre o menino e sua mãe, que ilustra esta primeira teoria: Noutra ocasião, ele estava olhando insistentemente sua mãe despida, antes de ir para a cama. ‘Para que você está olhando para mim desse modo?’, ela perguntou. Hans: ‘Eu só estava olhando para ver se você também tem um pipi.’ Mãe: ‘Claro. Você não sabia?’ Hans: ‘Não. Pensei que você era tão grande que tinha um pipi igual ao de um cavalo.’ (FREUD, 1909, p.19) 38 Ainda no caso Hans, Freud descreve que quando o menino tinha três anos e meio foi visto por sua mãe enquanto se masturbava. Ela ameaçou-o com as palavras: Se fizer isso de novo, vou chamar o Dr. A. para cortar fora seu pipi. Aí, com o que você vai fazer pipi? Hans: ‘Com meu traseiro.’ (FREUD, 1909, p.17) O autor considera que nessa ocasião Hans adquiriu o complexo de castração que é frequentemente identificado na análise dos neuróticos. Na segunda teoria sexual formulada pela criança, ela acredita que o bebê se desenvolve no corpo da mãe e é expelido pela passagem anal, anulando, portanto, a existência da vagina. Sendo assim, o menino pode imaginar que também tenha condições de ter filhos e que este não é um privilégio das mulheres. Caso a teoria cloacal do nascimento seja preservada após a infância a ela pode associar-se uma solução semelhante à dos contos de fadas: a ingestão de uma determinada comida ocasiona a concepção de uma criança. Para o menino não basta saber que o bebê se forma dentro do corpo da mãe. Ele continua sua investigação buscando verificar como ele chega lá dentro e o que provoca o seu desenvolvimento. No entanto, suas descobertas não são bem sucedidas em função da teoria de que a mãe possui um pênis, como um homem, o que o impede de perceber a existência de uma cavidade que acolhe o pênis. Esses esforços fracassados têm um efeito limitador no seu trabalho intelectual posterior aplicado à solução de problemas, o que certamente será um fator determinante sobre o futuro da criança. Na terceira das teorias sexuais as crianças podem interpretar o ato de amor como um ato de violência, após presenciarem a relação sexual entre os pais. Ela tende a perceber a mãe numa posição defensiva e o pai numa posição agressiva. Também pode imaginar que o ato que presencia à noite é uma continuidade dos conflitos que assiste durante o dia. Neste caso é possível que repita as brigas nas suas relações sociais. A questão da natureza e do conteúdo do estado de casamento também atrai a atenção da criança. Ela vê no matrimônio uma promessa de prazer que acredita estar relacionada com a ausência de pudor. 39 Ainda no caso do Pequeno Hans (Freud, 1909), o menino relata para seu pai: “gostaria de estar fazendo algo com minha mãe, algo proibido; eu não sei o que é, mas sei que você está fazendo isso também” (FREUD, 1909, p.112). Na fase da pré-puberdade, por volta dos dez ou onze anos, os assuntos sexuais começam a aproximar-se das crianças. Normalmente aquelas menos inibidas informam às demais aquilo que sabem. Elas descobrem a existência da vagina e sua finalidade; porém, as revelações que trocam entre si são mescladas, muitas vezes, com ideias falsas e resíduos de teorias sexuais infantis anteriores. Agora o obstáculo para a compreensão de todo o processo é o desconhecimento do sêmen. As teorias agora não são mais primitivas como as da primeira infância, que podiam ser expressas sem inibições. Os esforços intelectuais posteriores das crianças para decifrar os enigmas do sexo dependem da natureza do esclarecimento que a criança recebe e o seu significado está relacionado à possibilidade de fazerem aflorar os traços, que se tornaram inconscientes, do primeiro período infantil de interesse sexual. Muitas vezes essas investigações estão associadas a uma atividade sexual masturbatória e podem determinar certo afastamento emocional dos pais. Isto fundamenta a opinião de alguns professores que consideram que o esclarecimento nessa idade corrompe as crianças. É necessário também observar o modo como as crianças reagem à informação recebida. O recalque sexual acentuado pode fazer com que essas crianças permaneçam ignorantes mesmo na vida adulta, até que o conhecimento originado na primeira infância venha à luz por meio da psicanálise de neuróticos. A curiosidade sexual das crianças pode determinar Inúmeras reações posteriores. No entanto, nos primeiros anos da infância suas reações eram uniformes, sendo possível garantir que “todas elas tentaram ansiosamente descobrir o que os pais faziam um com o outro para terem bebês” (FREUD, 1908, p.204). Segundo Freud (1905), entre os três e cinco anos de idade, inicia-se na criança a pulsão de saber que não está exclusivamente subordinada à sexualidade, entretanto suas relações com ela são particularmente significativas. A psicanálise demonstra que, “na criança, a pulsão de saber é atraída, de maneira insuspeitadamente precoce e inesperadamente intensa, pelos problemas sexuais, e talvez seja até despertada por eles” (FREUD, 1905,p.183). A primeira pergunta que a criança tenta responder não diz respeito à diferença sexual, mas sim à origem dos bebês. Freud (1908) afirma que a 40 intensidade com que as pessoas se interessaram, no período pré-púbere, por esta questão, há muito sucumbiu ao recalcamento. Fora da análise, é raro haver lembranças de uma investigação correspondente nos primeiros anos da infância. A partir daí, surgem as teorias iniciais sobre o nascimento tais como, a criança é concebida quando a mãe ingere determinado alimento (como nos contos de fada) e nascem pelo intestino, quando as fezes são expelidas. Em contrapartida, a criança tem dificuldade em aceitar o fato de haver dois sexos. O menino considera que todas as pessoas têm os órgãos genitais semelhantes aos seus, não admitindo a falta destes órgãos nas pessoas do sexo oposto. O complexo de castração inicia com a suposição de uma genitália masculina idêntica em todos os seres humanos. Esta é a primeira das teorias sexuais infantis. As meninas, ao avistarem a genitália dos meninos passam a invejá-lo, dando origem ao desejo de ser também um menino. Outro fato importante que desencadeia a investigação intelectual infantil ocorre quando, na primeira infância, a criança assiste à relação sexual entre adultos. Elas passam a encarar o ato sexual num sentido sádico. A psicanálise considera que essa impressão pode provocar um deslocamento sádico posterior do alvo sexual. Freud (1908) destaca que, apesar dos esforços das investigações infantis, ainda permanecem desconhecidos para as crianças dois elementos fundamentais: o papel do sêmen na fecundação e a existência do orifício sexual feminino. Esta frustração pode levar à renúncia em relação à procura de respostas e, como consequência, muitas vezes determina um prejuízo permanente para a pulsão de saber. A solidão é uma característica da investigação sexual da infância e pode implicar em autonomia e afastamento em relação ao grupo social. No caso do Pequeno Hans, pode-se observar claramente a estreita relação existente entre o desejo de saber e a necessidade de respostas às indagações a respeito da sexualidade. A curiosidade de Hans voltava-se principalmente para seus pais, como ilustra o texto a seguir: Ele se deparou com o grande enigma: “de onde é que os bebês vêm”, que é, talvez, o primeiro problema a ocupar os poderes mentais de uma criança, e do qual o enigma da Esfinge tebana provavelmente não é mais do que uma versão distorcida. Ele rejeitou a solução 41 oferecida, a de a cegonha ter trazido Hanna. Pois ele tinha notado que, meses antes do nascimento do bebê, o corpo de sua mãe tinha crescido. (....). Foi capaz de imaginar o ato de dar à luz como um ato de prazer, relacionando-o com seus próprios primeiros sentimentos de prazer ao evacuar. (FREUD, 1909, p.120) Segundo Freud (1909), os primeiros conflitos de Hans surgiram a partir do Édipo, pois percebeu que seu pai, a quem amava desde a infância, tinha a ver com o nascimento de Hanna, sua irmã mais nova. Seu ressentimento contra o pai era não só por ter-lhe mentido em relação à cegonha quando pesquisou a origem dos bebês, mantendo o conhecimento afastado dele, mas também por mantê-lo mais distante de sua mãe, na medida em que, quando estava por perto, o menino se ressentia de receber menos atenção dela, colocando seu pai na posição de rival. O desejo de saber reforça a continuidade da investigação do Pequeno Hans no sentido de descobrir o que sua mãe poderia ter feito para ter um bebê. No entanto, a crença de que ela possuía um pênis, impossibilitou a descoberta de qualquer solução, aumentando a intensidade do conflito. A partir daí sua neurose passa a estar relacionada ao problema de saber se sua mãe gostava de ter filhos ou era obrigada a tê-los. Freud afirma ainda que, Sua tentativa de descobrir o que era que tinha de ser feito com sua mãe a fim de que ela pudesse ter filhos afundou para o seu inconsciente; e seus dois impulsos ativos – o hostil em relação a seu pai e o sádico-terno em relação a sua mãe – não podem ser postos em uso – o primeiro, por causa do amor que existia lado a lado com o ódio, e o segundo, por causa da perplexidade na qual suas teorias sexuais infantis o deixaram. (FREUD, 1909, p.121) Seguindo este caminho o autor conseguiu reconstruir “os complexos e desejos inconscientes, o recalque e o redespertar do que produziu a fobia do Pequeno Hans” (FREUD, 1909,p.121). Com a intenção de vingar-se de seu pai por ter sido enganado com a fábula da cegonha, Hans apresentou fantasias com mentiras muito evidentes, como se quisesse dizer a seu pai: “se você realmente pensou que eu era tão estúpido assim, e esperava que eu acreditasse que a cegonha trouxe Hanna, então, em troca, eu espero que você aceite as minhas invenções como sendo verdade” (FREUD, 1909, p.117). 42 De acordo com Freud (1909), esta atitude vingativa de Hans em relação a seu pai originou a fantasia de importunar e bater nos cavalos. Considera também que esta fantasia estava associada a desejos sádicos voltados para sua mãe. A partir das teorias sexuais infantis aqui resumidamente apresentadas, é possível obter importantes insumos que poderão ajudar a identificar o objeto da pulsão epistemofílica (desejo de saber), bem como o seu destino no desenvolvimento do indivíduo. Segundo Santiago (2005), Freud considera que a sublimação da pulsão sexual procura eliminar a sexualidade do pensamento. O principal objetivo da pulsão do saber passa a ser a investigação da satisfação que está presente na curiosidade intelectual. O autor afirma que na verdade não existe pulsão de saber na teoria freudiana das pulsões, ela surge a partir da pulsão escópica. As teorias criadas pelas crianças visam a esclarecer a origem de sua existência e buscam descobrir como puderam transformar-se em seres de desejo. O autor considera que não é possível encontrar resposta na pedagogia para esta indagação e que a circunstância que desencadeia o interesse da criança pelo mundo é a possibilidade de surgir outro bebê na família, o que está relacionado ao desejo dos pais de ter outro filho. A partir desta constatação com base na teoria freudiana, Santiago declara que: Por conseguinte, a questão sobre a origem concerne, também, ao desejo dos pais. Parece que, a partir de um certo momento, a criança põe em questão a possibilidade de ela preencher, com sua existência, o espaço vazio do desejo que leva um homem e uma mulher a se transformarem em pai e em mãe. O contato da criança com o mundo inaugura-se, então, da hiância que se abre acerca de seu lugar junto ao par parental, não sem angustia, pois essa hiância já é uma forma de subjetivação da falta, que Freud também nomeia “complexo de castração.” (SANTIAGO, 2005, p.126) Santiago (2005) acrescenta que a partir do surgimento da pulsão de saber, a criança abandona o autoerotismo como a única forma de obter satisfação e começa a interessar-se pelo mundo a sua volta. Em suas investigações ela tende a considerar a presença ou a falta do órgão fálico como o único referencial para classificar as informações. Santiago (2005) exemplifica este interesse com o caso do Pequeno Hans, na obra de Freud (1909). Declara que Hans inicialmente considera que todos os seres são providos de um pênis. Classifica as pessoas em animadores, ou inanimados, tendo como parâmetro a existência ou a falta do falo. A seguir, Hans começa a investigar a diversidade entre os sexos, tendo como foco a compreensão de como ocorre a reprodução humana. A partir destas considerações 43 Santiago (2005) constata como a curiosidade sexual está relacionada à evolução da cognição e à atividade intelectual infantil. As pesquisas sexuais das crianças estão voltadas a descobrir o que é capaz de manter o desejo no nível do inconsciente. A principal busca consiste, portanto, em identificar em que se baseia o desejo inconsciente de saber sobre castração. A autora afirma ainda que, o insucesso das teorias sexuais infantis, que não conseguem obter as respostas que procuram, pode causar uma deterioração permanente do desejo de saber e acaba tornando-se o padrão do desenvolvimento intelectual que o indivíduo irá adotar na sua vida adulta. Destaca ainda que a criança, ao constatar a castração da figura materna, tende a abandonar sua investigação por sentir-se imobilizada diante da descoberta. Ela é tomada por dúvidas e incertezas que a levam a experimentar seu primeiro fracasso intelectual e consequentemente a abandonar a pesquisa em andamento. Santiago (2005) afirma ainda que a ação do recalque sobre a pulsão sexual afasta seus objetivos dos objetos parciais que lhe deram origem. Cordié (1996), com base em indagações apresentadas pelas crianças, considera que a pulsão do saber está relacionada à pulsão de vida e refere-se não somente ao conhecimento em geral, mas também ao saber inconsciente. Desta forma, na psicanálise, esta pulsão parece estar também relacionada ao saber que o sujeito atribui ao analista e associada, portanto, ao processo de transferência. O objeto da pulsão do saber pode ser reconhecido a partir de questões tais como: o que acontece com o corpo, com as origens, com o sexo, com a morte? Freud considera que a inteligência da criança é despertada pela curiosidade sexual, não só no que diz respeito às origens, mas também no que se refere ao prazer e ao gozo. Destaca nos Três Ensaios que esta pulsão está ligada diretamente à sublimação da analidade e ao escópico (energia do desejo de ver). Segundo Cordié (1996), a problemática edipiana é determinante para alimentar este saber sexual que pode ser ilustrado com as seguintes indagações: O que deseja a mãe? Como apropriar-se do saber do pai? Como escapar à castração? O desejo de aprender da criança estará relacionado à suas descobertas em relação ao lugar que ocupa na economia libidinal de seus ascendentes: que interesse eles têm pelo saber? O que acontece com seu amor pelos livros? Sabemos bem o que é o objeto desejado pelo outro que se torna desejável. O bebê procura apropriar-se da caneta com a qual sua mãe escreve, do livro 44 que ela lê e não de um outro. É assim que o professor pode fazer nascer o amor pelo saber quando ele próprio conhece esta paixão. (CORDIÉ, 1996, p.155). Segundo Freud (1921), a identificação enfatiza a importância do outro na constituição do “eu” e na subjetividade. A partir da influência do grupo surgem no indivíduo mudanças que podem causar a intensificação da emoção, a redução da capacidade intelectual, a dependência e a falta de controle emocional. Concentra sua investigação nas relações amorosas e nos laços emocionais presentes nos grupos. Considera que a identificação é canibalística, isto é, permite que o sujeito se modifique pela incorporação de traços oriundos de outras pessoas. Em consequência da frustração que ocorre quando as pulsões sexuais dirigidas aos pais são impedidas de obter satisfação em função da ameaça de castração, a identificação surge para resolver o complexo de Édipo, representando o abandono das satisfações que a criança gostaria de realizar. A questão da identificação, portanto, é apresentada como uma expressão resultante da tensão da realização de desejos recalcados, tornando-se fundamental para que se compreendam os mecanismos de contextualização do indivíduo no grupo e na cultura. O caso de Leonardo da Vinci, estudado por Freud em 1910, é apresentado para ilustrar a importância da identificação na superação do conflito edipiano, além de procurar explicar suas inibições na vida sexual e na atividade artística. Para o autor a originalidade da experiência de vida de Leonardo da Vinci e o processo de criação de suas obras, consistiam num material bastante rico para aprofundar suas descobertas. Leonardo combinava diversas habilidades num só indivíduo, com um talento versátil e muita sabedoria, tendo sido um dos exemplos mais brilhantes de sua época. No entanto, segundo Freud (1910), sua personalidade não foi compreendida por seus contemporâneos. A dificuldade e demora de Leonardo em concluir suas obras de arte levaram muitos de seus admiradores a acusá-lo de inconstância. Segundo Freud (1910), suas obras refletiam o que não conseguia realizar. Possuía uma visão da perfeição, sem nunca conseguir satisfazer-se. Levou três anos inteiros para pintar a “Última Ceia” para o Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão. 45 Freud (1910) observou em seu estudo sobre Leonardo da Vinci a existência de ambições enormes, difíceis de serem alcançadas, e uma inibição que o levava a não conseguir uma execução definitiva, para a qual o autor não encontrou justificativa. Associou a demora na conclusão de suas obras a um possível desinteresse pela pintura. Cita uma afirmação de Leonardo que pode ajudar a compreendê-lo melhor: Não se tem o direito de amar ou odiar qualquer coisa da qual não se tenha conhecimento profundo. Na verdade, o grande amor surge do conhecimento profundo do objeto amado e, se este for pouco conhecido, o seu amor por ele será pouco ou nenhum…” (FREUD, 1910, p.83) Na visão de Freud (1910), no entanto, esta afirmação não parece verdadeira. O autor considera que, na verdade, os seres humanos tendem a amar impulsivamente, movidos por emoções e não por ações associadas ao conhecimento. Considera que no caso de Leonardo, os afetos foram controlados e subjugados pelo desejo de saber: (...)ele não amava nem odiava, porém se perguntava acerca da origem e do significado daquilo que deveria amar ou odiar. Parecia, assim, forçosamente, indiferente ao bem e ao mal, ao belo e ao horrível. Durante esse trabalho de pesquisa, o amor e o ódio se despiam de suas formas positivas ou negativas e ambos se transformavam apenas em objeto de interesse intelectual. (FREUD, 1910, p.83) Para Leonardo, era por meio da aquisição do conhecimento que o afeto recalcado podia expressar-se livremente. De acordo com Freud (1910), o adiamento do amor até o seu pleno conhecimento constitui um processo artificial que se transforma em uma substituição. Como consequência a vida amorosa do artista foi empobrecida, se comparada com a de outros de sua época. Além disso, a investigação não substituiu somente a ação, mas também a criação. As pesquisas de Leonardo deixaram de ser dirigidas ao interesse de sua arte e foram substituídas pelo amor ao estudo. A partir deste processo realizou importantes descobertas para a humanidade estendendo suas pesquisas a quase todas as áreas da ciência social, “até chegar ao ponto de escrever em seu livro, com letras enormes, a sua descoberta: Il sole non si move (FREUD, 1910, ps.84 e 85). Freud (1910) considera que sua ânsia de conhecimento foi sempre dirigida ao mundo exterior e nunca para a alma humana. Afirma ainda que, quando uma única 46 pulsão apresenta uma influência exagerada no caráter de uma pessoa, deve-se procurar explicação numa predisposição especial. Acrescenta que a maioria das pessoas, por meio da sublimação, dirige parte da pulsão sexual para sua atividade profissional. Pode ocorrer a substituição do seu objetivo primário por outros que não sejam de natureza sexual e que possam assumir uma importância significativa. Ainda segundo o autor, quando o período de investigação sexual infantil chega ao fim, após intenso recalque sexual, a pulsão epistemofílica poderá ser dirigida a três destinos, resultantes de sua relação com interesses sexuais, conforme descrição a seguir: 1º. Inibição neurótica que ocorre quando a necessidade de investigação está presente no destino da pulsão sexual. Neste caso poderá haver uma redução da curiosidade e consequentemente uma limitação da liberdade da atividade intelectual durante toda a vida. 2º. Predomínio do desenvolvimento intelectual em relação ao recalque sexual. As atividades investigativas em relação à sexualidade, que foram recalcadas, surgem do inconsciente, de forma distorcida e sem liberdade, incorporando o prazer e a ansiedade que se manifestam nos processos sexuais. Desta forma a intelectualização ocupa o lugar da satisfação sexual. 3º. Recalque sexual atuante acompanhado de sublimação da libido que é convertida em curiosidade, estabelecendo uma ligação com a pulsão de saber para se fortalecer. A pesquisa torna-se compulsiva e funciona como substitutivo para a atividade sexual, como no segundo caso, mas, devido à sublimação ao invés de um retorno do inconsciente, a neurose não se apresenta. A pulsão tem liberdade para agir a serviço do interesse intelectual, mas o recalque sexual continua influenciando para mantê-la distante dos temas sexuais. Santiago (2005) declara que, de acordo com a teoria freudiana, a sublimação é o destino que mais privilegia o desejo de saber, e também o mais almejado pela cultura. Sua principal característica consiste na intervenção do recalque sem que o desejo seja remetido novamente ao inconsciente. Santiago (2005) cita que “não é difícil imaginar o sexual e o intelectual caminhando de maneira sobreposta, quando o recalque, por sua ação, subtrai apenas o sexual, deixando livre curso ao intelectual.” (SANTIAGO, 2005, p. 129). Dessa forma a libido ao invés de ser 47 recalcada, é sublimada e se junta à pulsão de saber para intensificá-la. A partir deste processo, o pensamento pode agir livremente, afastando-se da pesquisa sexual infantil e dirigindo-se aos interesses intelectuais. O autor afirma que os dois outros destinos da pulsão citados por Freud (1910) caracterizam a inibição sexual e são maneiras neuróticas de constituir o pensamento. Nos dois casos, o recalque age simultaneamente no desejo de saber e na pulsão sexual, fazendo com que as duas pulsões compartilhem seus destinos. As principais características da inibição neurótica são: a redução do desejo de saber e a limitação da liberdade intelectual. Santiago alerta para o fato de que os efeitos dos limites impostos ao pensamento podem ser agravados no ambiente externo, a partir do recalque imposto pela educação dos pais ou pela religião, podendo atingir os níveis que caracterizam o pensamento débil (Denkschwache). Este tipo de inibição pode ser identificado na impotência frente ao desejo, que caracteriza a histeria. Santiago (2005) coloca que a compulsão neurótica a pensar, faz com que a atividade intelectual resista ao recalque. Esta informação é baseada na suposição de que o desenvolvimento intelectual é bastante forte para limitar a influência do recalque. Neste destino a investigação sexual que foi recalcada na infância volta do inconsciente, tornando o pensamento sexualizado. Assim, são transferidas para as atividades intelectuais o prazer e a angústia que surgiram nas investigações que foram interrompidas na infância. A falta de finalização das pesquisas se reproduz na atividade intelectual adulta, mantendo a solução que se procura encontrar cada vez mais afastada. Este processo caracteriza a manifestação do desconforto do neurótico obsessivo no que diz respeito ao desejo. O autor acrescenta ainda que esses destinos do desejo de saber expressam a posição do indivíduo em relação à dificuldade de resolver sua curiosidade intelectual infantil. São eles que determinam como suas atividades intelectuais serão desenvolvidas na vida adulta. Segundo Freud (1910), se considerarmos a pulsão de pesquisa e a atrofia da vida sexual de Leonardo da Vinci, teremos uma tendência a classificá-lo no terceiro tipo, como neurótico obsessivo. Suas pesquisas podem ser comparadas à meditação obsessiva dos neuróticos e suas inibições. A pulsão de ver e a de saber foram as mais ativadas pelas suas impressões infantis mais remotas. Afirma que: A essência e o segredo de sua natureza parecem derivar do fato que, 48 depois de sua curiosidade ter sido ativada, na infância, a serviço de interesses sexuais, conseguiu sublimar a maior parte da sua libido em sua ânsia pela pesquisa. (FREUD, 1910, p.88) Para provar esta hipótese, seria necessário conhecer o desenvolvimento mental durante os primeiros anos da infância de Leonardo da Vinci, o que o autor considera uma tarefa difícil por se tratarem de circunstâncias pouco conhecidas pelos pesquisadores. Assim, Freud (1910) considera que a figura de Leonardo da Vinci é apresentada de forma fria e estranha, ao invés de uma figura humana com a qual pudéssemos nos relacionar. Lamenta o fato dos observadores sacrificarem a verdade e abandonarem a oportunidade de penetrar nos segredos da natureza humana. Os acontecimentos acidentais de sua infância tiveram sobre ele um efeito forte e perturbador. Leonardo manteve-se afastado do pai, talvez até os cinco anos, em função da sua origem ilegítima, ficando entregue “à carinhosa sedução de uma mãe para quem ele, talvez, fosse o único consolo” (FREUD, 1910, p.136). Após o recalque dos seus excessos infantis, na puberdade, Leonardo estava capacitado para viver em abstinência e dar a impressão de ser uma criatura assexuada. Segundo Freud (1910), a curiosidade sexual precoce de Leonardo da Vinci fez com que a maior parte das necessidades da sua pulsão sexual fosse sublimada numa ânsia de saber, para fugir do recalque. Sua atrofiada vida sexual adulta foi orientada por uma parte muito menor de sua libido que permaneceu dirigida aos fins sexuais. O autor observou ainda que o recalque, a fixação e a sublimação absorveram as contribuições da pulsão sexual para sua vida mental. Tornar-se artista, pintor e escultor decorreu provavelmente de um talento específico que pode ter sido enfatizado, nos primeiros anos de sua infância pelo despertar antecipado de sua pulsão escopofílica, ou seja, da satisfação sexual a partir de estímulos visuais. No início da puberdade, Leonardo trabalha sem inibição, mas o recalque de uma vida sexual real não oferece as condições favoráveis para as tendências sexuais sublimadas, determinando falhas no desempenho de suas atividades e na sua tomada de decisão. O processo que o levou a abandonar as artes e tornar-se um pesquisador teve origem na sua primeira infância. Esta substituição regressiva, 49 com a perda do substituto do seu pai, assumiu proporções cada vez maiores. Mas a fase de pesquisa, em substituição à criação artística, apresenta características de impulsividade, insaciabilidade, rigidez de comportamento e dificuldade de adaptação às circunstâncias reais. Já na faixa dos cinquenta anos, Leonardo passou por uma nova transformação ocasionada por mais uma regressão, que favoreceu o desenvolvimento da sua arte que se encontrava atrofiada. O encontro da mulher que lhe despertou a lembrança do sorriso feliz e sensual de sua mãe possibilitou que retomasse o estímulo que o guiava no princípio de suas tentativas artísticas, na época em que retratou mulheres sorridentes. Nesta fase pintou a Mona Lisa, a Sant’Ana com Dois Outros e a série de retratos misteriosos caracterizados pelo sorriso enigmático. Mais uma vez conseguiu dominar a inibição na sua arte. À medida que sua idade foi avançando, esta última fase tornou-se imprecisa para os observadores. Sua produção intelectual elevou-se a um alto grau de realização chegando a elaborar uma concepção do mundo que ultrapassou em muito os limites da sua época. A partir do estudo de Freud (1910), pode-se constatar que alguns fatos foram determinantes na formação do caráter e no destino de Leonardo da Vinci. “O recalque sexual que se estabeleceu depois dessa fase de sua infância levou-o a sublimar sua libido na ânsia de saber e a estabelecer sua inatividade sexual para o resto de sua vida” (Freud,1910,p.139). Com base nesta experiência, Freud pretende demonstrar que “mesmo que a psicanálise não esclareça o poder artístico de Leonardo, pelo menos torna, para nós, mais compreensíveis suas manifestações e suas limitações” (FREUD, 1910,p.140). Cordié (1996) apresenta um estudo sobre os elementos pulsionais presentes na inibição intelectual, tais como: o objeto oral, que estabelece o laço entre o comer e o aprender; o objeto escópico que relaciona o desejo de ver com o desejo de saber e a pulsão anal que pode ser considerada como determinante da atividade intelectual, se for observado o prazer que a criança manifesta ao adquirir o domínio do corpo, dos objetos e do mundo ao seu redor. A autora acrescenta o falo imaginário e a paixão de saber como elementos pulsionais das atividades cognitivas. Considera que o saber substitui o falo imaginário na medida em que, como observou Freud (1910), a excitação sexual pode estar relacionada à produção intelectual. 50 Além disso, segundo a autora, o trabalho intelectual e o sucesso escolar estão associados aos ideais parentais e às identificações ou recusas subsequentes. O desejo de saber, quando se torna uma paixão, pode fazer esquecer tudo o que está relacionado ao inconsciente. A partir da investigação sobre o tipo de satisfação que pode ser obtida pelo saber, a autora apresenta uma escala de valores no gozo que o saber traz. Considera que, na criança, o surgimento do prazer ocorre a partir das manipulações próximas da analidade, levando em conta o domínio que é requerido por elas. O saber escolar não dá esta satisfação imediata e pode tornar-se um objeto sublimado, onde o gozo é deslocado para estruturas simbólicas complexas. É importante ressaltar que o saber e o sucesso escolar são elementos que entram na constituição do narcisismo, portanto, se há “perturbações nas metamorfoses do objeto, o sujeito reencontra a angústia, a inibição e constrói, às vezes, um sintoma” (CORDIÉ,1996,p.163). Segundo a autora, este mecanismo inibidor pode paralisar todo o investimento intelectual, levando o sujeito à debilidade. Certamente a Psicanálise pode contribuir para a compreensão do funcionamento mental e inconsciente dos sujeitos envolvidos no processo educacional nas suas relações com o desejo de saber. No entanto, para que isto se torne possível o educador precisa apropriar-se do saber psicanalítico. Freud, em seu texto Interesse pedagógico (1913), afirma que os pedagogos precisam aprofundarse na alma infantil e que a maior dificuldade dos adultos em compreender as crianças é porque não conseguem compreender a sua própria infância. 2.2 Transferência A psicanálise enfatiza o papel significativo do professor na emergência do desejo de saber. De uma maneira geral, as escolas presenciais tendem a relacionar as dificuldades de aprendizagem à indisciplina em sala de aula, ao desinteresse das famílias pelo acompanhamento da produção escolar dos alunos e muitas outras causas. Na Educação a Distância, no ensino superior, costuma-se relacionar as dificuldades de aprendizagem à falta de tempo dos alunos para dedicar-se ao estudo, em função de outros afazeres e responsabilidades que assumem simultaneamente, tais como trabalho e família. Também são considerados fatores 51 restritivos a indisciplina para organizar-se num sistema que necessita de autonomia, já que os controles são mais livres do que no ensino presencial, a dificuldade de comunicação virtual e a falta de experiência dos professores para comunicar-se e esclarecer as dúvidas dos alunos por meio das Tecnologias de Educação e Comunicação. Neste trabalho pretendemos enfocar, dentre os fatores já bastante estudados, como os mestres podem contribuir para uma maior produtividade do ensino a distância, tomando como base referências da Psicanálise. Depois que a psicanálise formulou o conceito de inconsciente, houve uma mudança na concepção do sujeito, o homem deixou de ser visto de uma forma exclusivamente racional e passou a ser considerado como um ser onde as pulsões exercem sua determinação, assim como os significantes que o determinam. Neste capítulo fazemos uma reflexão sobre o papel desempenhado pela transferência, na sua relação com o desejo, nos processos pedagógicos. Enquanto na psicanálise ela é considerada essencial para que o tratamento possa ocorrer, na educação a sua importância na criação das condições necessárias à aprendizagem, parece não ser ainda bastante reconhecida, dificultando sua definição como um recurso fundamental para que o desejo de saber possa emergir. Segundo Kupfer (1995), existe uma troca entre os inconscientes do professor e o do aluno permitindo que a transferência aconteça a partir de um traço do professor que, para o aluno, é símbolo de um desejo inconsciente. “A transferência permite a passagem do horror ao saber (efeito de sua negação) ao amor dirigido ao saber que é o suporte do tratamento psicanalítico” (QUINET, 2008, p.20). Freud em seu texto Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914), apresenta um exemplo muito interessante e significativo que demonstra o funcionamento da transferência professor- aluno no interior das instituições de ensino. Relata que, foi enquanto estava na escola que, por influência de seus mestres, entrou em contato com seu desejo de contribuir significativamente para a ampliação do conhecimento humano. Afirma também, que este foi um fator determinante para as suas escolhas futuras em relação a tornar-se médico e dedicar-se à pesquisa, o que culminou com a criação da psicanálise. Neste texto, afirma que “é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres” (FREUD, 1914, p.248). Para ele, as emoções presentes nestes primeiros contatos com os professores têm o poder de 52 aproximar ou afastar o aluno dos caminhos que levam à aquisição do conhecimento, podendo inclusive bloqueá-lo, em casos mais extremos. Acrescenta ainda que, nos primeiros anos de vida, são constituídas as formas como os comportamentos futuros serão influenciados a partir da herança afetiva gerada pelas relações com mãe, pai e demais familiares importantes na primeira infância. As escolhas de amizade e amor realizadas posteriormente são influenciadas pelas recordações deixadas por esses padrões iniciais de relacionamento. O menino, ao colocar o pai como seu ideal, tenta ocupar seu lugar e ser como ele quando crescer. Como podemos observar neste texto de Freud (1914), os professores podem vir a ocupar este mesmo lugar, inclusive favorecendo uma separação salutar dos pais. A partir da segunda metade da infância, a criança começa a entrar em contato com o mundo e a desenvolver seu próprio senso crítico. Inicia um questionamento sobre a sabedoria e o poder do pai, que acaba originando um afastamento. É nesta fase que ocorrem os primeiros contatos com os mestres e, muitas vezes, é transferido para eles todo o saber que era atribuído aos pais, bem como o respeito e veneração que a criança lhes dedicava na infância: A necessidade orgânica introduz na relação de um homem com o pai uma ambivalência emocional que encontramos expressa de forma mais notável no mito grego do rei Édipo. Um rapazinho está fadado a amar e a admirar o pai, que lhe parece ser a mais poderosa, bondosa e sábia criatura do mundo. (....) Cedo, porém, surge o outro lado da relação emocional. O pai é identificado como o perturbador máximo da nossa vida pulsional; torna-se um modelo não apenas a ser imitado, mas também a ser eliminado para que possamos tomar o seu lugar. (...) É nessa existência concomitante de sentimentos contrários que reside o caráter essencial daquilo que chamamos de ambivalência emocional. (FREUD, 1914, p.249) Surgem também nas relações dos estudantes com seus professores os sentimentos ambivalentes de amor e ódio que os levam a agir de forma submissa ou opositora, buscando pesquisar detalhes de seu caráter para que possam criticá-los ou orgulhar-se deles. Estes fatores são importantes para que possamos compreender as variações emocionais presentes no relacionamento transferencial dos estudantes com seus mestres, que repetem as que tiveram com seus pais. É preciso destacar que estamos nos referindo à transferência como um processo inconsciente, não intersubjetividade. sendo, portanto redutível a uma interatividade ou 53 Trazendo estes pressupostos para o objeto do nosso estudo, podemos dizer que o desejo de saber que aprofundamos no capítulo anterior é necessário para que o aluno assuma o papel ativo que a Educação a distância preconiza. No entanto, este desejo sofre os efeitos da transferência que se estabelece entre o aluno e o professor no processo ensino-aprendizagem: as ideias, atitudes e, sobretudo, a posição desejante do professor. O desejo de aprender e pesquisar pode surgir no sujeito a partir da transferência com um sujeito desejante, no caso o professor. A transferência, a nosso ver, seria essencial na aquisição do conhecimento, não sendo suficiente que o mestre demonstre o seu domínio sobre a didática e a matéria lecionada. O professor desejante transmitiria este desejo aos alunos, podendo desta forma torná-los, também, desejantes. Assim como uma família desejante possibilita que um filho desenvolva-se como um sujeito desejante. Para ilustrar como a família influi significativamente na função constituinte do desejo, Strauss (2000) relata o caso de um rapaz de aproximadamente dezesseis anos, cuja mãe era sua paciente, que não conseguia realizar nada na vida, abandonou a escola e permanecia isolado de todos, deitado sob o cobertor. A mãe procurou tratamento com o objetivo de ajudar seu filho. Ela ficava amedrontada diante dos conflitos, procurando evitá-los permanentemente com a finalidade de que nada mudasse o curso da sua vida. Conheceu seu marido, pai do rapaz, logo após ter rompido o relacionamento com o homem que amava, por insistência de sua família que não aprovava o namoro. Casou-se com ele apesar de não ter conseguido desligar-se do seu primeiro amor. Sua vida profissional era insignificante e procurou manter-se afastada de maiores responsabilidades, sem investir em promoções importantes. Sua sexualidade era igualmente insossa e desde a adolescência abominava tudo que estivesse relacionado à libido. Ela reconheceu seus bloqueios diante do desejo o que trouxe alguma alteração para a sua vida, refletindo também no estado do seu filho que, depois de muitos percalços foi também para a análise. Seu marido ocupava-se muito no trabalho, permanecia bastante tempo afastado de casa, mesmo quando presente não era participativo e tinha pouco interesse pelas relações íntimas com sua esposa. Era um companheiro adequado para compartilhar com ela seu estilo de vida, desprovido de maiores emoções. Tudo indica que os problemas do casal iniciaram ao entrarem em contato com as dificuldades desse filho que “não se apresentava particularmente vivo, mas, 54 sobretudo como a caricatura dessa ausência de libido, dessa fuga diante da libido” (STRAUSS,2000, p.17). Este se queixou de seus pais e relatou o sentimento de êxito que havia experimentado quando seu pai foi expulso do leito conjugal e ele assumiu o seu lugar, quando era criança. Segundo Strauss (2000), esta situação de permitir que o filho ficasse na cama do casal era interessante para proteger os pais do desejo que estavam sempre querendo evitar. Assim, o que mantinha a relação dos pais era a vontade de escapar do desejo. O filho gerado dessa união apresentou um desejo ainda mais empobrecido, resultando numa total imobilidade diante da vida. No texto Romances familiares, Freud declara que “ao crescer, o indivíduo liberta-se da autoridade dos pais, o que constitui um dos mais necessários, ainda que mais dolorosos, resultados do curso de seu desenvolvimento”. [FREUD,1909 (1908), p.219]. Se nos primeiros anos de vida a criança deseja igualar-se aos pais, nas etapas posteriores do seu desenvolvimento, é importante sua separação quando começa a adquirir maior discernimento intelectual e passa a compará-los com os pais das outras crianças. Inicia-se assim uma fase de questionamentos e críticas tanto em função dos impulsos de rivalidade sexual, como pelo sentimento de não estar recebendo todo o amor que necessita. A partir daí, a imaginação da criança faz um movimento de afastar-se dos pais para substituí-los por outros personagens que fazem parte da sua vida, inclusive o professor. Neste mesmo artigo, Strauss (2000) destaca que a família precisa fornecer o suporte para que o desejo possa emergir após a conscientização de que os pais são imperfeitos, inseguros e não possuem toda a sabedoria que lhes foi atribuída pelas crianças. A elaboração da perda causada pela separação dos pais determina a forma com o sujeito fará suas escolhas e traçará o seu próprio caminho para o crescimento ao longo de sua vida. Para melhor compreensão dos fenômenos subjetivos que estão presentes no processo escolar, analisaremos a evolução do conceito de transferência, seguindo a cronologia de seu estudo na obra de Freud, para identificar o percurso que levou a transferência a ser considerada como uma das maiores descobertas, que mudou os rumos da psicanálise, sendo reconhecida como uma ferramenta essencial para técnica analítica. Freud estava no começo de sua carreira de médico quando, em novembro de 1882, o Dr. Josef Breuer, um renomado médico de Viena que já havia desenvolvido relevantes pesquisas científicas, relatou-lhe o caso de Ana O. (Bertha Papperheim), 55 uma paciente que apresentava sintomas de histeria que desapareciam sempre que os traumas associados a eles eram reproduzidos quando era submetida à hipnose. Freud ficou muito impressionado com este caso e, em 1885, quando estava em Paris estagiando no Hospital Salpêtrière, descreveu-o para Jean Martin Charcot, médico neurologista e professor da faculdade de Medicina de Paris, que se dedicou a estudar diversas perturbações psíquicas, em especial a histeria. O médico, no entanto, não demonstrou interesse pelo assunto. Charcot introduziu a histeria no campo das perturbações fisiológicas, do sistema nervoso e, em função disso, procurou novas formas de intervenção clínica. Freud tornou-se seu aluno e considerava suas aulas muito especiais e marcantes. Ao acompanhar as demonstrações clínicas apresentadas nas aulas práticas de Charcot, até fevereiro de 1886, Freud passou a interessar-se pelas questões relacionadas à histeria que, nesta época, ainda eram bastante enigmáticas, o que influenciou significativamente todo seu trabalho posterior. Conforme relata Garcia-Roza em seu livro Freud e o Inconsciente (2009), Charcot demonstrou a regularidade da sintomatologia do quadro histérico por meio da hipnose, afastando a histeria da psiquiatria e introduzindo-a no campo da neurologia. No decorrer de seus estudos, no entanto, percebeu que a histeria estava relacionada ao desejo do médico e não ao corpo neurológico, já que a sugestão hipnótica permitia o controle da situação. A partir desta constatação Charcot considera o trauma como uma injunção permanente que pode expressar-se por meio de uma manifestação corporal como um sintoma histérico e o estado hipnótico produzido na clínica assemelha-se ao trauma, diferenciando-se dele apenas por ser temporário. “Na medida em que o trauma não é físico, ressurge a necessidade do paciente narrar sua história pessoal para que o médico possa localizar o momento traumático responsável pela histeria”. (GARCIAROZA, 2009, p.34). Assim, foi possível perceber uma importante ligação entre a histeria e a sexualidade. Em 1886, conforme Freud relata em seu texto Artigos sobre hipnotismo e sugestão (1988-1892), quando regressou de Paris, trabalhou como neurologista em Viena e adotou diversas técnicas tais como: eletroterapia, hidroterapia, e curas de repouso para o tratamento das neuroses, até retornar ao hipnotismo. Iniciou sua parceria com Breuer, afastando-se das teorias elaboradas por Charcot. Passou a adotar a hipnose no tratamento de seus pacientes, baseado no método catártico de Breuer que pressupunha que os sintomas da histeria estavam relacionados a 56 traumas passados que haviam sido esquecidos. Sua técnica consistia em procurar reavivá-los na memória do paciente para fazer com que estes sintomas desaparecessem. Freud (1888-1892), no entanto, introduziu a associação livre para eliminar os traumas que afloravam a partir da hipnose, modificando o método adotado por Breuer e colocando-se numa posição mais ativa na condução do tratamento. O contato com pacientes histéricas fez com que Freud refletisse sobre a prática clínica, criando os primeiros alicerces para a psicanálise. Desenvolveu com Breuer uma série de trabalhos publicados nos Estudos sobre Histeria (FREUD,18931895), que deram origem ao abandono da sugestão hipnótica, passando o foco a ser o fluxo das associações livres dos pacientes. O caso clínico que deu início aos estudos de Freud com Breuer foi o de Anna O. (Freud,1893-1895), em que adotou o método catártico, que consistia em possibilitar, por meio de associação livre, a descarga do afeto relacionado ao trauma, enquanto o médico permanecia passivo diante dos fatos narrados pelo paciente, evitando qualquer tipo de influência. Nesta obra Breuer finaliza o relato do caso informando que determinou o término do tratamento quando este completava um ano de duração, em função da mudança da paciente para os arredores de Viena. No entanto, Freud (1893-1895) considera que, o que realmente motivou Breuer a encerrar o tratamento, foi a recusa em reconhecer seu envolvimento emocional com a paciente, considerando que seu interesse por ela tinha um caráter exclusivamente científico. A preocupação excessiva pelo caso de Anna O. foi notada pela esposa de Breuer que tornou-se triste e ciumenta. Este fato fez com que finalizasse a análise da paciente que, em consequência, teve uma de suas piores crises histéricas. Breuer foi chamado para atendê-la e, em seguida, viajou para Veneza em companhia de sua esposa, abandonando definitivamente o tratamento. A partir da identificação dos impasses que fizeram com que Breuer fracassasse no tratamento de Anna O. e do reconhecimento dos afetos que estavam presentes na relação médico/paciente neste caso, bem como nos demais pacientes histéricos que tratou neste período, Freud (1893-1895) começa a identificar a transferência no processo terapêutico, o que indica um investimento afetivo do paciente dirigido ao analista, relacionado a experiências regressivas infantis. Considera que os sintomas se formam por ação do recalque e o mais importante passa a ser o acesso ao inconsciente para lembrar os traumas que determinaram a formação dos sintomas. A transferência constitui-se na diferenciação fundamental 57 entre a psicanálise e os métodos adotados anteriormente. Quando Freud abandona a hipnose após a conclusão dos Estudos sobre a histeria (1893-1895) constata que a eliminação dos sintomas não dependia apenas da lembrança do trauma, mas também, da descarga adequada dos afetos patológicos, que representavam uma compulsão e uma ilusão que desapareciam no final da análise. Constata que isto ocorre por meio da transferência, ou seja, de uma falsa conexão entre alguém do passado, que foi objeto de desejos, e o médico. O paciente desloca para o médico o afeto que era dirigido a figuras que desempenharam um importante papel na sua vida. Este vínculo afetivo, afastado da realidade, que aparece na relação do analista com o paciente, foi denominado por Freud (1893-1895) de transferência. Desta forma o analista passa a ser o intérprete do fato traumático que está sendo vivenciado pelo paciente. Por esse processo a transferência passa a ser a condição necessária para a técnica psicanalítica, sem a qual o tratamento não consegue ser realizado. O autor constatou que o sujeito poderia transferir a energia originada no sintoma neurótico ao analista, para que pudesse ser submetida ao tratamento e devolvida ao paciente. Considera que esta ferramenta possibilita uma atualização dos desejos inconscientes, abrindo caminho para a intervenção do analista no processo terapêutico. A análise da transferência torna-se a condição para progresso do tratamento psicanalítico. É importante destacar que, segundo Freud (1893-1895), este fenômeno está presente em todas as relações, não sendo exclusividade da relação médico/paciente. No texto A psicoterapia da histeria (1893-1895), Freud declara que a possibilidade de conseguir que o paciente acesse suas lembranças pode ser impedida por perturbações no relacionamento entre o paciente e o terapeuta e considera que a transferência para com o médico pode se dar por meio de uma falsa ligação. Cita como exemplo: Numa de minhas pacientes, a origem de um sintoma histérico específico estava num desejo, que ela tivera muitos anos antes e relegara de imediato ao inconsciente, de que o homem com quem conversava na ocasião ousasse tomar a iniciativa de lhe dar um beijo. Numa ocasião, ao fim de uma sessão, surgiu nela um desejo semelhante a meu respeito. Ela ficou horrorizada com isso, passou uma noite insone e, na sessão seguinte, embora não se recusasse a ser tratada, ficou inteiramente inutilizada para o trabalho. Depois de eu haver descoberto e removido o obstáculo, o trabalho prosseguiu e, vejam só!, o desejo que tanto havia assustado a paciente surgiu como sua próxima lembrança patogênica, aquela que era exigida pelo contexto lógico imediato. (FREUD, 1893-1895, ps.313,314) 58 Poderíamos também considerar que esta falsa ligação acontece fora dos limites da psicanálise, na área educacional? É possível que os mestres ocupem o lugar de personagens que fazem ou fizeram parte da vida do aluno no processo ensino-aprendizagem? Se o professor não despertar o interesse do aluno pelo que lhe está sendo apresentado por vivências externas, rejeitando o seu lugar de substituto, isto poderá influenciar negativamente na relação professor-aluno, determinando um afastamento e reduzindo o desejo de saber. Neste caso, como afirma Santiago (2005), quando há o fracasso no processo ensino-aprendizagem, o professor também poderá adoecer e reduzir o seu próprio desejo de saber. Aprofundando suas pesquisas em relação à interferência de fatos anteriores na constituição dos sintomas, Freud, no texto Etiologia da Histeria (1896), considera que os sintomas histéricos estão permanentemente relacionados a recordações do passado e para chegar à origem da histeria é necessário percorrer as cadeias associativas que levam às experiências sexuais ocorridas na primeira infância. Freud, numa carta enviada a seu amigo William Fliess, datada de 31 de maio de 1897, indica que os principais elementos que integram a neurose são os impulsos de hostilidade voltados para as figuras paternas, sendo que no filho estes impulsos estão voltados para o pai, enquanto que na filha, são dirigidos contra a mãe. Começam assim a ser identificados os primeiros indicadores do que Freud futuramente, denominou de complexo de Édipo (FREUD, 1910), demonstrando a importância dada à sexualidade infantil relacionada com o desejo. Em 1900, é publicada, em dois volumes, uma das obras mais significativas da teoria freudiana, que ocupará uma posição de destaque na psicanálise, a Interpretação dos Sonhos (1900,1901). Nesta obra Freud constatou que tanto na psicologia normal quanto na psicopatologia, o sonho assume o papel de realização dos desejos recalcados e, portanto, tem um sentido que pode ser interpretado. A partir daí inicia o desenvolvimento da teoria que modifica a concepção focada na etiologia das neuroses e passa a considerar que os sintomas neuróticos podem ser explicados da mesma forma que os sonhos, numa concepção mais dinâmica, reconhecendo a interpretação dos sonhos como um método importante para chegar ao inconsciente. Esta descoberta contribuiu para que a psicanálise abrisse um novo caminho para o entendimento dos conflitos da primeira infância e suas consequências na vida adulta, o que resultou em importantes revelações com 59 relação à sexualidade infantil relacionada ao desejo. Começam assim a ser identificados os primeiros indicadores do que Freud futuramente denominou de complexo de Édipo no qual os principais elementos que integram a neurose são os impulsos de hostilidade voltados para os pais, sendo que no filho estes impulsos estão dirigidos para a figura paterna e na filha para a mãe. No capitulo Psicologia dos Processos Oníricos (1900,1901), Freud elaborou a primeira teoria do aparelho psíquico que considera que a atividade psíquica é realizada de acordo com um modelo composto por três sistemas, o sistema inconsciente, considerado como sistema primário, sede das pulsões e do recalque, comandado pelo princípio do prazer. O sistema pré-consciente e o sistema consciente nos quais o princípio da realidade se sobrepõe ao princípio do prazer. Freud formula “a subjetividade humana em conflito, estirada em dois topos, designando a divisão do sujeito entre o que ele quer inconscientemente e o que ele conscientemente não quer ou ignora que quer”. (QUINET, 2008, p.23). A representação inconsciente não consegue inserir-se no pré-consciente, a não ser estabelecendo uma conexão com uma representação que já esteja presente no pré-consciente (FREUD,1900,1901). O sonho faz com que a infância reapareça, como uma regressão trazendo à tona o desejo infantil, que estabelece vínculos com os restos diurnos recentes. Assim, Freud retorna ao tema da transferência com uma importante formulação: Aí temos o fato da “transferência’’, que fornece uma explicação para inúmeros fenômenos notáveis da vida anímica dos neuróticos. A representação pré-consciente, que assim adquire imerecido grau de intensidade, pode ser deixada inalterada pela transferência ou ver-se forçada a uma modificação derivada do conteúdo da representação que efetua a transferência. [FREUD, (1900,1901), p.591,592] Desta forma o desejo inconsciente é transferido para os restos diurnos e pode fazer surgir um desejo recente, que procura tornar-se consciente por meio do préconsciente e é submetido à censura. O acesso a estes desejos é dificultado, fazendo com que sejam distanciados dos pensamentos de transferência e podem ficar recalcados no pré-consciente, criando um reservatório de lembranças infantis. Freud cita como exemplo um sonho produzido por uma paciente: Ela sonhou que estava indo ao mercado com a cozinheira, que carregava a cesta. Depois de ela haver pedido algo, o açougueiro lhe disse: “Isso não se consegue mais” e lhe ofereceu outra coisa, acrescentando: “Isto também é bom.” Ela o rejeitou e se dirigiu à mulher que vendia verduras, que tentou convencê-la a comprar uma 60 estranha hortaliça, que vinha amarrada em feixes mas era de cor negra. Disse: “Não reconheço isso: não vou levá-lo.” O comentário “Isso não se consegue mais” provinha do próprio tratamento. Alguns dias antes, eu havia explicado à paciente, com essas mesmas palavras, que as lembranças infantis mais antigas “não se conseguiam mais como tais”, sendo substituídas, na análise, por “transferências” e sonhos. Portanto, o açougueiro era eu. [FREUD, (1900,1901), p. 685] Os sonhos representam um desejo do recalcado e só conseguem reaparecer na consciência de forma disfarçada, apresentando-se como um enigma a ser decifrado pelo analista. O inconsciente não está presente no sonho de forma direta, em função disso, a análise do sonho consiste em identificar as associações que surgem a partir do seu relato, para que o inconsciente possa emergir. Segundo Freud (1900,1901), os sonhos podem ser expressos por meio dos conteúdos manifestos e dos conteúdos latentes, que significam formas distintas de expressão do desejo inconsciente. Os conteúdos manifestos surgem espontaneamente ao despertar enquanto os latentes representam os pensamentos inconscientes. Identifica ainda dois mecanismos que devem ser considerados na interpretação dos sonhos: a condensação e o deslocamento. A condensação tem como principal função sintetizar o conteúdo onírico, fazendo com que os seus relatos sejam rápidos e resumidos, se comparados com o volumoso material que surge na interpretação. Os deslocamentos representam uma alteração do grau de intensidade como os elementos estão constituídos no sonho, de modo que a atenção é atraída para fatos pouco relevantes para desviar o foco do desejo do sujeito. A teoria dos sonhos apresentou, portanto, para Freud (1900,1901), os alicerces e a confirmação de suas ideias sobre o conceito de transferência, bem como de toda a concepção da técnica psicanalítica. Em 1905 é publicado o texto Três ensaios sobre a sexualidade, no qual Freud afirma que a criança tem uma sexualidade perversa e define pulsão como “a impulsão do sujeito que tende à satisfação” (QUINET, 2008, p. 24). Segundo Freud, a sexualidade humana é constituída a partir das pulsões e o sintoma é a forma dos neuróticos satisfazerem suas necessidades sexuais. Os principais conceitos desenvolvidos nesta obra já foram apresentados nesta dissertação, no item sobre o Desejo de saber. A influência dos vínculos afetivos familiares na formação das neuroses é aprofundada por Freud, no texto Fragmentos da análise de um caso de histeria 61 (1905[1901]), no qual apresenta contribuições significativas para a análise da maneira como o complexo de Édipo interfere no processo de transferência. A partir do relato do caso clínico de Dora, uma jovem histérica de 18 anos, atendida por ele no final de 1900, Freud (1905[1901]) fundamentou sua crença de que a transferência que a paciente apresenta durante o tratamento é decorrência de uma repetição de seu relacionamento com o pai na infância. Dora abandona o tratamento três meses após seu início, depois de Freud ter chamado sua atenção para o fato de que a proposta de casamento do Sr. K era verdadeira. Essa interrupção inesperada foi interpretada por Freud como uma revanche pelo fato dele, como seu analista, ocupar o lugar do Sr. K e do pai de Dora, inconscientemente. Ele considera que se tivesse conseguido desvendar a tempo a transferência negativa que estava ocorrendo entre a paciente e ele e demonstrado um interesse mais intenso, provavelmente Dora teria prolongado mais seu tratamento por perceber que sua necessidade de afeto poderia ser resolvida no decorrer do processo analítico. Segundo Freud (1905), a transferência só consegue deixar de ser um entrave na análise, transformando-se em força impulsora determinante, quando o analista consegue percebê-la no momento em que aparece, interpretando-a ao paciente. No caso Dora, desde o começo do tratamento Freud pôde observar claramente que ele ocupava o lugar da figura paterna em suas fantasias. Afirma que Dora, conscientemente, procurava “assegurar-se de minha completa sinceridade para com ela, já que seu pai preferia sempre o segredo e os rodeios tortuosos.” (FREUD, 1905 p.113) A transferência assume um papel primordial na análise, uma vez que é por meio dela que são produzidos os obstáculos ao tratamento e somente após sua solução “surge no enfermo o sentimento de convicção sobre o acerto das ligações construídas [durante a análise]” (FREUD, 1905, p. 112). Segundo ele a análise não cria a transferência, apenas possibilita que seja desvendada assim como acontece com os demais conteúdos da vida psíquica. O paciente tende a realizar de forma espontânea transferências amistosas que auxiliem no seu processo de cura. Quando não simpatiza com o médico sua reação é afastar-se para evitar ser influenciado por ele. É a partir do caso clínico de Dora que Freud (1905) elabora uma das primeiras definições sobre o processo da transferência: 62 O que são as transferências? São reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornarem-se conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico (...). São, portanto, edições revistas e não mais reimpressões. (FREUD, 1905 p.111) Neste ponto, podemos fazer uma importante correlação com o que ocorre na relação professor-aluno. Assim como os personagens da infância são substituídos pela figura do analista no tratamento, é possível que o mesmo processo ocorra no ato educativo, onde o professor passa a ocupar a posição de pessoas da vida pregressa dos alunos com as quais tiveram experiências que foram recalcadas no inconsciente. Alguns anos mais tarde, no texto Cinco Lições de Psicanálise, Freud (1910) declara que Breuer teve uma importante influência na origem dos estudos psicanalíticos, no entanto, considera que sua teoria da hipnose tornou-se superficial e deixou de ser reconhecida pela psicanálise atual. Assim, a parceria de Freud com Breuer não teve continuidade em função de divergências surgidas principalmente em torno do tema da sexualidade. Freud (1910) considera que a transferência ocorre em todos os tratamentos de neuróticos e que a partir dela o paciente atribui ao médico sentimentos afetivos e hostis baseados em fantasias antigas que se tornaram inconscientes. O paciente revive na relação com o psicanalista estas fantasias e só consegue entrar em contato com estes sentimentos sexuais inconscientes quando surgem novamente na transferência. Segundo Freud (1910), somente por meio da transferência os sintomas podem ser eliminados ou transformados. Neste processo o analista traz para si, por um período determinado de tempo, a afetividade do paciente que gradativamente é liberada durante o tratamento. Freud (1910), ainda faz questão de ressaltar que a transferência não é provocada pela psicanálise, ela aparece naturalmente no relacionamento do médico com o paciente da mesma forma que surge nas demais relações humanas, tornando-se o eixo da técnica psicanalítica. O papel do tratamento, portanto, é tornar a transferência consciente para que possa conduzi-la ao objetivo desejado. Se considerarmos que a transferência aparece espontaneamente também na relação professor-aluno, qual seria o papel do professor diante deste fenômeno? É importante que tenha consciência de que os conteúdos afetivos manifestos no processo não são dirigidos à pessoa dele, mas estão presentes na cena de 63 aprendizagem por um mecanismo de transferência, em função de experiências passadas recalcadas que emergem do inconsciente. No texto, As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica (1910), Freud descreve a evolução da psicanálise e afirma que ainda terá que avançar muito para desvelar o inconsciente dos pacientes. Declara que inicialmente o papel do médico era forçar o paciente a falar o máximo possível de si mesmo. Com o avanço da técnica psicanalítica, esta relação médico/paciente tornou-se mais cordial, “o tratamento compõe-se de duas partes - o que o médico infere e diz ao doente, e o que o doente elabora de quanto ouviu” (FREUD, 1910, p.147). O autor constata que por meio deste auxílio intelectual o paciente terá mais facilidade de ultrapassar as barreiras criadas pelas resistências entre consciente e inconsciente. Ainda neste texto, Freud observa que um psicanalista só pode dar continuidade ao tratamento quando consegue superar seus próprios complexos e resistências internas. Coloca a autoanálise como uma condição fundamental para habilitar o médico a conduzir o tratamento com base na técnica psicanalítica. Além disso, o autor declara ser igualmente importante para os bons resultados do trabalho que o paciente aproxime-se por conta própria do material recalcado e estabeleça um relacionamento emocional com o médico que possibilite a transferência. Na obra A Dinâmica da transferência (1912), Freud realiza um estudo teórico sobre o fenômeno da transferência, demonstrando o quanto é fundamental compreender a relação do analista com seus pacientes para que o processo psicanalítico possa ser realizado. Segundo ele, a origem da transferência está no fato de que só uma parte das tendências que determinam a vida erótica do indivíduo realiza a sua evolução completa. Esta parte volta à realidade e constitui-se num dos componentes da personalidade consciente, outra parte permanece ignorada pela consciência. Neste sentido, o indivíduo consegue satisfazer apenas parcialmente a sua libido, que é a energia da vida psíquica. Compreende-se, portanto, que é exatamente esta carga de libido mantida inconsciente pelo sujeito, que não consegue satisfazer-se na sua vida erótica, que é transferida para o médico no processo analítico. De acordo com Freud (1912), a natureza e intensidade da transferência são estabelecidas tanto pelas representações libidinosas conscientes, como também pelas que se encontram no inconsciente. Nesta obra, Freud introduz dois importantes questionamentos que irão fundamentar o desenvolvimento do conceito de transferência: 64 Nada mais haveria a examinar ou com que se preocupar a respeito deste comportamento da transferência, não fosse permanecerem inexplicados nela dois pontos que são de interesse específico para os psicanalistas. Em primeiro lugar, não compreendemos por que a transferência é tão mais intensa nos indivíduos neuróticos em análise que em outras pessoas desse tipo que não estão sendo analisadas. Em segundo, permanece sendo um enigma a razão por que, na análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e condição de sucesso. (FREUD, 1912,p.112) Em relação ao primeiro questionamento constata que é um equívoco pensar que a transferência ocorre mais fortemente na situação analítica do que fora dela. Cita o fato de que nos tratamentos de pacientes com doenças nervosas realizados nas instituições é possível verificar que esse fenômeno ocorre com uma carga mais intensa e de forma mais problemática, apresentando com clareza os componentes eróticos nela presentes. Conclui que “essas características da transferência, portanto, não devem ser atribuídas à psicanálise, mas sim à própria neurose” (FREUD, 1912, p.113). Quanto à segunda questão que consiste em saber por que a transferência aparece na psicanálise como resistência, Freud (1912), considera que quando surge no processo analítico do paciente algum material passível de ser transferido para o terapeuta, essa transferência pode surgir como resistência, de diversas formas, como por exemplo, por uma interrupção no tratamento. O autor declara que o material transferido pode tornar-se consciente sobrepondo-se às demais associações e satisfazendo a resistência porque: “quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação” (Freud, 1912,p.115). Após o vencimento desta fase, as demais etapas do tratamento poderão ser vencidas com maior facilidade, tendendo para uma situação em que todos os conflitos serão superados com base na transferência. Na concepção de Freud (1912), portanto, a intensidade e o prolongamento da transferência são proporcionais à manifestação da resistência. Assim, a explicação da influência da transferência na cura só pode ser obtida a partir da análise de suas relações com a resistência. Neste ponto, percebe pela primeira vez a necessidade de distinguir a transferência positiva da transferência negativa. Na positiva são colocados os sentimentos amistosos ou afetuosos e na outra os sentimentos hostis. Freud (1912) considera, ainda, que a transferência positiva pode expressar-se de 65 forma consciente e tem sua origem em fontes eróticas. Desta forma, segundo o autor, é possível concluir que a simpatia, amizade, confiança e outros sentimentos desta natureza, estão associados à sexualidade e as pessoas estimadas e respeitadas podem continuar sendo percebidas pelo nosso inconsciente como objetos sexuais. Assim, de acordo com Freud (1912) no processo analítico, a confiança que o paciente demonstra em relação ao seu médico, bem como a disposição em agir de forma colaborativa, podem estar associadas às pulsões sexuais dirigidas às figuras paternas que foram sublimadas na infância. Quem transfere é a criança do sujeito da transferência, o que se transfere é o que há de mais infantil dentro de cada um. Ao mesmo tempo em que se coloca como a resistência mais forte ao tratamento, é reconhecida como um substrato do efeito terapêutico e condição de sucesso. Apesar de tratar-se de um fenômeno natural, o analista opera com a transferência para transformá-la numa neurose de transferência. Ele precisa administrar a transferência para que possa lidar com a resistência e reconduzir o paciente para o processo de cura de modo a tornar conscientes os motivos que o levaram a interromper o fluxo de associações livres. Segundo Freud: Esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura da ação, é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada - vitória cuja expressão é a cura permanente da neurose. Não se discute que controlar os fenômenos da transferência representa para o psicanalista as maiores dificuldades; mas não se deve esquecer que são precisamente eles que nos prestam o inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos ocultos e esquecidos do paciente. (FREUD, 1912, p. 119) Destaca que tudo que se refere à situação atual representa uma transferência para o analista que pode servir como uma resistência inicial e recomenda que o analista inicialmente aceite o desafio de enfrentar a neurose para que possa encontrar rapidamente o caminho para chegar ao material patológico do paciente. Em seu texto Recomendações aos médicos que exercem psicanálise (1912), Freud destaca que o paciente necessita de tempo para estabelecer uma relação com o analista, onde as resistências possam ser dissipadas gradativamente. Recomenda que os médicos, no início do tratamento, assumam uma postura compreensiva e evitem expressar pontos de vista moralizadores. Desta forma, 66 acredita que o paciente poderá espontaneamente estabelecer um vínculo entre o terapeuta e as pessoas que lhe dedicaram afeto na infância, tornando-se mais confiante na relação para dar continuidade ao trabalho terapêutico. Considera que as resistências que surgem durante o tratamento analítico podem ser ultrapassadas por meio da transferência, indicando o caminho a ser seguido e fornecendo informações ao paciente no momento adequado. Freud (1912) destaca também que é importante despertar o interesse e a compreensão intelectual do analisando para que possa vencer suas resistências. “O paciente, contudo, só faz uso da instrução na medida em que é induzido a fazê-lo pela transferência; é por esta razão que nossa primeira comunicação deve ser retida até que uma forte transferência se tenha estabelecido”. (FREUD, 1912, p.158). Na obra A história do Movimento Psicanalítico (1914), Freud considera que o recalque é a base de toda a estrutura psicanalítica e destaca a importância de vencer as resistências que surgem em consequência dos conteúdos recalcados no inconsciente. Segundo ele: O surgimento da transferência sob forma francamente sexual seja de afeição ou de hostilidade – no tratamento das neuroses, apesar de não ser desejado ou induzido pelo médico nem pelo paciente, sempre pareceu a prova mais irrefutável de que a origem das forças impulsionadoras da neurose está na vida sexual. (FREUD, 1914, p. 23) O conceito de neurose de transferência surge na obra Recordar, repetir e elaborar (FREUD, 1914), onde o autor faz uma análise do desenvolvimento da técnica psicanalítica, desde o método catártico até estabelecer o foco na neurose de transferência. Afirma que na fase inicial a técnica era baseada no método do Dr. Breuer que procurava reproduzir os processos mentais presentes no momento da formação do sintoma com o objetivo de libertar-se de uma ideia ou emoção recalcada a partir da recordação. Após a hipnose ter sido afastada do método psicanalítico, a associação livre passou a ser adotada para descobrir o que o paciente não conseguia lembrar. A interpretação era o recurso utilizado pelo analista para controlar a resistência e revelar os resultados obtidos ao paciente. O interesse pelas causas da formação do sintoma foi mantido, mas a catarse como uma tentativa de liberar a emoção deixou de ser focalizada no processo. O paciente passou a ter que esforçar-se para ultrapassar a censura com a finalidade de realizar as associações livres no processo terapêutico. Assim foi desenvolvida a técnica 67 psicanalítica na qual o analista concentra-se no que está presente no inconsciente do paciente e procura desvendar as resistências emergentes para torná-las conscientes. O processo não consiste em fazer o paciente recordar-se do que esqueceu, mas em fazê-lo expressar-se por meio da ação. Desta forma a repetição ocorre sem que o paciente saiba o que está sendo repetido. Freud (1914) considera que esta compulsão à repetição ocorre não somente na relação do paciente com o médico, mas também nas demais atividades e relacionamentos que fazem parte da sua vida. Podemos aqui fazer uma analogia com o que ocorre na educação, quando um aluno recusa-se a comunicar-se com o professor no início do curso, apesar de provocado por ele para participar das atividades propostas e emitir opiniões. Este comportamento pode ser considerado como uma resistência que deve ser reconhecida e aceita pelo professor, na fase inicial para que o processo ensino-aprendizagem tenha continuidade. Caso o professor tenha dificuldade em lidar com o silêncio do aluno, insistindo de forma autoritária para que ele participe, pode ocorrer aí uma quebra do vínculo professoraluno, causada pela resistência à transferência que ainda não está presente. De acordo com a teoria freudiana, se ocorre uma transferência positiva logo no começo da análise torna-se mais fácil o surgimento das lembranças do paciente à semelhança do que ocorre na hipnose. No decorrer da análise, caso a transferência torne-se negativa, necessitando ser recalcada, a atuação pode substituir o recordar. O manejo da transferência é o principal instrumento da técnica psicanalítica para reprimir a compulsão à repetição e criar a possibilidade de recordar. O autor afirma ainda que: Só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista, trabalhando em comum com o paciente, descobrir os impulsos instintuais recalcados que estão alimentando a resistência; e é este tipo de experiência que convence o paciente da existência e do poder de tais impulsos (...) trata-se da parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão. (FREUD, 1914, ps. 170, 171) Esse manejo citado por Freud (1914) consiste em transformar a neurose comum em uma ‘neurose de transferência’, que pode ser tratada na análise. A transferência possibilita a criação de uma região intermediária entre a patologia e a vida real, onde a doença passa a ser artificial, tornando-se acessível à intervenção do analista que com base nas repetições que surgem na transferência consegue 68 trazer à tona recordações, após a superação das resistências. Freud (1915), em seu texto Observações sobre o amor transferencial, apresenta uma análise das dificuldades que podem surgir quando uma paciente declara, abertamente, durante a sessão, estar apaixonada pelo psicanalista. A partir desta reflexão ele nos apresenta questões importantes sobre como lidar com o amor de transferência, na prática terapêutica em psicanálise. Segundo o autor, de uma maneira geral, os sucessos amorosos ocupam uma posição de destaque na vida dos homens, o que faz com que a questão do amor de transferência mereça uma atenção especial. Inicialmente, ele coloca duas soluções que podem surgir a partir do momento em que a paciente apaixona-se por seu psicanalista: realizam uma união legítima e definitiva ou separam-se e abandonam o trabalho terapêutico iniciado. Na concepção de Freud (1915), a segunda solução é a mais frequente, mas as duas são inadequadas. Uma terceira solução é apresentada como mais indicada à continuidade do processo terapêutico, porém incompatível com a moral vigente e a ética médica: iniciar relações amorosas ilegítimas e passageiras. Considerando a hipótese de separação e interrupção do processo terapêutico, Freud (1915) aponta a possibilidade da paciente se apaixonar também pelos demais médicos que assumirão os seus tratamentos subsequentes, confirmando que o fato não pode ser atribuído às qualidades pessoais dos psicanalistas. Para a paciente esta alternativa pode significar a renúncia definitiva ao tratamento. Freud (1915) também critica o fato de que alguns analistas optam por incentivar o surgimento da transferência amorosa para que a análise possa progredir. Esta técnica, segundo ele, é inaceitável, pois retira da transferência sua espontaneidade e pode criar obstáculos muito difíceis de serem vencidos. Na primeira vez que um analista depara-se com o fenômeno do amor por transferência pode perder de vista a finalidade do seu trabalho e cometer o erro de dar por encerrado o tratamento. Segundo Freud (1915), tudo aquilo que perturba a cura é uma manifestação da resistência e, portanto, influencia diretamente no surgimento das exigências amorosas da paciente. Durante o processo de análise a transferência positiva é traduzida numa atitude dócil, respeitosa, de aceitação e compreensão da paciente em relação ao médico. No entanto, no momento em que a paciente se declara apaixonada pelo médico, tudo isso desaparece, justamente quando está vivenciando uma fase da análise em que iria comunicar uma parte intensamente recalcada da 69 sua história. Aqui o amor de transferência já existiria muito antes de manifestar-se, mas é usado pela resistência para bloquear o processo de cura e colocar o analista em uma situação embaraçosa. Para Freud (1915), portanto, o amor de transferência deve ser conservado e tratado não como algo irreal, mas como uma situação que deverá, fatalmente, ser atravessada na cura, referida às suas origens inconscientes e que ajudará a levar ao domínio consciente os elementos mais ocultos da vida erótica da paciente. Considera ainda que, contra a veracidade do amor de transferência, há o argumento de que ele não surge a partir de elementos novos originados da situação atual. Ele é composto de ecos a reações anteriores, até mesmo infantis. A partir de tais reflexões, Freud (1915) acrescenta que o mais importante neste processo é que o analista consiga liberar o paciente de sua capacidade de amar para que possa fazer uso dela com mais liberdade na sua vida real, após o fim do tratamento. Em 1920, com seu texto Além do princípio do prazer, Freud trouxe uma importante contribuição para a psicanálise, a partir da ampliação da noção de compulsão à repetição. Desde que iniciou a formulação da teoria psicanalítica, Freud descreveu a transferência como uma vivência com o analista de uma repetição do passado. Considerando que o sofrimento das crianças produzido pelo complexo de Édipo é revivido na transferência como uma compulsão, essa experiência traumática é elaborada a partir da repetição, de acordo com a tese apresentada por Freud nessa obra. Até então, o autor considerava que essa compulsão à repetição estava voltada a satisfazer as pulsões que geravam prazer e que o desprazer associado a elas só surgia em função do recalque. No entanto, Freud (1920) percebe que há repetições que, desde a origem, estão vinculadas ao desprazer e passa a considerar que, embora haja uma tendência ao princípio do prazer, há forças opostas que atuam no sujeito impedindo sua satisfação. Assim, o princípio do prazer deixa de ser considerado como a principal origem da neurose, transferindo o foco para um problema de desprazer. Esta concepção foi a base da formulação da segunda teoria das pulsões, que apresenta as pulsões de vida em oposição às pulsões de morte. Freud (1920) apresenta uma importante constatação: o inconsciente não é constituído apenas de material recalcado, há uma parte do eu que permanece inconsciente e que não será reativada para tornar-se consciente. 70 Em 1937, Freud, em seu texto Análise terminável e interminável, coloca que os analistas deveriam estar mais interessados em descobrir quais as dificuldades que devem ser superadas para que o caminho da cura possa ser encontrado do que em procurar saber como ela ocorre. Destaca neste texto a questão da resistência e da transferência tanto positiva quanto negativa. Afirma que para fazer surgir um conflito não manifesto com fins preventivos, durante a análise, podem ser adotados dois meios: tornar o conflito atual e ativo de forma artificial pela transferência ou na realidade, ou debatê-lo com o paciente, para que possa ser despertado na sua imaginação e suas possibilidades reconhecidas na situação de análise. Inicialmente considera a segunda alternativa mais viável uma vez que pode ter como resultado o surgimento do conflito de forma mais moderada, facilitando o tratamento. Porém, baseado em sua experiência clínica, percebe que o fato de acrescentar novos conhecimentos ao paciente não é suficiente para que possa reagir ao conflito. Conclui que é necessário expor o paciente à frustração e ao recalque da libido por meio da transferência para alcançar os resultados desejados no processo analítico. Freud declara ainda que: Procuramos levar esse conflito a um ponto culminante, desenvolvê-lo até seu tom mais alto, a fim de aumentar a força pulsional disponível para sua solução. A experiência analítica ensinou-nos que o melhor é sempre inimigo do bom e que, em todas as fases do restabelecimento do paciente, temos de lutar contra sua inércia, que está pronta a se contentar com uma solução incompleta. (FREUD, 1937, p.248) Considera que quando esclarecemos as dúvidas das crianças sobre as questões sexuais, fornecemos informações novas sobre o assunto, mas dificilmente fazem uso deste conhecimento, pois não abrem mão das teorias sexuais que fazem parte do seu crescimento natural. “Por longo tempo após receberem esclarecimentos sexuais, elas se comportam como as raças primitivas que tiveram o cristianismo enfiado nelas, mas que continuam a adorar em segredo seus antigos ídolos”. (FREUD, 1937, p.250) Freud acrescenta ainda que, ao iniciar o tratamento, o paciente nem sempre tem uma “forte convicção do poder curativo da análise” (Freud, 1937, p. 255), a confiança inicial que deposita no analista é fortalecida pela transferência positiva, mas ao surgirem as transferências negativas provenientes do processo de emersão dos conflitos que se encontravam defendidos, o processo de análise tem a 71 possibilidade de ser totalmente anulado. O paciente pode passar a considerar o analista como um desconhecido que o coloca em situações difíceis e, segundo o autor: (...)comporta-se “como uma criança que não gosta do estranho e não acredita em nada do que este diz. Se o analista tenta explicar ao paciente uma das deformações por este efetuadas para fins de defesa, e corrigi-la, encontra-o incompreensivo e inacessível a argumentos bem fundados.” (FREUD, 1937, p.255) Freud identifica ainda que o paciente apresenta resistências em relação à revelação dos mecanismos de defesa que se manifestam tanto em relação ao processo de conscientização dos conteúdos inconscientes quanto ao próprio tratamento e, consequentemente, à cura analítica. O autor cita o artigo de Ferenzi publicado em 1927, onde este afirma que para obter sucesso numa análise é fundamental dominar o desejo das mulheres por um pênis e o esforço dos homens em não assumir uma atitude passiva. Com base nesta afirmativa, Freud considera que: Em nenhum ponto de nosso trabalho analítico, se sofre mais da sensação opressiva de que todos os nossos repetidos esforços foram em vão, e da suspeita de que estivemos ‘pregando ao vento’, do que quando estamos tentando persuadir uma mulher a abandonar seu desejo de um pênis, com fundamento de que é irrealizável, ou quando estamos procurando convencer um homem de que uma atitude passiva para com homens nem sempre significa castração e que ela é indispensável em muitos relacionamentos na vida. A supercompensação rebelde do homem produz uma das mais fortes resistências transferenciais. Ele se recusa a submeter-se a um substituto paterno, ou a sentir-se em débito para com ele por qualquer coisa, e, consequentemente, se recusa a aceitar do médico seu restabelecimento. (FREUD, 1937, p.269) Segundo Freud (1937), a principal função da resistência é bloquear as possibilidades de mudança, fazendo com que o quadro permaneça inalterado. Só resta aos analistas consolar-se com o fato de que incentivaram seus pacientes a rever e alterar suas atitudes em relação a eles. Finalizando, colocamos uma observação em relação ao tema desta dissertação. É possível surgir uma resistência em relação ao processo de aprendizagem em função da resistência que determina uma não aceitação do professor como condutor deste processo, tal qual ocorre na situação de análise citada acima? Será que o professor não deveria estar ciente de que alguns conflitos que surgem na sua relação com os alunos são transferenciais e, portanto, artificiais 72 e que muitas vezes o material que surge nesta relação é pulsional? No capítulo a seguir apresentaremos algumas reflexões sobre esta questão de modo que os conceitos psicanalíticos aqui apresentados possam contribuir para a compreensão do processo de interação professor-aluno na Educação on-line. 73 3 TRANSFERÊNCIA E DESEJO DE SABER NA EDUCAÇÃO ON-LINE Apesar de Freud não ter dado destaque especial à Educação, pode-se perceber a importância que atribuiu a este tema no desenvolvimento da sua obra. A teoria psicanalítica traz significativas contribuições para a compreensão do processo pedagógico e neste capítulo pretendemos demonstrar porque a transferência pode ser considerada como um fator essencial para garantir o sucesso da aprendizagem e, mais especificamente, como pode contribuir para esclarecer os processos que ocorrem na interação entre professores e alunos na Educação a distância. Conforme apresentado no 2º capítulo desta dissertação, Santiago (2005) descreve três destinos para o desejo de saber, que surgem após o período de recalque sexual da primeira infância, segundo a teoria psicanalítica. São eles: a inibição neurótica, as ruminações obsessivas e a sublimação. Na inibição neurótica tanto a atividade sexual como o desejo de saber são recalcados, inibindo também a curiosidade infantil. Nas ruminações obsessivas, o interesse intelectual sobrepõe-se ao recalque sexual, deslocando a libido para a pesquisa. Neste caso o destino do desejo de saber passa a ocupar o lugar da satisfação sexual. Na sublimação, a energia sexual consegue desviar do recalque, sendo sublimada em curiosidade e pesquisa, desta forma fica dissociada das questões que acompanham a sexualidade infantil e mantém-se livre para atender seus interesses, tornando-se o destino mais favorável ao desenvolvimento intelectual e cultural. A pulsão do saber surge exatamente na fase em que a criança afasta-se do autoerotismo e busca satisfação nos estímulos à sua volta. Os pais são os primeiros a quem dirigem a suposição de saber para obter respostas às suas questões sobre a sexualidade, em seguida entrarão outras pessoas que, na sua percepção, em função de algum traço escolhido inconscientemente, poderão suprir as necessidades do seu desejo de saber. É com estas pessoas que estabelecerá uma relação transferencial que se tornará um pré-requisito essencial para o processo de aprendizagem. Quando inicia sua vida escolar a satisfação da criança consiste em participar do mundo adulto onde acredita que poderá encontrar as respostas às questões que surgiram da angústia gerada pelo complexo de Édipo. Freud (1914) demonstra como as pulsões recalcadas por esse complexo são depositadas no professor, fazendo com que os alunos atribuam mais importância à 74 personalidade de seus mestres do que aos conteúdos que lhes foram ensinados. Na primeira infância a criança ama o pai e atribui a ele todo poder e sabedoria, mais tarde passa a perceber este pai como castrador de seus desejos que nega a satisfação de suas pulsões. Ao ingressar na escola o sujeito percebe que o pai não detém tanto poder e sabedoria quanto imaginava e transfere ao professor os sentimentos de amor e ódio que originalmente foram endereçados aos pais, trazendo os desejos inconscientes para esta relação, o que pode explicar a ambivalência afetiva e os comportamentos indecifráveis que os alunos apresentam na interação com seus mestres ao longo da vida. Neste cenário em que o inconsciente predomina nas relações, a psicanálise coloca na transferência a responsabilidade em manter separadas as práticas psicanalíticas das pedagógicas. É preciso que os educadores reconheçam que tanto o professor quanto o aluno estão submetidos às determinações do inconsciente, que são imprevisíveis e incontroláveis. Freud (1937) afirmou que educar, governar e curar são profissões impossíveis porque remetem à falta e nunca chegam onde pretendem chegar, tornando-se uma busca incessante para preencher uma lacuna permanente. Segundo Lajonquière (2011), o professor procura reviver suas questões infantis projetando-as em seus alunos com o objetivo de recuperar a felicidade que imagina ter perdido na infância em consequência do complexo de Édipo. Isto faz com que os educadores acreditem que a criança deverá tornar-se, no futuro, um adulto plenamente realizado, a quem nada faltará. No entanto, a Pedagogia não consegue colocar em prática esta proposta, pois a sociedade condiciona o sujeito à falta e não permite que o ser humano alcance a completude tão desejada. Para preencher esta falta, o sujeito vai ao encontro do seu próprio desejo, procurando obter afeto e respeito na relação com o outro. Desta forma, em consequência da transferência, outros elementos estão presentes de maneira muito significativa na relação professor-aluno, visto que os inconscientes têm uma participação determinante nos objetivos pedagógicos a serem alcançados. A ilustração a seguir representa a participação dos “outros” no processo educacional. 75 Professor Aluno Outros Outros Criança recalcada e idealizada Produtores e alvos de seus desejos. É exatamente essa transposição do passado para o presente que cria o paradoxo da transferência: ao mesmo tempo em que determina a impossibilidade da educação, é também um pré-requisito para que a aprendizagem possa acontecer. O aluno acredita que o professor pode ajudá-lo a saber sobre o seu desejo, mas esta impossibilidade faz com que a transferência produza uma relação imaginária que provoca um movimento permanente e torna o indivíduo um sujeito desejante. O processo de transferência pode surgir a partir de um traço próprio do professor ou criado pela fantasia do aluno, que passa a ser um fator determinante no processo de aprendizagem. Anny Cordié (1996), em seu livro Os Atrasados não Existem, relata o caso do menino Arthur que apresentava dificuldade de leitura na frente da sua mãe, da sua professora e dos demais colegas de turma na escola. No entanto, conseguia ler com facilidade quando estava sozinho ou na presença da sua reeducadora. Foi encaminhado para a terapia, pela pediatra, porque ficou muito angustiado quando soube que precisaria afastar-se da sua reeducadora, sentindo-se abandonado. No processo terapêutico o menino relatou que a sua mãe não admitia que cometesse falhas nas suas leituras e quando lia para ela ficava atordoado com as críticas e olhares raivosos que lhe dirigia toda vez que errava. Segundo ele, na escola, sua professora repetia o mesmo comportamento de sua mãe, fulminando-o com olhares que o faziam ter muito medo de ler em sala de aula. Já com a sua reeducadora este problema não existia porque, segundo Arthur, o seu olhar doce permitia que lesse com tranquilidade, sem temores. Este caso demonstra claramente como a transferência pode ocorrer a partir de um “traço”, que neste caso foi o “olhar” e como os as figuras parentais se fazem presentes na relação professor-aluno no processo de aprendizagem. O relato a seguir, feito pela aluna “L” do curso de graduação a distância em Letras, ilustra como o desejo de saber pode ser contagiado por um traço do 76 professor nesta modalidade de ensino. Nele podemos constatar como o traço “compromisso” da professora estimulou a aluna a continuar realizando o curso, apesar dos seus problemas pessoais que traziam impedimentos para a continuidade de seus estudos: “A professora “ML” acreditava no que estava fazendo, e quando você acredita é difícil estar errando. Ela acredita de certa forma, também, que a gente tenha possibilidades de concluir o curso. O que me marcou muito foi o compromisso dela, justamente por isso: você vai procurar graduação a distância e se pergunta: será que o professor é descompromissado? Mas o compromisso é igual no presencial e no a distância, a forma de interagir e a metodologia são diferentes, mas são a mesma coisa.” É importante destacar, neste caso, que o desejo inconsciente da aluna foi contagiado pelo traço “compromisso” da professora na interação que estabeleceram durante o curso a distância, a partir de uma característica da professora que foi vinculada inconscientemente a uma vivência familiar do passado da aluna . Este traço possibilitou a transferência e contagiou o desejo de saber influenciando na decisão da aluna em continuar realizando o curso. Não foi a atitude de “boazinha” da professora dando-lhe apoio no momento que precisava de “colo” que determinou a sua influência na decisão da aluna em dar continuidade ao curso, mas a confiança que se estabeleceu durante o processo transferencial. Não há como prescrever uma receita de qual deve ser a atitude do professor para obter melhores resultados. Esta mesma aluna cita o fato de que a professora “ML” não costumava cumprir os prazos de correção das atividades e esclarecimentos de dúvidas no ambiente online, mas isto não afetava o sentimento de admiração e confiança que nutria por ela. Citou o caso de outro professor, que era extremamente cumpridor de todos os seus deveres e que nunca atrasava as correções das atividades e mantinha-se muito assíduo nas suas comunicações com os alunos no ambiente. Ela o considerava um bom tutor tecnicamente, mas não estabelecia com ele um vínculo tão próximo como o que tinha estabelecido com a professora “ML”. O poder do professor tem sua origem num suposto saber que lhe é atribuído pelo aluno, que na verdade representa a sua necessidade em descobrir o que ele sabe sobre o seu desejo. A posição de autoridade do professor é afirmada a partir do processo transferencial que é estabelecido com o aluno. Esta assimetria passa a ser uma das condições primordiais para a instalação da transferência. 77 O depoimento da aluna “F” sobre um professor-tutor do curso de graduação a distância em Administração ilustra esta afirmação: “O “Prof. W” parece muito empolgado com este trabalho, ele nos incita o tempo todo a pesquisar e com isso aprender mais e mais, às vezes até irrita porque temos outras coisas a fazer e o trabalho que ele passa nos toma muito tempo, mas no final existe a compensação, o aprendizado, mas seria bom de leve, muito de leve dar um toque no professor sobre o excesso de pesquisa que ele nos faz fazer”. Na proposta pedagógica atual percebemos que o educador tende a não assumir a sua autoridade e abandona a posição de suposto saber que lhe é atribuída pelos alunos, colocando-se como observador do processo de aprendizagem. Assim, deixa de ser cumprida a primeira condição proposta pela psicanálise: a dependência do aluno em relação ao s a b e r d o professor para que possa compreender o lugar em que está situado no mundo. Além disso, a Pedagogia, com base na crença de que é possível eliminar a falta, procura enquadrar as necessidades dos alunos num ideal pré-estabelecido que tenha por finalidade alcançar a realização tanto do ponto de vista cognitivo quanto emocional. Desta forma o educador submete o conhecimento à natureza do aluno e elimina a assimetria entre eles, já que não se coloca na posição de suposto saber. Como vimos no primeiro capítulo desta dissertação, os modelos atuais de Educação a Distância on-line, influenciados tanto pelas modernas teorias pedagógicas como pelas novas tecnologias de informação e comunicação, tendem a adotar professores-tutores que conduzem os alunos por trilhas de aprendizagem previamente estabelecidas por professores especialistas no conteúdo que não têm a responsabilidade direta pela interação com os alunos. Assim, o professor deixa de ser o centro do processo, colocando-se mais como um intermediador da aprendizagem do que como um sujeito do suposto saber. Cabe aqui uma reflexão sobre as consequências desta postura em relação aos resultados de aprendizagem. O saber que seria atribuído ao professor passa a ser compartilhado com os autores do conteúdo, com os demais alunos da turma e com as comunidades virtuais que possibilitam a aprendizagem em rede. Como afirmam Lévy e Lemos: (...)a nova comunicação pública é polarizada por pessoas que fornecem, ao mesmo tempo, os conteúdos, as críticas, a filtragem e se organizam elas mesmas em redes de troca e colaboração.(...) os valores e os modos de ação trazidos pela nova esfera pública 78 são a abertura, as relações entre pares e a colaboração. Enquanto as mídias de massa funcionavam a partir de um centro emissor para uma multiplicidade receptora na periferia, os novos meios de comunicação social interativos funcionam de muitos para muitos num espaço descentralizado. (LÉVY E LEMOS, 2010, p.13) Desta forma, nas comunidades de aprendizagem os alunos podem encontrar colegas que dominam saberes que lhes são úteis e em função disso entram num processo transferencial com eles, a partir do suposto saber. Assim, a transferência nesta modalidade de ensino passa a ter uma amplitude maior, atribuindo o suposto saber a alvos diferenciados na sala de aula virtual, dependendo de cada situação de aprendizagem proposta. Esta observação é importante porque precisamos localizar a direção do suposto saber, nos diversos modelos de Educação a distância, para compreender como acontecerá a transferência nas interações estabelecidas no processo educacional. É a fantasia do aluno que vincula o desejo de saber ao professor, tornando sem sentido a sua figura real no ato educativo. Na medida em que o professor passa a estar presente no inconsciente do aluno, ele será percebido e escutado a partir deste lugar. É importante que os professores consigam reconhecer que os sentimentos que lhes são dirigidos pelos alunos não estão necessariamente voltados à sua pessoa e que esta relação professor-aluno é diferente das demais que estabelece na sua vida pessoal. Essa compreensão poderá evitar enganos muito comuns de serem observados na relação professor-aluno tanto na sala de aula presencial quanto nos ambientes on-line dos cursos a distância. Além disso, certamente possibilitará uma atuação mais produtiva e menos conflituosa do educador no processo ensino-aprendizagem. Cordiè (1996) considera que o professor, recebe uma carga de exigências dos alunos que estabelecem com ele uma relação repleta de conflitos que podem estar relacionados à necessidade de resolver a problemática edipiana por meio de transferência. Há alunos que amam ou rejeitam exageradamente a figura do professor, neste caso pode-se considerar que a transferência não surge diretamente em função do desejo de saber, mas sim da carência afetiva, comprometendo seriamente a aprendizagem. Surge, assim, a necessidade de esclarecer um engano do professor que considera que tanto o amor quanto a rejeição são dirigidos à sua pessoa por desconhecerem a interferência do inconsciente na relação professor-aluno. 79 É importante destacar que o processo de transferência na Educação é bilateral, podendo ocorrer tanto do aluno para o professor quanto do professor para o aluno. A contratransferência também tem origem no inconsciente e pode fazer com que o professor, tal qual o aluno, traga para o ato educativo as relações que estabeleceu com as figuras parentais na primeira infância, revivendo sentimentos experimentados em função da castração determinada pelo complexo de Édipo. A Pedagogia tem investido em estudos para a criação de estratégias específicas para enfrentar as dificuldades dos professores para lidar com as perturbações decorrentes do excesso de afeto e rejeição dos alunos em sala de aula. Na Educação a Distância observa-se claramente que os alunos exigem mais atenção de seus professores do que nas salas de aula presenciais, talvez porque sintam necessidade de perceber sua proximidade para sentirem-se mais seguros no processo educativo. É muito importante que o educador saiba lidar com estes afetos carregados de sentimentos ambivalentes, para que possa conduzir o processo de aprendizagem, a partir dos vínculos transferenciais estabelecidos com os alunos. Como afirma Kupfer (2007), é o desejo do aluno que produzirá efeitos positivos na aprendizagem, mas, para o professor é difícil suportar o significado que lhe é dado pela transferência. Em consequência desta dificuldade, tende a impor o seu desejo, usando o poder que lhe é conferido pela posição que ocupa, para que suas ideias tenham domínio na ação educativa. Suprime assim o desejo de saber do aluno que fica sem liberdade para exercer sua condição de sujeito pensante e criativo, na medida em que sua autonomia intelectual fica dependente do desejo do professor. O depoimento da aluna “L” demonstra como vivenciou esta singularidade no curso de graduação a distância de Letras, com a professora “ML”: “Eu gostava muito dos fóruns, tinha alguns interessantes porque estavam falando de formas de educação, de práticas pedagógicas e isso me interessava bastante. Construir esse caminhar eu achei muito mais enriquecedor, eu construindo esse passo a passo. Nessa construção eu sentia um clique na cabeça, o que é diferente de quando eu estou no doutorado e digo para o professor: não estou entendendo, explica! É como se o outro explicasse na visão dele. Aí eu fico assim: “ai, puxa, por que ele falou isso mesmo”? Assim, eu senti que no meu passo a passo, no curso a distância, o processo de construção fica muito mais interessante.” 80 Parece que a liberdade de expressar-se nos fóruns a partir da realidade do seu desejo e não do ideal do professor, foi conquistada a partir do processo transferencial, que ocorreu por contágio com o traço “compromisso” do professor, possibilitando mais autonomia e independência na aprendizagem, como vimos no caso da mesma aluna em relação à referida professora, citado anteriormente neste capítulo. O depoimento da aluna “F” do curso de Administração a distância demonstra que a simples disponibilização dos fóruns nos cursos a distância não garante ao aluno a liberdade de expressar-se de acordo com a sua singularidade. Ele precisa ter vivenciado o processo de transferência para sentir confiança na proposta e postar suas mensagens no fórum, a partir da realidade do seu desejo: “Fórum é legal, principalmente os do “Prof. W”, porque o retorno dele é técnico e nos acrescenta, os dos outros são fóruns óbvios demais e parece mais que é para mostrar que colocaram um fórum. Por favor não façam isso, estar presente não é colocar fórum por colocar, às vezes o menos é mais”. Os educadores que trabalham com Educação a distância devem ficar atentos à tendência de padronização que podemos encontrar em diversos modelos adotados, principalmente para possibilitar que um mesmo professor atenda a um grande número de alunos simultaneamente. Respostas padronizadas nas avaliações de atividades e nos debates em fóruns distanciam os professores da realidade dos alunos e vice-versa, despersonalizando a relação. Observo que muitas críticas à educação a distância consideram que esta é uma condição generalizada em todas as modalidades de EAD, o que não é verdade. É possível considerar a singularidade dos sujeitos num curso a distância on-line, a partir da relação professor-aluno que é viabilizada pelos diversos recursos de interação e conectividade que os ambientes virtuais oferecem, como vimos no primeiro capítulo desta dissertação. Costuma-se exaltar a importância da autonomia do aluno como um fator determinante para os resultados positivos no processo ensino-aprendizagem em cursos a distância, no entanto, é preciso atentar para o fato de que para que ele consiga obter esta autonomia, precisará ter vivenciado o processo transferencial para tornar-se mais independente do professor. A presença do professor não é para que ele se coloque como modelo narcísico, mas sim como um sujeito desejante para que o aluno possa contagiar-se, como podemos observar no depoimento a seguir 81 apresentado pela aluna “D” de um curso da pós-graduação a distância, que demonstra como o desejo de saber do professor desencadeou o seu interesse pela pesquisa sobre o tema estudado, adquirindo independência para aprofundar seus estudos: “Fico entusiasmada de ver que ganhei um olhar critico diferente para ler artigos como os que foram oferecidos durante nossos estudos. Antes eu os lia como espectadora, mas agora consigo me inserir mais dentro das histórias e fico instigada para conhecer mais. Tenho certeza que ainda existe muito a evoluir, mas estou com toda a vontade para isso. Fica aqui o meu muito obrigado ao professor, com carinho”. A imprevisibilidade do inconsciente torna inviável a criação de um método pedagógico de base psicanalítica. Isto não significa que a Psicanálise não possa contribuir para a Educação, é preciso compreender que esta relação não está focada na aplicabilidade. Kupfer (2007) afirma que o professor deverá preocupar-se menos com métodos de ensino para que possa aprender a privilegiar a singularidade do sujeito, principalmente aqueles que propõem recompensas e punições. É importante destacar, porém, que isto não significa que o educador deva deixar de impor limites ao desejo do aluno, deixando-o livre. O professor é responsável por ensinar como o sujeito poderá dominar suas pulsões para adaptarse à sociedade, sinalizando para ele o que é proibido e permitido. No entanto, isto só será possível se ocupar um lugar diferenciado para que obtenha o reconhecimento da sua autoridade pela transferência. O aluno transferido torna-se um sujeito singular, na medida em que tem autonomia para que a diferença possa ser considerada, permitindo que a aprendizagem aconteça. 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Educação on-line possibilita que professores e alunos vivenciem experiências que não eram possíveis antes do advento da internet. Nesta modalidade educacional a presença e a ausência são definidas pelas possibilidades de aproximação e afastamento dos sujeitos. Percebemos que no ensino presencial muitas vezes o aluno está presente fisicamente, mas distante do que está ocorrendo em sala de aula, distraindo-se com outros estímulos que não estão relacionados ao que está sendo transmitido. Isto demonstra que estar presente fisicamente não garante a presença no processo ensino-aprendizagem. Na EAD a presença do aluno é representada por suas participações nos fóruns de discussão, chats, comunidades práticas, teleaulas, avaliações on-line e outras atividades disponibilizadas no ambiente virtual de aprendizagem. Numa abordagem psicanalítica, tanto na Educação presencial quanto a distância, é a transferência que vai determinar a presença ou a ausência. Se o aluno não estabeleceu vínculo com o processo de aprendizagem, é considerado ausente nas duas modalidades. As novas multilateral, se m tecnologias da comunicação permitem uma comunicação fronteiras. Assim, a transferência ultrapassa a dimensão geográfica do espaço, fazendo com que a distância se torne subjetiva. Na EAD, via internet, a transferência pode endereçar-se aos professores, tutores, coordenadores, monitores ou colegas de turma, dentre outros, substituindo a presença física pelos traços que as tecnologias de informação e comunicação conseguem reproduzir. A escrita é um importante elemento para garantir a presença virtual por meio da relação transferencial que possibilita a troca de conhecimentos e experiências tendo como foco a aprendizagem. Ao mesmo tempo pode gerar desconforto e tensão provocados pelo receio de registrar suas fragilidades no ambiente virtual de aprendizagem. Na EAD o sujeito fica mais exposto pela diversidade de pessoas que têm acesso ao que é registrado, do que na educação presencial onde a comunicação ocorre prioritariamente entre professor e aluno. Assim, a linguagem escrita, ao mesmo tempo em que disponibiliza as condições para transportar a transferência, que viabiliza a presença virtual, pode provocar uma retração em função da exposição à percepção dos outros. Segundo Lévy e Lemos (2010), as novas tecnologias de informação e comunicação 83 provocam esta transparência formando uma nova esfera pública cujos limites são definidos a partir das línguas, culturas e centros de interesses e não mais por cortes geográficos. Os autores afirmam ainda que: “Um dos aspectos mais desconcertantes da nova situação da comunicação no ciberespaço é o apagamento da distinção público/privado, ou mesmo simplesmente, a “erosão da esfera privada”. Qualquer correio eletrônico pode reencontrar-se exposto num fórum. (LÉVY E LEMOS, 2010, p.13) É importante enfatizar que não é a utilização de modernas tecnologias de comunicação e informação que possibilitará o relacionamento entre as pessoas envolvidas na Educação on-line, mas sim a transferência que será construída a partir da presença virtual. Como psicóloga atuando na área de Educação a distância desde 1976, meu interesse voltou-se para os aspectos subjetivos e afetivos do processo ensinoaprendizagem. Desde 2003 coordeno do Núcleo de Educação a distância da Universidade Veiga de Almeida no Rio de Janeiro, onde tenho oportunidade de observar as demandas dos alunos para seus mestres, em cursos on-line. Percebo que não é a razão e sim a emoção que predomina na maior parte dos diálogos e que os mestres que têm maior aceitação dos alunos não são necessariamente aqueles menos exigentes nas tarefas e mais flexíveis diante de suas reivindicações, mas sim aqueles que estão mais atentos às suas singularidades e que respondem suas dúvidas de forma diferenciada. Curiosamente alguns professores que se mostram exigentes e críticos nas correções e muitas vezes dão notas mais baixas, são muito respeitados e admirados pelos alunos porque em contrapartida lhes dão a atenção e importância de que necessitam. Além disso, estes professores demonstram um grande comprometimento com a matéria ensinada e não poupam esforços para que os alunos possam compreendê-la. Tenho procurado responder às críticas de alguns educadores tradicionais que afirmam que é impossível educar a distância enfatizando as possibilidades da presença virtual na Educação on-line. A imprevisibilidade do inconsciente dificulta a definição de um método que permita uma associação da Pedagogia com a Psicanálise. O conteúdo simbólico, ao ser transferido, passa por um processo de atualização que não possibilita a leitura do seu sentido real. Assim, embora a transferência esteja implícita no processo 84 ensino-aprendizagem, o seu manejo fica restrito ao analista, não cabendo ao professor a responsabilidade por interpretá-la para garantir a ação educativa. O que podemos fazer diante desta constatação? Leandro Lajonquière, em seu artigo Educação, religião e cientificismo, publicado na revista Educação (2011), apresenta as seguintes questões: Como educar para a realidade? Para o desejo? Para o reconhecimento do impossível? Enfim, como se educa? Endereçando a palavra a uma criança? Falando? Sim! Como especialista? Não, como simples mortal, pai, mãe ou professor. (LAJONQUIÈRE, 2011, p.25) A psicanálise, na sua abordagem sobre o desejo de saber indica duas condições para responder a este questionamento: primeiro, que o professor sustente a posição de sujeito suposto saber que lhe é atribuída pelo aluno e acredite na sua capacidade de transmissão e de mediador do conhecimento, mesmo admitindo que não conheça plenamente tudo que ensina; segundo, que professor e aluno mantenham-se num movimento constante na busca do saber sobre seus desejos. É importante que a Pedagogia compreenda que o professor não pode dominar o desejo do aluno nem aprisioná-lo numa atitude em que predomine o seu ideal, mas é necessário que permaneça ativo no processo de aprendizagem, sem abandonar a posição de suposto saber que lhe é atribuída na transferência. A criança deve ser acompanhada por um adulto que encaminhe suas pulsões em direção a um processo de socialização, para que possa tornar-se civilizada, sem que precise abrir mão do seu desejo. No entanto, é importante considerar que a ação educativa não é linear e poderão ocorrer conflitos e dúvidas neste processo. A punição pode acontecer sem impedir que a transferência ocorra, desde que seja estabelecida uma relação de confiança, baseada no suposto saber e que o sujeito possa reconhecer o desejo do professor na ação educativa. O educador que demonstra interesse pela leitura, que deseja aprender e quer que o aluno aprenda facilita a transferência e consequentemente consegue realizar uma educação mais voltada para a realidade e para o desejo. Tanto o autoritarismo quanto a permissividade na educação fundamentam-se em supostos saberes que tentam passar para a criança um ideal que repete os desejos inconscientes do adulto. O educador precisa reconhecer a impossibilidade de estabelecer uma relação com os alunos que supere a angústia gerada pela falta, 85 caso contrário adotará métodos controladores que usam a punição e a recompensa por considerá-los recursos imprescindíveis para viabilizar uma ação educativa focada nos seus ideais. Se o educador acreditar no inconsciente e na transferência, poderá afirmar como Freud (1937), que a Educação é impossível e encontrará o caminho para o reencontro do sujeito com o desejo. 86 REFERÊNCIAS ANDERSON, T & DRON, J. (2011). Three Generations of Distance Education Pedagogy. In: International Review of Research in Open and Distance Learning, 12(3), pp. 80-97. Disponível em: http://www.irrodl.org/index.php/irrodl/article/view/890/1663 (Acessado em 3 de janeiro de 2012). ANDERSON, T. Modes of interaction in Distance Education: recent developments and research questions. In: MOORE, Michael Grahame; ANDERSON, William G. (Ed.). Handbook of distance education. 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O papel do professor nas diferentes modalidades de EAD; Fundamentos de Psicanálise e Educação; Os destinos do Desejo de Saber; A transferência na interação professor-aluno em cursos on-line; A impossibilidade da educação; A posição do professor-tutor na educação voltada para a realidade do desejo. PÚBLICO- ALVO: professores-tutores que atuam em curso de graduação e pósgraduação a distância. CARGA- HORÁRIA: 40h, distribuídas em 10 dias de 4h. METODOLOGIA: exposição teórica, análise de textos, debates em grupo, , estudos de casos baseados em relatos de alunos, professores-tutores e na vivência dos participantes. 91 REFERÊNCIAS: CORDIÉ, A. Os atrasados não existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996 FREUD, S. (1908). Sobre as teorias sexuais das crianças. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v. IX. _________. (1912). A Dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v.XII. _________. (1913). O interesse educacional da psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v.XIII. _________. (1914). Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v.XIII. KUPFER, M.C.M. Freud e a educação. São Paulo: Scipione, 1995. _________. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Editora Escuta, 2007. LAJONQUIÈRE, L. Educação, religião e cientificismo. Revista Educação, v.1, p.1625, 2011. SANTIAGO, A. L. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.