A Transferência na interação professor-aluno na educação on

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
MESTRADO PROFISSIONAL EM
PSICANÁLISE SAÚDE E SOCIEDADE
ILENE FIGUEIREDO PESSOA
A TRANSFERÊNCIA NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
NA EDUCAÇÃO ON-LINE
RIO DE JANEIRO
2013
ILENE FIGUEIREDO PESSOA
A TRANSFERÊNCIA NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
NA EDUCAÇÃO ON-LINE
Dissertação apresentada no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado
Profissional em Psicanálise Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, para obtenção do título de Mestre.
Área
de
Concentração:
Psicanálise,
Sociedade e Práticas Sociais.
ORIENTADORA: Profª Drª Sonia Xavier de Almeida Borges
RIO DE JANEIRO
2013
DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
E DE PESQUISA
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922
FICHA CATALOGRÁFICA
P475t
Pessoa, Ilene Figueiredo.
A Transferência na interação professor-aluno na educação on-line /
Ilene Figueiredo Pessoa, 2013.
91f : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de
Janeiro, 2013.
a
a
Orientação: Prof . Dr Sonia Xavier de Almeida Borges.
1. Psicanálise. 2. Educação à Distância. 3. Interação Professor-Aluno.
I. Borges, Sonia Xavier de Almeida. II. Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título.
.
CDD – 616.8917
Decs
Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA
Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho
ILENE FIGUEIREDO PESSOA
A TRANSFERÊNCIA NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
NA EDUCAÇÃO ON-LINE
Dissertação apresentada no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado
Profissional em Psicanálise Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, para obtenção do título de Mestre.
Área
de
Concentração:
Psicanálise,
Sociedade e Práticas Sociais.
Aprovada em 26 de abril de 2013
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profª Drª Sonia Xavier de Almeida Borges
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________
Profª Drª Maria Helena Coelho Martinho
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________
Profª Drª Wania Clemente de Castro
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Aos meus queridos pais, Emma e Jandovy, por
permanecerem
valores
que
presentes,
indicam
os
impulsionando
caminhos
para
os
o
crescimento.
Às sobrinhas, Maysa e Isabela, que temperam a
minha vida com muito amor e alegria.
AGRADECIMENTOS
À Sonia Borges pelos valiosos ensinamentos, disponibilidade, dedicação e
comprometimento em relação à orientação do trabalho desenvolvido.
À Wania Clemente e Maria Helena Martinho por integrarem a banca e contribuírem
com importantes depoimentos e observações que conduziram ao aperfeiçoamento
desta dissertação.
Ao Reitor Mario Veiga de Almeida Junior pelo estímulo ao meu desenvolvimento
acadêmico e pela oportunidade de enfrentar os desafios profissionais da Educação a
distância, que motivaram a realização deste Mestrado.
Ao Reitor Arlindo Cardarett Vianna, à Pró- Reitora de Pós-Graduação Maria Beatriz
Balena e à Coordenadora do Mestrado, atual Coordenadora do Doutorado em
Psicanálise, Glória Sadala, pelo incentivo para a conclusão do curso.
Aos mestres Antonio Quinet, Maria Anita Carneiro Ribeiro e Cristina Poli pela forma
criativa e instigante que abordaram os ensinamentos sobre a teoria psicanalítica.
Às professoras Marina Espírito Santo, Luzia Araújo e Flavia Cunha pela
colaboração.
À equipe do NEAD pelo carinho e incentivo.
Aos amigos e familiares pelo estímulo e compreensão da ausência.
RESUMO
Esta dissertação propõe-se a indicar as possibilidades de articulação entre a teoria
psicanalítica de Sigmund Freud e a Educação a distância mediada pela internet,
tendo como foco a relação transferencial estabelecida entre professores e alunos no
processo ensino– aprendizagem, naquilo que interfere no desejo de saber. Destaca
a necessidade de uma melhor compreensão das variáveis subjetivas que estão
presentes no processo educacional a distância para que se possa convergir para um
ensino voltado ao sujeito, em que uma das principais atribuições do professor passa
a ser a de conduzir o aluno criativamente ao estilo que lhe é próprio, enfatizando a
singularidade. Considera que os meios de comunicação on-line, síncronos e
assíncronos, bem como a conectividade disponibilizada pelas redes sociais facilitam
a transposição da distância transacional e permitem um diálogo mais intenso e
dinâmico entre docentes e discentes na Educação a distância. Destaca que, numa
abordagem psicanalítica, na Educação on-line, é a transferência que vai determinar
a possibilidade de construção da presença virtual. Se o aluno não estabeleceu
vínculo com o processo de aprendizagem, é considerado ausente no processo
educacional. Assim, a transferência ultrapassa a dimensão geográfica do espaço,
fazendo com que a distância se torne subjetiva. A imprevisibilidade do inconsciente
dificulta a definição de um método que permita uma associação da Pedagogia com a
Psicanálise. O manejo da transferência fica restrito ao analista, não cabendo ao
professor a responsabilidade por interpretá-la para garantir a ação educativa. Em
sua abordagem sobre o desejo de saber a Psicanálise indica duas condições para
que seja possível educar levando em consideração a singularidade do sujeito: a
sustentação da posição do professor como sujeito do suposto saber diante do
aluno e a manutenção do movimento constante na busca do saber sobre seus
desejos, tanto por parte do professor quanto do aluno. Conclui afirmando que, se o
educador acreditar no inconsciente e na transferência, poderá encontrar o caminho
para o reencontro do sujeito com o desejo.
Palavras- chaves: Educação on-line. Transferência. Desejo de saber. Interação
professor-aluno.
ABSTRACT
This dissertation proposes to indicate the possibilities of articulation between
Sigmund Freud’s psychoanalytical theory and internet mediated distance
education, focusing on the transferential relationship established between teachers
and learners in the teaching-learning process, in that which interferes in the desire
for knowledge. It highlights the need of a better understanding of the subjective
variables which are present in the distance learning process so it can move
towards a subject-centered teaching, in which one of the teacher’s main tasks
evolves to be that of creatively conducting the learner to his own style, with
emphasis on singularity. It considers that the online media, both synchronous and
asynchronous, as well as the connectivity made available through social networks,
help to cross the transactional distance and allow a more intense and dynamic
dialogue between teachers and learners in Distance Education. It remarks that, in
a psychoanalytical approach to e-learning, it is transference that will determine the
possibility of a virtual presence construction. If the learner has not established a
bond with the learning process, he or she will be absent from the educational
process. Thus, transference overpasses the geographic dimension of space,
turning distance into a subjective concept. The unpredictability of the unconscious
makes it difficult to define a method which allows an association of Pedagogy and
Psychoanalysis. The handling of transference is limited to the analyst, and the
teacher has no responsibility to interpret it and make sure that the learning
experience takes place. In its approach to the desire for knowledge,
Psychoanalysis indicates two conditions to make education possible, taking into
account the singularity of the subject: to sustain the position of the teacher as the
Subject Supposed to Know before the student, and to maintain the constant
movement towards knowledge about his desires, from both teacher’s and learner’s
part. It concludes stating that, if the teacher believes in unconscious and
transference, he or she may find the way to reunite subject and desire.
Key-words: Online Education, Transference, Desire for knowledge, Teacherstudent interaction.
O bebê procura se apropriar da caneta com a qual sua mãe escreve, do livro que ela
lê e não de um outro. É assim que o professor pode fazer nascer o amor pelo saber,
quando ele próprio conhece sua paixão.
(CORDIÈ, 1996, p.155)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1 A INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE
13
1.1 Fundamentos da Educação a distância
13
1.2 A interação on-line na Educação a distância
19
1.3 A expansão do ciberespaço e as novas possibilidades de deliberação coletiva 33
2 CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA EDUCAÇÃO ON-LINE
36
2.1 Desejo de saber
36
2.2 Transferência
50
3 TRANSFERÊNCIA E DESEJO DE SABER NA EDUCAÇÃO ON-LINE
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXO
10
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por objetivo estudar o processo de transferência
e suas relações com o desejo de saber na interação professor-aluno nos cursos a
distância, à luz da teoria psicanalítica.
Comecei a trabalhar com Educação a distância em 1976 e tenho
acompanhado seu processo evolutivo até chegar aos nossos dias. Com o advento
da internet, percebi as mudanças ocorridas, tanto na fundamentação teórica da
metodologia de desenvolvimento dos cursos, quanto na interação entre os diversos
atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem.
Destaco como objeto de estudo a interação professor-aluno, na qual tenho
focado minha atenção desde que comecei a trabalhar como Coordenadora do
Núcleo de Educação a distância, em março de 2003, na Universidade Veiga de
Almeida, no Rio de Janeiro. Tenho interesse em sistematizar os conhecimentos
obtidos nesta experiência, realizando uma reflexão mais aprofundada das questões
transferenciais presentes nesta interação. Percebo que precisamos compreender
melhor a subjetividade e a relação entre as subjetividades presentes na relação
professor-aluno na Educação a distância para que sejam identificados caminhos que
permitam equacionar as dificuldades ainda existentes.
A psicanálise pode ajudar na compreensão do funcionamento mental e
inconsciente dos sujeitos envolvidos no processo educacional, sem que precise
assumir o papel da educação. É preciso lembrar que o objeto da psicanálise é o
inconsciente e o funcionamento do aparelho psíquico, e o da educação é o
conhecimento. As duas áreas, no entanto, convergem na transferência, o que torna
importante uma melhor compreensão deste processo. Esta é uma reflexão que será
aprofundada no presente estudo. A metodologia a ser adotada é a pesquisa
bibliográfica de obras clássicas e atuais, ilustrada com fragmentos de entrevistas e
depoimentos de alunos de cursos a distância, coletados na minha prática
profissional.
O advento da sociedade da informação incentiva o aparecimento das novas
tecnologias que provocam a necessidade de pesquisas para identificar formas mais
criativas do processo ensino-aprendizagem. Entretanto, o conceito de novas
tecnologias é dinâmico, suscetível a muitas mudanças, que depende do contexto
11
social e do meio ambiente em que se situa. Desse modo, a aplicação de uma
tecnologia requer cuidados para garantir a adequação dessas ferramentas em uma
sociedade que está em crescente transformação, bem como deve estar
fundamentada em referenciais teóricos e modelos técnicos que realmente
contribuam para uma caminhada mais segura em direção ao futuro.
Lévy (1997) destaca que as tecnologias não podem ser utilizadas
indiscriminadamente, mas devem acompanhar os impactos das mudanças que
questionam as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas
educativos tradicionais. Antes da internet, o aluno estava acostumado com uma
linguagem didática linear, sequencial, estática, com início, meio e fim. O ciberespaço
oferece a oportunidade da narrativa não-linear, hipertextual, multidirecional. Nesse
cenário a introdução das novas tecnologias desloca o professor do centro do
processo ensino-aprendizagem e as interações tornam-se mais democráticas e
oferecem maior oportunidade de diálogo e troca de conhecimentos e experiências.
Assim, torna-se fundamental considerar como ficam os aspectos subjetivos
presentes nesta relação professor-aluno.
Segundo Lévy (1997) essas novas tendências influenciam o surgimento de
um novo estilo de pedagogia onde o professor torna-se o incentivador da inteligência
coletiva e não um mero disseminador do saber. Um ensino voltado para o sujeito,
que entende a educação como ferramenta para o sujeito do desejo, “estará
submetido aos limites que a psicanálise impõe à sua transmissão uma vez que não
se trata de informar, mas de permitir que um sujeito crie um estilo que trará a marca
do sujeito do desejo” (KUPFER, 2007, p. 133).
Nesta concepção, uma das
principais atribuições do professor no processo ensino-aprendizagem passa a ser a
de conduzir o aluno criativamente ao estilo que lhe é próprio, enfatizando a
singularidade.
Atualmente, os estudantes mostram-se mais capazes de gerenciar sua
própria aprendizagem, interagir com professores e colegas, desenvolver trabalhos
conjuntos em regime de aprendizagem colaborativa, bem como se comunicarem
com o mundo fora da escola, derrubando as barreiras geográficas. O diálogo que
passa a ser estabelecido entre professor e estudante, altera, significativamente, o
posicionamento da autoridade em relação ao ensino tradicional. O saber passa a ser
construído com base na troca e em relações mais igualitárias. O professor precisa
12
estimular a postura crítica e investigativa do estudante, bem como conviver com a
ambivalência, da concordância ou discordância, que passam a ser expressas pelos
alunos na construção coletiva do conhecimento.
Os
meios
altamente
interativos
de
teleconferência
eletrônica,
a
audioconferência e os meios de comunicação on-line, síncronos e assíncronos, bem
como a conectividade possibilitada pelas redes sociais facilitam a transposição da
distância transacional e permitem um diálogo mais intenso e dinâmico. No entanto, é
importante destacar que este diálogo também é influenciado pelas características
pessoais e emocionais dos alunos e professores e pela especificidade dos
conteúdos. Mesmo que alguns programas tenham um potencial elevado de
interação, esta pode não ocorrer porque os professores não se encontram em
condições de explorar sua interatividade. Além disso, os alunos podem não desejar
o diálogo com seus professores.
A relevância deste estudo, organizado em três capítulos, consiste em
contribuir para uma melhor compreensão das variáveis subjetivas que estão
presentes no processo educacional a distância, a partir da adoção das novas
tecnologias de informação e comunicação, com base no referencial teórico da
psicanálise sobre o fenômeno da transferência, naquilo que interfere no desejo de
saber. No primeiro capítulo - A interação professor-aluno na Educação on-line - são
analisadas ideias de autores que têm contribuições expressivas para os estudos e a
prática da Educação a distância, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Nele
pretendemos apresentar uma articulação entre as propostas dos diferentes autores
traçando um cenário da Educação a distância, com foco na Educação on-line,
especificamente
na
interatividade
professor-aluno
definindo
as
principais
preocupações que os profissionais desta área vêm demonstrando, tendo em vista a
qualidade
requerida
pelos
projetos
educacionais.
No
segundo
capítulo
-
Contribuições da psicanálise para a Educação on-line - abordaremos os conceitos
psicanalíticos de transferência e desejo de saber que julgamos essenciais para
construir o pensamento sobre a interação professor-aluno na Educação a distância,
fundamentado na teoria freudiana. No terceiro capítulo será realizada uma análise
crítica da relação professor-aluno em EAD, articulando os conceitos de Educação a
distância e psicanálise estudados nos capítulos anteriores com exemplos práticos
extraídos de depoimentos de alunos de cursos a distância.
13
1 A INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO ON-LINE
1.1 Fundamentos da Educação a distância
No presente capítulo serão apresentadas ideias de autores que têm
contribuições expressivas aos estudos e à prática da Educação a distância, tanto no
âmbito nacional quanto internacional, com o objetivo de contextualizar a questão da
interatividade professor – aluno na Educação on-line, tema desta dissertação.
Pretendemos,
aqui,
apresentar
uma
articulação
entre
as
propostas
apresentadas pelos diferentes autores com o objetivo de traçar um cenário da
Educação a distância que defina as principais preocupações que os profissionais
desta área vêm demonstrando, tendo em vista a qualidade requerida pelos projetos
educacionais.
Otto Peters, considerado uma das maiores autoridades no campo do
conhecimento sobre a Educação a distância, foi fundador da Universidade Aberta –
da cidade de Hagen, na Alemanha e possui grande produção bibliográfica na área.
Em sua obra, A Educação a distância em transição (2004), o autor destaca a
crescente importância da Educação a distância no mundo atual e analisa a sua
origem e desenvolvimento a partir do importante legado pedagógico deixado pelas
abordagens adotadas em experiências anteriores realizadas fora do âmbito da sala
de aula tradicional.
Ao abordar o desenvolvimento histórico da EAD, Peters (2004) relata que, no
início da era cristã, houve algumas iniciativas isoladas, como as epístolas de São
Paulo, que foram escritas para ensinar aos cristãos da Ásia Menor como viver de
maneira cristã em um ambiente desfavorável. Essas iniciativas podem ser
consideradas como as primeiras experiências desta modalidade de ensino, uma vez
foram usadas tecnologias relativas à escrita e aos transportes com o objetivo de
evitar as viagens que seriam necessárias para que o trabalho missionário fosse
realizado. Nesse caso, pode-se considerar que houve uma substituição do ensino
face a face pelo ensino assíncrono e mediado.
A partir do século XIX, Peters (2004) identifica três grandes fases, ocorridas
na evolução da Educação a distância:
I. a instrução por correspondência, que acompanhou a industrialização do
trabalho, compensando as deficiências do sistema educacional;
14
II. a expansão da capacidade das instituições de ensino superior, nos anos
1970, 1980 e 1990, caracterizada pela criação das universidades abertas
de ensino a distância, influenciadas pela Open University britânica, que
utilizam rádio, TV, vídeos, fitas cassetes e centros de estudo. Nesta fase
surgiram significativas inovações pedagógicas.
III. a Educação a distância informatizada, que representa o maior desafio do
futuro,
a
partir
do
rápido
desenvolvimento
das
tecnologias
de
comunicação.
Essa terceira fase nos interessa, particularmente, por tratar da problemática
da comunicação, aspecto intrinsecamente ligado aos objetivos do presente estudo, a
interatividade professor - aluno. Peters (2004) afirma que cada um desses períodos
apresentou a EAD de forma diferenciada, mas, com o passar dos anos, a
importância dessa modalidade educacional cresceu principalmente em termos de
abrangência de países e alunos. Atribui essa relevância principalmente ao
crescimento da demanda educacional que os governos têm que administrar e as
empresas privadas têm para explorar. Nesse sentido, considera que as inovações
tecnológicas certamente podem justificar o interesse ascendente por EAD. Dentre
elas destaca: o aperfeiçoamento da tecnologia dos microcomputadores, a tecnologia
multimídia, a tecnologia de compactação digital e vídeo e o surgimento da tecnologia
da internet.
Segundo Peters (2004), a evolução desta modalidade de educação está
diretamente relacionada às tecnologias utilizadas em cada período: escrita, meios
impressos e transporte por meio de ferrovias, carros, aviões, transmissão por “velhas
mídias” como o rádio e a televisão, assim como pelas “novas mídias”, especialmente
o computador. Considera que a EAD tornou-se ainda mais relevante pelo interesse
de governos em reduzir as diferenças educacionais e as consequentes emergências
de demandas neste sentido. Peters afirma ainda que:
A maior demanda, e isto é muito impressionante, é por parte dos
alunos. Estão correndo para se matricular em instituições de ensino a
distância, especialmente universidades, por todo o mundo. Um
número notável destas universidades de ensino a distância tem
várias centenas de milhares de alunos matriculados. Este é um
desenvolvimento extraordinário e surpreendente. (PETERS, 2004, p.
35)
O uso crescente de ambientes informatizados de aprendizagem e da rede
está determinando uma revolução pedagógica na Educação a distância, o que nos
15
faz caminhar para uma nova era da educação, em que os profissionais enfrentarão e
terão oportunidade de dispor dos avanços rápidos e inesperados das tecnologias de
informação e comunicação.
No entanto, é também necessário rever métodos, conteúdos e instituições de
EAD frente aos desafios das inovações tecnológicas. A educação passa agora a
acontecer também num território até então desconhecido: o espaço virtual de
aprendizagem que se caracteriza como um espaço digital baseado na internet.
Peters (2004) considera que este fato requer o planejamento de novos formatos de
aprendizagem, causando mudanças estruturais poderosas e de longo alcance no
processo de ensino–aprendizagem. Declara, também, que devemos reconhecer que
a Educação a distância e a aprendizagem on-line fornecem os recursos que nos
possibilitam lidar com as novas exigências sociais, com novos objetivos
educacionais e novos grupos de estudantes.
Ainda segundo Peters (2004), as mudanças mais notáveis nos processos
educacionais atuais são:
(...) o surgimento do aluno adulto que trabalha, a aprendizagem
aberta, o aumento do número de alunos, novos tipos de alunos,
inclusive alunos capazes, mas mal preparados e deixados de lado,
as cambiantes funções, conteúdos e estrutura pedagógica da
educação superior, comercialismo, globalização e competição com
outros provedores de recursos intelectuais. O resultado destas
modificações será um ensino-aprendizado diferente dos formatos
tradicionais. Terá de ser aberto, centrado no aluno, baseado no
resultado, interativo, participativo, flexível quanto ao currículo, às
estratégias de aprendizado e envio e não muito preso a instituições
de aprendizado superior, porque pode também se dar nos lares e
nos locais de trabalho. (PETERS, 2004, p.41 e 42)
Tais mudanças de paradigma educacional seriam modificadoras das
condições
socioeconômicas
da
educação,
valorizando
a
aprendizagem
independente, auto-organizada e em grupo? Este é o desafio da Educação a
distância no Brasil.
Peters (2004) declara que o aluno atual tem acesso a informações
globalizadas tornando-se necessário repensar a educação, já que as necessidades
sociais vão exigir mudanças radicais no processo de ensino – aprendizagem. A
ênfase não seria mais em saber o que o professor tem interesse em ensinar, mas o
que o estudante precisa aprender. Propõe também uma reflexão sobre o conceito e
a função dos Planos de Ensino. Considera que no ensino tradicional, há sempre um
16
objetivo geral e um conjunto de objetivos específicos. A partir dos novos paradigmas
educacionais, os objetivos são, muito frequentemente, ainda desconhecidos no
início do processo de aprendizado. Espera-se que o estudante os descubra por si
mesmo e até os modifique, se necessário, durante o processo de estudar e
aprender.
O autor convida os professores a se transformarem, nesta fase de transição,
em protetores da educação e dos seus alunos para adequar-se a esta visão da
universidade do futuro. Ressalta a importância das mudanças aqui citadas e declara
que os professores devem não apenas compreender esta mudança fundamental,
como também a necessidade de se tornarem ativos neste processo de mudança.
Propõe que os professores reajam quando o entusiasmo tecnológico ultrapassar os
limites e tornar-se prejudicial à educação em função da possível desumanização do
processo ensino-aprendizagem.
Segundo Palloff e Pratt (2004), as instituições acadêmicas vivem hoje um
momento de transição. Grande parte das mudanças observadas deve-se à exigência
da sociedade moderna onde o conhecimento desempenha um papel de destaque.
Outro fator que contribui para esta fase de mudanças é a maior diversidade entre os
alunos chamados não-tradicionais, definidos por sua idade e situação de vida, que
buscam, em número cada vez maior, um diploma de curso superior. Os autores
investigam ainda a forma como as instituições de ensino respondem a essas
demandas que se apresentam no cenário educacional. De acordo com Palloff e Pratt
(2004) o uso da internet tem sido cada vez mais adotado pelas instituições de ensino
superior para ministrar cursos a distância e para ampliar a abrangência dos
programas. Algumas instituições estão preocupadas apenas em atrair um número
cada vez maior de alunos que não teriam outras opções para estudar; outras
buscam satisfazer as necessidades de uma nova espécie de estudante. À medida
que se faz maior uso da tecnologia, professores e alunos lutam para se adequar às
mudanças que ela traz ao ambiente educacional. É esta nova espécie de estudante
em interação com uma nova espécie de professor que pretendemos discutir aqui.
Palloff e Pratt (2004) consideram que é preciso passar por uma etapa de
transição da educação presencial para a virtual. Considera que professores e
estudantes têm diferentes comportamentos em cada uma dessas modalidades de
ensino, gerando diferentes resultados da aprendizagem. De acordo com estes
autores, muitas instituições ainda usam o método de ensino tradicional em um
17
ambiente on-line. É necessário modificar a abordagem educacional, para adequar-se
aos novos tempos e, sobretudo, às novas tecnologias. Nesse sentido, pretendemos
abordar aqui as mudanças que ocorrem no processo ensino-aprendizagem quando
professores e alunos relacionam-se apenas por meio de uma interface tecnológica.
As definições de Educação a distância englobam tanto o ensino a distância (o
papel do professor no processo) quanto a aprendizagem a distância (o papel do
estudante). Palloff e Pratt (2004) apresentam os seguintes elementos que
consideram fundamentais para identificar a Educação a distância:
a separação do professor e do aluno durante, pelo menos, a maior parte
do processo de instrução;
o uso de mídia educacional com a finalidade de unir professor e aluno
para a disseminação na construção do conhecimento;
o oferecimento de uma via dupla de comunicação entre o professor e o
aluno;
a separação do professor e do aluno no tempo e no espaço;
o controle volitivo da aprendizagem com o estudante, em vez de com o
professor.
Os autores consideram que esses elementos iniciam um novo paradigma
educacional:
Na arena on-line, o professor pode continuar a definir o conteúdo do
curso e a dirigi-lo. Contudo, há espaço para que os alunos explorem
o conteúdo de forma colaborativa ou para que busquem seus
interesses. Não há mais uma comunicação unidirecional do
conhecimento vinda de um especialista em determinado assunto.
Não há mais a necessidade de que os cursos estruturem-se a partir
dos elementos local e tempo. (PALLOFF e PRATT, 2002, p. 27)
Se concordarmos com estas ideias, que contribuições a psicanálise pode
oferecer para que este novo paradigma realmente se efetive? É esta a contribuição
que pretendemos apresentar nesta dissertação, ainda que bastante elementar, pois
não encontramos bibliografia a respeito do tema.
De acordo com Palloff e Pratt (2002), o California Distance Learning Project,
em 1997, analisou pesquisas efetuadas com alunos que obtiveram bons resultados
em programas de EAD. Os dados encontrados indicam algumas características em
comum, tais como:
buscam, de forma voluntária, novas formas de aprender;
18
são naturalmente motivados, disciplinados e têm expectativas mais altas;
tendem a ser mais velhos que os alunos médios, do mesmo grupo; e
tendem a manifestar uma atitude mais séria em relação ao curso.
Talvez por isso, os processos de ensino a distância têm sido realizados, em
maior grau, com adultos e tenham obtido melhores resultados com eles. Palloff e
Pratt (2002, p.38) consideram que ainda não se começou a explorar, para valer, o
poder e o potencial da tecnologia na educação, ainda há uma “lacuna tecnológica”
entre as gerações. Enquanto as crianças acessam com rapidez e facilidade qualquer
forma de mídia, de videogames à internet, passando pelos celulares e
computadores, os adultos são, em sua maioria, aprendizes nesse mundo
tecnológico. Dessa forma, um novo paradigma se apresenta para os programas de
EAD, composto pelos seguintes elementos:
acesso à tecnologia: professores e alunos devem ter acesso fácil a toda a
tecnologia necessária e devem estar familiarizados com ela.
diretrizes e procedimentos: devem ser mais flexíveis e gerados
predominantemente pelos participantes do programa.
participação: os alunos devem se comprometer em participar, bem como
entender aquilo com que estão se comprometendo.
aprendizagem colaborativa: as experiências de aprendizagem mais
poderosas são aquelas em que a participação envolve todo o grupo, em
vez de se dar apenas na direção professor – aluno.
aprendizagem transformadora: um aspecto crucial é a atenção a ser dada
à aprendizagem que ocorre pelo uso do próprio meio em que está
inserida. Os alunos devem ter a oportunidade de explorar o ambiente
virtual em que a aprendizagem ocorre. Precisam discutir medos e
inseguranças, bem como as surpresas e os aspectos positivos desse
meio.
avaliação do processo: como será avaliado o sucesso ou o fracasso no
curso? Como um dos resultados desejados é a formação de alunos mais
autônomos, a autoavaliação também é um componente importante.
Em continuidade a seus estudos, Palloff e Pratt (2004) apresentam o perfil do
aluno virtual, a partir da definição das seguintes competências requeridas para o
sucesso na Educação on-line. São elas:
19
ter acesso a um computador e a um modem ou conexão de alta
velocidade e saber usá-los;
ter a mente aberta e compartilhar detalhes sobre sua vida, trabalho e
outras experiências educacionais;
não se sentir prejudicado pela ausência de sinais auditivos ou visuais
no processo de comunicação;
dedicar uma quantidade significativa de seu tempo a seus estudos e
não ver o curso como a maneira mais leve e fácil de obter créditos ou
um diploma;
ter possibilidade de pensar criticamente;
ter capacidade de reflexão;
acreditar que a aprendizagem de alta qualidade pode acontecer em
qualquer lugar e a qualquer momento.
Pallof e Pratt (2004) consideram, ainda, que tanto o aluno virtual quanto o
professor devem sentir-se à vontade com a ausência dos sinais visuais e sugerem
que devem ser capazes de lidar com questões emocionais sob a forma textual e
personalizar a comunicação criando a sensação de percepção de presença virtual.
Afirmam ainda que os educadores devem construir um clima de confiança, abertura,
autonomia e correspondência para que os alunos possam sentir-se seguros em
relação à forma como são percebidos no grupo. Somente a partir destes princípios
uma comunicação ativa e produtiva poderá ser desenvolvida, permitindo a
aprendizagem em comunidade.
1.2 A interação on-line na Educação a distância
Marco Silva, sociólogo, doutor em Educação e professor da UERJ, aborda a
interatividade a partir das pesquisas que desenvolve sobre este tema aplicado tanto
ao ensino presencial quanto à Educação a distância, com desdobramentos nos
campos da sociedade, da arte, do mercado e das tecnologias digitais. Em seu livro
Sala de aula interativa (2006), destaca a transição do modo massivo para o
interativo das comunicações humanas em geral e sua influência no processo
educacional. Considera que o novo espectador tem mais possibilidade de intervir na
mensagem e se afasta da forma clássica de receber o conhecimento passivamente.
20
Segundo Silva (2006), no modelo interativo o aluno passa a ter mais domínio
sobre o conteúdo a ser aprendido e tem mais possibilidades de atuar sobre ele
modificando o seu papel de mero espectador passivo do processo ensinoaprendizagem para a condição de sujeito atuante e transformador.
A interatividade torna-se um desafio para os novos agentes do processo de
comunicação. Na TV, para enfrentar a concorrência da internet, há uma
preocupação em adaptar-se à linguagem digital, procurando alternativas em que o
espectador tenha mais possibilidades de escolhas em seus programas e
participação no processo.
Esta preocupação com a interatividade, no entanto, surge de forma mais lenta
nos sistemas de ensino. Silva (2006) alerta para o fato de que as escolas precisam
estar atentas para a necessidade de um novo modelo comunicacional com os alunos
em sala de aula tanto na modalidade presencial quanto na virtual. O modelo que
separa emissão e recepção, já não se adéqua mais aos novos tempos.
Apesar de muitos educadores já terem percebido que o processo educacional
requer a participação autêntica do aluno, o professor parece ainda não se ter dado
conta da urgência de transformar o seu modelo comunicacional. Segundo o autor, é
necessário que o professor conheça mais sobre interatividade para transformar a
comunicação em efetivos processos de construção do conhecimento.
Sabemos que a psicanálise traz uma contribuição reconhecida com relação
aos processos de comunicação. Daí nosso interesse em discutir a Educação a
distância com a contribuição da Psicanálise.
Em muitos cursos a distância, via web, considerados interativos, o que se
tem, na verdade, é a utilização de modernas tecnologias servindo principalmente
para intensificar o velho modelo da transmissão. O que ocorre na prática, é que
muitos sites disponibilizam textos estáticos para leitura que não dispõem de recursos
para a aprendizagem colaborativa. O que seria aprendizagem colaborativa para a
psicanálise? Não estaria relacionada às noções de transferência na teoria
freudiana? É o que pretendemos discutir nesta dissertação.
Silva (2006) destaca ainda que interatividade é um conceito de comunicação
e não de informática. O computador potencializa e não substitui o trabalho docente;
é preciso saber operá-lo para não subutilizar sua natureza interativa, hipertextual
que é o diferencial entre a comunicação massiva e a comunicação interativa.
Considera que a interatividade só acontece quando há dialogicidade (associação
21
entre emissão e recepção de forma complementar) e intervenção do receptor no
conteúdo da mensagem.
Estas características da interatividade determinam uma alteração básica no
processo de comunicação: o emissor deixa de propor uma mensagem fechada e
passa a oferecer alternativas, para que a mensagem possa ser elaborada em
conjunto com o receptor que não se encontra mais em situação de recepção
clássica. Como defende o autor, pode-se dizer que o computador é conversacional
para diferenciá-lo dos meios massivos unidirecionais, exatamente porque permite o
diálogo da emissão e recepção. E se o computador está conectado à Internet,
ampliam-se as possibilidades de operar com múltiplas conexões em rede.
Segundo Silva (2006), tanto no ambiente virtual como no presencial, o
professor precisa estabelecer áreas que serão exploradas, não um caminho linear a
ser seguido incondicionalmente. É necessário que o professor seja problematizador
e incentivador da formulação de questões, além de ter boa capacidade para
coordenar grupos de trabalho.
A partir dos estudos sobre interatividade associados às novas tecnologias de
informação e comunicação, Silva (2006) considera que, para promover a sala de
aula interativa, o professor precisa desenvolver pelo menos cinco habilidades, entre
outras:
1. pressupor a participação-intervenção dos alunos;
2. garantir a comunicação entre emissores e receptores;
3. disponibilizar múltiplas redes articulatórias, permitindo ao receptor ampla
liberdade de associações;
4. engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e o conhecimento
se constroem entre alunos e professor como co-criação e não no trabalho
solitário;
5. suscitar a expressão e a confrontação das subjetividades.
Segundo Silva (2006), a sala de aula interativa supõe que o professor se dê
conta do hipertexto para que aproveite o potencial do computador e da Internet em
sala de aula. O hipertexto consiste num sistema essencialmente interativo que
permite complexidade na informação e na comunicação a partir da montagem de
conexões em rede que possibilitam o diálogo e a participação.
22
O autor alerta, ainda, para o fato de que as salas podem ganhar
equipamentos de realidade virtual, mas ainda assim, podem prevalecer a
transmissão e a lógica da distribuição encontradas na sala de aula tradicional e da
mídia de massa. É preciso que o professor modifique a comunicação com seus
alunos, o que demanda a criação de um novo modelo de educação. É importante
atentar para o fato de que algumas soluções imediatistas adotadas para as
mudanças emergenciais e imprescindíveis da sala de aula e do processo ensinoaprendizagem, não implicam em que, necessariamente, haja um aumento
significativo na qualidade da educação.
Em seu livro Educação online, Silva (2010) desenvolve um capítulo sobre a
formação de professores-tutores, no qual destaca a importância de levá-los a vencer
o preconceito que já alimentavam com a Educação a distância em suportes
analógicos, ampliado para as possibilidades da Educação a on-line.
Descreve vários aspectos que podem gerar esta resistência nos professores:
desconfiança da ausência do contato visual, considerado essencial no ensino e na
avaliação; sentimento de ameaça frente a qualquer tecnologia de informação e
comunicação cujo desempenho de transmissão possa estar acima da sua; e
conservadorismo fazendo com que se sinta excluído do processo por não estar
preparado para a utilização das tecnologias digitais.
Silva (2010) considera essencial que a prática pedagógica para a Educação
on-line seja estruturada a partir da arquitetura de um desenho didático com o
objetivo de definir o planejamento, a produção e a operatividade de conteúdos e de
situações de aprendizagem, que estruturam processos de construção do
conhecimento na sala de aula on-line. Ressalta ainda que estes conteúdos e
situações de aprendizagem devem contemplar a interatividade própria dos
ambientes virtuais.
O autor enfatiza a necessidade do desenho didático para contemplar uma
intencionalidade pedagógica que garanta a Educação on-line como obra aberta,
plástica, fluida, hipertextual e interativa. Caso contrário repetirá práticas próprias da
Pedagogia de transmissão. O desenho didático é a estruturação de um conjunto de
conteúdos e situações de aprendizagem numa sala de aula virtual.
Silva (2010) aponta algumas questões importantes para o planejamento e
definição da arquitetura hipertextual de um desenho didático na sala de aula on-line.
São elas: contexto sócio histórico e cultural dos estudantes e respectivos perfis
23
sociocognitivo e político-cultural; expectativas para o curso on-line; infraestrutura
tecnológica que dispõem os docentes e os estudantes; competências a serem
desenvolvidas; definição da equipe para garantir uma produção multidisciplinar;
identificação dos conteúdos, objetos e situações de aprendizagem em hipertexto,
bem como da arquitetura a ser adotada nas interfaces de conteúdos e comunicação;
definição da estrutura para autoestudo e aprendizagem colaborativa; possibilidades
de aproveitamento das situações de aprendizagem como subsídios para avaliação
formativa; e descrição de indicadores para avaliação a partir das participações dos
alunos nas interfaces de comunicação a serem utilizadas em cada fase do curso.
Como afirma Silva,
O desenho didático pode estruturar-se como hipertexto assim
entendido para exprimir o perfil da sala de aula on-line engendrada
pela coautoria da equipe de produção, do docente dos cursistas na
produção da aprendizagem e da própria comunicação. A sala de aula
on-line não está mais centrada na figura do professor, mas
possuidora permanente de diversos centros em que se dão a
constante produção e a renegociação dos atores em jogo. Nela a
aprendizagem se dá com as conexões de imagens, sons, textos,
palavras, diversas sensações, lógicas, afetividades e com todos os
tipos de associações. O docente não perde a sua autoria enquanto
mestre. Do polo transmissor ele passa a agente provocador de
situações, arquiteto de percursos, mobilizador da inteligência
coletiva. (SILVA, 2010, p. 221)
O autor declara ser fundamental que o desenho didático leve em conta pelo
menos três condições para que possa ser produzido de forma adequada:
arquitetar percurso em teias de conexões
disponibilizar uma montagem de conexões em rede que permita
múltiplas ocorrências
provocar situações de inquietação criadora.
Assim, é fundamental que o desenho didático do curso seja desenvolvido de
acordo com os princípios básicos que norteiam a comunicação pela mídia digital.
“Será preciso romper com a linearidade do livro e das apostilas eletrônicas de modo
que não subutilizem a disposição hipertextual e comunicacional própria do ambiente
de aprendizagem on-line, na web”. (Silva, 2010, p.229)
As mídias digitais estão cada vez mais diversificadas, podendo ser a tela do
computador on-line, do celular, dos tablets, da TV digital, dentre outros. Estes são
24
elementos fundamentais para que a Educação a distância possa evitar a
massificação dos sistemas baseados na lógica da transmissão e ampliar as
potencialidades de realizar um processo educacional de qualidade na cibercultura.
Em relação à interação professor-aluno em cursos on-line, são, portanto,
incentivados os processos comunicacionais que adotam práticas interativas e
utilizam recursos hipertextuais.
Os ambientes virtuais de aprendizagem, doravante AVAs, as teleconferências
e as videoconferências são as tecnologias digitais mais utilizadas na educação online.
Os AVAs têm como característica principal a reunião de um conjunto de
interfaces de conteúdo e de comunicação que consistem em dispositivos tais como:
textos, áudio, imagens e animações que permitem apresentar o conteúdo
digitalizado de diferentes formas. As interfaces de comunicação são aquelas
destinadas à interatividade. Esses ambientes tornam-se verdadeiras salas de aula
virtuais por meio das quais é possível socializar informações e conteúdos e
principalmente intensificar a comunicação síncrona e assíncrona que privilegiam a
troca de mensagens na comunidade de aprendizagem.
Por comunicação síncrona entende-se a interação em tempo real, em que os
interlocutores precisam estar conectados simultaneamente. Como exemplo pode-se
citar os chats, as web conferências e as mensagens instantâneas. A comunicação
assíncrona é realizada em tempos diferentes, ou seja, os interlocutores podem
enviar as mensagens em dias e horários diversos, sem que estejam conectados
simultaneamente, como ocorre, por exemplo, no correio eletrônico, nos fóruns, nas
listas de discussão, nos blogs e nos wikis.
Segundo Lévy (1997), o movimento social e cultural provocado pelo
ciberespaço pressupõe que tanto a criação das comunidades virtuais como a
exaltação da inteligência coletiva são estimuladas por dois valores essenciais: a
autonomia e a alteridade.
Estes valores fazem com que a cibercultura tenda a ser universal sem
totalidade, permitindo o acesso às comunidades virtuais e seus produtos de forma
ampliada. O ciberespaço possibilita a articulação entre os coletivos inteligentes de
forma democrática, inibindo o totalitarismo. De acordo com Lévy (1997), o
movimento que impulsiona a comunicação interativa de todos os envolvidos no
25
processo indica que a totalização estará impedida de ocorrer, pois a linhas de fuga
tendem a se proliferar e as fontes tornam-se cada vez mais diferenciadas.
Neste contexto as dimensões de tempo e espaço precisaram ser revistas e
adaptadas, ultrapassando os limites das instituições de ensino. A possibilidade de
flexibilizar a mensagem, tornando-a passível de ser reformulada pelos alunos no
processo ensino-aprendizagem, provoca uma mudança significativa no papel do
professor.
Lévy afirma que:
Não quero com isto dizer que a universalidade do ciberespaço seja
neutra ou sem consequências (...) trata-se de um universal
indeterminado e que tende mesmo a manter a sua indeterminação
visto que cada nó da rede das redes em expansão constante pode
tronar-se produtor ou emissor de informações novas, imprevisíveis, e
reorganizar uma parte da interligação global por sua conta. (LÉVY,
1997, p.113)
A incorporação dos recursos da web 2.0 à Educação on-line ampliou as
possibilidades de comunicação e de criação coletiva, fazendo com que tanto
professores quanto estudantes fossem ao mesmo tempo transmissores e receptores
no processo educacional.
O professor deixa de ser o detentor e veiculador do saber e passa a ser o
orientador e disseminador de critérios para que os estudantes possam entrar em
contato com a diversidade de estímulos que lhes são disponibilizados no momento
atual. O estudante passa a ser mais ativo no processo, a partir da provocação do
professor para estimular sua curiosidade direcionada a descobertas enriquecedoras.
Como afirma Litto (2008), o professor neste contexto da web 2.0 precisa levar
o estudante a refletir sobre a autoridade da fonte das informações de modo que o
conhecimento possa ser abordado de forma menos superficial, com base em
parâmetros mais confiáveis. A questão que se apresenta é como desenvolver novas
competências
no
professor
diante
dos
impactos
provocados
pelo
redimensionamento de espaço e tempo determinado pela adoção das Novas
Tecnologias de Informação e Comunicação.
O diálogo que passa a ser estabelecido entre professor e estudante, altera
significativamente o posicionamento da autoridade em relação ao ensino tradicional.
O saber passa a ser construído com base na troca e em relações mais igualitárias.
Segundo Silva (2006), para que a interatividade ocorra é preciso haver uma
atitude intencional de comunicar-se com o outro. É comum encontrarmos nas
26
práticas tradicionais de EAD modelos em que a emissão não está conectada com a
recepção, impedindo, portanto, que o processo de interatividade ocorra.
De acordo com Cabral e Cavalcante (2012), na Educação on-line, é por meio
da linguagem escrita que o professor poderá transmitir que está aberto ao diálogo,
demonstrando que deseja estabelecer uma parceria. Trata-se de um processo
complexo, já que nem o professor nem o estudante estão acostumados a conviver
com esta condição de igualdade, sem a presença do componente autoritário que
tradicionalmente é atribuído ao professor.
No atual contexto, o professor precisa desenvolver competências para
estimular a postura crítica e investigativa do estudante, bem como conviver com a
ambivalência, da concordância ou discordância, que passam a ser expressas pelos
alunos na construção coletiva do conhecimento.
Apesar da entrada de novos elementos na EAD, como as tecnologias de
informação e comunicação (TICs), o papel do professor foi ampliado. É possível que,
na história da educação, o professor nunca tenha assumido um papel tão essencial
como na atualidade.
Wedemeyer (1977) apresentou o conceito de estudo independente que
consiste em processos educacionais nos quais educadores e aprendizes realizam
suas atividades separadamente, diversificando as maneiras de comunicar-se. Daí
surgiu a ideia de criação de uma educação superior que oferece mais liberdade e
oportunidades, fora do campus presencial. Moore (2007) interessou-se pela teoria
da autonomia de Wedemeyer (1977) e aprofundou seus estudos nesta área.
Segundo Moore (2007), a distância transacional é uma variável relativa e não
absoluta, ocorrendo, portanto em diferentes intensidades, principalmente no que se
refere à relação entre alunos e professores. A partir daí o autor propõe que estas
relações sejam analisadas com base em três elementos: o diálogo educacional, a
estrutura dos programas e o grau de autonomia do aluno.
Embora os termos diálogo e interação tenham significados semelhantes,
podem-se destacar algumas diferenças entre eles. O diálogo é uma interação que
possui qualidades positivas. É intencional, construtivo e valorizado pelas partes
envolvidas. O diálogo em uma relação educacional deve estar voltado para a
aprendizagem do aluno e as condições para que aconteça devem estar
determinadas, dentre outros, pelos seguintes fatores: filosofia educacional do projeto
27
do curso; características pessoais do professor e do aluno; ementa do curso; e o
meio de comunicação.
Se o modelo de EAD adotado utiliza apenas meios de via única de
comunicação, tais como a televisão, o vídeo ou um livro autoinstrucional, a
possibilidade de ocorrer diálogo fica bastante limitada, uma vez que os alunos não
podem enviar mensagens aos professores. Pode-se considerar, que mesmo no
ensino por correspondência havia uma troca, embora reduzida e lenta, entre
professor-aluno, realizada pelo correio. Além disso, a leitura de textos pode
proporcionar uma interação silenciosa e interior entre o aprendiz e o autor do
conteúdo.
Os
meios
altamente
interativos
de
teleconferência
eletrônica,
a
audioconferência e os meios de comunicação on-line, síncronos e assíncronos,
facilitam a transposição da distância transacional (MOORE,2007) e permitem um
diálogo mais intenso e dinâmico. Mesmo que alguns programas tenham um
potencial elevado de interação, esta pode não ocorrer porque os professores não se
encontram em condições de explorar sua interatividade. Além disso, os alunos
podem não desejar o diálogo com seus professores. A interação varia também em
função da natureza do conteúdo, por exemplo, conteúdos das áreas de Ciências
Sociais e Educação normalmente requerem mais diálogo do que conteúdos das
áreas exatas como Matemática, onde a abordagem é mais centrada no professor.
Em função de suas características pessoais, há alunos que preferem programas
mais dialógicos, com pouca estrutura, enquanto outros apresentam um melhor
aproveitamento em programas mais estruturados com pouco diálogo.
Um dos fatores determinantes para reduzir a distância transacional
(MOORE,2007) é ampliar as possibilidades de diálogo nos cursos a distância.
Segundo Anderson (2003), a interação pressupõe que o diálogo ocorra de maneiras
diferenciadas em um cenário inovador, onde a Educação possa articular-se com as
tecnologias visando reduzir o afastamento físico entre o professor e o estudante. A
estrutura de um programa educacional é influenciada pelos meios de comunicação
empregados. Quando um programa privilegia a estrutura e reduz as possibilidades
de diálogo professor-aluno, aumenta a distância transacional (MOORE, 2007) entre
alunos e professores. No planejamento de um curso a distância, deve ser enfatizada
estruturação do conteúdo a ser estudado, para superar a distância transacional da
melhor forma possível.
28
Outro desafio da educação é estruturar o desenvolvimento de habilidades
cognitivas de nível mais elevado, como por exemplo, a capacidade de análise e
crítica dos estudantes.
Em consequência desta necessidade de estruturação, os programas de
Educação a distância são desenvolvidos tendo como base um processo
colaborativo, envolvendo equipes compostas de diferentes categorias profissionais
tais como: desenhistas instrucionais, especialistas em tecnologias educacionais e
autores de conteúdo.
Os programas desta modalidade de ensino também podem ser analisados a
partir do grau em que o professor ou o aluno exercem o controle sobre o processo
de aprendizagem. A autonomia em relação ao programa desenvolvido ocorre
quando é o aluno e não o professor quem decide sobre os objetivos, as experiências
de aprendizagem e a avaliação. Quanto maior a distância transacional (MOORE,
2007), mais o aluno terá necessidade de exercer esta autonomia.
Cabe aqui uma questão fundamental: a Educação a Distância torna o aluno
mais independente?
Esta ideia de independência do aluno associada à Educação a distância,
tomou força nos anos 70, antes do surgimento das novas tecnologias interativas,
como a internet. Como não havia tecnologia disponível capaz de privilegiar a
interação, esta não era enfatizada nos programas de EAD. Assim, nos anos iniciais,
“o estudo independente e o aprendizado privado, desenvolvidos pela EAD,
desafiariam a necessidade de interação em educação” (MAIA e MATTAR,2007, p.8).
O potencial do aluno para assumir a responsabilidade de aprendizagem
autônoma pode influenciar significativamente a distância transacional (MOORE,
2007) em qualquer programa educacional. As modernas tecnologias provocam
mudanças nos papéis do aluno e do professor gerando a necessidade de
desenvolvimento de novas competências. O professor passa a ser um guia,
trabalhando lado a lado com o aluno. Este, por sua vez, deve estar aberto a
compartilhar suas experiências profissionais e pessoais com o professor e com o
grupo de alunos. É preciso também que se sinta à vontade para utilizar recursos
básicos de comunicação pela internet e que seja capaz de comunicar-se
virtualmente, podendo prescindir do contato visual e auditivo. Além disso,
necessitam desenvolver a capacidade de reflexão e análise crítica para que possam
29
dialogar com os professores, elaborar questionamentos e construir novos
significados para os conteúdos.
Para aprofundar o tema da interação em EAD, citamos a seguir as três
gerações que foram apresentadas por Anderson e Dron (2011), para descrever os
principais modelos pedagógicos que coexistem, atualmente, na EAD:
 1ª geração: behaviorismo/cognitivismo
O conceito de behaviorismo foi apresentado por John Watson, em 1913, no
artigo Psychology as the behaviorist views it publicado no periódico Psychological
Review, e tem como foco o estudo de comportamentos resultantes de respostas em
relação aos estímulos externos. Fundamenta-se na definição de objetivos de
aprendizagem mensuráveis e observáveis, desconsiderando os aspectos estruturais
de cada indivíduo que podem influenciar suas atitudes e capacidades.
Esta teoria deu origem ao cognitivismo, no final da década de 1950. As
funções cerebrais passam a ter um papel primordial na aprendizagem e os modelos
computacionais começam a ser aplicados intensamente na pesquisa e avaliação
educacional. O professor assume o controle do processo neste modelo que introduz
novos fatores determinantes da aprendizagem tais como: a capacidade de aquisição
de conhecimentos, a motivação e outros aspectos atitudinais.
Nos modelos de ensino a distância que são baseados nas abordagens
behavioristas e cognitivistas o professor está no centro do processo de transmissão
do conteúdo. Predominam os conteúdos estruturados e a aprendizagem individual. A
comunicação professor-aluno é reduzida e há baixa interação social no grupo.
 2ª geração: socioconstrutivismo
O socioconstrutivismo de Vygotsky (1896-1934) foca nas construções e
interações que ocorrem no processo educacional. As principais publicações
surgiram no Brasil a partir dos anos 70 e 80, introduzindo a utilização de novas
tecnologias na comunicação como elementos mediadores da interação interpessoal
e de atividade conjunta do aluno com o professor e demais colegas. Neste caso o
professor afasta-se do controle e passa a atuar como guia.
De acordo com Coll:
Segundo essa perspectiva, o professor aparece caracterizado como
tutor ou orientador e seu papel consiste basicamente em
acompanhar o processo de aprendizagem do aluno, mantendo
diferentes graus de envolvimento no processo, cedendo o controle ao
aluno quando este é capaz de assumi-lo e recuperando o papel de
guia quando o aluno necessita. (COLL, 2010, p.123)
30
Os alunos são orientados a dar significado aos conteúdos e passam a ser os
agentes do processo ensino-aprendizagem. O professor tem o papel de facilitador e
precisa disponibilizar a tecnologia para o aluno de modo a possibilitar a
reorganização de suas funções cognitivas. Pode-se observar, portanto, que neste
modelo a aprendizagem inclui as dimensões afetivas e de autorregularão, além das
cognitivas.
Parte-se do princípio de que os estudantes são dotados de estilos
próprios de aprendizagem e a flexibilização é possibilitada pelas características das
tecnologias da informação e comunicação.
Coll (2010) destaca as seguintes competências a serem desenvolvidas pelo
professor:
possibilitar que o aluno aproprie-se do conteúdo a partir da proposta de
atividades que permitam a construção individual do conhecimento;
incentivar a solicitação de assessoria e apoio por parte do aluno, a
partir da forma como planeja suas atividades.
assegurar o compromisso do aluno e sua continuidade no processo de
aprendizagem;
facilitar o acesso do aluno aos conteúdos de aprendizagem a partir da
orientação adequada quanto ao uso das tecnologias e ferramentas
disponíveis.
Coll (2010) denominou de triângulo interativo a relação entre professor, aluno
e conteúdos, nos cursos a distância de orientação socioconstrutivista. Refere-se a
uma relação complexa onde o aluno tem o papel de aprendiz, o conteúdo é o objeto
de estudo e o professor auxilia o aluno a atribuir significados aos conteúdos.
Segundo o autor:
A partir da orientação construtivista e sociocultural a aprendizagem é
entendida como resultado de uma relação interativa entre professor,
aluno e conteúdos – o triângulo interativo. Essa interação é um
processo complexo que resulta da inter-relação dos três elementos: o
aluno, que aprende desenvolvendo sua atividade mental de caráter
construtivo; o conteúdo, que é objeto de ensino aprendizagem; e o
professor que ajuda o aluno no processo de construção de
significados e de atribuição de sentido aos conteúdos de
aprendizagem. (COLL, 2010, p.125)
31
Acrescenta ainda que esse processo reflete-se na interatividade resultante da
articulação dos desempenhos dos docentes e estudantes em relação aos conteúdos
a serem aprendidos e ao desenvolvimento do processo de construção do
conhecimento.
Entende-se, portanto, que é competência fundamental do professor identificar
e ajustar-se às necessidades de auxílio demandadas pelos alunos a partir do
processo de interação que se estabelece entre eles.
De acordo com Paulsen (1992), é preciso que o professor virtual avalie as
condições de participação dos alunos não só em função de seus, conhecimentos e
necessidades, mas também a partir do interesse em relação ao envolvimento com o
grupo, visando à construção social do conhecimento e da atividade comunitária.
 3ª geração: conectivista
Esta pedagogia surge na atualidade, a partir de 2003, quando foi iniciada a
era da construção do conhecimento em rede. Esta geração destaca a presença
social e o capital social e permite que o indivíduo busque as informações de que
precisa, por meio de diversos tipos de interações em redes que possibilitam a
inclusão de alunos atuais, do passado e especialistas que contribuem para o
alcance dos objetivos de aprendizagem. Segundo Mattar (2012), o aluno precisa
saber pesquisar e aplicar o conhecimento onde e quando necessário. No
conectivismo considera-se que grande parte do processamento mental e da
resolução de problemas pode ficar sob a responsabilidade das máquinas.
As ferramentas de comunicação em rede assumem um papel fundamental por
permitirem que a presença social seja enfatizada por meio de comentários e
contribuições de participantes que já concluíram o curso, que permanecem na rede
para fornecer subsídios à aprendizagem dos alunos atuais. Dron (2006) afirma que
as atividades realizadas pelos usuários anteriores tornam-se caminhos que novos
usuários podem trilhar para chegar ao conhecimento. Dron & Anderson (2009)
acrescentam que este processo gera um coletivo emergente, que pode tronar-se
uma entidade socialmente constituída, no entanto, sem alma, que reflete a mente do
grupo, mas não dialoga.
Neste modelo, alunos e professores colaboram para criar o conteúdo de
estudo, no processo de re-criar esse conteúdo para uso futuro por outros. O principal
problema consiste em que a estrutura do conteúdo que emerge da rede é distribuída
de forma desigual, podendo dificultar o alcance dos objetivos de aprendizagem.
32
A partir destas gerações podemos analisar o perfil e as competências dos
professores e alunos em relação ao processo de interação em EAD.
De acordo com Coll (2010), a educação precisa formar o estudante para que
seja capaz de organizar e atribuir significado e sentido à informação. Sendo assim o
professor necessita dominar e valorizar não só um novo instrumento, mas uma nova
cultura de aprendizagem. Na percepção do autor é necessário que o professor
desenvolva as seguintes competências:
colocar a tecnologia a serviço do aluno, enfatizando o uso dos recursos de
consulta e assessoria que as tecnologias oferecem.
criar um contexto que possibilite reorganizar as funções cognitivas do aluno.
reduzir sua interferência no processo ensino-aprendizagem
elaborar propostas que criem condições para que o aluno se aproprie do
conteúdo a partir de uma atividade construtiva individual.
garantir o envolvimento do aluno no processo de aprendizagem.
As principais questões que se apresentam aqui são: como preparar o
estudante para conviver com a incerteza do conhecimento e desenvolver suas
visões de mundo baseadas em critérios significativos?
Coll (2010) afirma que estas questões deram origem ao surgimento de novos
espaços formativos de caráter flexível que reduziram as limitações de tempo e
espaço da escola tradicional.
É preciso rever diante desta realidade, a dinâmica da interação entre
professor, aluno e conteúdo para encontrar os novos caminhos da Educação a
Distância.
Assim, o ciberespaço vem oferecendo um campo de expansão para as teorias
psicológicas, particularmente as interacionistas de Vygotsky e Piaget, que destacam
a interatividade como fator primordial para o processo de aprendizagem.
Cabe
ressaltar que os modelos que historicamente foram um marco inicial da Educação a
distância, e que ainda permanecem presentes, são baseados nas escolas
behavioristas e cognitivistas, determinados pelo estado da arte das tecnologias de
comunicação e informação da época. Pode-se considerar que tais modelos
apresentam características predominantemente totalitárias, uma vez que o processo
educacional está focado na transmissão do conhecimento, colocando o aluno como
um receptor passivo, sem possibilidade de interferir de forma dinâmica e significativa
33
no conteúdo transmitido. É possível ainda aperfeiçoar tais modelos naquilo que
oferecem como contribuições para a Educação a Distância.
1.3 A expansão do ciberespaço e as novas possibilidades de deliberação coletiva
As novas aplicações da computação social que, a partir de 2004, passaram a
ser denominadas de Web 2.0, constituem um ambiente de interação que compartilha
de maneira colaborativa as memórias coletivas, de modo que “as distinções de
status entre produtores, consumidores, críticos, editores e gestores da midiateca se
apagam em proveito de uma série contínua de intervenções onde cada um pode
desempenhar o papel que desejar” (LÉVY e LEMOS, 2010, p.11).
Estas condições passam a alterar a própria cultura da era digital, introduzindo
formas diferenciadas de comunicação nas quais os conteúdos são elaborados e
disponibilizados pelos próprios usuários. Como afirmam Lévy e Lemos (2010) nem
todos os grupamentos sociais formados na internet podem ser considerados como
comunitários. As comunidades virtuais e as redes sociais do ciberespaço necessitam
que
seus
participantes
compartilhem
um
espaço
telemático
e
simbólico
estabelecendo uma ligação afetiva que possibilite a integração de seus membros
durante um período de tempo.
As principais características desta fase de expansão das redes sociais são a
transparência das informações e a possibilidade de multiplicar rapidamente os
contatos que interferem na disseminação de novas ideias e comportamentos. A
computação social passa então a ser um importante fator para ampliar a inteligência
coletiva.
Segundo Lévy e Lemos,
As novas mídias interativas com funções pós-massivas são, mais do
que informativas, verdadeiras ferramentas de conversação. Essa é
uma das características que as diferenciam das mídias de função
massiva de caráter mais informativo. No espaço midiático das mídias
de massa, a conversação só acontece em um segundo momento (...)
as funções pós-massivas, que caracterizam de forma hegemônica o
ciberespaço e vão se expandir no futuro por sua característica
eminentemente conversacional (bidirecional, interativa e aberta,
planetária), implicam debates e conversas ou não mediadas, ou
mediadas pelos agentes da conversação e assim não são mais
controladas por centros editores de informações. (LÉVY e LEMOS,
2010, p.70)
34
As mudanças trazidas pela computação social, de acordo com Lévy e Lemos
(2010), não estão relacionadas somente à forma como as mídias são utilizadas, mas
principalmente ao modo de produção e disseminação das informações. As
singularidades são mantidas quando se entrelaçam no espaço virtual, sem perder a
dimensão local na produção de conteúdos. Da mesma forma podemos considerar
que é possível fazer uso das redes sociais na EAD, sem perder as singularidades
dos sujeitos produtores dos conteúdos, que apesar de estarem distantes
geograficamente, vivendo em culturas diferenciadas, têm condições de manter uma
conexão intensa no diálogo educacional.
Lévy e Lemos afirmam que:
Essa nova “ecologia” midiática evolui de um sistema centrado em um
polo emissor, sem possibilidade de conexão e configurando massas
de usuários, para um sistema onde qualquer um pode, com poucos
recursos, produzir informações, cooperar, adicionar e criar processos
coletivos e inteligentes. Pode-se assim transformar a “massa” em
“produtores” de conhecimento. (LÉVY e LEMOS, 2010, p.77)
Assim, a expansão dos recursos interativos e colaborativos da web determina
a liberdade de expressão no ciberespaço. Segundo Lévy e Lemos (2010), a mutação
das mídias faz com que, potencialmente, todos os atores sociais possam libertar-se
do polo de emissão, tornando-se mais autônomos e independentes. Essa nova
dinâmica provoca a ampliação da capacidade de produzir coletivamente e tem como
consequência uma reconfiguração dos espaços público, social, cultural e político.
É tempo, portanto, de refletirmos sobre as possibilidades da Educação on-line
frente ao surgimento destas novas mídias que resultam numa aprendizagem coletiva
com mudanças significativas nas interações e conexões possíveis entre professores
e alunos no ato educativo. As redes sociais foram amplamente incorporadas aos
ambientes virtuais de aprendizagem disponibilizando formas de compartilhamento
de conteúdos não somente entre alunos e professores de um mesmo grupo, mas
também com as demais comunidades interligadas a determinadas áreas de
conhecimento.
Apesar desta revolução da comunicação no ciberespaço e dos inúmeros
recursos interativos que ele oferece, ainda encontramos argumentos contrários às
possibilidades de se educar a distância que se baseiam na ausência física do
professor e na falta de interação e de contato pessoal nesta modalidade de ensino.
35
É importante ressaltar que, “sobre o novo território virtual, as proximidades são
semânticas e não mais necessariamente e unicamente geográficas ou institucionais”
(Lévy e Lemos, 2010, p.105). Desta forma, o ciberespaço redefine as proximidades,
sem eliminá-las. A tendência futura é que as novas práticas sociais e
comunicacionais mantenham os modelos de EAD em permanente mutação.
Concluindo podemos afirmar que, para diferenciar uma comunidade virtual de
um agrupamento eletrônico é preciso que haja compartilhamento de interesses,
intimidade e permanência nas relações. As redes sociais não sobrevivem sem
incentivo contínuo à participação de seus membros. No âmbito da Educação a
distância, o professor assume um importante papel como incentivador dos alunos no
processo de aprendizagem colaborativa disponibilizado nas redes sociais.
Nesta dissertação, como já foi dito, abordaremos a interação professor-aluno
nos cursos on-line, considerando o estado da arte da Educação a distância, a partir
de uma reflexão baseada nos conceitos psicanalíticos de pulsão de saber e
transferência.
36
2 CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA EDUCAÇÃO ON-LINE
2.1 Desejo de saber
Neste capítulo abordaremos ideias da psicanálise que julgamos poder
contribuir para a construção do pensamento sobre Educação a distância que
desenvolvemos no presente estudo.
Freud, em seu texto Sobre as teorias sexuais das crianças (1908), tomando
por base a observação direta das crianças, os relatos dos neuróticos adultos durante
o tratamento psicanalítico e as lembranças inconscientes traduzidas em material
consciente resultantes da psicanálise de neuróticos, faz um exame minucioso da
curiosidade infantil sobre o sexo e analisa a natureza das teorias sexuais infantis.
Na verdade, estas teorias representam a base de todo o desenvolvimento
intelectual posterior e influenciam diretamente o processo de solução de problemas
que o sujeito desenvolverá até sua vida adulta. São as primeiras questões que a
criança está realmente interessada em resolver e nas quais investe esforços para
realizar suas descobertas.
Em função das variações individuais no comportamento sexual das crianças,
Freud optou por apresentar o texto de acordo com os períodos da infância, definidos
em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (Freud, 1905). Afirma que todas as
crianças consideradas mentalmente normais têm interesse pelas questões sexuais
nos anos que precedem a puberdade.
O autor argumenta que é possível “utilizar as comunicações dos neuróticos a
respeito de sua infância para delas inferir, por analogia, conclusões sobre a vida
infantil normal” (FREUD, 1908, p. 192). Considera que a diferença dos neuróticos
para os normais é que as pessoas sadias conseguem superar seus complexos sem
danos graves na vida prática. Os neuróticos, no entanto, por apresentarem uma
precocidade em relação à expressão da pulsão sexual, permitem uma melhor
observação da atividade sexual infantil.
Freud (1908) focou neste trabalho o
desenvolvimento sexual masculino.
A curiosidade sexual das crianças não surge espontaneamente, aparece a
partir das pulsões egoístas que podem surgir, por exemplo, a partir da chegada de
um novo bebê. O temor pela perda da atenção dos pais e a presunção da
necessidade de compartilhar seus bens com o recém-chegado despertam suas
37
emoções.
Daí surge o primeiro grande problema que dá origem à pergunta: De onde
vêm os bebês? Ao exigir diretamente uma resposta dos pais ou dos responsáveis
que, a seus olhos representam a fonte de todo o conhecimento, a criança recebe
respostas evasivas ou uma explicação mitológica como a lenda da cegonha.
Segundo Freud (1905), estas respostas não são satisfatórias para a maioria das
crianças, gerando dúvidas que não ousam admitir abertamente.
Assim surge nas crianças a desconfiança dos adultos e a suspeita que estes
lhes escondem algo proibido. Como consequência elas passam a manter em
segredo suas investigações posteriores. O complexo nuclear da neurose é formado
a partir deste ponto, constituído por um conjunto de opiniões recalcadas e
inconscientes resultantes do conflito psíquico determinado pelo trabalho de
investigação infantil.
Com o conhecimento de que os bebês crescem no interior do corpo da mãe,
a criança passa a elaborar falsas teorias que lhe são impostas por sua própria
sexualidade. Freud (1905) descreve as três teorias sexuais infantis que considera
fundamentais:
1ª – Consiste em atribuir a todos, inclusive às mulheres, a posse de um pênis.
2ª – Consiste na teoria cloacal, ou seja, na crença de que os bebês nascem
pela passagem anal.
3ª – Consiste na concepção sádica do coito, que pode surgir quando a
criança testemunha acidentalmente uma relação sexual entre os pais.
A primeira dessas teorias pressupõe que na infância o pênis é o mais
importante objeto sexual erótico. O menino, ao atribuir um elevado valor ao pênis,
não consegue imaginar que uma pessoa semelhante possa ser desprovida dele.
No caso do Pequeno Hans, Freud (1909) transcreve o seguinte diálogo entre
o menino e sua mãe, que ilustra esta primeira teoria:
Noutra ocasião, ele estava olhando insistentemente sua mãe despida,
antes de ir para a cama. ‘Para que você está olhando para mim desse
modo?’, ela perguntou.
Hans: ‘Eu só estava olhando para ver se você também tem um pipi.’
Mãe: ‘Claro. Você não sabia?’
Hans: ‘Não. Pensei que você era tão grande que tinha um pipi igual ao
de um cavalo.’
(FREUD, 1909, p.19)
38
Ainda no caso Hans, Freud descreve que quando o menino tinha três anos e
meio foi visto por sua mãe enquanto se masturbava. Ela ameaçou-o com as
palavras:
Se fizer isso de novo, vou chamar o Dr. A. para cortar fora seu pipi. Aí,
com o que você vai fazer pipi?
Hans: ‘Com meu traseiro.’
(FREUD, 1909, p.17)
O autor considera que nessa ocasião Hans adquiriu o complexo de castração
que é frequentemente identificado na análise dos neuróticos.
Na segunda teoria sexual formulada pela criança, ela acredita que o bebê se
desenvolve no corpo da mãe e é expelido pela passagem anal, anulando, portanto, a
existência da vagina. Sendo assim, o menino pode imaginar que também tenha
condições de ter filhos e que este não é um privilégio das mulheres.
Caso a teoria cloacal do nascimento seja preservada após a infância a ela
pode associar-se uma solução semelhante à dos contos de fadas: a ingestão de
uma determinada comida ocasiona a concepção de uma criança.
Para o menino não basta saber que o bebê se forma dentro do corpo da mãe.
Ele continua sua investigação buscando verificar como ele chega lá dentro e o que
provoca o seu desenvolvimento. No entanto, suas descobertas não são bem
sucedidas em função da teoria de que a mãe possui um pênis, como um homem, o
que o impede de perceber a existência de uma cavidade que acolhe o pênis. Esses
esforços fracassados têm um efeito limitador no seu trabalho intelectual posterior
aplicado à solução de problemas, o que certamente será um fator determinante
sobre o futuro da criança.
Na terceira das teorias sexuais as crianças podem interpretar o ato de amor
como um ato de violência, após presenciarem a relação sexual entre os pais. Ela
tende a perceber a mãe numa posição defensiva e o pai numa posição agressiva.
Também pode imaginar que o ato que presencia à noite é uma continuidade dos
conflitos que assiste durante o dia. Neste caso é possível que repita as brigas nas
suas relações sociais.
A questão da natureza e do conteúdo do estado de casamento também atrai
a atenção da criança. Ela vê no matrimônio uma promessa de prazer que acredita
estar relacionada com a ausência de pudor.
39
Ainda no caso do Pequeno Hans (Freud, 1909), o menino relata para seu pai:
“gostaria de estar fazendo algo com minha mãe, algo proibido; eu não sei o que é,
mas sei que você está fazendo isso também” (FREUD, 1909, p.112).
Na fase da pré-puberdade, por volta dos dez ou onze anos, os assuntos
sexuais começam a aproximar-se das crianças. Normalmente aquelas menos
inibidas informam às demais aquilo que sabem. Elas descobrem a existência da
vagina e sua finalidade; porém, as revelações que trocam entre si são mescladas,
muitas vezes, com ideias falsas e resíduos de teorias sexuais infantis anteriores.
Agora o obstáculo para a compreensão de todo o processo é o desconhecimento do
sêmen. As teorias agora não são mais primitivas como as da primeira infância, que
podiam ser expressas sem inibições. Os esforços intelectuais posteriores das
crianças para decifrar os enigmas do sexo dependem da natureza do esclarecimento
que a criança recebe e o seu significado está relacionado à possibilidade de fazerem
aflorar os traços, que se tornaram inconscientes, do primeiro período infantil de
interesse sexual. Muitas vezes essas investigações estão associadas a uma
atividade sexual masturbatória e podem determinar certo afastamento emocional
dos pais. Isto fundamenta a opinião de alguns professores que consideram que o
esclarecimento nessa idade corrompe as crianças.
É necessário também observar o modo como as crianças reagem à
informação recebida. O recalque sexual acentuado pode fazer com que essas
crianças permaneçam ignorantes mesmo na vida adulta, até que o conhecimento
originado na primeira infância venha à luz por meio da psicanálise de neuróticos.
A curiosidade sexual das crianças pode determinar Inúmeras reações
posteriores. No entanto, nos primeiros anos da infância suas reações eram
uniformes, sendo possível garantir que “todas elas tentaram ansiosamente descobrir
o que os pais faziam um com o outro para terem bebês” (FREUD, 1908, p.204).
Segundo Freud (1905), entre os três e cinco anos de idade, inicia-se na
criança a pulsão de saber que não está exclusivamente subordinada à sexualidade,
entretanto suas relações com ela são particularmente significativas. A psicanálise
demonstra que, “na criança, a pulsão de saber é atraída, de maneira
insuspeitadamente precoce e inesperadamente intensa, pelos problemas sexuais, e
talvez seja até despertada por eles” (FREUD, 1905,p.183).
A primeira pergunta que a criança tenta responder não diz respeito à
diferença sexual, mas sim à origem dos bebês. Freud (1908) afirma que a
40
intensidade com que as pessoas se interessaram, no período pré-púbere, por esta
questão, há muito sucumbiu ao recalcamento. Fora da análise, é raro haver
lembranças de uma investigação correspondente nos primeiros anos da infância. A
partir daí, surgem as teorias iniciais sobre o nascimento tais como, a criança é
concebida quando a mãe ingere determinado alimento (como nos contos de fada) e
nascem pelo intestino, quando as fezes são expelidas.
Em contrapartida, a criança tem dificuldade em aceitar o fato de haver dois
sexos. O menino considera que todas as pessoas têm os órgãos genitais
semelhantes aos seus, não admitindo a falta destes órgãos nas pessoas do sexo
oposto.
O complexo de castração inicia com a suposição de uma genitália masculina
idêntica em todos os seres humanos. Esta é a primeira das teorias sexuais infantis.
As meninas, ao avistarem a genitália dos meninos passam a invejá-lo, dando origem
ao desejo de ser também um menino.
Outro fato importante que desencadeia a investigação intelectual infantil
ocorre quando, na primeira infância, a criança assiste à relação sexual entre adultos.
Elas passam a encarar o ato sexual num sentido sádico. A psicanálise considera
que essa impressão pode provocar um deslocamento sádico posterior do alvo
sexual.
Freud (1908) destaca que, apesar dos esforços das investigações infantis,
ainda permanecem desconhecidos para as crianças dois elementos fundamentais: o
papel do sêmen na fecundação e a existência do orifício sexual feminino. Esta
frustração pode levar à renúncia em relação à procura de respostas e, como
consequência, muitas vezes determina um prejuízo permanente para a pulsão de
saber. A solidão é uma característica da investigação sexual da infância e pode
implicar em autonomia e afastamento em relação ao grupo social.
No caso do Pequeno Hans, pode-se observar claramente a estreita relação
existente entre o desejo de saber e a necessidade de respostas às indagações a
respeito da sexualidade. A curiosidade de Hans voltava-se principalmente para seus
pais, como ilustra o texto a seguir:
Ele se deparou com o grande enigma: “de onde é que os bebês vêm”,
que é, talvez, o primeiro problema a ocupar os poderes mentais de
uma criança, e do qual o enigma da Esfinge tebana provavelmente
não é mais do que uma versão distorcida. Ele rejeitou a solução
41
oferecida, a de a cegonha ter trazido Hanna. Pois ele tinha notado
que, meses antes do nascimento do bebê, o corpo de sua mãe tinha
crescido. (....). Foi capaz de imaginar o ato de dar à luz como um ato
de prazer, relacionando-o com seus próprios primeiros sentimentos de
prazer ao evacuar. (FREUD, 1909, p.120)
Segundo Freud (1909), os primeiros conflitos de Hans surgiram a partir do
Édipo, pois percebeu que seu pai, a quem amava desde a infância, tinha a ver com
o nascimento de Hanna, sua irmã mais nova. Seu ressentimento contra o pai era
não só por ter-lhe mentido em relação à cegonha quando pesquisou a origem dos
bebês, mantendo o conhecimento afastado dele, mas também por mantê-lo mais
distante de sua mãe, na medida em que, quando estava por perto, o menino se
ressentia de receber menos atenção dela, colocando seu pai na posição de rival.
O desejo de saber reforça a continuidade da investigação do Pequeno Hans
no sentido de descobrir o que sua mãe poderia ter feito para ter um bebê. No
entanto, a crença de que ela possuía um pênis, impossibilitou a descoberta de
qualquer solução, aumentando a intensidade do conflito. A partir daí sua neurose
passa a estar relacionada ao problema de saber se sua mãe gostava de ter filhos ou
era obrigada a tê-los.
Freud afirma ainda que,
Sua tentativa de descobrir o que era que tinha de ser feito com sua
mãe a fim de que ela pudesse ter filhos afundou para o seu
inconsciente; e seus dois impulsos ativos – o hostil em relação a seu
pai e o sádico-terno em relação a sua mãe – não podem ser postos
em uso – o primeiro, por causa do amor que existia lado a lado com o
ódio, e o segundo, por causa da perplexidade na qual suas teorias
sexuais infantis o deixaram. (FREUD, 1909, p.121)
Seguindo este caminho o autor conseguiu reconstruir “os complexos e
desejos inconscientes, o recalque e o redespertar do que produziu a fobia do
Pequeno Hans” (FREUD, 1909,p.121). Com a intenção de vingar-se de seu pai por
ter sido enganado com a fábula da cegonha, Hans apresentou fantasias com
mentiras muito evidentes, como se quisesse dizer a seu pai: “se você realmente
pensou que eu era tão estúpido assim, e esperava que eu acreditasse que a
cegonha trouxe Hanna, então, em troca, eu espero que você aceite as minhas
invenções como sendo verdade” (FREUD, 1909, p.117).
42
De acordo com Freud (1909), esta atitude vingativa de Hans em relação a seu
pai originou a fantasia de importunar e bater nos cavalos. Considera também que
esta fantasia estava associada a desejos sádicos voltados para sua mãe.
A partir das teorias sexuais infantis aqui resumidamente apresentadas, é
possível obter importantes insumos que poderão ajudar a identificar o objeto da
pulsão
epistemofílica
(desejo
de
saber),
bem
como
o
seu
destino
no
desenvolvimento do indivíduo.
Segundo Santiago (2005), Freud considera que a sublimação da pulsão
sexual procura eliminar a sexualidade do pensamento. O principal objetivo da pulsão
do saber passa a ser a investigação da satisfação que está presente na curiosidade
intelectual. O autor afirma que na verdade não existe pulsão de saber na teoria
freudiana das pulsões, ela surge a partir da pulsão escópica. As teorias criadas
pelas crianças visam a esclarecer a origem de sua existência e buscam descobrir
como puderam transformar-se em seres de desejo. O autor considera que não é
possível encontrar resposta na pedagogia para esta indagação e que a circunstância
que desencadeia o interesse da criança pelo mundo é a possibilidade de surgir outro
bebê na família, o que está relacionado ao desejo dos pais de ter outro filho. A partir
desta constatação com base na teoria freudiana, Santiago declara que:
Por conseguinte, a questão sobre a origem concerne, também, ao
desejo dos pais. Parece que, a partir de um certo momento, a criança
põe em questão a possibilidade de ela preencher, com sua
existência, o espaço vazio do desejo que leva um homem e uma
mulher a se transformarem em pai e em mãe. O contato da criança
com o mundo inaugura-se, então, da hiância que se abre acerca de
seu lugar junto ao par parental, não sem angustia, pois essa hiância
já é uma forma de subjetivação da falta, que Freud também nomeia
“complexo de castração.” (SANTIAGO, 2005, p.126)
Santiago (2005) acrescenta que a partir do surgimento da pulsão de saber, a
criança abandona o autoerotismo como a única forma de obter satisfação e começa
a interessar-se pelo mundo a sua volta. Em suas investigações ela tende a
considerar a presença ou a falta do órgão fálico como o único referencial para
classificar as informações. Santiago (2005) exemplifica este interesse com o caso
do Pequeno Hans, na obra de Freud (1909). Declara que Hans inicialmente
considera que todos os seres são providos de um pênis. Classifica as pessoas em
animadores, ou inanimados, tendo como parâmetro a existência ou a falta do falo. A
seguir, Hans começa a investigar a diversidade entre os sexos, tendo como foco a
compreensão de como ocorre a reprodução humana. A partir destas considerações
43
Santiago (2005) constata como a curiosidade sexual está relacionada à evolução da
cognição e à atividade intelectual infantil. As pesquisas sexuais das crianças estão
voltadas a descobrir o que é capaz de manter o desejo no nível do inconsciente. A
principal busca consiste, portanto, em identificar em que se baseia o desejo
inconsciente de saber sobre castração.
A autora afirma ainda que, o insucesso das teorias sexuais infantis, que não
conseguem obter as respostas que procuram, pode causar uma deterioração
permanente do desejo de saber e acaba tornando-se o padrão do desenvolvimento
intelectual que o indivíduo irá adotar na sua vida adulta. Destaca ainda que a
criança, ao constatar a castração da figura materna, tende a abandonar sua
investigação por sentir-se imobilizada diante da descoberta. Ela é tomada por
dúvidas e incertezas que a levam a experimentar seu primeiro fracasso intelectual e
consequentemente a abandonar a pesquisa em andamento. Santiago (2005) afirma
ainda que a ação do recalque sobre a pulsão sexual afasta seus objetivos dos
objetos parciais que lhe deram origem.
Cordié (1996), com base em indagações apresentadas pelas crianças,
considera que a pulsão do saber está relacionada à pulsão de vida e refere-se não
somente ao conhecimento em geral, mas também ao saber inconsciente. Desta
forma, na psicanálise, esta pulsão parece estar também relacionada ao saber que o
sujeito atribui ao analista e associada, portanto, ao processo de transferência.
O objeto da pulsão do saber pode ser reconhecido a partir de questões tais
como: o que acontece com o corpo, com as origens, com o sexo, com a morte?
Freud considera que a inteligência da criança é despertada pela curiosidade sexual,
não só no que diz respeito às origens, mas também no que se refere ao prazer e ao
gozo. Destaca nos Três Ensaios que esta pulsão está ligada diretamente à
sublimação da analidade e ao escópico (energia do desejo de ver). Segundo Cordié
(1996), a problemática edipiana é determinante para alimentar este saber sexual que
pode ser ilustrado com as seguintes indagações:
O que deseja a mãe? Como apropriar-se do saber do pai? Como
escapar à castração? O desejo de aprender da criança estará
relacionado à suas descobertas em relação ao lugar que ocupa na
economia libidinal de seus ascendentes: que interesse eles têm pelo
saber? O que acontece com seu amor pelos livros? Sabemos bem o
que é o objeto desejado pelo outro que se torna desejável. O bebê
procura apropriar-se da caneta com a qual sua mãe escreve, do livro
44
que ela lê e não de um outro. É assim que o professor pode fazer
nascer o amor pelo saber quando ele próprio conhece esta paixão.
(CORDIÉ, 1996, p.155).
Segundo Freud (1921), a identificação enfatiza a importância do outro na
constituição do “eu” e na subjetividade. A partir da influência do grupo surgem no
indivíduo mudanças que podem causar a intensificação da emoção, a redução da
capacidade intelectual, a dependência e a falta de controle emocional. Concentra
sua investigação nas relações amorosas e nos laços emocionais presentes nos
grupos. Considera que a identificação é canibalística, isto é, permite que o sujeito se
modifique pela incorporação de traços oriundos de outras pessoas.
Em consequência da frustração que ocorre quando as pulsões sexuais
dirigidas aos pais são impedidas de obter satisfação em função da ameaça de
castração, a identificação surge para resolver o complexo de Édipo, representando o
abandono das satisfações que a criança gostaria de realizar. A questão da
identificação, portanto, é apresentada como uma expressão resultante da tensão da
realização
de
desejos recalcados,
tornando-se fundamental para
que
se
compreendam os mecanismos de contextualização do indivíduo no grupo e na
cultura.
O caso de Leonardo da Vinci, estudado por Freud em 1910, é apresentado
para ilustrar a importância da identificação na superação do conflito edipiano, além
de procurar explicar suas inibições na vida sexual e na atividade artística. Para o
autor a originalidade da experiência de vida de Leonardo da Vinci e o processo de
criação de suas obras, consistiam num material bastante rico para aprofundar suas
descobertas.
Leonardo combinava diversas habilidades num só indivíduo, com um talento
versátil e muita sabedoria, tendo sido um dos exemplos mais brilhantes de sua
época. No entanto, segundo Freud (1910), sua personalidade não foi compreendida
por seus contemporâneos.
A dificuldade e demora de Leonardo em concluir suas obras de arte levaram
muitos de seus admiradores a acusá-lo de inconstância. Segundo Freud (1910),
suas obras refletiam o que não conseguia realizar. Possuía uma visão da perfeição,
sem nunca conseguir satisfazer-se. Levou três anos inteiros para pintar a “Última
Ceia” para o Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão.
45
Freud (1910) observou em seu estudo sobre Leonardo da Vinci a existência
de ambições enormes, difíceis de serem alcançadas, e uma inibição que o levava a
não conseguir uma execução definitiva, para a qual o autor não encontrou
justificativa. Associou a demora na conclusão de suas obras a um possível
desinteresse pela pintura. Cita uma afirmação de Leonardo que pode ajudar a
compreendê-lo melhor:
Não se tem o direito de amar ou odiar qualquer coisa da qual não se
tenha conhecimento profundo. Na verdade, o grande amor surge do
conhecimento profundo do objeto amado e, se este for pouco
conhecido, o seu amor por ele será pouco ou nenhum…” (FREUD,
1910, p.83)
Na visão de Freud (1910), no entanto, esta afirmação não parece verdadeira.
O autor considera que, na verdade, os seres humanos tendem a amar
impulsivamente, movidos por emoções e não por ações
associadas ao
conhecimento. Considera que no caso de Leonardo, os afetos foram controlados e
subjugados pelo desejo de saber:
(...)ele não amava nem odiava, porém se perguntava acerca da
origem e do significado daquilo que deveria amar ou odiar. Parecia,
assim, forçosamente, indiferente ao bem e ao mal, ao belo e ao
horrível. Durante esse trabalho de pesquisa, o amor e o ódio se
despiam de suas formas positivas ou negativas e ambos se
transformavam apenas em objeto de interesse intelectual. (FREUD,
1910, p.83)
Para Leonardo, era por meio da aquisição do conhecimento que o afeto
recalcado podia expressar-se livremente. De acordo com Freud (1910), o adiamento
do amor até o seu pleno conhecimento constitui um processo artificial que se
transforma em uma substituição. Como consequência a vida amorosa do artista foi
empobrecida, se comparada com a de outros de sua época. Além disso, a
investigação não substituiu somente a ação, mas também a criação.
As pesquisas de Leonardo deixaram de ser dirigidas ao interesse de sua arte
e foram substituídas pelo amor ao estudo. A partir deste processo realizou
importantes descobertas para a humanidade estendendo suas pesquisas a quase
todas as áreas da ciência social, “até chegar ao ponto de escrever em seu livro, com
letras enormes, a sua descoberta: Il sole non si move (FREUD, 1910, ps.84 e 85).
Freud (1910) considera que sua ânsia de conhecimento foi sempre dirigida ao
mundo exterior e nunca para a alma humana. Afirma ainda que, quando uma única
46
pulsão apresenta uma influência exagerada no caráter de uma pessoa, deve-se
procurar explicação numa predisposição especial. Acrescenta que a maioria das
pessoas, por meio da sublimação, dirige parte da pulsão sexual para sua atividade
profissional. Pode ocorrer a substituição do seu objetivo primário por outros que não
sejam de natureza sexual e que possam assumir uma importância significativa.
Ainda segundo o autor, quando o período de investigação sexual infantil chega ao
fim, após intenso recalque sexual, a pulsão epistemofílica poderá ser dirigida a três
destinos, resultantes de sua relação com interesses sexuais, conforme descrição a
seguir:
1º. Inibição neurótica que ocorre quando a necessidade de investigação
está presente no destino da pulsão sexual. Neste caso poderá haver
uma redução da curiosidade e consequentemente uma limitação da
liberdade da atividade intelectual durante toda a vida.
2º. Predomínio do desenvolvimento intelectual em relação ao recalque
sexual. As atividades investigativas em relação à sexualidade, que
foram recalcadas, surgem do inconsciente, de forma distorcida e sem
liberdade, incorporando o prazer e a ansiedade que se manifestam nos
processos sexuais. Desta forma a intelectualização ocupa o lugar da
satisfação sexual.
3º. Recalque sexual atuante acompanhado de sublimação da libido que é
convertida em curiosidade, estabelecendo uma ligação com a pulsão
de saber para se fortalecer. A pesquisa torna-se compulsiva e funciona
como substitutivo para a atividade sexual, como no segundo caso,
mas, devido à sublimação ao invés de um retorno do inconsciente, a
neurose não se apresenta. A pulsão tem liberdade para agir a serviço
do interesse intelectual, mas o recalque sexual continua influenciando
para mantê-la distante dos temas sexuais.
Santiago (2005) declara que, de acordo com a teoria freudiana, a sublimação
é o destino que mais privilegia o desejo de saber, e também o mais almejado pela
cultura. Sua principal característica consiste na intervenção do recalque sem que o
desejo seja remetido novamente ao inconsciente. Santiago (2005) cita que “não é
difícil imaginar o sexual e o intelectual caminhando de maneira sobreposta, quando
o recalque, por sua ação, subtrai apenas o sexual, deixando livre curso ao
intelectual.” (SANTIAGO, 2005, p. 129). Dessa forma a libido ao invés de ser
47
recalcada, é sublimada e se junta à pulsão de saber para intensificá-la. A partir
deste processo, o pensamento pode agir livremente, afastando-se da pesquisa
sexual infantil e dirigindo-se aos interesses intelectuais.
O autor afirma que os dois outros destinos da pulsão citados por Freud (1910)
caracterizam a inibição sexual e são maneiras neuróticas de constituir o
pensamento. Nos dois casos, o recalque age simultaneamente no desejo de saber e
na pulsão sexual, fazendo com que as duas pulsões compartilhem seus destinos.
As principais características da inibição neurótica são: a redução do desejo de
saber e a limitação da liberdade intelectual. Santiago alerta para o fato de que os
efeitos dos limites impostos ao pensamento podem ser agravados no ambiente
externo, a partir do recalque imposto pela educação dos pais ou pela religião,
podendo atingir os níveis que caracterizam o pensamento débil (Denkschwache).
Este tipo de inibição pode ser identificado na impotência frente ao desejo, que
caracteriza a histeria.
Santiago (2005) coloca que a compulsão neurótica a pensar, faz com que a
atividade intelectual resista ao recalque. Esta informação é baseada na suposição
de que o desenvolvimento intelectual é bastante forte para limitar a influência do
recalque. Neste destino a investigação sexual que foi recalcada na infância volta do
inconsciente, tornando o pensamento sexualizado. Assim, são transferidas para as
atividades intelectuais o prazer e a angústia que surgiram nas investigações que
foram interrompidas na infância. A falta de finalização das pesquisas se reproduz na
atividade intelectual adulta, mantendo a solução que se procura encontrar cada vez
mais afastada. Este processo caracteriza a manifestação do desconforto do
neurótico obsessivo no que diz respeito ao desejo.
O autor acrescenta ainda que esses destinos do desejo de saber expressam
a posição do indivíduo em relação à dificuldade de resolver sua curiosidade
intelectual infantil. São eles que determinam como suas atividades intelectuais serão
desenvolvidas na vida adulta.
Segundo Freud (1910), se considerarmos a pulsão de pesquisa e a atrofia da
vida sexual de Leonardo da Vinci, teremos uma tendência a classificá-lo no terceiro
tipo, como neurótico obsessivo. Suas pesquisas podem ser comparadas à
meditação obsessiva dos neuróticos e suas inibições. A pulsão de ver e a de saber
foram as mais ativadas pelas suas impressões infantis mais remotas.
Afirma que: A essência e o segredo de sua natureza parecem derivar do fato que,
48
depois de sua curiosidade ter sido ativada, na infância, a serviço de interesses sexuais,
conseguiu sublimar a maior parte da sua libido em sua ânsia pela pesquisa. (FREUD, 1910,
p.88)
Para provar esta hipótese, seria necessário conhecer o desenvolvimento
mental durante os primeiros anos da infância de Leonardo da Vinci, o que o autor
considera uma tarefa difícil por se tratarem de circunstâncias pouco conhecidas
pelos pesquisadores.
Assim, Freud (1910) considera que a figura de Leonardo da Vinci é
apresentada de forma fria e estranha, ao invés de uma figura humana com a qual
pudéssemos nos relacionar. Lamenta o fato dos observadores sacrificarem a
verdade e abandonarem a oportunidade de penetrar nos segredos da natureza
humana. Os acontecimentos acidentais de sua infância tiveram sobre ele um efeito
forte e perturbador. Leonardo manteve-se afastado do pai, talvez até os cinco anos,
em função da sua origem ilegítima, ficando entregue “à carinhosa sedução de uma
mãe para quem ele, talvez, fosse o único consolo” (FREUD, 1910, p.136).
Após o recalque dos seus excessos infantis, na puberdade, Leonardo estava
capacitado para viver em abstinência e dar a impressão de ser uma criatura
assexuada.
Segundo Freud (1910), a curiosidade sexual precoce de Leonardo da Vinci
fez com que a maior parte das necessidades da sua pulsão sexual fosse sublimada
numa ânsia de saber, para fugir do recalque. Sua atrofiada vida sexual adulta foi
orientada por uma parte muito menor de sua libido que permaneceu dirigida aos fins
sexuais.
O autor observou ainda que o recalque, a fixação e a sublimação absorveram
as contribuições da pulsão sexual para sua vida mental. Tornar-se artista, pintor e
escultor decorreu provavelmente de um talento específico que pode ter sido
enfatizado, nos primeiros anos de sua infância pelo despertar antecipado de sua
pulsão escopofílica, ou seja, da satisfação sexual a partir de estímulos visuais.
No início da puberdade, Leonardo trabalha sem inibição, mas o recalque de
uma vida sexual real não oferece as condições favoráveis para as tendências
sexuais sublimadas, determinando falhas no desempenho de suas atividades e na
sua tomada de decisão. O processo que o levou a abandonar as artes e tornar-se
um pesquisador teve origem na sua primeira infância. Esta substituição regressiva,
49
com a perda do substituto do seu pai, assumiu proporções cada vez maiores.
Mas a fase de pesquisa, em substituição à criação artística, apresenta
características de impulsividade, insaciabilidade, rigidez de comportamento e
dificuldade de adaptação às circunstâncias reais.
Já na faixa dos cinquenta anos, Leonardo passou por uma nova
transformação
ocasionada
por
mais
uma
regressão,
que
favoreceu
o
desenvolvimento da sua arte que se encontrava atrofiada. O encontro da mulher
que lhe despertou a lembrança do sorriso feliz e sensual de sua mãe possibilitou que
retomasse o estímulo que o guiava no princípio de suas tentativas artísticas, na
época em que retratou mulheres sorridentes. Nesta fase pintou a Mona Lisa, a
Sant’Ana com Dois Outros e a série de retratos misteriosos caracterizados pelo
sorriso enigmático. Mais uma vez conseguiu dominar a inibição na sua arte. À
medida que sua idade foi avançando, esta última fase tornou-se imprecisa para os
observadores. Sua produção intelectual elevou-se a um alto grau de realização
chegando a elaborar uma concepção do mundo que ultrapassou em muito os limites
da sua época.
A partir do estudo de Freud (1910), pode-se constatar que alguns fatos foram
determinantes na formação do caráter e no destino de Leonardo da Vinci. “O
recalque sexual que se estabeleceu depois dessa fase de sua infância levou-o a
sublimar sua libido na ânsia de saber e a estabelecer sua inatividade sexual para o
resto de sua vida” (Freud,1910,p.139).
Com base nesta experiência, Freud pretende demonstrar que “mesmo que a
psicanálise não esclareça o poder artístico de Leonardo, pelo menos torna, para
nós, mais compreensíveis suas manifestações e suas limitações” (FREUD,
1910,p.140).
Cordié (1996) apresenta um estudo sobre os elementos pulsionais presentes
na inibição intelectual, tais como: o objeto oral, que estabelece o laço entre o comer
e o aprender; o objeto escópico que relaciona o desejo de ver com o desejo de
saber e a pulsão anal que pode ser considerada como determinante da atividade
intelectual, se for observado o prazer que a criança manifesta ao adquirir o domínio
do corpo, dos objetos e do mundo ao seu redor.
A autora acrescenta o falo
imaginário e a paixão de saber como elementos pulsionais das atividades cognitivas.
Considera que o saber substitui o falo imaginário na medida em que, como observou
Freud (1910), a excitação sexual pode estar relacionada à produção intelectual.
50
Além disso, segundo a autora, o trabalho intelectual e o sucesso escolar estão
associados aos ideais parentais e às identificações ou recusas subsequentes. O
desejo de saber, quando se torna uma paixão, pode fazer esquecer tudo o que está
relacionado ao inconsciente.
A partir da investigação sobre o tipo de satisfação que pode ser obtida pelo
saber, a autora apresenta uma escala de valores no gozo que o saber traz.
Considera que, na criança, o surgimento do prazer ocorre a partir das manipulações
próximas da analidade, levando em conta o domínio que é requerido por elas. O
saber escolar não dá esta satisfação imediata e pode tornar-se um objeto sublimado,
onde o gozo é deslocado para estruturas simbólicas complexas. É importante
ressaltar que o saber e o sucesso escolar são elementos que entram na constituição
do narcisismo, portanto, se há “perturbações nas metamorfoses do objeto, o sujeito
reencontra
a
angústia,
a
inibição
e
constrói,
às
vezes,
um
sintoma”
(CORDIÉ,1996,p.163). Segundo a autora, este mecanismo inibidor pode paralisar
todo o investimento intelectual, levando o sujeito à debilidade.
Certamente a Psicanálise pode contribuir para a compreensão do
funcionamento mental e inconsciente dos sujeitos envolvidos no processo
educacional nas suas relações com o desejo de saber. No entanto, para que isto se
torne possível o educador precisa apropriar-se do saber psicanalítico. Freud, em seu
texto Interesse pedagógico (1913), afirma que os pedagogos precisam aprofundarse na alma infantil e que a maior dificuldade dos adultos em compreender as
crianças é porque não conseguem compreender a sua própria infância.
2.2 Transferência
A psicanálise enfatiza o papel significativo do professor na emergência do
desejo de saber. De uma maneira geral, as escolas presenciais tendem a relacionar
as dificuldades de aprendizagem à indisciplina em sala de aula, ao desinteresse das
famílias pelo acompanhamento da produção escolar dos alunos e muitas outras
causas. Na Educação a Distância, no ensino superior, costuma-se relacionar as
dificuldades de aprendizagem à falta de tempo dos alunos para dedicar-se ao
estudo, em função de outros afazeres e responsabilidades que assumem
simultaneamente, tais como trabalho e família. Também são considerados fatores
51
restritivos a indisciplina para organizar-se num sistema que necessita de autonomia,
já que os controles são mais livres do que no ensino presencial, a dificuldade de
comunicação virtual e a falta de experiência dos professores para comunicar-se e
esclarecer as dúvidas dos alunos por meio das Tecnologias de Educação e
Comunicação. Neste trabalho pretendemos enfocar, dentre os fatores já bastante
estudados, como os mestres podem contribuir para uma maior produtividade do
ensino a distância, tomando como base referências da Psicanálise.
Depois que a psicanálise formulou o conceito de inconsciente, houve uma
mudança na concepção do sujeito, o homem deixou de ser visto de uma forma
exclusivamente racional e passou a ser considerado como um ser onde as pulsões
exercem sua determinação, assim como os significantes que o determinam.
Neste capítulo fazemos uma reflexão sobre o papel desempenhado pela
transferência, na sua relação com o desejo, nos processos pedagógicos. Enquanto
na psicanálise ela é considerada essencial para que o tratamento possa ocorrer, na
educação a sua importância na criação das condições necessárias à aprendizagem,
parece não ser ainda bastante reconhecida, dificultando sua definição como um
recurso fundamental para que o desejo de saber possa emergir. Segundo Kupfer
(1995), existe uma troca entre os inconscientes do professor e o do aluno permitindo
que a transferência aconteça a partir de um traço do professor que, para o aluno, é
símbolo de um desejo inconsciente. “A transferência permite a passagem do horror
ao saber (efeito de sua negação) ao amor dirigido ao saber que é o suporte do
tratamento psicanalítico” (QUINET, 2008, p.20).
Freud em seu texto Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914),
apresenta um exemplo muito interessante e significativo que demonstra o
funcionamento da transferência professor- aluno no interior das instituições de
ensino. Relata que, foi enquanto estava na escola que, por influência de seus
mestres, entrou em contato com seu desejo de contribuir significativamente para a
ampliação do conhecimento humano. Afirma também, que este foi um fator
determinante para as suas escolhas futuras em relação a tornar-se médico e
dedicar-se à pesquisa, o que culminou com a criação da psicanálise. Neste texto,
afirma que “é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve
importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas,
ou pela personalidade de nossos mestres” (FREUD, 1914, p.248). Para ele, as
emoções presentes nestes primeiros contatos com os professores têm o poder de
52
aproximar ou afastar o aluno dos caminhos que levam à aquisição do conhecimento,
podendo inclusive bloqueá-lo, em casos mais extremos. Acrescenta ainda que, nos
primeiros anos de vida, são constituídas as formas como os comportamentos futuros
serão influenciados a partir da herança afetiva gerada pelas relações com mãe, pai e
demais familiares importantes na primeira infância. As escolhas de amizade e amor
realizadas posteriormente são influenciadas pelas recordações deixadas por esses
padrões iniciais de relacionamento. O menino, ao colocar o pai como seu ideal, tenta
ocupar seu lugar e ser como ele quando crescer. Como podemos observar neste
texto de Freud (1914), os professores podem vir a ocupar este mesmo lugar,
inclusive favorecendo uma separação salutar dos pais.
A partir da segunda metade da infância, a criança começa a entrar em contato
com o mundo e a desenvolver seu próprio senso crítico. Inicia um questionamento
sobre a sabedoria e o poder do pai, que acaba originando um afastamento. É nesta
fase que ocorrem os primeiros contatos com os mestres e, muitas vezes, é
transferido para eles todo o saber que era atribuído aos pais, bem como o respeito e
veneração que a criança lhes dedicava na infância:
A necessidade orgânica introduz na relação de um homem com o pai
uma ambivalência emocional que encontramos expressa de forma
mais notável no mito grego do rei Édipo. Um rapazinho está fadado a
amar e a admirar o pai, que lhe parece ser a mais poderosa,
bondosa e sábia criatura do mundo. (....) Cedo, porém, surge o outro
lado da relação emocional. O pai é identificado como o perturbador
máximo da nossa vida pulsional; torna-se um modelo não apenas a
ser imitado, mas também a ser eliminado para que possamos tomar
o seu lugar. (...) É nessa existência concomitante de sentimentos
contrários que reside o caráter essencial daquilo que chamamos de
ambivalência emocional. (FREUD, 1914, p.249)
Surgem também nas relações dos estudantes com seus professores os
sentimentos ambivalentes de amor e ódio que os levam a agir de forma submissa ou
opositora, buscando pesquisar detalhes de seu caráter para que possam criticá-los
ou orgulhar-se deles. Estes fatores são importantes para que possamos
compreender as variações emocionais presentes no relacionamento transferencial
dos estudantes com seus mestres, que repetem as que tiveram com seus pais. É
preciso destacar que estamos nos referindo à transferência como um processo
inconsciente,
não
intersubjetividade.
sendo,
portanto
redutível
a
uma
interatividade
ou
53
Trazendo estes pressupostos para o objeto do nosso estudo, podemos dizer
que o desejo de saber que aprofundamos no capítulo anterior é necessário para que
o aluno assuma o papel ativo que a Educação a distância preconiza. No entanto,
este desejo sofre os efeitos da transferência que se estabelece entre o aluno e o
professor no processo ensino-aprendizagem: as ideias, atitudes e, sobretudo, a
posição desejante do professor. O desejo de aprender e pesquisar pode surgir no
sujeito a partir da transferência com um sujeito desejante, no caso o professor. A
transferência, a nosso ver, seria essencial na aquisição do conhecimento, não sendo
suficiente que o mestre demonstre o seu domínio sobre a didática e a matéria
lecionada. O professor desejante transmitiria este desejo aos alunos, podendo desta
forma torná-los, também, desejantes. Assim como uma família desejante possibilita
que um filho desenvolva-se como um sujeito desejante.
Para ilustrar como a família influi significativamente na função constituinte do
desejo, Strauss (2000) relata o caso de um rapaz de aproximadamente dezesseis
anos, cuja mãe era sua paciente, que não conseguia realizar nada na vida,
abandonou a escola e permanecia isolado de todos, deitado sob o cobertor. A mãe
procurou tratamento com o objetivo de ajudar seu filho. Ela ficava amedrontada
diante dos conflitos, procurando evitá-los permanentemente com a finalidade de que
nada mudasse o curso da sua vida. Conheceu seu marido, pai do rapaz, logo após
ter rompido o relacionamento com o homem que amava, por insistência de sua
família que não aprovava o namoro. Casou-se com ele apesar de não ter
conseguido desligar-se do seu primeiro amor. Sua vida profissional era insignificante
e procurou manter-se afastada de maiores responsabilidades, sem investir em
promoções importantes. Sua sexualidade era igualmente insossa e desde a
adolescência abominava tudo que estivesse relacionado à libido. Ela reconheceu
seus bloqueios diante do desejo o que trouxe alguma alteração para a sua vida,
refletindo também no estado do seu filho que, depois de muitos percalços foi
também para a análise.
Seu marido ocupava-se muito no trabalho, permanecia bastante tempo
afastado de casa, mesmo quando presente não era participativo e tinha pouco
interesse pelas relações íntimas com sua esposa. Era um companheiro adequado
para compartilhar com ela seu estilo de vida, desprovido de maiores emoções. Tudo
indica que os problemas do casal iniciaram ao entrarem em contato com as
dificuldades desse filho que “não se apresentava particularmente vivo, mas,
54
sobretudo como a caricatura dessa ausência de libido, dessa fuga diante da libido”
(STRAUSS,2000, p.17). Este se queixou de seus pais e relatou o sentimento de
êxito que havia experimentado quando seu pai foi expulso do leito conjugal e ele
assumiu o seu lugar, quando era criança. Segundo Strauss (2000), esta situação de
permitir que o filho ficasse na cama do casal era interessante para proteger os pais
do desejo que estavam sempre querendo evitar. Assim, o que mantinha a relação
dos pais era a vontade de escapar do desejo. O filho gerado dessa união apresentou
um desejo ainda mais empobrecido, resultando numa total imobilidade diante da
vida.
No texto Romances familiares, Freud declara que “ao crescer, o indivíduo
liberta-se da autoridade dos pais, o que constitui um dos mais necessários, ainda
que mais dolorosos, resultados do curso de seu desenvolvimento”. [FREUD,1909
(1908), p.219]. Se nos primeiros anos de vida a criança deseja igualar-se aos pais,
nas etapas posteriores do seu desenvolvimento, é importante sua separação quando
começa a adquirir maior discernimento intelectual e passa a compará-los com os
pais das outras crianças. Inicia-se assim uma fase de questionamentos e críticas
tanto em função dos impulsos de rivalidade sexual, como pelo sentimento de não
estar recebendo todo o amor que necessita. A partir daí, a imaginação da criança faz
um movimento de afastar-se dos pais para substituí-los por outros personagens que
fazem parte da sua vida, inclusive o professor. Neste mesmo artigo, Strauss (2000)
destaca que a família precisa fornecer o suporte para que o desejo possa emergir
após a conscientização de que os pais são imperfeitos, inseguros e não possuem
toda a sabedoria que lhes foi atribuída pelas crianças. A elaboração da perda
causada pela separação dos pais determina a forma com o sujeito fará suas
escolhas e traçará o seu próprio caminho para o crescimento ao longo de sua vida.
Para melhor compreensão dos fenômenos subjetivos que estão presentes no
processo escolar, analisaremos a evolução do conceito de transferência, seguindo a
cronologia de seu estudo na obra de Freud, para identificar o percurso que levou a
transferência a ser considerada como uma das maiores descobertas, que mudou os
rumos da psicanálise, sendo reconhecida como uma ferramenta essencial para
técnica analítica.
Freud estava no começo de sua carreira de médico quando, em novembro de
1882, o Dr. Josef Breuer, um renomado médico de Viena que já havia desenvolvido
relevantes pesquisas científicas, relatou-lhe o caso de Ana O. (Bertha Papperheim),
55
uma paciente que apresentava sintomas de histeria que desapareciam sempre que
os traumas associados a eles eram reproduzidos quando era submetida à hipnose.
Freud ficou muito impressionado com este caso e, em 1885, quando estava em
Paris estagiando no Hospital Salpêtrière, descreveu-o para Jean Martin Charcot,
médico neurologista e professor da faculdade de Medicina de Paris, que se dedicou
a estudar diversas perturbações psíquicas, em especial a histeria. O médico, no
entanto, não demonstrou interesse pelo assunto. Charcot introduziu a histeria no
campo das perturbações fisiológicas, do sistema nervoso e, em função disso,
procurou novas formas de intervenção clínica. Freud tornou-se seu aluno e
considerava suas aulas muito especiais e marcantes. Ao acompanhar as
demonstrações clínicas apresentadas nas aulas práticas de Charcot, até fevereiro
de 1886, Freud passou a interessar-se pelas questões relacionadas à histeria que,
nesta época, ainda eram bastante enigmáticas, o que influenciou significativamente
todo seu trabalho posterior. Conforme relata Garcia-Roza em seu livro Freud e o
Inconsciente (2009), Charcot demonstrou a regularidade da sintomatologia do
quadro histérico por meio da hipnose, afastando a histeria da psiquiatria e
introduzindo-a no campo da neurologia. No decorrer de seus estudos, no entanto,
percebeu que a histeria estava relacionada ao desejo do médico e não ao corpo
neurológico, já que a sugestão hipnótica permitia o controle da situação. A partir
desta constatação Charcot considera o trauma como uma injunção permanente que
pode expressar-se por meio de uma manifestação corporal como um sintoma
histérico e o estado hipnótico produzido na clínica assemelha-se ao trauma,
diferenciando-se dele apenas por ser temporário. “Na medida em que o trauma não
é físico, ressurge a necessidade do paciente narrar sua história pessoal para que o
médico possa localizar o momento traumático responsável pela histeria”. (GARCIAROZA, 2009, p.34). Assim, foi possível perceber uma importante ligação entre a
histeria e a sexualidade.
Em 1886, conforme Freud relata em seu texto Artigos sobre hipnotismo e
sugestão (1988-1892), quando regressou de Paris, trabalhou como neurologista em
Viena e adotou diversas técnicas tais como: eletroterapia, hidroterapia, e curas de
repouso para o tratamento das neuroses, até retornar ao hipnotismo. Iniciou sua
parceria com Breuer, afastando-se das teorias elaboradas por Charcot. Passou a
adotar a hipnose no tratamento de seus pacientes, baseado no método catártico de
Breuer que pressupunha que os sintomas da histeria estavam relacionados a
56
traumas passados que haviam sido esquecidos. Sua técnica consistia em procurar
reavivá-los na memória do paciente para fazer com que estes sintomas
desaparecessem. Freud (1888-1892), no entanto, introduziu a associação livre para
eliminar os traumas que afloravam a partir da hipnose, modificando o método
adotado por Breuer e colocando-se numa posição mais ativa na condução do
tratamento. O contato com pacientes histéricas fez com que Freud refletisse sobre a
prática clínica, criando os primeiros alicerces para a psicanálise. Desenvolveu com
Breuer uma série de trabalhos publicados nos Estudos sobre Histeria (FREUD,18931895), que deram origem ao abandono da sugestão hipnótica, passando o foco a ser
o fluxo das associações livres dos pacientes. O caso clínico que deu início aos
estudos de Freud com Breuer foi o de Anna O. (Freud,1893-1895), em que adotou o
método catártico, que consistia em possibilitar, por meio de associação livre, a
descarga do afeto relacionado ao trauma, enquanto o médico permanecia passivo
diante dos fatos narrados pelo paciente, evitando qualquer tipo de influência. Nesta
obra Breuer finaliza o relato do caso informando que determinou o término do
tratamento quando este completava um ano de duração, em função da mudança da
paciente para os arredores de Viena. No entanto, Freud (1893-1895) considera que,
o que realmente motivou Breuer a encerrar o tratamento, foi a recusa em reconhecer
seu envolvimento emocional com a paciente, considerando que seu interesse por ela
tinha um caráter exclusivamente científico. A preocupação excessiva pelo caso de
Anna O. foi notada pela esposa de Breuer que tornou-se triste e ciumenta. Este fato
fez com que finalizasse a análise da paciente que, em consequência, teve uma de
suas piores crises histéricas. Breuer foi chamado para atendê-la e, em seguida,
viajou para Veneza em companhia de sua esposa, abandonando definitivamente o
tratamento.
A partir da identificação dos impasses que fizeram com que Breuer
fracassasse no tratamento de Anna O. e do reconhecimento dos afetos que estavam
presentes na relação médico/paciente neste caso, bem como nos demais pacientes
histéricos que tratou neste período, Freud (1893-1895) começa a
identificar a
transferência no processo terapêutico, o que indica um investimento afetivo do
paciente dirigido ao analista, relacionado a experiências regressivas infantis.
Considera que os sintomas se formam por ação do recalque e o mais importante
passa a ser o acesso ao inconsciente para lembrar os traumas que determinaram a
formação dos sintomas. A transferência constitui-se na diferenciação fundamental
57
entre a psicanálise e os métodos adotados anteriormente. Quando Freud abandona
a hipnose após a conclusão dos Estudos sobre a histeria (1893-1895) constata que
a eliminação dos sintomas não dependia apenas da lembrança do trauma, mas
também, da descarga adequada dos afetos patológicos, que representavam uma
compulsão e uma ilusão que desapareciam no final da análise. Constata que isto
ocorre por meio da transferência, ou seja, de uma falsa conexão entre alguém do
passado, que foi objeto de desejos, e o médico. O paciente desloca para o médico o
afeto que era dirigido a figuras que desempenharam um importante papel na sua
vida. Este vínculo afetivo, afastado da realidade, que aparece na relação do analista
com o paciente, foi denominado por Freud (1893-1895) de transferência. Desta
forma o analista passa a ser o intérprete do fato traumático que está sendo
vivenciado pelo paciente. Por esse processo a transferência passa a ser a condição
necessária para a técnica psicanalítica, sem a qual o tratamento não consegue ser
realizado. O autor constatou que o sujeito poderia transferir a energia originada no
sintoma neurótico ao analista, para que pudesse ser submetida ao tratamento e
devolvida ao paciente. Considera que esta ferramenta possibilita uma atualização
dos desejos inconscientes, abrindo caminho para a intervenção do analista no
processo terapêutico. A análise da transferência torna-se a condição para progresso
do tratamento psicanalítico. É importante destacar que, segundo Freud (1893-1895),
este fenômeno está presente em todas as relações, não sendo exclusividade da
relação médico/paciente.
No texto A psicoterapia da histeria (1893-1895), Freud declara que a
possibilidade de conseguir que o paciente acesse suas lembranças pode ser
impedida por perturbações no relacionamento entre o paciente e o terapeuta e
considera que a transferência para com o médico pode se dar por meio de uma falsa
ligação. Cita como exemplo:
Numa de minhas pacientes, a origem de um sintoma histérico
específico estava num desejo, que ela tivera muitos anos antes e
relegara de imediato ao inconsciente, de que o homem com quem
conversava na ocasião ousasse tomar a iniciativa de lhe dar um
beijo. Numa ocasião, ao fim de uma sessão, surgiu nela um desejo
semelhante a meu respeito. Ela ficou horrorizada com isso, passou
uma noite insone e, na sessão seguinte, embora não se recusasse a
ser tratada, ficou inteiramente inutilizada para o trabalho. Depois de
eu haver descoberto e removido o obstáculo, o trabalho prosseguiu
e, vejam só!, o desejo que tanto havia assustado a paciente surgiu
como sua próxima lembrança patogênica, aquela que era exigida
pelo contexto lógico imediato. (FREUD, 1893-1895, ps.313,314)
58
Poderíamos também considerar que esta falsa ligação acontece fora dos
limites da psicanálise, na área educacional? É possível que os mestres ocupem o
lugar de personagens que fazem ou fizeram parte da vida do aluno no processo
ensino-aprendizagem? Se o professor não despertar o interesse do aluno pelo que
lhe está sendo apresentado por vivências externas, rejeitando o seu lugar de
substituto, isto poderá influenciar negativamente na relação professor-aluno,
determinando um afastamento e reduzindo o desejo de saber. Neste caso, como
afirma Santiago (2005), quando há o fracasso no processo ensino-aprendizagem, o
professor também poderá adoecer e reduzir o seu próprio desejo de saber.
Aprofundando suas pesquisas em relação à interferência de fatos anteriores
na constituição dos sintomas, Freud, no texto Etiologia da Histeria (1896), considera
que os sintomas histéricos estão permanentemente relacionados a recordações do
passado e para chegar à origem da histeria é necessário percorrer as cadeias
associativas que levam às experiências sexuais ocorridas na primeira infância.
Freud, numa carta enviada a seu amigo William Fliess, datada de 31 de maio
de 1897, indica que os principais elementos que integram a neurose são os impulsos
de hostilidade voltados para as figuras paternas, sendo que no filho estes impulsos
estão voltados para o pai, enquanto que na filha, são dirigidos contra a mãe.
Começam assim a ser identificados os primeiros indicadores do que Freud
futuramente, denominou de complexo de Édipo (FREUD, 1910), demonstrando a
importância dada à sexualidade infantil relacionada com o desejo.
Em 1900, é publicada, em dois volumes, uma das obras mais significativas da
teoria freudiana, que ocupará uma posição de destaque na psicanálise, a
Interpretação dos Sonhos (1900,1901). Nesta obra Freud constatou que tanto na
psicologia normal quanto na psicopatologia, o sonho assume o papel de realização
dos desejos recalcados e, portanto, tem um sentido que pode ser interpretado.
A partir daí inicia o desenvolvimento da teoria que modifica a concepção
focada na etiologia das neuroses e passa a considerar que os sintomas neuróticos
podem ser explicados da mesma forma que os sonhos, numa concepção mais
dinâmica, reconhecendo a interpretação dos sonhos como um método importante
para chegar ao inconsciente. Esta descoberta contribuiu para que a psicanálise
abrisse um novo caminho para o entendimento dos conflitos da primeira infância e
suas consequências na vida adulta, o que resultou em importantes revelações com
59
relação à sexualidade infantil relacionada ao desejo.
Começam assim a ser
identificados os primeiros indicadores do que Freud futuramente denominou de
complexo de Édipo no qual os principais elementos que integram a neurose são os
impulsos de hostilidade voltados para os pais, sendo que no filho estes impulsos
estão dirigidos para a figura paterna e na filha para a mãe. No capitulo Psicologia
dos Processos Oníricos (1900,1901), Freud elaborou a primeira teoria do aparelho
psíquico que considera que a atividade psíquica é realizada de acordo com um
modelo composto por três sistemas, o sistema inconsciente, considerado como
sistema primário, sede das pulsões e do recalque, comandado pelo princípio do
prazer. O sistema pré-consciente e o sistema consciente nos quais o princípio da
realidade se sobrepõe ao princípio do prazer. Freud formula “a subjetividade
humana em conflito, estirada em dois topos, designando a divisão do sujeito entre o
que ele quer inconscientemente e o que ele conscientemente não quer ou ignora
que quer”. (QUINET, 2008, p.23).
A representação inconsciente não consegue inserir-se no pré-consciente, a
não ser estabelecendo uma conexão com uma representação que já esteja presente
no pré-consciente (FREUD,1900,1901). O sonho faz com que a infância reapareça,
como uma regressão trazendo à tona o desejo infantil, que estabelece vínculos com
os restos diurnos recentes. Assim, Freud retorna ao tema da transferência com uma
importante formulação:
Aí temos o fato da “transferência’’, que fornece uma explicação para
inúmeros fenômenos notáveis da vida anímica dos neuróticos. A
representação pré-consciente, que assim adquire imerecido grau de
intensidade, pode ser deixada inalterada pela transferência ou ver-se
forçada a uma modificação derivada do conteúdo da representação
que efetua a transferência. [FREUD, (1900,1901), p.591,592]
Desta forma o desejo inconsciente é transferido para os restos diurnos e pode
fazer surgir um desejo recente, que procura tornar-se consciente por meio do préconsciente e é submetido à censura. O acesso a estes desejos é dificultado, fazendo
com que sejam distanciados dos pensamentos de transferência e podem ficar
recalcados no pré-consciente, criando um reservatório de lembranças infantis.
Freud cita como exemplo um sonho produzido por uma paciente:
Ela sonhou que estava indo ao mercado com a cozinheira, que
carregava a cesta. Depois de ela haver pedido algo, o açougueiro lhe
disse: “Isso não se consegue mais” e lhe ofereceu outra coisa,
acrescentando: “Isto também é bom.” Ela o rejeitou e se dirigiu à
mulher que vendia verduras, que tentou convencê-la a comprar uma
60
estranha hortaliça, que vinha amarrada em feixes mas era de cor
negra. Disse: “Não reconheço isso: não vou levá-lo.” O comentário
“Isso não se consegue mais” provinha do próprio tratamento. Alguns
dias antes, eu havia explicado à paciente, com essas mesmas
palavras, que as lembranças infantis mais antigas “não se
conseguiam mais como tais”, sendo substituídas, na análise, por
“transferências” e sonhos. Portanto, o açougueiro era eu. [FREUD,
(1900,1901), p. 685]
Os sonhos representam um desejo do recalcado e só conseguem reaparecer
na consciência de forma disfarçada, apresentando-se como um enigma a ser
decifrado pelo analista. O inconsciente não está presente no sonho de forma direta,
em função disso, a análise do sonho consiste em identificar as associações que
surgem a partir do seu relato, para que o inconsciente possa emergir. Segundo
Freud (1900,1901), os sonhos podem ser expressos por meio dos conteúdos
manifestos e dos conteúdos latentes, que significam formas distintas de expressão
do desejo inconsciente. Os conteúdos manifestos surgem espontaneamente ao
despertar enquanto os latentes representam os pensamentos inconscientes.
Identifica ainda dois mecanismos que devem ser considerados na interpretação dos
sonhos: a condensação e o deslocamento. A condensação tem como principal
função sintetizar o conteúdo onírico, fazendo com que os seus relatos sejam rápidos
e resumidos, se comparados com o volumoso material que surge na interpretação.
Os deslocamentos representam uma alteração do grau de intensidade como os
elementos estão constituídos no sonho, de modo que a atenção é atraída para fatos
pouco relevantes para desviar o foco do desejo do sujeito.
A teoria dos sonhos apresentou, portanto, para Freud (1900,1901), os
alicerces e a confirmação de suas ideias sobre o conceito de transferência, bem
como de toda a concepção da técnica psicanalítica.
Em 1905 é publicado o texto Três ensaios sobre a sexualidade, no qual Freud
afirma que a criança tem uma sexualidade perversa e define pulsão como “a
impulsão do sujeito que tende à satisfação” (QUINET, 2008, p. 24). Segundo Freud,
a sexualidade humana é constituída a partir das pulsões e o sintoma é a forma dos
neuróticos satisfazerem suas necessidades sexuais. Os principais conceitos
desenvolvidos nesta obra já foram apresentados nesta dissertação, no item sobre o
Desejo de saber.
A influência dos vínculos afetivos familiares na formação das neuroses é
aprofundada por Freud, no texto Fragmentos da análise de um caso de histeria
61
(1905[1901]), no qual apresenta contribuições significativas para a análise da
maneira como o complexo de Édipo interfere no processo de transferência.
A partir do relato do caso clínico de Dora, uma jovem histérica de 18 anos,
atendida por ele no final de 1900, Freud (1905[1901]) fundamentou sua crença de
que a transferência que a paciente apresenta durante o tratamento é decorrência de
uma repetição de seu relacionamento com o pai na infância. Dora abandona o
tratamento três meses após seu início, depois de Freud ter chamado sua atenção
para o fato de que a proposta de casamento do Sr. K era verdadeira. Essa
interrupção inesperada foi interpretada por Freud como uma revanche pelo fato dele,
como seu analista, ocupar o lugar do Sr. K e do pai de Dora, inconscientemente. Ele
considera que se tivesse conseguido desvendar a tempo a transferência negativa
que estava ocorrendo entre a paciente e ele e demonstrado um interesse mais
intenso, provavelmente Dora teria prolongado mais seu tratamento por perceber que
sua necessidade de afeto poderia ser resolvida no decorrer do processo analítico.
Segundo Freud (1905), a transferência só consegue deixar de ser um entrave
na análise, transformando-se em força impulsora determinante, quando o analista
consegue percebê-la no momento em que aparece, interpretando-a ao paciente. No
caso Dora, desde o começo do tratamento Freud pôde observar claramente que ele
ocupava o lugar da figura paterna em suas fantasias. Afirma que Dora,
conscientemente, procurava “assegurar-se de minha completa sinceridade para com
ela, já que seu pai preferia sempre o segredo e os rodeios tortuosos.” (FREUD, 1905
p.113)
A transferência assume um papel primordial na análise, uma vez que é por
meio dela que são produzidos os obstáculos ao tratamento e somente após sua
solução “surge no enfermo o sentimento de convicção sobre o acerto das ligações
construídas [durante a análise]” (FREUD, 1905, p. 112). Segundo ele a análise não
cria a transferência, apenas possibilita que seja desvendada assim como acontece
com os demais conteúdos da vida psíquica. O paciente tende a realizar de forma
espontânea transferências amistosas que auxiliem no seu processo de cura.
Quando não simpatiza com o médico sua reação é afastar-se para evitar ser
influenciado por ele.
É a partir do caso clínico de Dora que Freud (1905) elabora uma das
primeiras definições sobre o processo da transferência:
62
O que são as transferências? São reedições, reproduções das
moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem
despertar-se e tornarem-se conscientes, mas com a característica
(própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do
médico (...). São, portanto, edições revistas e não mais
reimpressões. (FREUD, 1905 p.111)
Neste ponto, podemos fazer uma importante correlação com o que ocorre na
relação professor-aluno. Assim como os personagens da infância são substituídos
pela figura do analista no tratamento, é possível que o mesmo processo ocorra no
ato educativo, onde o professor passa a ocupar a posição de pessoas da vida
pregressa dos alunos com as quais tiveram experiências que foram recalcadas no
inconsciente.
Alguns anos mais tarde, no texto Cinco Lições de Psicanálise, Freud (1910)
declara que Breuer teve uma importante influência na origem dos estudos
psicanalíticos, no entanto, considera que sua teoria da hipnose tornou-se superficial
e deixou de ser reconhecida pela psicanálise atual. Assim, a parceria de Freud com
Breuer não teve continuidade em função de divergências surgidas principalmente
em torno do tema da sexualidade. Freud (1910) considera que a transferência ocorre
em todos os tratamentos de neuróticos e que a partir dela o paciente atribui ao
médico sentimentos afetivos e hostis baseados em fantasias antigas que se
tornaram inconscientes. O paciente revive na relação com o psicanalista estas
fantasias e só consegue entrar em contato com estes sentimentos sexuais
inconscientes quando surgem novamente na transferência. Segundo Freud (1910),
somente por meio da transferência os sintomas podem ser eliminados ou
transformados. Neste processo o analista traz para si, por um período determinado
de tempo, a afetividade do paciente que gradativamente é liberada durante o
tratamento. Freud (1910), ainda faz questão de ressaltar que a transferência não é
provocada pela psicanálise, ela aparece naturalmente no relacionamento do médico
com o paciente da mesma forma que surge nas demais relações humanas,
tornando-se o eixo da técnica psicanalítica. O papel do tratamento, portanto, é tornar
a transferência consciente para que possa conduzi-la ao objetivo desejado.
Se considerarmos que a transferência aparece espontaneamente também na
relação professor-aluno, qual seria o papel do professor diante deste fenômeno? É
importante que tenha consciência de que os conteúdos afetivos manifestos no
processo não são dirigidos à pessoa dele, mas estão presentes na cena de
63
aprendizagem por um mecanismo de transferência, em função de experiências
passadas recalcadas que emergem do inconsciente.
No texto, As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica (1910), Freud
descreve a evolução da psicanálise e afirma que ainda terá que avançar muito para
desvelar o inconsciente dos pacientes. Declara que inicialmente o papel do médico
era forçar o paciente a falar o máximo possível de si mesmo. Com o avanço da
técnica psicanalítica, esta relação médico/paciente tornou-se mais cordial, “o
tratamento compõe-se de duas partes - o que o médico infere e diz ao doente, e o
que o doente elabora de quanto ouviu” (FREUD, 1910, p.147). O autor constata que
por meio deste auxílio intelectual o paciente terá mais facilidade de ultrapassar as
barreiras criadas pelas resistências entre consciente e inconsciente.
Ainda neste texto, Freud observa que um psicanalista só pode dar
continuidade ao tratamento quando consegue superar seus próprios complexos e
resistências internas. Coloca a autoanálise como uma condição fundamental para
habilitar o médico a conduzir o tratamento com base na técnica psicanalítica. Além
disso, o autor declara ser igualmente importante para os bons resultados do trabalho
que o paciente aproxime-se por conta própria do material recalcado e estabeleça um
relacionamento emocional com o médico que possibilite a transferência.
Na obra A Dinâmica da transferência (1912), Freud realiza um estudo teórico
sobre o fenômeno da transferência, demonstrando o quanto é fundamental
compreender a relação do analista com seus pacientes para que o processo
psicanalítico possa ser realizado. Segundo ele, a origem da transferência está no
fato de que só uma parte das tendências que determinam a vida erótica do indivíduo
realiza a sua evolução completa. Esta parte volta à realidade e constitui-se num dos
componentes da personalidade consciente, outra parte permanece ignorada pela
consciência. Neste sentido, o indivíduo consegue satisfazer apenas parcialmente a
sua libido, que é a energia da vida psíquica. Compreende-se, portanto, que é
exatamente esta carga de libido mantida inconsciente pelo sujeito, que não
consegue satisfazer-se na sua vida erótica, que é transferida para o médico no
processo analítico. De acordo com Freud (1912), a natureza e intensidade da
transferência são estabelecidas tanto pelas representações libidinosas conscientes,
como também pelas que se encontram no inconsciente. Nesta obra, Freud introduz
dois importantes questionamentos que irão fundamentar o desenvolvimento do
conceito de transferência:
64
Nada mais haveria a examinar ou com que se preocupar a respeito
deste comportamento da transferência, não fosse permanecerem
inexplicados nela dois pontos que são de interesse específico para
os psicanalistas. Em primeiro lugar, não compreendemos por que a
transferência é tão mais intensa nos indivíduos neuróticos em análise
que em outras pessoas desse tipo que não estão sendo analisadas.
Em segundo, permanece sendo um enigma a razão por que, na
análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao
tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo
de cura e condição de sucesso. (FREUD, 1912,p.112)
Em relação ao primeiro questionamento constata que é um equívoco pensar
que a transferência ocorre mais fortemente na situação analítica do que fora dela.
Cita o fato de que nos tratamentos de pacientes com doenças nervosas realizados
nas instituições é possível verificar que esse fenômeno ocorre com uma carga mais
intensa e de forma mais problemática, apresentando com clareza os componentes
eróticos nela presentes. Conclui que “essas características da transferência,
portanto, não devem ser atribuídas à psicanálise, mas sim à própria neurose”
(FREUD, 1912, p.113).
Quanto à segunda questão que consiste em saber por que a transferência
aparece na psicanálise como resistência, Freud (1912), considera que quando surge
no processo analítico do paciente algum material passível de ser transferido para o
terapeuta, essa transferência pode surgir como resistência, de diversas formas,
como por exemplo, por uma interrupção no tratamento. O autor declara que o
material
transferido
pode
tornar-se
consciente
sobrepondo-se
às
demais
associações e satisfazendo a resistência porque: “quando nos aproximamos de um
complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada
em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação” (Freud,
1912,p.115). Após o vencimento desta fase, as demais etapas do tratamento
poderão ser vencidas com maior facilidade, tendendo para uma situação em que
todos os conflitos serão superados com base na transferência.
Na concepção de Freud (1912), portanto, a intensidade e o prolongamento da
transferência são proporcionais à manifestação da resistência. Assim, a explicação
da influência da transferência na cura só pode ser obtida a partir da análise de suas
relações com a resistência. Neste ponto, percebe pela primeira vez a necessidade
de distinguir a transferência positiva da transferência negativa. Na positiva são
colocados os sentimentos amistosos ou afetuosos e na outra os sentimentos hostis.
Freud (1912) considera, ainda, que a transferência positiva pode expressar-se de
65
forma consciente e tem sua origem em fontes eróticas. Desta forma, segundo o
autor, é possível concluir que a simpatia, amizade, confiança e outros sentimentos
desta natureza, estão associados à sexualidade e as pessoas estimadas e
respeitadas podem continuar sendo percebidas pelo nosso inconsciente como
objetos sexuais. Assim, de acordo com Freud (1912) no processo analítico, a
confiança que o paciente demonstra em relação ao seu médico, bem como a
disposição em agir de forma colaborativa, podem estar associadas às pulsões
sexuais dirigidas às figuras paternas que foram sublimadas na infância. Quem
transfere é a criança do sujeito da transferência, o que se transfere é o que há de
mais infantil dentro de cada um. Ao mesmo tempo em que se coloca como a
resistência mais forte ao tratamento, é reconhecida como um substrato do efeito
terapêutico e condição de sucesso.
Apesar de tratar-se de um fenômeno natural, o analista opera com a
transferência para transformá-la numa neurose de transferência. Ele precisa
administrar a transferência para que possa lidar com a resistência e reconduzir o
paciente para o processo de cura de modo a tornar conscientes os motivos que o
levaram a interromper o fluxo de associações livres. Segundo Freud:
Esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida
instintual, entre a compreensão e a procura da ação, é travada,
quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência. É nesse
campo que a vitória tem de ser conquistada - vitória cuja expressão é
a cura permanente da neurose. Não se discute que controlar os
fenômenos da transferência representa para o psicanalista as
maiores dificuldades; mas não se deve esquecer que são
precisamente eles que nos prestam o inestimável serviço de tornar
imediatos e manifestos os impulsos eróticos ocultos e esquecidos do
paciente. (FREUD, 1912, p. 119)
Destaca que tudo que se refere à situação atual representa uma transferência
para o analista que pode servir como uma resistência inicial e recomenda que o
analista inicialmente aceite o desafio de enfrentar a neurose para que possa
encontrar rapidamente o caminho para chegar ao material patológico do paciente.
Em seu texto Recomendações aos médicos que exercem psicanálise (1912),
Freud destaca que o paciente necessita de tempo para estabelecer uma relação
com o analista, onde as resistências possam ser dissipadas gradativamente.
Recomenda que os médicos, no início do tratamento, assumam uma postura
compreensiva e evitem expressar pontos de vista moralizadores. Desta forma,
66
acredita que o paciente poderá espontaneamente estabelecer um vínculo entre o
terapeuta e as pessoas que lhe dedicaram afeto na infância, tornando-se mais
confiante na relação para dar continuidade ao trabalho terapêutico. Considera que
as resistências que surgem durante o tratamento analítico podem ser ultrapassadas
por meio da transferência, indicando o caminho a ser seguido e fornecendo
informações ao paciente no momento adequado. Freud (1912) destaca também que
é importante despertar o interesse e a compreensão intelectual do analisando para
que possa vencer suas resistências. “O paciente, contudo, só faz uso da instrução
na medida em que é induzido a fazê-lo pela transferência; é por esta razão que
nossa primeira comunicação deve ser retida até que uma forte transferência se
tenha estabelecido”. (FREUD, 1912, p.158).
Na obra A história do Movimento Psicanalítico (1914), Freud considera que o
recalque é a base de toda a estrutura psicanalítica e destaca a importância de
vencer as resistências que surgem em consequência dos conteúdos recalcados no
inconsciente. Segundo ele:
O surgimento da transferência sob forma francamente sexual seja de
afeição ou de hostilidade – no tratamento das neuroses, apesar de
não ser desejado ou induzido pelo médico nem pelo paciente,
sempre pareceu a prova mais irrefutável de que a origem das forças
impulsionadoras da neurose está na vida sexual. (FREUD, 1914, p.
23)
O conceito de neurose de transferência surge na obra Recordar, repetir e
elaborar (FREUD, 1914), onde o autor faz uma análise do desenvolvimento da
técnica psicanalítica, desde o método catártico até estabelecer o foco na neurose de
transferência. Afirma que na fase inicial a técnica era baseada no método do Dr.
Breuer que procurava reproduzir os processos mentais presentes no momento da
formação do sintoma com o objetivo de libertar-se de uma ideia ou emoção
recalcada a partir da recordação. Após a hipnose ter sido afastada do método
psicanalítico, a associação livre passou a ser adotada para descobrir o que o
paciente não conseguia lembrar. A interpretação era o recurso utilizado pelo analista
para controlar a resistência e revelar os resultados obtidos ao paciente. O interesse
pelas causas da formação do sintoma foi mantido, mas a catarse como uma
tentativa de liberar a emoção deixou de ser focalizada no processo. O paciente
passou a ter que esforçar-se para ultrapassar a censura com a finalidade de realizar
as associações livres no processo terapêutico. Assim foi desenvolvida a técnica
67
psicanalítica na qual o analista concentra-se no que está presente no inconsciente
do paciente e procura desvendar as resistências emergentes para torná-las
conscientes.
O processo não consiste em fazer o paciente recordar-se do que
esqueceu, mas em fazê-lo expressar-se por meio da ação. Desta forma a repetição
ocorre sem que o paciente saiba o que está sendo repetido.
Freud (1914) considera que esta compulsão à repetição ocorre não somente
na relação do paciente com o médico, mas também nas demais atividades e
relacionamentos que fazem parte da sua vida. Podemos aqui fazer uma analogia
com o que ocorre na educação, quando um aluno recusa-se a comunicar-se com o
professor no início do curso, apesar de provocado por ele para participar das
atividades propostas e emitir opiniões. Este comportamento pode ser considerado
como uma resistência que deve ser reconhecida e aceita pelo professor, na fase
inicial para que o processo ensino-aprendizagem tenha continuidade. Caso o
professor tenha dificuldade em lidar com o silêncio do aluno, insistindo de forma
autoritária para que ele participe, pode ocorrer aí uma quebra do vínculo professoraluno, causada pela resistência à transferência que ainda não está presente.
De acordo com a teoria freudiana, se ocorre uma transferência positiva logo
no começo da análise torna-se mais fácil o surgimento das lembranças do paciente
à semelhança do que ocorre na hipnose. No decorrer da análise, caso a
transferência torne-se negativa, necessitando ser recalcada, a atuação pode
substituir o recordar. O manejo da transferência é o principal instrumento da técnica
psicanalítica para reprimir a compulsão à repetição e criar a possibilidade de
recordar. O autor afirma ainda que:
Só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista,
trabalhando em comum com o paciente, descobrir os impulsos
instintuais recalcados que estão alimentando a resistência; e é este
tipo de experiência que convence o paciente da existência e do
poder de tais impulsos (...) trata-se da parte do trabalho que efetua
as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento
analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão. (FREUD,
1914, ps. 170, 171)
Esse manejo citado por Freud (1914) consiste em transformar a neurose
comum em uma ‘neurose de transferência’, que pode ser tratada na análise. A
transferência possibilita a criação de uma região intermediária entre a patologia e a
vida real, onde a doença passa a ser artificial, tornando-se acessível à intervenção
do analista que com base nas repetições que surgem na transferência consegue
68
trazer à tona recordações, após a superação das resistências.
Freud (1915), em seu texto Observações sobre o amor transferencial,
apresenta uma análise das dificuldades que podem surgir quando uma paciente
declara, abertamente, durante a sessão, estar apaixonada pelo psicanalista. A partir
desta reflexão ele nos apresenta questões importantes sobre como lidar com o amor
de transferência, na prática terapêutica em psicanálise.
Segundo o autor, de uma maneira geral, os sucessos amorosos ocupam uma
posição de destaque na vida dos homens, o que faz com que a questão do amor de
transferência mereça uma atenção especial. Inicialmente, ele coloca duas soluções
que podem surgir a partir do momento em que a paciente apaixona-se por seu
psicanalista: realizam uma união legítima e definitiva ou separam-se e abandonam o
trabalho terapêutico iniciado.
Na concepção de Freud (1915), a segunda solução é a mais frequente, mas
as duas são inadequadas. Uma terceira solução é apresentada como mais indicada
à continuidade do processo terapêutico, porém incompatível com a moral vigente e a
ética médica: iniciar relações amorosas ilegítimas e passageiras.
Considerando a hipótese de separação e interrupção do processo terapêutico,
Freud (1915) aponta a possibilidade da paciente se apaixonar também pelos demais
médicos que assumirão os seus tratamentos subsequentes, confirmando que o fato
não pode ser atribuído às qualidades pessoais dos psicanalistas. Para a paciente
esta alternativa pode significar a renúncia definitiva ao tratamento. Freud (1915)
também critica o fato de que alguns analistas optam por incentivar o surgimento da
transferência amorosa para que a análise possa progredir. Esta técnica, segundo
ele, é inaceitável, pois retira da transferência sua espontaneidade e pode criar
obstáculos muito difíceis de serem vencidos.
Na primeira vez que um analista
depara-se com o fenômeno do amor por transferência pode perder de vista a
finalidade do seu trabalho e cometer o erro de dar por encerrado o tratamento.
Segundo Freud (1915), tudo aquilo que perturba a cura é uma manifestação
da resistência e, portanto, influencia diretamente no surgimento das exigências
amorosas da paciente. Durante o processo de análise a transferência positiva é
traduzida numa atitude dócil, respeitosa, de aceitação e compreensão da paciente
em relação ao médico. No entanto, no momento em que a paciente se declara
apaixonada pelo médico, tudo isso desaparece, justamente quando está vivenciando
uma fase da análise em que iria comunicar uma parte intensamente recalcada da
69
sua história. Aqui o amor de transferência já existiria muito antes de manifestar-se,
mas é usado pela resistência para bloquear o processo de cura e colocar o analista
em uma situação embaraçosa.
Para Freud (1915), portanto, o amor de transferência deve ser conservado e
tratado não como algo irreal, mas como uma situação que deverá, fatalmente, ser
atravessada na cura, referida às suas origens inconscientes e que ajudará a levar ao
domínio consciente os elementos mais ocultos da vida erótica da paciente.
Considera ainda que, contra a veracidade do amor de transferência, há o argumento
de que ele não surge a partir de elementos novos originados da situação atual. Ele é
composto de ecos a reações anteriores, até mesmo infantis.
A partir de tais reflexões, Freud (1915) acrescenta que o mais importante
neste processo é que o analista consiga liberar o paciente de sua capacidade de
amar para que possa fazer uso dela com mais liberdade na sua vida real, após o fim
do tratamento.
Em 1920, com seu texto Além do princípio do prazer, Freud trouxe uma
importante contribuição para a psicanálise, a partir da ampliação da noção de
compulsão à repetição. Desde que iniciou a formulação da teoria psicanalítica, Freud
descreveu a transferência como uma vivência com o analista de uma repetição do
passado. Considerando que o sofrimento das crianças produzido pelo complexo de
Édipo é revivido na transferência como uma compulsão, essa experiência traumática
é elaborada a partir da repetição, de acordo com a tese apresentada por Freud
nessa obra. Até então, o autor considerava que essa compulsão à repetição estava
voltada a satisfazer as pulsões que geravam prazer e que o desprazer associado a
elas só surgia em função do recalque. No entanto, Freud (1920) percebe que há
repetições que, desde a origem, estão vinculadas ao desprazer e passa a considerar
que, embora haja uma tendência ao princípio do prazer, há forças opostas que
atuam no sujeito impedindo sua satisfação. Assim, o princípio do prazer deixa de
ser considerado como a principal origem da neurose, transferindo o foco para um
problema de desprazer. Esta concepção foi a base da formulação da segunda teoria
das pulsões, que apresenta as pulsões de vida em oposição às pulsões de morte.
Freud (1920) apresenta uma importante constatação: o inconsciente não é
constituído apenas de material recalcado, há uma parte do eu que permanece
inconsciente e que não será reativada para tornar-se consciente.
70
Em 1937, Freud, em seu texto Análise terminável e interminável, coloca que
os analistas deveriam estar mais interessados em descobrir quais as dificuldades
que devem ser superadas para que o caminho da cura possa ser encontrado do que
em procurar saber como ela ocorre. Destaca neste texto a questão da resistência e
da transferência tanto positiva quanto negativa.
Afirma que para fazer surgir um conflito não manifesto com fins preventivos,
durante a análise, podem ser adotados dois meios: tornar o conflito atual e ativo de
forma artificial pela transferência ou na realidade, ou debatê-lo com o paciente, para
que possa ser despertado na sua imaginação e suas possibilidades reconhecidas na
situação de análise. Inicialmente considera a segunda alternativa mais viável uma
vez que pode ter como resultado o surgimento do conflito de forma mais moderada,
facilitando o tratamento. Porém, baseado em sua experiência clínica, percebe que o
fato de acrescentar novos conhecimentos ao paciente não é suficiente para que
possa reagir ao conflito. Conclui que é necessário expor o paciente à frustração e ao
recalque da libido por meio da transferência para alcançar os resultados desejados
no processo analítico. Freud declara ainda que:
Procuramos levar esse conflito a um ponto culminante, desenvolvê-lo
até seu tom mais alto, a fim de aumentar a força pulsional disponível
para sua solução. A experiência analítica ensinou-nos que o melhor é
sempre inimigo do bom e que, em todas as fases do
restabelecimento do paciente, temos de lutar contra sua inércia, que
está pronta a se contentar com uma solução incompleta. (FREUD,
1937, p.248)
Considera que quando esclarecemos as dúvidas das crianças sobre as
questões sexuais, fornecemos informações novas sobre o assunto, mas dificilmente
fazem uso deste conhecimento, pois não abrem mão das teorias sexuais que fazem
parte
do
seu
crescimento
natural.
“Por
longo
tempo
após
receberem
esclarecimentos sexuais, elas se comportam como as raças primitivas que tiveram o
cristianismo enfiado nelas, mas que continuam a adorar em segredo seus antigos
ídolos”. (FREUD, 1937, p.250)
Freud acrescenta ainda que, ao iniciar o tratamento, o paciente nem sempre
tem uma “forte convicção do poder curativo da análise” (Freud, 1937, p. 255), a
confiança inicial que deposita no analista é fortalecida pela transferência positiva,
mas ao surgirem as transferências negativas provenientes do processo de emersão
dos conflitos que se encontravam defendidos, o processo de análise tem a
71
possibilidade de ser totalmente anulado. O paciente pode passar a considerar o
analista como um desconhecido que o coloca em situações difíceis e, segundo o
autor:
(...)comporta-se “como uma criança que não gosta do estranho e
não acredita em nada do que este diz. Se o analista tenta explicar ao
paciente uma das deformações por este efetuadas para fins de
defesa, e corrigi-la, encontra-o incompreensivo e inacessível a
argumentos bem fundados.” (FREUD, 1937, p.255)
Freud identifica ainda que o paciente apresenta resistências em relação à
revelação dos mecanismos de defesa que se manifestam tanto em relação ao
processo de conscientização dos conteúdos inconscientes quanto ao próprio
tratamento e, consequentemente, à cura analítica.
O autor cita o artigo de Ferenzi publicado em 1927, onde este afirma que para
obter sucesso numa análise é fundamental dominar o desejo das mulheres por um
pênis e o esforço dos homens em não assumir uma atitude passiva. Com base
nesta afirmativa, Freud considera que:
Em nenhum ponto de nosso trabalho analítico, se sofre mais da
sensação opressiva de que todos os nossos repetidos esforços
foram em vão, e da suspeita de que estivemos ‘pregando ao vento’,
do que quando estamos tentando persuadir uma mulher a abandonar
seu desejo de um pênis, com fundamento de que é irrealizável, ou
quando estamos procurando convencer um homem de que uma
atitude passiva para com homens nem sempre significa castração e
que ela é indispensável em muitos relacionamentos na vida. A
supercompensação rebelde do homem produz uma das mais fortes
resistências transferenciais. Ele se recusa a submeter-se a um
substituto paterno, ou a sentir-se em débito para com ele por
qualquer coisa, e, consequentemente, se recusa a aceitar do médico
seu restabelecimento. (FREUD, 1937, p.269)
Segundo Freud (1937), a principal função da resistência é bloquear as
possibilidades de mudança, fazendo com que o quadro permaneça inalterado. Só
resta aos analistas consolar-se com o fato de que incentivaram seus pacientes a
rever e alterar suas atitudes em relação a eles.
Finalizando, colocamos uma observação em relação ao tema desta
dissertação. É possível surgir uma resistência em relação ao processo de
aprendizagem em função da resistência que determina uma não aceitação do
professor como condutor deste processo, tal qual ocorre na situação de análise
citada acima? Será que o professor não deveria estar ciente de que alguns conflitos
que surgem na sua relação com os alunos são transferenciais e, portanto, artificiais
72
e que muitas vezes o material que surge nesta relação é pulsional? No capítulo a
seguir apresentaremos algumas reflexões sobre esta questão de modo que os
conceitos psicanalíticos aqui apresentados possam contribuir para a compreensão
do processo de interação professor-aluno na Educação on-line.
73
3 TRANSFERÊNCIA E DESEJO DE SABER NA EDUCAÇÃO ON-LINE
Apesar de Freud não ter dado destaque especial à Educação, pode-se
perceber a importância que atribuiu a este tema no desenvolvimento da sua obra. A
teoria psicanalítica traz significativas contribuições para a compreensão do processo
pedagógico e neste capítulo pretendemos demonstrar porque a transferência pode
ser considerada como um fator essencial para garantir o sucesso da aprendizagem
e, mais especificamente, como pode contribuir para esclarecer os processos que
ocorrem na interação entre professores e alunos na Educação a distância.
Conforme apresentado no 2º capítulo desta dissertação, Santiago (2005)
descreve três destinos para o desejo de saber, que surgem após o período de
recalque sexual da primeira infância, segundo a teoria psicanalítica. São eles: a
inibição neurótica, as ruminações obsessivas e a sublimação.
Na inibição neurótica tanto a atividade sexual como o desejo de saber são
recalcados, inibindo também a curiosidade infantil. Nas ruminações obsessivas, o
interesse intelectual sobrepõe-se ao recalque sexual, deslocando a libido para a
pesquisa. Neste caso o destino do desejo de saber passa a ocupar o lugar da
satisfação sexual. Na sublimação, a energia sexual consegue desviar do recalque,
sendo sublimada em curiosidade e pesquisa, desta forma fica dissociada das
questões que acompanham a sexualidade infantil e mantém-se livre para atender
seus interesses, tornando-se o destino mais favorável ao desenvolvimento
intelectual e cultural.
A pulsão do saber surge exatamente na fase em que a criança afasta-se do
autoerotismo e busca satisfação nos estímulos à sua volta. Os pais são os
primeiros a quem dirigem a suposição de saber para obter respostas às suas
questões sobre a sexualidade, em seguida entrarão outras pessoas que, na sua
percepção, em função de algum traço escolhido inconscientemente, poderão suprir
as necessidades do seu desejo de saber. É com estas pessoas que estabelecerá
uma relação transferencial que se tornará um pré-requisito essencial para o
processo de aprendizagem. Quando inicia sua vida escolar a satisfação da criança
consiste em participar do mundo adulto onde acredita que poderá encontrar as
respostas às questões que surgiram da angústia gerada pelo complexo de Édipo.
Freud (1914) demonstra como as pulsões recalcadas por esse complexo são
depositadas no professor, fazendo com que os alunos atribuam mais importância à
74
personalidade de seus mestres do que aos conteúdos que lhes foram ensinados.
Na primeira infância a criança ama o pai e atribui a ele todo poder e sabedoria,
mais tarde passa a perceber este pai como castrador de seus desejos que nega a
satisfação de suas pulsões. Ao ingressar na escola o sujeito percebe que o pai não
detém tanto poder e sabedoria quanto imaginava e transfere ao professor os
sentimentos de amor e ódio que originalmente foram endereçados aos pais,
trazendo os desejos inconscientes para esta relação, o que pode explicar a
ambivalência afetiva e os comportamentos indecifráveis que os alunos apresentam
na interação com seus mestres ao longo da vida.
Neste cenário em que o inconsciente predomina nas relações, a psicanálise
coloca na transferência a responsabilidade em manter separadas as práticas
psicanalíticas das pedagógicas. É preciso que os educadores reconheçam que
tanto o professor quanto o aluno estão submetidos às determinações do
inconsciente, que são imprevisíveis e incontroláveis. Freud (1937) afirmou que
educar, governar e curar são profissões impossíveis porque remetem à falta e
nunca chegam onde pretendem chegar, tornando-se uma busca incessante para
preencher uma lacuna permanente.
Segundo Lajonquière (2011), o professor procura reviver suas questões
infantis projetando-as em seus alunos com o objetivo de recuperar a felicidade que
imagina ter perdido na infância em consequência do complexo de Édipo. Isto faz
com que os educadores acreditem que a criança deverá tornar-se, no futuro, um
adulto plenamente realizado, a quem nada faltará. No entanto, a Pedagogia não
consegue colocar em prática esta proposta, pois a sociedade condiciona o sujeito à
falta e não permite que o ser humano alcance a completude tão desejada.
Para preencher esta falta, o sujeito vai ao encontro do seu próprio desejo,
procurando obter afeto e respeito na relação com o outro. Desta forma, em
consequência da transferência, outros elementos estão presentes de maneira
muito significativa na relação professor-aluno, visto que os inconscientes têm uma
participação determinante nos objetivos pedagógicos a serem alcançados.
A ilustração a seguir representa a participação dos “outros” no processo
educacional.
75
Professor
Aluno
Outros
Outros
Criança recalcada e
idealizada
Produtores e alvos de
seus desejos.
É exatamente essa transposição do passado para o presente que cria o
paradoxo da transferência: ao mesmo tempo em que determina a impossibilidade
da educação, é também um pré-requisito para que a aprendizagem possa
acontecer. O aluno acredita que o professor pode ajudá-lo a saber sobre o seu
desejo, mas esta impossibilidade faz com que a transferência produza uma relação
imaginária que provoca um movimento permanente e torna o indivíduo um sujeito
desejante. O processo de transferência pode surgir a partir de um traço próprio do
professor ou criado pela fantasia do aluno, que passa a ser um fator determinante
no processo de aprendizagem.
Anny Cordié (1996), em seu livro Os Atrasados não Existem, relata o caso
do menino Arthur que apresentava dificuldade de leitura na frente da sua mãe, da
sua professora e dos demais colegas de turma na escola. No entanto, conseguia
ler com facilidade quando estava sozinho ou na presença da sua reeducadora. Foi
encaminhado para a terapia, pela pediatra, porque ficou muito angustiado
quando soube que precisaria afastar-se da sua reeducadora, sentindo-se
abandonado.
No processo terapêutico o menino relatou que a sua mãe não
admitia que cometesse falhas nas suas leituras e quando lia para ela ficava
atordoado com as críticas e olhares raivosos que lhe dirigia toda vez que errava.
Segundo ele, na escola, sua professora repetia o mesmo comportamento de sua
mãe, fulminando-o com olhares que o faziam ter muito medo de ler em sala de aula.
Já com a sua reeducadora este problema não existia porque, segundo Arthur, o seu
olhar doce permitia que lesse com tranquilidade, sem temores. Este caso demonstra
claramente como a transferência pode ocorrer a partir de um “traço”, que neste
caso foi o “olhar” e como os as figuras parentais se fazem presentes na relação
professor-aluno no processo de aprendizagem.
O relato a seguir, feito pela aluna “L” do curso de graduação a distância em
Letras, ilustra como o desejo de saber pode ser contagiado por um traço do
76
professor nesta modalidade de ensino.
Nele podemos constatar como o traço
“compromisso” da professora estimulou a aluna a continuar realizando o curso,
apesar dos seus problemas pessoais que traziam impedimentos para a continuidade
de seus estudos:
“A professora “ML” acreditava no que estava fazendo, e quando você acredita
é difícil estar errando. Ela acredita de certa forma, também, que a gente tenha
possibilidades de concluir o curso. O que me marcou muito foi o compromisso dela,
justamente por isso: você vai procurar graduação a distância e se pergunta: será
que o professor é descompromissado? Mas o compromisso é igual no presencial e
no a distância, a forma de interagir e a metodologia são diferentes, mas são a
mesma coisa.”
É importante destacar, neste caso, que o desejo inconsciente da aluna foi
contagiado pelo traço “compromisso” da professora na interação que estabeleceram
durante o curso a distância, a partir de uma característica da professora que foi
vinculada inconscientemente a uma vivência familiar do passado da aluna . Este
traço possibilitou a transferência e contagiou o desejo de saber influenciando na
decisão da aluna em continuar realizando o curso. Não foi a atitude de “boazinha” da
professora dando-lhe apoio no momento que precisava de “colo” que determinou a
sua influência na decisão da aluna em dar continuidade ao curso, mas a confiança
que se estabeleceu durante o processo transferencial. Não há como prescrever
uma receita de qual deve ser a atitude do professor para obter melhores resultados.
Esta mesma aluna cita o fato de que a professora “ML” não costumava cumprir os
prazos de correção das atividades e esclarecimentos de dúvidas no ambiente online, mas isto não afetava o sentimento de admiração e confiança que nutria por ela.
Citou o caso de outro professor, que era extremamente cumpridor de todos os seus
deveres e que nunca atrasava as correções das atividades e mantinha-se muito
assíduo nas suas comunicações com os alunos no ambiente. Ela o considerava um
bom tutor tecnicamente, mas não estabelecia com ele um vínculo tão próximo como
o que tinha estabelecido com a professora “ML”.
O poder do professor tem sua origem num suposto saber que lhe é atribuído
pelo aluno, que na verdade representa a sua necessidade em descobrir o que ele
sabe sobre o seu desejo. A posição de autoridade do professor é afirmada a
partir do processo transferencial que é estabelecido com o aluno. Esta assimetria
passa a ser uma das condições primordiais para a instalação da transferência.
77
O depoimento da aluna “F” sobre um professor-tutor do curso de graduação a
distância em Administração ilustra esta afirmação:
“O “Prof. W” parece muito empolgado com este trabalho, ele nos incita o
tempo todo a pesquisar e com isso aprender mais e mais, às vezes até irrita porque
temos outras coisas a fazer e o trabalho que ele passa nos toma muito tempo, mas
no final existe a compensação, o aprendizado, mas seria bom de leve, muito de leve
dar um toque no professor sobre o excesso de pesquisa que ele nos faz fazer”.
Na proposta pedagógica atual percebemos que o educador tende a não
assumir a sua autoridade e abandona a posição de suposto saber que lhe é
atribuída
pelos
alunos,
colocando-se
como
observador
do
processo
de
aprendizagem. Assim, deixa de ser cumprida a primeira condição proposta pela
psicanálise: a dependência do aluno em relação ao s a b e r d o professor para que
possa compreender o lugar em que está situado no mundo. Além disso, a
Pedagogia, com base na crença de que é possível eliminar a falta, procura
enquadrar as necessidades dos alunos num ideal pré-estabelecido que tenha por
finalidade alcançar a realização tanto do ponto de vista cognitivo quanto emocional.
Desta forma o educador submete o conhecimento à natureza do aluno e elimina a
assimetria entre eles, já que não se coloca na posição de suposto saber.
Como vimos no primeiro capítulo desta dissertação, os modelos atuais de
Educação a Distância on-line, influenciados tanto pelas modernas teorias
pedagógicas como pelas novas tecnologias de informação e comunicação, tendem
a adotar professores-tutores que conduzem os alunos por trilhas de aprendizagem
previamente estabelecidas por professores especialistas no conteúdo que não têm
a responsabilidade direta pela interação com os alunos. Assim, o professor deixa
de ser o centro do processo, colocando-se mais como um intermediador da
aprendizagem do que como um sujeito do suposto saber. Cabe aqui uma reflexão
sobre as consequências
desta
postura em
relação
aos resultados de
aprendizagem. O saber que seria atribuído ao professor passa a ser compartilhado
com os autores do conteúdo, com os demais alunos da turma e com as
comunidades virtuais que possibilitam a aprendizagem em rede.
Como afirmam Lévy e Lemos:
(...)a nova comunicação pública é polarizada por pessoas que
fornecem, ao mesmo tempo, os conteúdos, as críticas, a filtragem
e se organizam elas mesmas em redes de troca e colaboração.(...)
os valores e os modos de ação trazidos pela nova esfera pública
78
são a abertura, as relações entre pares e a colaboração. Enquanto
as mídias de massa funcionavam a partir de um centro emissor
para uma multiplicidade receptora na periferia, os novos meios de
comunicação social interativos funcionam de muitos para muitos
num espaço descentralizado. (LÉVY E LEMOS, 2010, p.13)
Desta forma, nas comunidades de aprendizagem os alunos podem
encontrar colegas que dominam saberes que lhes são úteis e em função disso
entram num processo transferencial com eles, a partir do suposto saber. Assim, a
transferência nesta modalidade de ensino passa a ter uma amplitude maior,
atribuindo o suposto saber a alvos diferenciados na sala de aula virtual,
dependendo de cada situação de aprendizagem proposta. Esta observação é
importante porque precisamos localizar a direção do suposto saber, nos diversos
modelos de Educação a distância, para compreender como acontecerá a
transferência nas interações estabelecidas no processo educacional.
É a fantasia do aluno que vincula o desejo de saber ao professor, tornando
sem sentido a sua figura real no ato educativo. Na medida em que o professor
passa a estar presente no inconsciente do aluno, ele será percebido e escutado a
partir deste lugar. É importante que os professores consigam reconhecer que os
sentimentos que lhes são dirigidos pelos alunos não estão necessariamente
voltados à sua pessoa e que esta relação professor-aluno é diferente das demais
que estabelece na sua vida pessoal. Essa compreensão poderá evitar enganos
muito comuns de serem observados na relação professor-aluno tanto na sala de
aula presencial quanto nos ambientes on-line dos cursos a distância. Além disso,
certamente possibilitará uma atuação mais produtiva e menos conflituosa do
educador no processo ensino-aprendizagem.
Cordiè (1996) considera que o professor, recebe uma carga de exigências dos
alunos que estabelecem com ele uma relação repleta de conflitos que podem estar
relacionados à necessidade de resolver a problemática edipiana por meio
de transferência. Há alunos que amam ou rejeitam exageradamente a figura
do professor, neste caso pode-se considerar que a transferência não surge
diretamente em função do desejo de saber, mas sim da carência afetiva,
comprometendo seriamente a aprendizagem. Surge, assim, a necessidade de
esclarecer um engano do professor que considera que tanto o amor quanto a
rejeição são dirigidos à sua pessoa por desconhecerem a interferência do
inconsciente na relação professor-aluno.
79
É importante destacar que o processo de transferência na Educação é
bilateral, podendo ocorrer tanto do aluno para o professor quanto do professor para
o aluno. A contratransferência também tem origem no inconsciente e pode fazer com
que o professor, tal qual o aluno, traga para o ato educativo as relações que
estabeleceu com as figuras parentais na primeira infância, revivendo sentimentos
experimentados em função da castração determinada pelo complexo de Édipo.
A Pedagogia tem investido em estudos para a criação de estratégias
específicas para enfrentar as dificuldades dos professores para lidar com as
perturbações decorrentes do excesso de afeto e rejeição dos alunos em sala de
aula. Na Educação a Distância observa-se claramente que os alunos exigem mais
atenção de seus professores do que nas salas de aula presenciais, talvez porque
sintam necessidade de perceber sua proximidade para sentirem-se mais seguros
no processo educativo. É muito importante que o educador saiba lidar com estes
afetos carregados de sentimentos ambivalentes, para que possa conduzir o
processo de aprendizagem, a partir dos vínculos transferenciais estabelecidos com
os alunos.
Como afirma Kupfer (2007), é o desejo do aluno que produzirá efeitos
positivos na aprendizagem, mas, para o professor é difícil suportar o significado
que lhe é dado pela transferência. Em consequência desta dificuldade, tende a
impor o seu desejo, usando o poder que lhe é conferido pela posição que ocupa,
para que suas ideias tenham domínio na ação educativa. Suprime assim o desejo
de saber do aluno que fica sem liberdade para exercer sua condição de sujeito
pensante e criativo, na medida em que sua autonomia intelectual fica dependente
do desejo do professor.
O depoimento da aluna “L” demonstra como vivenciou esta singularidade no
curso de graduação a distância de Letras, com a professora “ML”:
“Eu gostava muito dos fóruns, tinha alguns interessantes porque estavam
falando de formas de educação, de práticas pedagógicas e isso me interessava
bastante. Construir esse caminhar eu achei muito mais enriquecedor, eu construindo
esse passo a passo. Nessa construção eu sentia um clique na cabeça, o que é
diferente de quando eu estou no doutorado e digo para o professor: não estou
entendendo, explica! É como se o outro explicasse na visão dele. Aí eu fico assim:
“ai, puxa, por que ele falou isso mesmo”? Assim, eu senti que no meu passo a
passo, no curso a distância, o processo de construção fica muito mais interessante.”
80
Parece que a liberdade de expressar-se nos fóruns a partir da realidade do
seu desejo e não do ideal do professor, foi conquistada a partir do processo
transferencial, que ocorreu por contágio com o traço “compromisso” do professor,
possibilitando mais autonomia e independência na aprendizagem, como vimos no
caso da mesma aluna em relação à referida professora, citado anteriormente neste
capítulo.
O depoimento da aluna “F” do curso de Administração a distância demonstra
que a simples disponibilização dos fóruns nos cursos a distância não garante ao
aluno a liberdade de expressar-se de acordo com a sua singularidade. Ele precisa
ter vivenciado o processo de transferência para sentir confiança na proposta e
postar suas mensagens no fórum, a partir da realidade do seu desejo:
“Fórum é legal, principalmente os do “Prof. W”, porque o retorno dele é técnico
e nos acrescenta, os dos outros são fóruns óbvios demais e parece mais que é para
mostrar que colocaram um fórum. Por favor não façam isso, estar presente não é
colocar fórum por colocar, às vezes o menos é mais”.
Os educadores que trabalham com Educação a distância devem ficar atentos
à tendência de padronização que podemos encontrar em diversos modelos
adotados, principalmente para possibilitar que um mesmo professor atenda a um
grande número de alunos simultaneamente. Respostas padronizadas nas
avaliações de atividades e nos debates em fóruns distanciam os professores da
realidade dos alunos e vice-versa, despersonalizando a relação. Observo que
muitas críticas à educação a distância consideram que esta é uma condição
generalizada em todas as modalidades de EAD, o que não é verdade. É possível
considerar a singularidade dos sujeitos num curso a distância on-line, a partir da
relação professor-aluno que é viabilizada pelos diversos recursos de interação e
conectividade que os ambientes virtuais oferecem, como vimos no primeiro capítulo
desta dissertação.
Costuma-se exaltar a importância da autonomia do aluno como um fator
determinante para os resultados positivos no processo ensino-aprendizagem em
cursos a distância, no entanto, é preciso atentar para o fato de que para que ele
consiga obter esta autonomia, precisará ter vivenciado o processo transferencial
para tornar-se mais independente do professor. A presença do professor não é para
que ele se coloque como modelo narcísico, mas sim como um sujeito desejante para
que o aluno possa contagiar-se, como podemos observar no depoimento a seguir
81
apresentado pela aluna “D” de um curso da pós-graduação a distância, que
demonstra como o desejo de saber do professor desencadeou o seu interesse pela
pesquisa sobre o tema estudado, adquirindo independência para aprofundar seus
estudos:
“Fico entusiasmada de ver que ganhei um olhar critico diferente para ler
artigos como os que foram oferecidos durante nossos estudos. Antes eu os lia como
espectadora, mas agora consigo me inserir mais dentro das histórias e fico instigada
para conhecer mais. Tenho certeza que ainda existe muito a evoluir, mas estou com
toda a vontade para isso. Fica aqui o meu muito obrigado ao professor, com
carinho”.
A imprevisibilidade do inconsciente torna inviável a criação de um método
pedagógico de base psicanalítica. Isto não significa que a Psicanálise não possa
contribuir para a Educação, é preciso compreender que esta relação não está
focada na aplicabilidade. Kupfer (2007) afirma que o professor deverá preocupar-se
menos com métodos de ensino para que possa aprender a privilegiar a
singularidade do sujeito, principalmente aqueles que propõem recompensas e
punições. É importante destacar, porém, que isto não significa que o educador deva
deixar de impor limites ao desejo do aluno, deixando-o livre. O professor é
responsável por ensinar como o sujeito poderá dominar suas pulsões para adaptarse à sociedade, sinalizando para ele o que é proibido e permitido. No entanto, isto
só será possível se ocupar um lugar diferenciado para que obtenha o
reconhecimento da sua autoridade pela transferência. O aluno transferido torna-se
um sujeito singular, na medida em que tem autonomia para que a diferença possa
ser considerada, permitindo que a aprendizagem aconteça.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação on-line possibilita que professores e alunos vivenciem
experiências que não eram possíveis antes do advento da internet. Nesta
modalidade educacional a presença e a ausência são definidas pelas possibilidades
de aproximação e afastamento dos sujeitos.
Percebemos que no ensino presencial muitas vezes o aluno está presente
fisicamente, mas distante do que está ocorrendo em sala de aula, distraindo-se
com outros estímulos que não estão relacionados ao que está sendo transmitido.
Isto demonstra que estar presente fisicamente não garante a presença no
processo ensino-aprendizagem. Na EAD a presença do aluno é representada por
suas participações nos fóruns de discussão, chats, comunidades práticas, teleaulas,
avaliações on-line e outras atividades disponibilizadas no ambiente virtual de
aprendizagem. Numa abordagem psicanalítica, tanto na Educação presencial
quanto a distância, é a transferência que vai determinar a presença ou a ausência.
Se o aluno não estabeleceu vínculo com o processo de aprendizagem, é
considerado ausente nas duas modalidades.
As
novas
multilateral, se m
tecnologias
da
comunicação permitem uma comunicação
fronteiras. Assim, a transferência ultrapassa a dimensão
geográfica do espaço, fazendo com que a distância se torne subjetiva. Na EAD, via
internet,
a
transferência
pode
endereçar-se
aos
professores,
tutores,
coordenadores, monitores ou colegas de turma, dentre outros, substituindo a
presença física pelos traços que as tecnologias de informação e comunicação
conseguem reproduzir. A escrita é um importante elemento para garantir a
presença virtual por meio da relação transferencial que possibilita a troca de
conhecimentos e experiências tendo como foco a aprendizagem. Ao mesmo tempo
pode gerar desconforto e tensão provocados pelo receio de registrar suas
fragilidades no ambiente virtual de aprendizagem. Na EAD o sujeito fica mais
exposto pela diversidade de pessoas que têm acesso ao que é registrado, do que na
educação presencial onde a comunicação ocorre prioritariamente entre professor e
aluno. Assim, a linguagem escrita, ao mesmo tempo em que disponibiliza as
condições para transportar a transferência, que viabiliza a presença virtual, pode
provocar uma retração em função da exposição à percepção dos outros. Segundo
Lévy e Lemos (2010), as novas tecnologias de informação e comunicação
83
provocam esta transparência formando uma nova esfera pública cujos limites são
definidos a partir das línguas, culturas e centros de interesses e não mais por
cortes geográficos. Os autores afirmam ainda que:
“Um dos aspectos mais desconcertantes da nova situação da
comunicação no ciberespaço é o apagamento da distinção
público/privado, ou mesmo simplesmente, a “erosão da esfera
privada”. Qualquer correio eletrônico pode reencontrar-se exposto
num fórum. (LÉVY E LEMOS, 2010, p.13)
É importante enfatizar que não é a utilização de modernas tecnologias de
comunicação e informação que possibilitará o relacionamento entre as pessoas
envolvidas na Educação on-line, mas sim a transferência que será construída a
partir da presença virtual.
Como psicóloga atuando na área de Educação a distância desde 1976, meu
interesse voltou-se para os aspectos subjetivos e afetivos do processo ensinoaprendizagem. Desde 2003 coordeno do Núcleo de Educação a distância da
Universidade Veiga de Almeida no Rio de Janeiro, onde tenho oportunidade de
observar as demandas dos alunos para seus mestres, em cursos on-line. Percebo
que não é a razão e sim a emoção que predomina na maior parte dos diálogos e que
os mestres que têm maior aceitação dos alunos não são necessariamente aqueles
menos exigentes nas tarefas e mais flexíveis diante de suas reivindicações, mas sim
aqueles que estão mais atentos às suas singularidades e que respondem suas
dúvidas de forma diferenciada.
Curiosamente alguns professores que se mostram
exigentes e críticos nas correções e muitas vezes dão notas mais baixas, são muito
respeitados e admirados pelos alunos porque em contrapartida lhes dão a atenção e
importância de que necessitam. Além disso, estes professores demonstram um
grande comprometimento com a matéria ensinada e não poupam esforços para que
os alunos possam compreendê-la. Tenho procurado responder às críticas de alguns
educadores tradicionais que afirmam que é impossível educar a distância
enfatizando as possibilidades da presença virtual na Educação on-line.
A imprevisibilidade do inconsciente dificulta a definição de um método que
permita uma associação da Pedagogia com a Psicanálise. O conteúdo simbólico, ao
ser transferido, passa por um processo de atualização que não possibilita a leitura
do seu sentido real. Assim, embora a transferência esteja implícita no processo
84
ensino-aprendizagem, o seu manejo fica restrito ao analista, não cabendo ao
professor a responsabilidade por interpretá-la para garantir a ação educativa.
O que podemos fazer diante desta constatação? Leandro Lajonquière, em
seu artigo Educação, religião e cientificismo, publicado na revista Educação (2011),
apresenta as seguintes questões:
Como educar para a realidade? Para o desejo? Para o
reconhecimento do impossível? Enfim, como se educa?
Endereçando a palavra a uma criança? Falando? Sim! Como
especialista? Não, como simples mortal, pai, mãe ou professor.
(LAJONQUIÈRE, 2011, p.25)
A psicanálise, na sua abordagem sobre o desejo de saber indica duas
condições para responder a este questionamento: primeiro, que o professor
sustente a posição de sujeito suposto saber que lhe é atribuída pelo aluno e
acredite na sua capacidade de transmissão e de mediador do conhecimento,
mesmo admitindo que não conheça plenamente tudo que ensina; segundo, que
professor e aluno mantenham-se num movimento constante na busca do saber
sobre seus desejos.
É importante que a Pedagogia compreenda que o professor não pode
dominar o desejo do aluno nem aprisioná-lo numa atitude em que predomine o seu
ideal, mas é necessário que permaneça ativo no processo de aprendizagem, sem
abandonar a posição de suposto saber que lhe é atribuída na transferência. A
criança deve ser acompanhada por um adulto que encaminhe suas pulsões em
direção a um processo de socialização, para que possa tornar-se civilizada, sem
que precise abrir mão do seu desejo. No entanto, é importante considerar que a
ação educativa não é linear e poderão ocorrer conflitos e dúvidas neste processo. A
punição pode acontecer sem impedir que a transferência ocorra, desde que seja
estabelecida uma relação de confiança, baseada no suposto saber e que o sujeito
possa reconhecer o desejo do professor na ação educativa. O educador que
demonstra interesse pela leitura, que deseja aprender e quer que o aluno aprenda
facilita a transferência e consequentemente consegue realizar uma educação mais
voltada para a realidade e para o desejo.
Tanto o autoritarismo quanto a permissividade na educação fundamentam-se
em supostos saberes que tentam passar para a criança um ideal que repete os
desejos inconscientes do adulto. O educador precisa reconhecer a impossibilidade
de estabelecer uma relação com os alunos que supere a angústia gerada pela falta,
85
caso contrário adotará métodos controladores que usam a punição e a recompensa
por considerá-los recursos imprescindíveis para viabilizar uma ação educativa
focada nos seus ideais. Se o educador acreditar no inconsciente e na transferência,
poderá afirmar como Freud (1937), que a Educação é impossível e encontrará o
caminho para o reencontro do sujeito com o desejo.
86
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89
QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma . Rio de Janeiro:
Zahar Ed.,2008.
SANTIAGO, A. L. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005.
SILVA, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.
SILVA, M. (org.). Educação online: cenário, formação e questões didático
metodológicas. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2010.
STRAUSS, Marc. Separar-se dos Pais. Revista Marraio, v.3, p.11-23, 2002
WATSON, J.B. Psychology as the behaviorist views it. In: Psychological Review, 20,
158-177, 1913.
WEDEMEYER,C. Independent study. In Knowles, A.S. (ED.). The international
encyclopedia of higher education. Boston: Cihed, 1977.
90
ANEXO
PRODUTO DA DISSERTAÇÃO
PROPOSTA: Desenvolvimento e implantação de um curso de formação para
professores-tutores de cursos de graduação e pós-graduação on-line.
TÍTULO: O inconsciente e a interação professor-aluno em cursos on-line.
OBJETIVOS:
- Identificar as articulações entre psicanálise e educação, segundo a teoria
freudiana.
- Reconhecer a presença do inconsciente no processo ensino-aprendizagem.
- Identificar a influência dos destinos do desejo de saber no processo ensinoaprendizagem.
- Identificar o processo transferencial na interação professor-aluno em cursos online.
- Reconhecer a impossibilidade da educação e seus reflexos na EAD.
- Evidenciar a posição do professor-tutor na Educação on-line voltada, à luz da teoria
psicanalítica.
PROGRAMA:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
O papel do professor nas diferentes modalidades de EAD;
Fundamentos de Psicanálise e Educação;
Os destinos do Desejo de Saber;
A transferência na interação professor-aluno em cursos on-line;
A impossibilidade da educação;
A posição do professor-tutor na educação voltada para a realidade do desejo.
PÚBLICO- ALVO: professores-tutores que atuam em curso de graduação e pósgraduação a distância.
CARGA- HORÁRIA: 40h, distribuídas em 10 dias de 4h.
METODOLOGIA: exposição teórica, análise de textos, debates em grupo, , estudos
de casos baseados em relatos de alunos, professores-tutores e na vivência dos
participantes.
91
REFERÊNCIAS:
CORDIÉ, A. Os atrasados não existem: psicanálise de crianças com fracasso
escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996
FREUD, S. (1908). Sobre as teorias sexuais das crianças. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v. IX.
_________. (1912). A Dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das
Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v.XII.
_________. (1913). O interesse educacional da psicanálise. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006. v.XIII.
_________. (1914). Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. In: Edição
Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de janeiro: Editora Imago, 2006.
v.XIII.
KUPFER, M.C.M. Freud e a educação. São Paulo: Scipione, 1995.
_________. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Editora
Escuta, 2007.
LAJONQUIÈRE, L. Educação, religião e cientificismo. Revista Educação, v.1, p.1625, 2011.
SANTIAGO, A. L. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005.