Claudio Alessandro Diniz de Sa - Sapientia

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Claudio Alessandro Diniz de Sá
Indústria Fonográfica Brasileira – Novos movimentos no mercado musical no início do
século XXI
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2008
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Claudio Alessandro Diniz de Sá
Indústria Fonográfica Brasileira – Novos movimentos no mercado musical no início do
século XXI
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade
Católicas de São Paulo, sob a orientação
da Profª. Doutora Silvia Helena Simões
Borelli
São Paulo
2008
ii
Banca Examinadora
__________________________
__________________________
__________________________
iii
AGRADECIMENTOS
A trajetória de vida e os diversos contatos no mundo da música e das Ciências
Sociais me auxiliaram no processo de pesquisa para concluir esta dissertação.
Deixo registrados meus agradecimentos à professora Maria Celeste Mira, que
me orientou na graduação, e ao professor Eduardo Vicente pela contribuição dada a
este trabalho.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq,
responsável pela bolsa de estudos e por minha manutenção durante os dois anos de
dedicação exclusiva a este projeto que, desta forma, permitiu dar continuidade ao
processo por mim iniciado durante a Graduação em Ciências Sociais na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
À produtora Cafuné, Raquel Jorge e Seu Jorge; Pena Schmidt; Jan Fjeld da
UOL Megastore; Cris Olivieri e BNegão.
Aos amigos de faculdade Taciana, Ligia, Aline, Wilson, Name, Sérgio, Fabrícia,
Jorge, Nair, Renato Briante e Dani, entre outros, que estão no meu coração.
Aos meus irmãos Caio, Cacá, Luiz Gustavo, Flávio, Adriana, Marina, João,
Lourenço, Rica, Fernanda, Zaparolli, Luciene, Kleber, Alexandre, Cadu, Lobato,
Paulinho, Maurício, Dani e pessoal do Caretas, Edgar, Tomaz, Bottó, Carol Berka e
àqueles que não citei neste pequeno espaço.
À minha família e, principalmente, à minha irmã Marcele Berger e aos meus
pais Claudio Fontana e Malu, pelo apoio incondicional nessa “longa missão a cumprir”.
À minha orientadora Silvia Borelli, pela dedicação e paciência na formatação
desta tese e pelo apoio em direção a uma visão antropológica, que dê conta da
complexidade do mundo.
iv
RESUMO
SÁ, Claudio A. D. Indústria Fonográfica Brasileira – Novos movimentos no mercado
musical no início do século XXI [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo; 2008.
O objetivo desta tese é o de apresentar os pontos relevantes no caminho da
consolidação da indústria fonográfica, especificamente no Brasil. Mostrar a
constituição da cena musical brasileira entre 1998-2008. Período que coincide com
novos movimentos dentro mercado fonográfico com o surgimento das novas
tecnologias digitais e o crescimento da pirataria dos produtos musicais. Com base
nesse cenário, analisar o posicionamento dos agentes produtores do campo
fonográfico e as novas dinâmicas inseridas pelos novos meios digitais na relação de
produção – distribuição – consumo.
Palavras-chave: indústria fonográfica brasileira, tecnologias digitais, MP3, pirataria de
produtos musicais.
v
ABSTRACT
Sá, Claudio A. D. Brazilian music industry – new movements in the music market in the
beginning of the XXI century [dissertation]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo; 2008.
This thesis presents the relevant points concerning the consolidation of the Brazilian
music industry and its effect on the music scene between 1998 and 2008 caused by
the introduction of new digital technology, music piracy and illegal Internet
downloading. This thesis also analyzes the position of music producers towards new
digital media in relation to production, distribution, marketing and consumption.
Key-words: Brazilian music industry, digital technology, MP3, music piracy
vi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 08
1. INDÚSTRIA CULTURAL E MERCADO FONOGRÁFICO……………………………14
1. 1. Consolidação do mercado fonográfico no Brasil…………………………………….29
1. 2. Constituição da cena musical brasileira..…………………………………….………45
2. O FEITIÇO VIROU CONTRA O FEITICEIRO……………………………………….…57
2. 1. Tecnologia digital no mundo da música……………...………………………………60
2. 2. Ondas digitais: circulação livre de música na web………………………………….67
2. 3. Pirataria, majors e indies……………………………………………………………....89
3. UMA NOVA CONFIGURAÇÃO DO CAMPO?.......................................................104
3.1. O novo sempre vem: as mudanças no cenário musical das majors e indies......105
3.2. Liberdade, democracia ou contravenção?: Um debate sobre o papel das novas
tecnologias..................................................................................................................123
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................139
ANEXOS.....................................................................................................................146
vii
INTRODUÇÃO
O projeto de pesquisa e trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais
sob o título: A indústria fonográfica brasileira neste início de século XXI: a
consolidação, o funcionamento e os novos movimentos, realizado no ano de 2002, que
venho desenvolvendo, é retomado e continuado aqui. O objetivo inicial era o de
apresentar a consolidação dessa parte da indústria do entretenimento no Brasil e
indicar os novos movimentos deste início de século XXI, no seu âmago, como: o
acesso aos meios de produção, por meio da tecnologia digital, a um maior número de
pessoas, devido ao surgimento e barateamento de máquinas (computadores,
softwares, gravadores de CD); a pirataria na internet pelo compartilhamento de
arquivos de áudio compactados (MP3) e a falsificação (contrafação), gravações ao
vivo de shows (bootlegs) e coletâneas de artistas ou gêneros musicais (compilações).
Faz-se necessário ressaltar que as novas tecnologias digitais abriram novos
caminhos para a produção – distribuição – consumo da música. Porém, não se deve
afirmar que as novas tecnologias digitais, em si, carregam o cerne da pirataria
moderna.
Com base na reflexão sobre a indústria cultural iniciada no trabalho de
conclusão de curso, e de outras, realizadas por pesquisadores em Ciências Sociais e
Ciências da Comunicação em matérias de jornais, fontes da internet e entrevistas com
os atores sociais envolvidos, pretende-se, neste mestrado, aprofundar o conhecimento
sobre as mudanças e conseqüências que a indústria fonográfica brasileira enfrenta no
início do século XXI.
Quais as reais transformações que ocorrem no mercado musical brasileiro com
o surgimento das novas tecnologias digitais? Como os agentes do campo (artistas,
produtores, gravadoras) vêem e enfrentam essas mudanças?
Os anos 1980 mostraram o surgimento significativo da movimentação de
artistas em busca de espaço na cena independente, com o fortalecimento das indies
(selos independentes) e a possibilidade de uma produção fora do modelo
mercadológico das majors (grandes gravadoras).
Os anos 1990 presenciaram um crescimento no acesso aos meios de
produção, por intermédio da tecnologia digital, para um maior número de pessoas,
devido ao surgimento e barateamento de máquinas (computadores, softwares,
gravadores de CD) e a proliferação significativa de um mercado informal de CDs
“piratas” no final da década.
8
O início do século XXI presencia uma nova situação dentro de uma das mais
importantes indústrias do entretenimento no Brasil, a indústria fonográfica. Um novo
processo na relação de forças entre a indústria fonográfica e a sociedade, a produção
e o consumo, o direito intelectual e a apropriação/manipulação de obras.
Um período no qual a indústria fonográfica busca novos caminhos para manter
sua hegemonia sobre a produção cultural global e em que movimentos sociais,
artísticos ou tecnológicos abrem outras possibilidades para produção, distribuição,
difusão e apropriação de produtos culturais.
Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar quais são as reais
mudanças e possibilidades que os novos movimentos entre indústria fonográfica,
artistas, tecnologia e indies engendram neste início de século XXI no mercado musical
brasileiro.
Torna-se necessário obter uma visão geral sobre o mercado fonográfico, sua
lógica de produção e seu relacionamento com os atores sociais citados, para que se
possa compreender o diálogo/confronto entre as esferas de produção cultural.
Analisar as partes envolvidas e o jogo de interesses nesse campo de produção
de música de consumo, que está em transformação no modo e meio de produção,
difusão e divulgação de seus produtos. Analisar, também, o discurso dos atores
sociais, que buscam e defendem seu espaço dentro ou à margem das majors e de
seus desdobramentos.
O conceito de “campo” de Pierre Bourdieu é fundamental para a compreensão
dessa luta por legitimidade no cenário musical brasileiro. Configura-se como um
espaço social delimitado de conflitos/lutas por posições hierarquicamente superiores.
Dentro do campo de produção cultural, que comporta o subcampo1 de produção
restrita e o subcampo da grande produção, analisar como os agentes do mercado
fonográfico se apropriam de discursos de distinção dentro do campo de produção de
uma cultura pop.
Contribui também para a reflexão o conceito de música popular massiva, que
se insere no contexto de uma cultura pop, sugerido por Jeder Janotti Jr:
É preciso reconhecer, então, que a expressão música
popular massiva refere-se, em geral, a um repertório
compartilhado mundialmente e intimamente ligado à
produção, à circulação e ao consumo das músicas
1
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 144.
Subdivisão proposta por Pierre Bourdieu em seu quadro teórico “O Campo de Produção
Cultural no Campo de Poder e no Espaço Social”.
9
conectadas à indústria fonográfica. Esse adendo
permite a compreensão de que, apesar de popular, a
música massiva, pelo menos em sentido estrito, passa
pelas
condições
de produção
inscritas nas indústrias culturais.
e reconhecimento
2
O conceito de cena musical, a partir da análise de João Freire Filho, traz
ferramentas para compreensão de uma cena musical indie brasileira, que encontra,
primordialmente, alianças baseadas em questão de gosto, marcada mais por uma
insistência/persistência do que resistência (posicionamento político), mas que podem
constituir, posteriormente, uma preocupação com a apropriação da expressão musical
indie pelas grandes corporações capitalistas, oposição aos discursos e produtos
veiculados ao mainstream e valorização das suas práticas.
Outros autores como Nestor Garcia Canclini, Jesús Martín-Barbero, Edgar
Morin e Humberto Eco auxiliam na construção desse campo de lutas por legitimação e
distinção.
Entrevistas com expoentes representativos da cena indie e majors (só há
quatro grandes no mundo hoje: Sony/BMG, Warner, EMI, Universal), matérias em
jornais, sites da internet (como o da Associação Brasileira dos Produtores de Discos
(ABPD) e da International Federation of Phonographic Industry (IFPI), e revistas
especializadas são outras fontes que norteiam nosso protocolo metodológico.
O Brasil, apesar de ocupar a décima colocação no ranking mundial, com 39
milhões de usuários da internet, 21,1 milhões ativos (jan./2007 – IBOPE NetRatings),3
começa a ter de se confrontar com a circulação da música, por intermédio de meios
digitais, agora não necessariamente mais vinculada à parte material (CD), mas em
formato sonoro (MP3, dentre outros); o que leva a indústria fonográfica e outros
produtores de música a repensar questões como os meios de apropriação,
manipulação, distribuição, formato e direitos intelectuais.
2
CARDOSO FILHO, Jorge, JANOTTI JR., Jeder. A música popular massiva, o mainstream e o
underground : trajetórias e caminhos da música na cultura midiática. In: XXIX Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – 6 a 9 de set. 2006, p. 3.
3
IDG now. Brasileiros acessando a web de suas casas passam de 21 milhões em janeiro.
Disponível em:<http://idgnow.uol.com.br/internet/2008/02/22/brasileiros-acessando-a-web-desuas-casa-passam-de-21-milhoes-em-janeiro>. Acesso em: 14 mai. 2008. Os Estados Unidos
da América possuem 216 milhões de usuários de internet e ocupam a primeira colocação no
ranking mundial, atendendo a 62,3% de domicílios com acesso a rede, segundo a
Nielsen/NetRatings.
Disponível
em:<http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2008/03/13/imprensa17862.shtml>
Acesso em: 14 mai. 2007.
10
Todas as questões de ordem objetiva (produção, fabricação, distribuição,
difusão, apropriação, manipulação de obras musicais) e subjetiva (questões éticas,
direito privado ou público da obra, difusão restrita ou irrestrita) estão sobrepostas e
interligadas no embate de forças da produção cultural. A análise de dados do mercado
musical formal e informal e o discurso dos atores sociais envolvidos podem nos
esclarecer, não só sobre os novos movimentos no mercado da canção de consumo,
mas também nos indicar as novas direções que as produções musicais tomam para se
firmar e buscar o seu espaço, tanto de legitimidade artística independente quanto de
sintonia com o conceito mercadológico.
Portanto, este trabalho subdivide-se em três capítulos.
No Capítulo 1, Indústria cultural e mercado fonográfico, abre-se a discussão
sobre Indústria Cultural por meio dos principais teóricos que tratam da problemática. É
realizado um breve relato sobre o posicionamento de Theodor Adorno e a Escola de
Frankfurt; a visão de Walter Benjamin diante das possibilidades de resistência à
massificação; o conceito de projeção e identificação proposto por Edgar Morin; e a
crítica de Umberto Eco ao fatalismo inexorável da canção de consumo. Foge à
intenção desta dissertação aprofundar esses conceitos teóricos, que têm a função de
retomar o caminho trilhado por tais estudos no século XX.
No Brasil, trabalhos de pesquisadores como Renato Ortiz nos esclarecem
como se dá a consolidação de um mercado de bens simbólicos, principalmente em
seu livro A moderna tradição brasileira.
Por meio de obras como O berimbau e o som universal: lutas culturais e
indústria fonográfica nos anos 60 de Enor Paiano; Os donos da voz: indústria
fonográfica brasileira e mundialização da cultura de Márcia Dias Tosta; Música e disco
no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90 de Eduardo Vicente; A
música popular massiva, o mainstream e o underground: trajetórias e caminhos da
música na cultura midiática de Jeder Janotti Jr. e Jorge Cardoso Filho, entres outros,
pretende-se mostrar como se dá a consolidação do mercado fonográfico no Brasil, a
sua lógica de produção, a relação dos agentes envolvidos no campo e a configuração
da cena musical na última década (1998-2008).
Este breve relato permite apresentar como ocorreu a evolução das majors e
indies no Brasil, o posicionamento e a luta dos agentes no campo fonográfico e os
novos movimentos tecnológicos, econômicos e sociais que levam a um novo cenário
neste início de século XXI.
11
No Capítulo 2, O feitiço virou contra o feiticeiro, são abordadas as novas
tecnologias digitais, a circulação de arquivos de áudio na internet e a questão da
pirataria no mercado musical brasileiro. Como essas novas tecnologias permitiram que
maior número de agentes desse campo pudesse ter acesso facilitado à produção de
qualidade de seus fonogramas e quais as conseqüências dessa maior democratização
no mercado fonográfico.
Descreve-se a introdução das tecnologias digitais na cadeia de produção da
indústria fonográfica e como possibilitam a profusão de estúdios de gravação e
fabricação de produtos musicais para maior número de músicos, produtores e
pequenas empresas fonográficas, com alta qualidade.
São apresentados o papel da internet e a criação de novos softwares, que
possibilitam a circulação de arquivos de áudio compactados no mundo musical.
Quando surgem essas novas tecnologias e os desdobramentos que podemos
constatar, não apenas na internet (troca de arquivos de áudio MP3, web rádios, sites
gratuitos para divulgação de músicas e videoclipes de bandas – MySpace, YouTube),
mas em outros canais de informação que se digitalizam ou estão em processo (iPod,
celulares).
Nesse sentido, o objetivo específico deste capitulo é traçar um paralelo entre o
surgimento das novas tecnologias digitais, o crescimento da pirataria de fonogramas
no mundo, especificamente no Brasil, e a volatilidade no lucro das empresas
fonográficas. Como se dá esse processo, quais são os agentes envolvidos e as
conseqüências dessas transformações para o mercado fonográfico.
Alguns estudos acadêmicos, mas preferencialmente artigos publicados em
colunas especializadas em novas tecnologias e música, em jornais, internet, revistas,
associações Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), International
Federation of Phonographic Industry (IFPI) etc.) são aqui apontados, por tratarem de
mudanças recentes no mercado fonográfico e de evoluções técnicas de produção,
distribuição e difusão de produtos culturais.
No Capítulo 3, Uma nova configuração do campo?, pretende-se analisar as
transformações que ocorrem neste início de século dentro do mercado fonográfico
brasileiro.
O cenário do surgimento das novas tecnologias digitais e da pirataria, no
Capítulo 2, serviu de base para, neste capítulo, proceder-se à análise do
posicionamento e do discurso dos agentes dentro do campo.
12
Avalia-se se há transformações nas relações de trabalho das majors e indies,
em decorrência das novas tecnologias digitais e mudanças estratégicas em relação à
questão da pirataria dos produtos da indústria fonográfica brasileira. Como as
mudanças afetam a economia dessas empresas fonográficas e as conseqüências para
a cadeia de produção e seus agentes.
Analisa-se o debate sobre quais novas possibilidades, caminhos e tendências
surgem na visão de agentes ligados a majors e indies. Dentre os debates, a questão
do acesso livre aos bens culturais (apropriação) e a manipulação desses produtos,
gesta a grande polêmica, na última década, entre os defensores de novas chancelas
de circulação livre de produtos culturais (copyleft, creative commons, software livre) e
a proteção dos direitos intelectuais privados. E, assim, há a possibilidade de análise
sobre o posicionamento desses agentes do campo e suas propostas a essa
reorganização do mercado fonográfico brasileiro.
As medidas realizadas pelas majors, para manter a hegemonia de seus
produtos culturais, e indies, para conseguir mais visibilidade e sobrevivência no
mercado fonográfico brasileiro no período (1998-2008) são mostradas.
São tecidas considerações sobre como os agentes do campo da música
popular massiva se apropriam de novos espaços abertos pelas novas tecnologias
(internet, iPod, celulares) para se adaptar à nova realidade no mundo da música. E
como essas mudanças podem gerar reconfigurações dentro do campo, entre agentes
de majors e indies, neste início de século XXI.
Além das matérias de jornais, revistas, sites especializados e debates sobre o
papel das novas tecnologias, acessibilidade e democratização, as entrevistas com os
agentes das grandes gravadoras multinacionais e das gravadoras independentes se
constituíram a principal fonte para a elaboração deste capítulo.
13
1. INDÚSTRIA CULTURAL E MERCADO FONOGRÁFICO
O pulsar do corpo humano é nossa primeira experiência rítmica. A freqüência
cardíaca constitui os primeiros passos melódicos da nossa jornada. O ritmo e a
melodia são parte constituinte do ser humano, assim como o imaginário e a criação.
As pinturas rupestres eram a erupção do imaginário em figuras que povoavam
os sonhos. O ritmo e o som estavam na natureza. São partes da natureza humana.
Nesse sentido, podemos pensar que não houve uma sociedade humana que
não vivenciou uma experiência rítmica e sonora.
A construção de instrumentos técnicos auxiliou na expressão rítmica e
melódica do pulsar humano, da criação e da experimentação.
Nesses milhares de anos, o homem refinou suas habilidades e construiu
formas complexas de se expressar culturalmente. A música constitui uma das
principais formas de comunicação entre os seres humanos, definindo pertencimento e
comunicando sentimentos e sentidos.
Pretende-se, neste trabalho, analisar um dos aspectos do impacto da música
na sociedade moderna industrializada. Desde o surgimento do fonógrafo, que
possibilitou a execução sonora de obras sem a presença dos executantes, até os dias
atuais. Mais precisamente, a relação entre a música popular massiva e a sociedade
moderna neste início de século XXI, e quais reais mudanças ocorrem com a
introdução das novas tecnologias digitais no mercado da música brasileira.
É necessária uma explanação a respeito do entendimento de “cultura popular”
(de feições folclóricas ou nativistas) e cultura pop (popular midiática) nos estudos
feitos no Brasil. Compartilho do posicionamento e da dificuldade de distinguir os
termos, como propostos por Jannoti Jr. e Cardoso Filho:
Mas, apesar de relevante, a distinção entre a cultura
popular, aquela produzida e difundida de maneira
independente
dos
grandes
conglomerados
multimidiáticos e cultura pop, que englobaria a cultura
midiática surgida no século XX, acarreta algumas
dificuldades, tendo em vista que também é popular o
ato de comentar, ouvir e valorar o universo pop. Mas
vale ressaltar que a cultura pop também é relacionada,
em terras brasileiras, aos fenômenos que colocam em
14
destaque a comunicação gerada pelos conglomerados
multimidiáticos no pós-guerra. Assim, é possível se
referir
à
Música
Popular
Brasileira
como
uma
manifestação ligada tanto às composições urbanas que
utilizam as raízes musicais brasileiras, como às
manifestações
musicais
de
feições
estritamente
regionais. Mas, na hora de se referir ao Rock, com
feições locais, produzido no país, em geral se utiliza a
referência Pop Rock, ao passo que, entre os roqueiros,
o termo pop é em geral reservado às manifestações
musicais que seguem formatos já testados e que
obtiveram sucesso. É possível perceber que essas
classificações
obedecem
a
um
emaranhado
de
posicionamentos e visões de mundo e que, para
compreender
melhor
essas
fronteiras
e
seus
desdobramentos, se faz necessário um entendimento
do surgimento dos dispositivos tecnológicos e culturais
de reprodução musical surgidas a partir do século
vinte.
4
Trata-se, portanto, de entender como a indústria fonográfica, desde a sua
edificação no século XX, procura se apropriar de múltiplos repertórios culturais,
gestar/padronizar gostos comuns e disseminar uma cultura pop no planeta.
Nesse sentido, pretende-se levantar importantes posicionamentos teóricos do
século passado, sem a pretensão de aprofundar cada um deles.
Alguns pensadores, no último século, se propuseram a estudar o impacto da
industrialização da música na sociedade. Desses primeiros estudos surgiram termos
como “cultura de massa” e “indústria cultural”.
Theodor W. Adorno, um dos importantes pensadores da Escola de Frankfurt,
produz estudos relevantes sobre a indústria cultural. Adorno desenvolve e aprofunda a
idéia weberiana de “desencantamento do mundo”, quando indica a busca incessante
do homem pelo conhecimento e domínio do desconhecido, o que denomina de “razão
instrumental”. Razão esta que advém do desenvolvimento científico e legitima suas
conquistas pela força de validação de seus dados empíricos. Abre-se uma estreita
4
CARDOSO FILHO, Jorge; JANOTTI JR., Jeder. A música popular massiva, o mainstream e o
underground : trajetórias e caminhos da música na cultura midiática. In: XXIX Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, UnB, Brasília. 6 a 9 set. 2006., p. 2.
15
relação de poder, por meio do saber, o que possibilita a esta razão ser instrumento de
subordinação, desenvolvimento e manutenção do modo de produção capitalista.
A tecnocracia começa a gerir a lógica da sociedade administrada, na qual tudo
o que integra a sociedade deve estar pautado na ordem da razão técnica, padronizado
e em sintonia com os interesses do desenvolvimento capitalista. Essa expansão de
domínio atinge todas as áreas, inclusive a cultura. Uma necessidade do capital para se
manter vivo: lucrar com a padronização e conter “movimentos contrários à sua
manutenção”, que geralmente surgem da insatisfação de condições impostas às
camadas sociais submetidas à sua lógica.
A indústria cultural dilui a especificidade das produções culturais locais e suas
subjetividades, a favor de uma lógica administrada e padronizada, o que possibilita a
reprodução de hábitos, da procura do “sempre igual”, da produção de bens simbólicos,
que possam ser consumidos em grande escala.
O contemporâneo frankfurtiano, Walter Benjamin, em seu texto A obra de arte
na época de sua reprodutibilidade técnica desenvolve uma possibilidade que não se
encontra nos estudos anteriores. Considera que esferas resistentes à lógica da
indústria cultural, de conteúdo crítico, mesmo sendo envolvidas por esta, têm a
possibilidade de utilizar o aparato técnico para produzir obras de relevância cultural e
transformadoras da ordem social. E, também, discorria sobre o próprio disco, como um
objeto transformador da experiência musical:
[...] a técnica pode transportar a reprodução para
situações nas quais o próprio original jamais poderia se
encontrar. Sob a forma de foto ou de disco, ela permite
sobretudo aproximar a obra do espectador ou do
ouvinte.[...] o melômano pode ouvir em domicílio o coro
executado numa sala de concerto ou ao ar livre.
5
O novo meio por onde se encontra a música e o ouvinte insere uma nova
relação com a produção cultural. A música se insere no mundo do consumo, do
produto que pode ser comercializado em grande escala.
Edgar Morin, em seu livro Cultura de massa no século XX, vê a cultura de
massa como processo de projeção e identificação polarizado nos símbolos, mitos e
imagens da cultura. Um processo encantador nesse mundo “desencantado”. A
5
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 213, apud BANDEIRA, Messias. Música e
Cibercultura. Do Fonógrafo ao MP3. In: COMPÓS 2001. Anais eletrônicos. Disponível
em:http://www.comunica.unisinos.br/tics/?page=textos2001. Acesso em: 7 abr. 2008, p. 2.
16
indústria cultural trabalha com esse universo mítico e real, no qual a busca da
felicidade, da identidade e de projeção se dá por meio do consumo dos símbolos,
mitos modernos. A espetacularização da vida confunde-se com a realidade do
espetáculo. A sociedade contemporânea passa por uma segunda industrialização, que
vai além dos aspectos econômicos e políticos e se processa no campo imagético e no
sonho: a industrialização do espírito. O mercado do entretenimento fabrica anões,
fadas, deuses, agora vendidos como novos mitos por meio da música, do cinema, da
industrialização da cultura.
Esta indústria cultural utiliza-se dos avanços tecnológicos para formar um
padrão estético. Um padrão cultural que cria um tronco comum, um homem universal.
Um novo homem, que se adapta a um imaginário universal e desenvolve uma nova
civilização, que tende à universalidade.6
Mas, se a cultura de massa “acultura” a sociedade moderna, Morin afirma que
esse padrão cultural carrega em si o seu contrário, que germina uma exigência
contrária, produto de uma dialética produção-consumo.
Nesse processo, a cultura de massa molda as novas gerações à sociedade
moderna. Reciprocamente, a juventude experimenta de modo mais intenso o apelo da
modernidade e orienta a cultura de massa nesse sentido.
A juventude é o público-alvo da indústria cultural. Um momento da vida no qual
os indivíduos são mais suscetíveis às mudanças, quando formam seus conceitos. Mas
não só ela. A sociedade moderna, como um todo, absorve o ideal de uma vida
“eternamente jovem”.
O culto à juventude que o indivíduo moderno vivencia torna-se o novo modelo,
o qual a sociedade almeja.
O novo modelo é o homem em busca de sua autorealização, através do amor, do bem-estar, da vida
privada. É o homem e a mulher que não querem
envelhecer, que querem ficar jovens para sempre, se
amarem e sempre desfrutarem do presente [...]
igualmente, o tema da juventude não concerne apenas
aos jovens, mas também àqueles que envelhecem.
Estes não se preparam para a senescência, pelo
contrário, lutam para permanecer jovens.
6
7
7
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 45.
MORIN, Edgar, op. cit., 2000, p.152.
17
Desde o surgimento do rock-n’-roll, com a figura de Elvis Presley e dos Beatles,
os industriais da música sabem que o maior público consumidor de música é o público
jovem. Faixa etária que vive mais intensamente a busca pelo entretenimento e
momentos de descontração e prazer na sociedade de consumo, na canção de
consumo.
Umberto Eco na obra Apocalípticos e integrados analisa, mais especificamente,
a canção de consumo como um produto para entreter a massa, para ser um momento
de relaxamento e que não requer a devida atenção que a “alta cultura” exige. Conclui:
Não
constitui
degeneração
da
sensibilidade
e
entorpecimento da inteligência, mas um saudável
exercício
de
normalidade
quando
representa
o
momento de descanso. O drama de uma cultura de
massa é que o modelo do momento de descanso tornase norma, faz-se sucedâneo de todas as outras
experiências intelectuais e, portanto, o entorpecimento
da individualidade, a negação do problema, a redução
ao conformismo dos comportamentos, o êxtase passivo
requerido por uma pedagogia paternalista, que tende a
criar sujeitos adaptados. Uma das características do
produto de consumo é que ele nos diverte não por nos
revelar algo novo, mas por repetir o que já sabíamos, o
que esperávamos ansiosamente ouvir repetir e que é a
8
única coisa que nos diverte.
O que se configura no mercado musical de massa é que, de maneira geral,
existe um processo de padronização e massificação de seu produto, para que haja o
consumo em grande escala. É nessa direção que o intento de Umberto Eco
[...] foi justamente o de mostrar como agora o mundo
das formas e dos conteúdos da canção de consumo,
apertado na dialética inexorável da oferta e da procura,
segue uma lógica das fórmulas da qual as decisões
dos artesões estão completamente ausentes. Mas
atenção:
ausente
não
está
a
responsabilidade
assumida que foi no momento em que o autor decidiu
8
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 298.
18
produzir música de consumo para o mercado que a
procura, e a procura tal qual é. Mas tomada essa
decisão, toda invenção, pela própria necessidade das
condições mecânicas indispensáveis ao êxito do
produto, desaparece.
9
Nessa lógica, em que a indústria cultural busca a universalidade, os
hibridismos culturais adaptam ritmos locais e os transformam em temas cosmopolitas.
Essa indústria procura satisfazer o consumo, o lazer. Essa necessidade básica do
divertimento, que faz parte de um tronco comum desse homem universal, que pode se
adaptar a um imaginário universal, a mitos que fazem parte de um denominador
comum, não importando em que nação surgiu. Esse homem universal moderno, que
“não é apenas o homem comum a todos os homens. É o homem novo, que
desenvolve uma civilização nova que tende à universalidade.10
O entretenimento, como em toda a lógica da indústria cultural, é a principal
arma da indústria fonográfica para conquistar, moldar e responder à demanda do
mercado musical. Neal Gabler diz que o entretenimento provoca “reações, excitando o
sistema nervoso, quase da mesma forma que as drogas. De fato, era o
entretenimento, e não a religião, como queria Marx, o ópio do povo”.11
A indústria cultural -- outros autores trabalham com a idéia da indústria da
consciência --, busca responder a essa demanda pela felicidade do indivíduo
moderno, atomizado, ao qual os críticos da modernidade se referem. Cria seus mitos,
ritos e comportamentos.
Neste contexto, a produção fonográfica e seus agentes procuram posicionar
seus produtos, em busca de um melhor posicionamento no campo da grande
produção. Alguns se alinham ao modelo de negócios que busca alcançar o grande
público e outros se alinham ao modelo de negócios que visa alcançar o circuito à
margem da grande indústria ou segmento.
Neste sentido, o conceito de campo de Pierre Bourdieu serve de principal
referência para entendermos a dinâmica dos agentes produtores no cenário musical
brasileiro. Configura-se como o espaço de lutas por posições hierarquicamente
superiores. Um espaço social delimitado de disputas por legitimidade.12
9
Ibidem, p. 297.
MORIN, Edgar, op. cit., 2000, p. 45.
11
GABLER, Neal. Vida, o filme: como o entretenimento conquistou a realidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 24.
12
Ver BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. e La
Distinción. Espanha: Madri, Taurus, 1999.
10
19
Ajuda-nos a entender a luta interna dos agentes produtores no seio da indústria
fonográfica: músicos, produtores, majors e indies. Para isso, é preciso entender como
surge esse mercado da música industrializada.
Pretende-se mostrar os fatos mais relevantes que contribuem para a evolução
e a consolidação da indústria fonográfica.
Alguns especialistas apresentam três fases históricas no processo de
produção, circulação e consumo da música (Frith). E, dentro da última, quatro etapas
sucessivas no desenvolvimento dos equipamentos de gravação e reprodução
(Vicente).
O estágio folk, no qual a música é produzida e
armazenada através do corpo (humano ou dos
instrumentos) e executada mediante performances,
estágio fundamental para a chamada música popular.
O estágio artístico, no qual a música pode ser
armazenada através das notações e partituras (que
concede uma produção e existência ideais à obra) e
caracteriza as peças da música erudita. E, finalmente,
um estágio pop, no qual a música é produzida
mediante um diálogo com a indústria fonográfica,
armazenada
em
fonogramas
e
executada
mecanicamente ou eletronicamente para o consumo de
13
um público extremamente amplo.
Com o surgimento dos equipamentos de gravação e reprodução, presenciamse quatro etapas:
[...]
a
mecânica,
reprodutores
de
relacionada
cilindros
e
aos
discos
aparelhos
distribuídos
comercialmente a partir das últimas décadas do século
passado; a elétrica, que se inicia a partir de 1925 com
as primeiras gravações
das empresas Victor
e
Colúmbia e é marcada pelo desenvolvimento de
tecnologias como a estereofonia (1931), o microssulco
(que permite o surgimento dos LPs) e a gravação em
13
FRITH, Simon, apud CARDOSO FILHO, Jorge; JANOTTI JR., Jeder. A música popular
massiva, o mainstream e o underground: trajetórias e caminhos da música na cultura midiática.
In: XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, UnB, Brasília. 6 a 9 set. 2006.
20
fita; a eletrônica, que resultou da criação dos
transístores e levou ao aprimoramento das técnicas de
high
fidelity,
ao
desenvolvimento
dos
estúdios
multicanais e de equipamentos portáteis como os
walkmans e os tapes automotivos e, finalmente, a
digital caracterizada não só pelo surgimento do
Compact Disc e de outros equipamentos digitais de
gravação e reprodução de áudio como também de uma
vasta
gama
de
hardwares
e
softwares
que
pulverizaram e, em boa medida, virtualizaram as
atividades de produção musical.
14
Apesar de o registro da música em partituras, que demandava um
conhecimento prévio da linguagem musical, existir como formato de reprodução,
somente com a invenção do fonógrafo em 1887, por Thomas Edison, é que se pôde
materializar o som, copiar e reproduzir. Momento em que podemos afirmar a
possibilidade de popularização da música. E um novo diálogo da música com o novo
meio de reprodução.
A música, antes constituinte da experiência visual, com a execução dos
instrumentos, acústico e vocal, pelos músicos e cantores, e da experiência auditiva e
performática, se desloca do seu espaço tradicional (teatros, salões, festas tradicionais
etc.) e se “virtualiza” na materialização em fonogramas, discos, cassetes e, mais
recentemente, CDs. Assim como o rádio, a música que se reproduz em milhares de
outros locais (sala de casa, salão de cabeleireiro, restaurantes, carro etc.) carrega o
“espírito cristalizado” da execução ao vivo. Mas, também, a porta entreaberta da
reconstrução imagética da performance visual ausente.
O suporte material garantiu, por um lado, sua
permanência no tempo e sua projeção no futuro e, por
outro, sua difusão fora do espaço em que foi gerada,
através dos movimentos de trocas e vendas de bens
entre as diversas comunidades.
15
14
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e
90. Tese (Doutorado) ECA/USP, São Paulo, 2001, p. 20.
15
IAZETTA, Fernando. Reflexões sobre a música e o meio. In: XIII Encontro da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Anais eletrônicos...Disponível em:
www.eca.usp.br/prof/iazzetta/papers/anp2001.pdf . Acesso em: 10 abr. 2008, p. 202.
21
As invenções de Thomas Alva Edison (a lâmpada elétrica incandescente, o
fonógrafo, o cinescópio ou cinetoscópio, o ditafone e o microfone de grânulos de
carvão para o telefone) revolucionaram o modo de vida no início do século XX e
abriram caminho para um novo estilo de vida urbano, possibilitando o consumo de
massa em vários setores da economia humana.
Lembre-se que o gramofone é uma invenção do alemão Emile Berliner, de
1887, que servia para reproduzir som gravado utilizando-se um disco plano, em
contraste com o cilindro do fonógrafo de Thomas Edison. Após uma década de
competição com Edison e outros, a empresa de Berliner foi absorvida pela Victor
Company. Em 1906, o gramofone se transformou na vitrola, o primeiro hardware da
indústria fonográfica em recorde de vendas.16 Abre-se caminho para a industrialização
da música. A indústria fonográfica surge para atender ao novo padrão de
entretenimento da vida moderna. Responde, prontamente, aos anseios pela
experimentação do momento de êxtase e deleite, deslocados no tempo e espaço do
usufruto tradicional. Característica própria da modernidade.
Com o fonógrafo de Thomas Edison (1877) e o
aprimoramento das técnicas da fabricação de discos,
começam
a
ser
formadas
companhias
como
“Gramophone Co” (Reino Unido, 1898), “Deutsche
Gramophon”
(Alemanha,
1898),
“Pathé
Frères”
(França, 1897), “Victor Talking Machine Co” (Estados
Unidos, 1901). O que caracteriza essas empresas é
sua política mundial de atuação. Como observam
alguns estudiosos: “As grandes companhias, desde o
princípio, estabeleceram seus objetivos internacionais.
Foram
construídas
fábricas
nos
mercados
mais
importantes, e através das agências subsidiárias, as
companhias cobriram praticamente o mundo todo. Em
1910 existiam poucos países nos quais a indústria
fonográfica não tivesse ainda se implantado”. A
“Gramophone Co” possuía interesses na Escandinávia,
Austrália, África do Sul, Egito. A “German Lindström”
tinha fábricas na França, Espanha, Itália, Rússia,
16
COLEMAN, Mark. Playback: fom the victrola to MP3, 100 years of music, machines and
money. Cambridge: Da Capo Press, 2003, XXI.
22
Argentina, Brasil e a “Pathé” na Bélgica, império
Austro-Húngaro, e Estados Unidos.
17
Sabe-se que durante os anos 1940 houve uma queda nas gravações
fonográficas nos EUA. Com a Segunda Guerra Mundial torna-se difícil a importação do
material básico dos discos 78 rpm, a laca. Uma resina obtida de plantas da família das
anacardiáceas, em geral das espécies Rhus succedanea, R. vernicina e Melanorhoea
laccifera, originárias do Extremo Oriente. Colhido por meio de incisão na casca dessas
árvores, o exsudato (látex de aspecto cremoso) é purificado por várias filtragens e
preservado contra a ação do ar e da luz em recipientes hermeticamente fechados.
Nesse período, presenciamos no Brasil, nas palavras de Darcy Ribeiro,
[...] um novo surto de extrativismo que proporcionaria à
Amazônia um breve período de intensa atividade. Isso
se deveu ao fornecimento de borracha aos aliados,
que, em virtude dos ataques japoneses, se viram
desprovidos da produção das plantações orientais. O
governo federal promoveu, então, como principal
contribuição brasileira ao esforço de guerra, uma outra
trasladação de nordestinos à Amazônia. Estima-se que
essa nova migração tenha envolvido de 30 a 50 mil
trabalhadores. Efetivamente, as perdas brasileiras na
chamada “guerra da borracha” – tanto pela miséria a
que foram lançados os trabalhadores como pela morte
conseqüente dela e do seu abandono nos seringais
após o conflito – foram muito superiores às baixas
sofridas pelas tropas brasileiras na Itália.
18
O fim da guerra trouxe a possibilidade de novas pesquisas no campo de
gravação e rádio. O cientista húngaro Peter Goldmark, no laboratório da CBS
Eletronics, descobriu como substituir a laca (shellac) pelo vinil (mais leve, melhor
17
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 56. Nota do autor:
Pode-se ter uma idéia deste mercado quando se sabe o número de discos vendidos em alguns
países em 1929. Finlândia, Noruega, Irlanda (1 milhão), Suécia (3 milhões), Alemanha (30
milhões), França (20 milhões). Números relativamente importantes, mas em nada comparáveis
ao consumo atual.
18
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 297.
23
gravação sonora) e inventou o disco de 331/3 rpm (rotações por minuto) long-playing
album, o conhecido LP.
Começa então a concorrência pelo formato. A RCA, liderada por David Sarnoff,
responde com o LP de 45 rpm. Em 1950, a guerra de formatos -- que dura vários
anos--, encontra coexistência pacífica com a explosão do rock-n’- roll.
Nesse período, dá-se a consolidação, nos Estados Unidos, do que
convencionamos chamar de majors. Empresas que investem em tecnologia para
definir um formato industrial para a música, produzem artistas e distribuem os seus
produtos culturais. Nas palavras de Coleman:
At the same time that technology shaped music, it
spawned the music business. A so-called major label
had to manufacture and distribute record as well as
19
produce music on them.
O triunfo das forças aliadas realinha o cenário das potências mundiais. Os
Estados Unidos, que não enfrentaram o conflito em suas terras, se destacam como
potência organizadora da ordem econômica mundial. O pós-guerra se constituiu um
período de expansão do mercado norte-americano. E esses primeiros anos
possibilitam condições favoráveis ao crescimento da indústria fonográfica norteamericana.
Segundo Peterson e Berger, no período entre 1948 e
1955 – de grande crescimento para o setor fonográfico
americano – as quatro maiores companhias (RCA
Victor,
Columbia,
controlavam
75%
Decca
do
e
mercado
Capitol)*
através
do
país
de
uma
“integração vertical” (vertical integration), onde “a
concentração oligopolista da indústria fonográfica era
mantida por via do controle total do fluxo de produção,
do material bruto à venda atacadista” e não “através da
19
COLEMAN, Mark, op. cit., 2003,
24
contínua oferta dos produtos que os consumidores
mais desejavam adquirir”.
20
Eduardo Vicente prossegue dizendo que a demanda, insatisfeita com esse
sistema rígido e hierarquizado das majors, o surgimento dos primeiros gravadores,
que reduzem os custos de produção e facilitam a criação de novos selos, a entrada
das empresas cinematográficas no campo da produção musical, e o surgimento da
televisão, retiram significativa parcela do controle sobre os meios de divulgação das
quatro maiores gravadoras e cria condições para a atuação e consolidação de novas
empresas no cenário.
O que se configura nos anos 1950 nos Estados Unidos é o crescimento dos
selos independentes que atuam na fatia de mercado menosprezada pelas majors
(jazz, soul, gospel, rhytm & blues, e country & western).
No Brasil, segundo o Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira, a
Casa Edison produziu os primeiros discos em solo brasileiro. Fundada por Fred Figner
em 1900, situada à rua do Ouvidor, nº 107, a Casa Edison (nome-homenagem a
Edison, o inventor do fonógrafo) foi um estabelecimento comercial destinado
inicialmente à venda de equipamentos de som, máquinas de escrever, geladeiras etc.
Após dois anos de funcionamento, tornou-se a primeira firma de gravação de discos
no Brasil. No ano de sua fundação, Figner escreveu para a companhia Gramophone,
de Londres, solicitando que fossem enviados ao Brasil técnicos para gravar música
brasileira. Com a vinda do técnico alemão Hagen, Figner instalou uma sala de
gravação anexa à Casa Edison, na rua do Ouvidor, nº 105. Foram, então, gravados os
primeiros discos brasileiros, enviados à Europa para serem prensados. O jornal
Correio da Manhã de 5 de agosto de 1902 registrou:
A maior novidade da época chegou para a Casa
Edison, rua do Ouvidor 107. As chapas (records) para
gramophones e zonophones, com modinhas nacionais
cantadas pelo popularíssimo Baiano e pelo apreciado
Cadete, com acompanhamento de violão, e as
melhores "polkas", "schottisch", "maxixes" executados
* Inserção minha, que se encontra na nota de rodapé da fonte original.
20
VICENTE, Eduardo, op. cit., 2001, p. 21.
25
pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio, sob a
regência do maestro Anacleto de Medeiros.
Entre 1902 e 1927, período que corresponde à chamada fase mecânica de
gravação, cerca de 7 mil discos foram lançados, dos quais mais da metade pela Casa
Edison. Até 1903, a Casa Edison produziu três mil gravações, conferindo ao Brasil o
terceiro lugar no ranking mundial (estavam à frente os Estados Unidos e a Alemanha).
Fred Figner enriqueceu, tornou-se proprietário de tudo o que se produzia em música
brasileira. Como próximo passo, montou a primeira loja de varejo do Brasil, com um
sistema de distribuição em todo o país, com filiais, vendedores pracistas e produção
de anúncios e catálogos.
Em 1912, a Odeon Talking Machine instalou uma fábrica de prensagem de
discos no Rio de Janeiro e Figner passou a ser vendedor exclusivo da Odeon,
recebendo o encargo de fornecer o terreno e construir a fábrica. Esta foi a primeira
fábrica de discos instalada no Brasil e a maior da América Latina. Um ano mais tarde,
a fábrica Odeon começou a produzir um total de 1,5 milhão de discos por ano, e o
Brasil se tornou o quarto mercado de discos. A vendagem de discos durante a
Primeira Guerra se mantém, e a Casa Edison comercializou 4 mil gravações de
música brasileira.
Em 1925, a empresa holandesa Transoceanic é encampada pela Columbia
Gramophone de Londres, que desenvolveu o sistema de gravação elétrica inventado
pela Western Electric. No ano seguinte, a Transoceanic - Odeon afasta Figner, e
passa a dominar a distribuição de discos no Brasil. Em 1927, Fred Figner entrega o
selo Odeon e começa a gravar pelo selo Parlophon. Em 1932, a Transoceanic afasta
Figner do negócio de discos. A partir deste ano, a Casa Edison restringiu sua linha de
mercadorias a máquinas de escrever, geladeiras e mimeógrafos. Em 1960, encerrou
as atividades como oficina de máquinas de escrever e calcular.21
Segundo Paiano, desde a permissão para exploração da publicidade em rádio,
em 1932, e a ampliação deste espaço em 1952, consolida-se uma rede de emissoras
radiofônicas.
As gravadoras nacionais e multinacionais sofisticam sua atuação, a
apresentação em rádio, gravações de discos, o pagamento de direitos autorais aos
21
DICIONÁRIO
CRAVO
ALBIN.
Casa
Edison.
Disponível
em:http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?nome=Casa+Edison&tabela=T_FORM_C.
Acesso em: 24 abr. 2008.
26
compositores e intérpretes começam a constituir meio de sobrevivência aos artistas
da época, ainda que muitos tenham de complementar sua renda em outras áreas de
atuação.
Mesmo grandes nomes como Ary Barroso (que
adicionava aos seus rendimentos como músico os
ganhos como polêmico locutor esportivo), Ataulfo Alves
ou Pixinguinha tinham um padrão que os igualava às
camadas médias da sociedade do período. Muitos
viviam de outra coisa – Joubert de Carvalho e Alberto
Ribeiro, médicos, Orestes Barbosa e Antonio Maria,
jornalistas, Garoto dava aulas de violão. Legislação
caótica
e
impossibilidade
de
controle
sobre
arrecadação de direitos autorais de apresentação,
gravações e edições, inexistência de uma estrutura
profissional de agenciamento de artistas davam no
entanto a este mercado em claro processo de
crescimento um acentuado caráter de incipiência, que
Renato
Ortiz
considerou
característica
indústria cultural no Brasil dos anos 40 e 50.
geral
da
22
Sabe-se que as origens da Companhia Brasileira de Discos (CBD) remontam
ao ano de 1945, quando foi fundada a Sociedade Interamericana de Representações
(Sinter), responsável pelo lançamento do primeiro long-playing fabricado no Brasil.
Dos choros gravados pela pianista Carolina Cardoso de Menezes aos discos da Velha
Guarda da Portela -- com Pixinguinha (sax-tenor), Donga (violão) e João da Bahiana
(pandeiro) --, a gravadora já tinha particular interesse pela produção de música
popular brasileira. Em 1955, a Sinter passa a chamar-se CBD. No ano seguinte, dá
início à fabricação de discos de 12 polegadas e, em 1957, é pioneira, mais uma vez,
lançando no país o disco estereofônico. Em 1958 é comprada pela multinacional
Philips. Os primeiros discos com selo Philips começam a aparecer em 1959, em plena
Bossa Nova, trazendo a nata dos músicos da época. Baden Powell, Carlos Lyra, Silvia
Telles, Aracy de Almeida, Lúcio Alves e Vinicius de Moraes fazendo sua estréia como
cantor, entre outros, integram a relíquia musical que hoje faz parte do catálogo da
22
PAIANO, Enor. O berimbau e o som universal: lutas culturais e indústria fonográfica nos anos
60. Dissertação (Mestrado) – ECA/USP. São Paulo, 1994, p. 52.
27
gravadora Universal. A Companhia Brasileira de Discos (CBD) passa a chamar-se, em
abril de 1971, CBD-Phonogram. Em 1978, a CBD-Phonogram alterou sua razão social
para Polygram Discos Ltda.
Pode-se dizer que o conceito de "álbum", o disco com
várias faixas e uma idéia amarrando todas elas, como
conhecemos hoje, surgiu nos anos 60, com os Beatles,
que lançaram os famosos Sgt. Pepper's e o LP duplo
conhecido como "Álbum Branco". No Brasil, quem
estabeleceu que um LP não precisava ser uma coleção
de compactos foi Roberto Carlos. "Só em 1965, com
Quero que vá tudo pro inferno, o LP consagrou-se
como um sucesso de vendas", lembra o pesquisador
Jairo Severiano, que, em companhia do crítico Zuza
Homem de Mello, está lançando o livro A Canção e o
Tempo -- 85 Anos de Músicas Brasileiras.
23
Os anos 1960 são marcados pela consolidação da bossa nova, mas
principalmente pela “onda febril” da Jovem Guarda, que aculturava o rock internacional
(Beatles, Rolling Stones etc.) à cena musical jovem brasileira, o tropicalismo e os
grandes festivais que eram transmitidos pela televisão. Uma profusão de artistas
surgiu no cenário musical, graças à força dessas vertentes na vitrine nacional. Na
época, compactos como A Banda, do qual foram vendidas 200 mil unidades;
Disparada, 150 mi;. Ponteio, 50 mil; Domingo no Parque, 45 mil; Alegria, Alegria; 110
mil; Maria, Carnaval e Cinzas; 150 mil. Em 1967 foram vendidos, ao todo, 4 milhões de
compactos simples.24
Entre 1966 e 1976 tem início a consolidação da indústria fonográfica brasileira.
Com empresas nacionais como Copacabana e Continental, e internacionais como
CBS, Phillips, RCA, Odeon, o processo de gravação, produção, distribuição e
divulgação da música no Brasil encontra um terreno fértil para sua expansão, como
23
MASSON, Celso. Volta ao compacto. Revista Veja, São Paulo, 30 jul. 1997.
PAIANO, Enor. O berimbau e o som universal: lutas culturais e indústria fonográfica nos anos
60. Dissertação (Mestrado), ECA/USP: São Paulo, 1994, p. 168.
24
28
veremos no quadro a seguir. Um crescimento de 444,6% no período, para uma época
em que o crescimento acumulado do PIB foi de 152%.25
No próximo item, pretende-se salientar os principais motivos que ajudaram a
consolidar a indústria fonográfica brasileira, a partir da década de 1970, o crescimento
de uma cena indie e o novo contexto musical, onde bandas circulam entre a produção
independente e majors, na cena alternativa e no mainstream.
25
Ibidem, p. 195.
29
CRESCIMENTO ANUAL DO MERCADO FONOGRÁFICO BRASILEIRO
(em mil unidades) 26
Ano
Single
Duplo
LP
Cassete
1966
3.600
1.450
3.800
-
1967
4.000
1.650
4.470
-
1968
5.370
2.440
6.880
25
1969
6.700
2.330
6.700
87
1970
7.350
2.000
7.300
207
1971
8.600
2.400
8.700
477
1972
9.900
2.600
11.600
1.038
1973
10.100
3.200
15.300
1.900
1974
8.300
3.600
16.200
2.800
1975
8.100
5.000
17.000
4.000
1976
10.300
7.100
24.000
6.800
1.1. CONSOLIDAÇÃO DO MERCADO FONOGRÁFICO NO BRASIL
Renato Ortiz, em seu livro A moderna tradição brasileira, contribui para uma
análise precisa sobre a constituição de condições favoráveis ao desenvolvimento da
indústria cultural e de um mercado de bens simbólicos no Brasil.
O Brasil começa a desenvolver sua indústria cultural a partir da década de
1960, com o avanço tecnológico e o interesse dos empresários e militares em integrar
26
PAIANO, Enor., op. cit., 1994, p. 219.
30
o território nacional. Até este período, o país não tinha uma rede sólida de integração
nacional, fosse econômica, simbólica, fosse pelos meios de comunicação, o que
inviabilizava a montagem de uma indústria fonográfica brasileira. Constata-se, assim,
a insipiência da indústria cultural e de um mercado de bens simbólicos no Brasil.
A expansão do mercado fonográfico ocorre na década de 1970, quando o
comércio facilita a aquisição de eletrodomésticos, essenciais para o mercado
fonográfico, já que o mesmo depende do mercado de aparelhos de reprodução
sonora, pois, entre 1967 e 1980, a venda de toca-discos cresceu 813%. Isto explica
por que o faturamento das empresas fonográficas aumenta, entre 1970 e 1976, em
1.375%. A indústria fonográfica brasileira se expande de forma surpreendente, quando
passou a integrar-se ao hábito dos consumidores e com a generalização do uso do
cassete em automóveis e em outros locais. “Mas o que os números indicam é,
sobretudo, o aumento do volume de vendas, que no período cresce de 25 milhões
para 66 milhões de discos comercializados anualmente”. 27
O mercado fonográfico consegue responder a essa demanda popular pela
canção de consumo, graças à integração nacional, que surge nos anos 1970,
formando redes de rádio e, principalmente, no caso brasileiro, redes de televisão,
sendo a Rede Globo a principal emissora que integra “ideologicamente” o país.
Entende-se como demanda popular aquilo que é mais consumido na moderna
sociedade brasileira, como problematiza Renato Ortiz.
Enor Paiano indica que o mercado da canção de consumo trabalha com as
seguintes “lógicas de produção: a competitividade industrial, a competência
comunicativa (o sucesso), os níveis e fases de decisão, as rotinas produtivas
(padronização, divisão do trabalho) e as estratégias de comercialização”.28
A padronização do “sucesso” é essencial e definidora da indústria cultural.
O que na indústria cultural se apresenta como um
progresso, o insistentemente novo que ela oferece
permanece em todos os seus ramos, a mudança de
indumentária de um sempre semelhante; em toda a
parte a mudança encobre um esqueleto no qual houve
poucas mudanças como a própria motivação do lucro
desde que ela ganhou ascendência sobre a cultura.
29
27
ORTIZ, Renato, op. cit., 1994, p. 127-8.
PAIANO, Enor, op. cit., 1994.
29
ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. Coleção Grandes Cientistas Sociais. (Org. Gabriel
Cohn, Coord. Florestan Fernandes). São Paulo: Ática, 1986, p. 94.
28
31
Mesmo com a segmentação e a apropriação de produtos “marginais” pelo
mercado, a consideração de Adorno se mantém atual em relação ao “posicionamento
central e seguro” de investimentos da indústria fonográfica.
Estima-se que, em 1979, as empresas de discos dividiram o faturamento na
seguinte proporção: Som Livre 25%; CBS 16%; Polygram13%; RCA 12%; WEA 5%;
Copacabana e Continental 4,5% cada uma; Fermata 3%; Odeon (EMI) 2%; K-Tel 2%;
TopTape e Tapecar 1% cada uma; outras, 11%. De 1980 em diante, consolidou-se o
grande movimento de concentração das empresas participantes do mercado. A
Copacabana e a RGE–Fermata pediram concordata. A Som Livre (braço musical da
Rede Globo, que possui posição privilegiada ao aliar a música à novela – trabalha
especificamente com as coletâneas de músicas que compõem suas novelas) compra
a TopTape e a RGE. A única nacional a resistir bravamente é a Continental,
sustentada, já nessa época, pelo segmento sertanejo. Em 1998, as sete maiores
empresas do setor fonográfico, atuantes no mercado brasileiro, foram: a CBS, a RCA
– Ariola, a Polygram, a WEA, EMI–Odeon e a Som Livre, sem que estivessem,
necessariamente, citadas em ordem de grandeza.30 O quadro atual (2008) mostra a
fusão da BMG–Ariola (ex-RCA–Ariola) com a Sony Music: SonyBMG , a Universal
(que já atuava nas áreas de cinema e música) com a Polygram (ex-braço produtor de
música da Phillips): Universal Music, EMI e Warner Music (WEA).
Devido à inconstância e à incerteza da vida econômica institucional nacional,
com a derrocada do “milagre econômico” e a sucessão de planos de ajuste econômico
(Plano Cruzado – 2/86; Plano Cruzado II – 11/86; Bresser –6/87; Verão – 1/89), o
início da década de 1980 apresenta um cenário de faturamento reduzido para a
indústria fonográfica brasileira e internacional,31 que se recupera em 1986, ainda que
de maneira inconstante,32 quando define uma nova postura frente ao mercado
consumidor, apostando em “poucos artistas com grande penetração internacional
(como Michael Jackson, Madonna, U2, Prince, Whitney Houston, Diana Ross, Lionel
Ritchie, Tina Turner etc.) e em vendas de artistas domésticos, nos países nos quais
estavam implantadas subsidiárias das majors (sendo Julio Iglesias o caso mais
significativo)”.33
30
DIAS, Márcia Tosta, op. cit., p. 74.
VICENTE, Eduardo. A indústria do disco no Brasil: um breve relato. Texto apresentado no
XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Manaus, 3 a 6 set. 2000, p. 3.
32
DIAS, Márcia Tosta, 2000, op. cit. p. 77.
33
VICENTE, Eduardo, 2000, op. cit., p. 4.
31
32
A década de 1990 consolida a força da música brasileira no mercado
fonográfico nacional, sendo o gênero mais vendido pela indústria. Em 1991, a música
brasileira representava menos de 60% do total das vendas; em 2000, esse número
atingiu um patamar superior a 75%,34 que se mantém até os dias atuais. A diversidade
cultural das regiões do país aparece para o grande público, que passou a ouvir ritmos
característicos de todas as partes do Brasil, da lambada e do boi-bumbá, do Norte,
aos movimentos de música regional do Sul do Brasil, incluindo axé music e mangue
beat do Nordeste, o sertanejo do Centro-Oeste e o samba, o pagode, o hip-hop, o rap
e o funk, entre outros gêneros dos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Este forte traço cultural nacional é uma característica da indústria fonográfica
brasileira. Mesmo os países europeus marcados por forte nacionalismo não alcançam
os níveis brasileiros. Somente estão à frente do Brasil, em venda de repertório local,
os Estados Unidos e o Japão.35
Dado esse breve relato sobre a consolidação da indústria fonográfica brasileira,
parte-se para um breve levantamento do desenvolvimento da produção independente
no país.
Há informações esparsas sobre o surgimento da produção fonográfica fora do
circuito das majors no Brasil. “Por exemplo, sabe-se que Carmen Miranda, antes de
gravar seu primeiro grande sucesso Prá você gostar de mim, em 1930, pela RCA–
Victor (35 mil cópias), já tinha estreado no mundo dos discos em 1929, em um
pequeno selo, o Brunswick”.36 Outras iniciativas se dão nos anos de 1960 e 1970, mas
sempre casos isolados, nos quais fica difícil precisar um movimento de produção
independente. “De maneira geral, são consideradas independentes todas as iniciativas
de produção, gravação e difusão que acontecem fora do circuito das grandes.”37
No final dos anos 1970 e começo de 1980 é que se configura a movimentação
alternativa em São Paulo, que se convencionou chamar de “Vanguarda Paulista”.
Estúdios como o Som da Gente e o Spalla ofereciam possibilidades para a gravação
independente. O centro de Artes Lira Paulistana surgiu da intenção de oferecer uma
programação cultural alternativa a um público insatisfeito com o show business
instituído. Suas atividades possibilitavam o funcionamento da Lira Paulistana
Gravadora e Editora, realizando vários lançamentos independentes, financiados pelos
músicos e algum investimento da empresa. Em 1983, o selo associou-se à gravadora
Continental, totalizando, em outubro do mesmo ano, 23 lançamentos. Muito da
34
Fonte: ABPD www.abpd.org.br.
Ibidem.
36
DIAS, Márcia Tosta, op. cit., 2000, p.131.
37
Ibidem, p.132
35
33
produção dos anos 1980 pôde, efetivamente, desfrutar dessa independência de
produção. Contudo, não conseguiu, da mesma forma, criar novos mecanismos de
distribuição, que garantissem a chegada dos discos ao mercado e aos meios de
difusão, considerando ainda a total desigualdade de forças em jogo.38
No movimento independente, havia também aquela produção que buscava
enquadrar-se ao modelo de produto cultural das majors. Artistas produziam seus
discos com a intenção de ter maior visibilidade e possibilidade de, talvez, fazer parte
do casting das majors.
As indies (selos independentes) chegam aos anos 1990 explorando a
segmentação de mercado e investindo em produtos culturais com os quais as majors
procuravam não se arriscar. Muitas vezes, servem de laboratórios para que as
grandes gravadoras contratem os artistas de maior destaque no circuito alternativo.
Alguns selos apostam em fatias de mercado como o rap, o samba, a soul music
(Kaskatas Records, Zimbabwe e JWS) ou a música gospel (Line Records, MK
Publicitá).
Assim, embora entre o final dos anos 70 e início dos 80
tivesse se esboçado um projeto de produção musical
independente no país, foi só nos anos 90 que essa
cena mostrou-se vigorosa o suficiente para substituir a
grande indústria nas tarefas de prospecção, formação e
gravação de novos artistas.
39
O que se configura é uma maior profissionalização dos integrantes das indies,
graças “ao fato de muitos dos novos proprietários de selos terem vindo do quadro das
majors, normalmente descartados por políticas de contenção de custos e terceirização
de atividades”.40 A profusão de estúdios particulares, pelo barateamento, e maior
acesso aos equipamentos de gravação devido ao processo de democratização e à
adoção de uma política econômica liberal no país.
A necessidade da compra, manutenção e operação dos
equipamentos, bem como a relação menos estável
entre artistas e gravadoras, impunham a necessidade
de um conjunto muito mais amplo de conhecimentos
por parte dos artistas, bem como da auto-administração
38
Ibidem, p.138-40.
VICENTE, Eduardo, op. cit., 2001, p. 21.
40
Ibidem, p.158
39
34
de diversos aspectos de suas carreiras... ao crescente
relacionamento
entre
majors
e
indies
pois,
diferentemente do que ocorrera com o movimento
independente dos anos 80, formas bem-sucedidas de
associação
freqüentes.
entre
as
empresas
tornaram-se
41
A indústria fonográfica detém dois elementos essenciais que permitem o seu
crescimento e posicionamento privilegiado no campo das indies: a capacidade de
manter sob seu controle as atividades de divulgação e distribuição. Esta condição é
essencial para que a indústria possa “reduzir seus custos de produção e riscos na
contratação de artistas, mas também manter condições para uma atuação muito mais
diversificada e flexível ante o mercado (embora mantendo suas ações de marketing
sempre concentradas em uns poucos artistas)”.42
Torna-se necessário, após esse sobrevôo sobre a produção independente
brasileira, definir alguns termos utilizados nos estudos culturais.
Denominou-se chamar de Indie, termo que advém de Independent labels, no
cenário musical, as produtoras independentes. Como veremos, o termo indie imbricase com a idéia de alternativo.
[...] o termo indie, por sua vez, apesar de ter surgido a
partir do diminutivo em inglês de independente, teve
seu sentido deslocado, ao longo das últimas décadas.
Ele funcionou como um rótulo que englobava uma
produção dos selos independentes britânicos e norteamericanos, antes dividida em estilos como o college
rock, o alternative rock, o modern rock, categorias
criadas pela revista Billboard.
43
Alternativo se afirma pela distinção ao que se apresenta, se produz e se
consome na esfera do mainstream. Outro termo que vem do inglês e significa
“corrente principal”. A cena fortemente influenciada pelos valores e clichês midiáticos e
que alcançam grande número de pessoas.
41
Ibidem, p.158-59.
VICENTE, Eduardo, op. cit., 2001, p. 6.
43
FERNANDES, Fernanda Marques. Música, estilo de vida e produção midiática na cena indie
carioca. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicação/UFRJ. Rio de Janeiro, 2007, p.166.
42
35
Alternativo designaria, neste sentido, uma outra via, um
caminho diferenciado dentro de uma expressão em
particular, trata-se de uma alternativa que se apresenta
como opção ao modelo e à cultura vigente, ou seja, à
cultura do Mainstream.
44
O mainstream é a esfera em que se concretiza, intensamente, a cultura pop
como produto comercializável em grande escala. Não mais pautado em uma produção
em massa, mas explorando mercados segmentados. Torna-se instância de destaque
na definição de comportamentos e gostos. Segundo Renato Ortiz:
Estou convencido de que, no processo de globalização,
a cultura de consumo desfruta de uma posição de
destaque. Na minha opinião, ela se transformou numa
das principais instâncias mundiais de definição de
legitimidade dos comportamentos e dos valores.
45
Alguns artistas que fazem parte da cena indie podem ser considerados
alternativos por não terem o mesmo suporte econômico das majors e por
apresentarem produtos culturais que servem como opção ao que é veiculado no
mainstream.
A esfera do mainstream pode englobar artistas que participam da produção
independente e aqueles que circulam no grande cenário midiático nacional. Como
veremos a seguir, na última década o mainstream e o underground (alternativo) no
Brasil passam por situações inusitadas e requerem apresentação e análise desses
novos movimentos.
Pode-se ilustrar este cenário com dois casos importantes neste início de século
XXI: Los Hermanos e a banda Calypso.
Em meados de 1997 os estudantes da PUC-Rio, Marcelo Camelo e Rodrigo
Barba, formam a banda Los Hermanos. Inserida num contexto hardcore, sem a raiva
vocal e conteúdo político, mas com letras sobre o universo amoroso. Trompetes,
teclado e ritmos latinos não pertencentes ao gênero, mas que logo cedem lugar à
44
FERNANDES, Fernanda Marques, op. cit.,2007, p.166.
ORTIZ, Renato, op. cit., 1994, p.10.
45
36
guitarra e ao baixo elétrico. E, assim, no mesmo ano, lançam duas demos46 na cena
alternativa do Rio de Janeiro.
As demos repercutem na cena alternativa carioca e a banda é chamada para o
"Superdemos", grande festival de música independente carioca e no festival Abril Pro
Rock, de Recife, considerado um dos que mais revelam artistas nacionais e é, então,
apontada como artista revelação do festival. Em 1999, a banda assina contrato com a
Abril Music (na época, braço musical da Editora Abril) e o hit “Anna Júlia” ficou entre
as dez músicas mais tocadas do ano. A canção foi a mais executada do Carnaval
baiano de 2000.
Rapidamente, a banda do cenário indie alternativo foi içada à esfera do
mainstream com uma canção de amor, ao estilo jovem guarda, com vendagem acima
de 300 mil cópias e que gera um enorme conflito no discurso da banda, frente à cena
alternativa. Que, na época, prontamente os acusa de serem cooptados pela cultura
pop vigente. É notória essa visão ao analisar a biografia da banda em seu site:
Daí em diante tudo aconteceu muito rápido e às vezes
eu
mesmo
acho
que
não
assimilei
ainda.
A
repercussão na imprensa, o contrato com a Abril, a
gravação do disco, o fenômeno Anna Júlia. É claro que
as coisas mudaram radicalmente e não poderiam ser
de outra maneira. [...] Passamos de pedra a vidraça,
caímos de pára-quedas num meio confuso e cheio de
armadilhas pelo qual ainda não sabemos caminhar
direito. Na falta de parâmetros sobre o que é certo ou
errado,
continuamos
usando
nossa
intuição.
Percebemos que nunca conseguiremos agradar a
todos, mas que acima de tudo queremos levar a nossa
música para onde pudermos. Talvez muitos não
consigam compreender a nossa proposta, mas também
quem sou eu para tentar explicar? Nossas músicas
falam de sentimento. [...] Pelos palcos de todo o Brasil,
apesar das luzes que insistem em colocar na nossa
cara, ainda consigo reconhecer em alguns rostos
aquela mesma estranha impressão que tive quando
46
Considera-se demo (abreviação de "demonstração" ou "demonstration") qualquer material
promocional que é uma fração de um produto maior, lançado com a intenção de dar a
oportunidade de o produto ser avaliado por possíveis clientes. O termo é bastante usado nos
contextos da música e dos games.
37
conheci a banda. Los Hermanos é uma banda de cinco
amigos que respeitam suas diferenças e que não têm
vergonha de fazer
sinceridade.
música com
muito amor
e
47
Estava em jogo o posicionamento da banda na cena alternativa. Enquanto o
mainstream os recebe de braços abertos, a luta pelo discurso sobre a preservação da
identidade se vê em entrevistas e biografia da banda. O cânone é uma forma
importante de estratificação nas cenas indies, produzidas por grupos dominantes no
âmbito da cena (jornalistas, produtores, músicos...), servindo a seus propósitos.48
Nas palavras do jornalista José Flávio Júnior:
Em 2000, quando "Anna Júlia" era a música mais
tocada do país. Os cariocas Los Hermanos faziam
questão de frisar em entrevistas que o grupo tocava
hardcore. Havia mesmo uma semente do gênero no
primeiro CD deles. Mas com o lançamento do
sucessor, "Bloco do Eu Sozinho", o discurso mudou. O
som também, diga-se. E a banda passou a ser
prestigiada por quem a desprezava.
49
No álbum “Bloco do Eu Sozinho”, em 2001 (Abril Music), era notória a
preocupação de Los Hermanos em assumir uma nova sonoridade que os
desvinculasse da última produção. Na sua trajetória, feita por um fã na internet, é
visível essa percepção pelos agentes da cena independente:
Ao
som
da
banda,
acrescentaram-se
levadas
melancólicas do Samba, da Bossa Nova e de outros
ritmos latinos. A euforia do primeiro CD não se repetiu
nas vendas e a banda passou a tocar em lugares
menores, com a diminuição de seu público. Porém, a
partir desse ponto, a banda ganhava um grande aliado
em sua caminhada, justamente o público, que se
47
BIOGRAFIA.
Site
Oficial
da
banda
Los
Hermanos.
Disponível
em:http://www2.uol.com.br/loshermanos. Acesso em: 24 abr. 2008.
48
FERNANDES, Fernanda Marques, op. cit., 2007, p. 34.
49
JUNIOR, José Flávio. No estúdio com Fresno. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 fev. 2008.
Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm2502200809.htm. Acesso em: 24
abr. 2008.
38
mostrava cada vez mais fiel. [...] Depois de algum
tempo
do
lançamento,
a
crítica
especializada
começaria a elogiar o álbum, que ganhou notoriedade
no meio após ter chegado ao conhecimento de todos a
divergência que havia entre a banda e a gravadora.
50
Claramente, percebe-se que os agentes da cena indie alternativa declaram a
“salvação” de Los Hermanos pelo distanciamento da sonoridade vigente no
mainstream, pela queda de venda no número de CDs, por tocar em lugares menores e
a diminuição do público consumidor, porém fiel. “Assim, percebemos a existência de
um certo sentido de nobreza, atribuído tanto pelo público consumidor de música
quanto pelos próprios artistas aos valores e preceitos do músico independente e de
sua produção.51
A cena indie alternativa parece incorporar o benefício da distinção, semelhante
ao campo de produção restrita, onde a apropriação da obra de arte se reveste da
aparência de uma disposição inata por um grupo de iniciados, como diz Bourdieu:
Por el hecho de que su apropriación supone unas
disposiciones y unas competencias que no están
distribuidas universalmente (aunque tegan la apariencia
de lo innato), las obras culturales constituyen el objeto
de una apropriación exclusiva, material simbólica, y, al
funcionar
como
capital
cultural
(objetivado
o
incorporado), aseguran un beneficio de distinción,
proporcionando a la singularidad de los instrumentos
necessarios para su apropriación, y un beneficio de
legitimidad, beneficio por excelencia, que consiste en el
echo de sentirse justificado de existir (como se existe),
de ser como es necessario (ser). Es esto lo que hace la
diferencia entre la cultura legitima de las sociedades
divididas en clases[...].
52
Cabe, novamente, retomar a proposição de João Freire Filho, em que vê no
conceito de cena musical a possibilidade de compreender um grupo social específico,
50
Biografia não-oficial presente na enciclopédia livre Wikipédia.
em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Los_Hermanos. Acesso em: 24 abr. 2008.
51
FERNANDES, Fernanda Marques, op. cit., 2007, p. 55.
52
BOURDIEU, Pierre. La distinción. Madri: Taurus, 1999, p. 226.
Disponível
39
sob um ponto de vista de consumo cultural, diferenciado, cujas pessoas partilham da
preferência por um mesmo gênero.
Aspectos como a valorização da autenticidade nas
práticas cotidianas, a oposição aos discursos e
produtos veiculados no mainstream e a preocupação
com a apropriação da expressão musical indie pelas
grandes corporações capitalistas podem constituir
elementos
aglutinadores
de
indivíduos
em
comunidades. No entanto, tais fatores devem ser
encarados como algo posterior à formação de alianças
baseadas em questões de gosto – o fator aglutinador
primordial.
A
partir
da
análise
dos
principais
mapeamentos teóricos sobre variadas cenas musicais
indies espalhadas pelo globo (Hesmondhalgh 1999;
Olson 1998; Stahl 2004), somos levados à conclusão
de que a cena musical independente parece ser
marcada mais por uma insistência/persistência social
do que pela resistência, apregoada no discurso teórico
sobre as subculturas.
53
Em 2003, Los Hermanos assinam contrato com a major BMG (atualmente
Sony/BMG) e lançam o álbum Ventura. Bem recebido na cena alternativa, ganha
espaço nas rádios e presença em videoclipes na MTV com o single Cara estranho.
O quarto CD, intitulado 4 (Sony/BMG), chega em 2005. Com pouca
repercussão no mainstream, mas com ares de “cult” pela crítica especializada. Afirma
seu espaço na cena alternativa, mesmo ligada a uma grande empresa da indústria
fonográfica. Segundo o crítico Guilherme Wisnik:
Tocou, provavelmente, o disco inteiro, mas parecia
uma única música que se intensificava ou abrandava
(piano, forte, fortíssimo), enquanto a voz do cantor
seguia dizendo frases intermináveis num clima de rock
fossa. Era um som literalmente underground. Foi a
primeira vez que ouvi Los Hermanos. [...] Pois o
sucesso
do
quarteto
carioca
ultrapassa
o
que
53
FREIRE FILHO, João e FERNANDES, Fernanda Marques. Jovens, espaço urbano e
identidade: reflexões sobre o conceito de cena musical. In: XXVIII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, Uerj, 5 a 9 set. 2005.
40
poderíamos chamar de uma fórmula banal: a mistura
de pop rock, indie e baladas românticas. No caso de
"Ventura" (2003) e "4" (2005), os dois últimos discos,
sua música é verdadeiramente original, num sentido
que é fiel à impressão sonâmbula daquela noite. Quase
sem refrões ou estruturas mostrando movimentos
alternados de tensão e repouso, as canções parecem
não ter centro, e, por isso, acabam não se distinguindo
bem umas das outras. É como se o magma difuso da
música eletrônica contaminasse a MPB, em registro ao
mesmo tempo experimental e comercial.
54
O aparecimento da banda Calypso, formada em Belém no ano de 1999 pelo
casal Joelma (vocais e coreografias) e Chimbinha (guitarra), e inicialmente restritos ao
circuito musical do Norte e Nordeste do Brasil e música latina do Caribe -- no princípio
a divulgação do trabalho só se restringia nos estados do Pará, Amapá, Tocantins,
Piauí, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia,
Amazonas, Brasília --, hoje desfruta de grande sucesso no mainstream em todo o
país.
Uma pesquisa do Datafolha realizada em julho de 2007, encomendada pela
agência de publicidade F/Nazca Saatchi & Saatchi, abordou 2.166 pessoas em 135
cidades de todas as regiões do país com a pergunta: "Qual é o cantor, cantora ou
banda que você mais tem escutado?". Somadas todas as menções, Calypso foi
escolhida por 14% dos entrevistados, enquanto Zezé Di Camargo e Luciano tiveram
12% da preferência.55
A pesquisa revela algo que já percebíamos, mas não
tínhamos dados para provar: há uma nova realidade na
indústria cultural brasileira, afirma o antropólogo
Hermano Vianna, consultor da agência de publicidade
54
WISNIK, Guilherme. Los Hermanos vive. Ilustrada, Folha de S.Paulo. São Paulo, 25 jun.
2007. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2506200711.htm. Acesso em:
24 abr. 2008.
55
CANÔNICO, Marco Aurélio e NOVAES, Tereza. Preferência nacional. Folha de S.Paulo. São
Paulo, 22 jul. 2007. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2207200707.htm>. Acesso em: 24 abr. 2008.
41
responsável pela pesquisa que revelou quem são os
artistas mais populares do país hoje.
56
Zezé Di Camargo e Chimbinha declaram em entrevista ao jornal Folha de
S.Paulo, que o sucesso decorre da escolha de um repertório de fácil assimilação e de
letras acessíveis ao público. A pesquisa revela que a audiência desses artistas é maior
entre as pessoas de menor escolaridade. “A fabricação industrial da cultura (filme,
séries de televisão etc.) e a existência de um mercado mundial exigem uma
padronização dos produtos”.57
Em nove anos de carreira, a banda Calypso gravou onze CDs, quatro DVDs,
duas coletâneas em CD e uma em DVD, totalizando 8 milhões de cópias dessas
produções, sem um contrato com uma major. Mas, sabe-se que bandas de forró
eletrônico como Calypso participam de um sistema de produção local, em que
empresários, donos de bailes, aparelhagens,58 donos de rádio e TV regionais, às
vezes atividades concentradas em uma única pessoa, é que proporciona visibilidade a
esses artistas no espaço regional e chega às metrópoles, principalmente, por meio do
fluxo migratório e do comércio ilegal de seus produtos (pirataria) em suas periferias. A
mundialização conectou fortemente os centros, mas também possibilitou a conexão,
mesmo que desigual nas periferias.59
O que há de novidade é que talvez não seja mais
necessário passar pelo centro para a cultura da
periferia se transformar em cultura de massa. Além
disso: nem os Racionais nem a banda Calypso
precisam mais do aval do velho centro (com suas
tradicionais instâncias -- críticas -- de consagração,
sejam elas universitárias ou industriais) para se
tornarem o centro de novos vastos mundos, diz
Hermano Vianna.
60
56
CANÔNICO, Marco Aurélio e NOVAES, Tereza. Banda Calypso quebra a lógica das
gravadoras. Folha de S.Paulo. São Paulo, 22 jul. 2007. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2207200708.htm. Acesso em: 24 abr. 2008.
57
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.32.
58
Nome dado no Pará ao sistema de som usado em bailes.
59
CANCLINI, Nestor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: UFRJ,
2005.
60
CARIELLO, Rafael. Estudos analisam inclusão "na marra" de periféricos. Folha de S. Paulo,
São
Paulo,
14
dez.
2006.
Disponível
em:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1412200607.htm. Acesso em: 24 abr. 2008.
42
Para o jornalista João Moreirão:
No tecnobrega paraense, como ele também conta, os
autores não ganham direitos autorais, as bandas
precisam da divulgação nas rádios, nas aparelhagens e
no camelô para fazerem sucesso e serem contratadas
para shows... Mas os empresários dos shows, os
donos dos bailes, os donos das aparelhagens, os
donos das rádios, os programadores, todos ganham
dinheiro. Só os artistas é que se sujeitam a trabalhar de
graça até que se realize o raro sonho de conseguir um
contrato para um show com cachê... Em Fortaleza, é
famoso Manoel Gurgel, dono de bandas. Ele é o dono
do nome da banda, dos instrumentos, exige que as
músicas sejam registradas em seu nome, recolhe os
direitos autorais como se autor fosse e já montou até
uma dezena de bandas Mastruz com Leite para vender
o mesmo “artista” para shows diferentes, em que o
público de cada espetáculo acha que está vendo a
única Mastruz com Leite, e em que os músicos vão
sendo trocados, sem que a banda mude de nome,
conforme suas conveniências financeiras... Ou ainda o
caso do João da Condil, que, de dono de rede de lojas
de discos, virou produtor e dono de rádios e só produz
e toca quem editar as músicas em seu nome, dandolhe sociedade na arrecadação dos direitos autorais
[...].
61
Apesar de ser um produto que não foi gestado, produzido, divulgado e
distribuído pelas majors, bandas como a Calypso, Mastruz com Leite, Calcinha Preta
etc. conseguem espaço no mainstream nacional. Estão sempre presentes nos
programas de maior apelo popular, na programação da televisão nacional como o
Domingão do Faustão, Fantástico (Globo), Hebe Camargo, Domingo Legal de Augusto
Liberato – Gugu (SBT), Raul Gil (Band), Eliana (Record).
61
MOREIRÃO, João. O luxo e o lixo da periferia. Jornal A Hora do Povo. Disponível
em:http://www.horadopovo.com.br/2006/maio/31-05-06/pag8a.htm. Acesso em: 24 abr. 2008.
43
Em entrevista à Folha, Chimbinha apresenta sua versão sobre o sucesso
comercial da banda Calypso:
Como consegue vender um CD a R$ 10? Chimbinha:
Nós mesmos fabricamos e fica mais barato do que
fazer com uma gravadora. Não pagamos produtor,
diretor não sei do quê, arranjador. Eu mesmo faço o
arranjo, a direção, tudo. Não ganhamos muito com o
CD, mas ficamos conhecidos e temos lucro com o
show. [...] Com o CD barato, deixam de ser vítimas da
pirataria? Não, mas não brigamos com os pirateiros.
Estouramos por causa da pirataria, que nos levou a
62
várias cidades onde não chegaríamos.
Para o crítico musical Pedro Alexandre Sanchez:
Até recentemente, quem as gravadoras e as TVs
empurravam para cima do consumidor era o mais
popular. A Calypso interrompe essa lógica. É um dado
novo, que a gente não compreende completamente.
63
O posicionamento sólido de um produto independente na esfera do mainstream
aparece como um caso novo dentro da lógica da indústria fonográfica. Segundo Viana:
Na década de 1980, a indústria fonográfica funcionava
como uma espécie de linha evolutiva de determinados
estilos, que iam se sucedendo e se transformando nas
grandes modas, mas isso parou nos anos 1990.[...]
Hoje em dia, acho difícil que a Calypso seja capturada
por esse mecanismo tradicional.
64
62
MATOS, Laura. Febre popular, banda Calypso vende 5 miI. Folha de S.Paulo. São Paulo, 29
nov. 2005. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2911200510.htm. Acesso
em: 24 abr. 2008.
63
CANÔNICO, Marco Aurélio e NOVAES, Tereza. Banda Calypso quebra a lógica das
gravadoras. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 jul. 2007. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2207200708.htm. Acesso em: 24 abr. 2008.
64
CANÕNICO e NOVAES, 2008, op. cit.
44
Neste sentido, o que constato no cenário musical brasileiro é a idéia de uma
cena alternativa, que tanto pode conter artistas ligados a grandes empresas da
indústria fonográfica, quanto às indies. Como a esfera do mainstream, que pode
englobar artistas que participam da produção independente e aqueles das majors.
O cenário da música popular massiva brasileiro (1998-2008) vive novos
movimentos, onde os agentes do campo se movimentam para alcançar um melhor
posicionamento dos seus produtos. E instituições, como a ABPD, procuram defender
seu posicionamento frente a essas mudanças. Entre elas, o avanço da pirataria no
mundo da música.
A Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD) foi estabelecida em
abril de 1958. Como entidade representante das gravadoras, seu objetivo é conciliar
os interesses dessas organizações com os dos autores, intérpretes, músicos,
produtores e editores musicais. Com sede no Rio de Janeiro, a ABPD empenha-se em
promover um ajuste dos artigos que tratam de direitos autorais e de propriedade
intelectual, especialmente no que diz respeito ao combate à pirataria.
A ABPD é filiada à International Federation of the Phonographic Industry (IFPI),
Federação Internacional da Indústria Fonográfica, que agrega cerca de 1.400
gravadoras em 76 países. É também a ABPD quem emite os certificados que
autorizam as gravadoras a premiar intérpretes com "discos especiais" (discos de ouro,
platina e diamante), em decorrência de grandes volumes vendidos.
Para reprimir a pirataria, a ABPD criou a Associação Protetora dos Direitos
Intelectuais Fonográficos (APDIF), atual Associação Anti-Pirataria Cinema e Música
(APCM) .
A indústria fonográfica consolida-se e cria organizações para a defesa de seus
interesses. Porém, no final da década de 1990, ela se depara com um novo cenário,
no qual figura o maior acesso aos meios de produção e distribuição possibilitados
pelas tecnologias digitais.
As tecnologias digitais abrirão [...] espaço para a
criação de novos estúdios, para a produção doméstica
com qualidade e para uma ampla pulverização e
redução dos custos de gravação e impressão de CDs:
fatores que permitirão o ingresso no mercado de uma
45
ampla gama de novos artistas, bandas e selos
independentes.
65
A proliferação do mercado de CDs piratas no Brasil acompanha essa evolução
técnica no cenário da música industrializada e obriga a indústria fonográfica a lidar
com um novo panorama.
Seria impensável, quinze anos atrás, um indivíduo poder fabricar ou reproduzir,
em seu próprio domicílio, um álbum musical com ótima qualidade técnica.
Essa mudança tecnológica, presenciada nos anos 1990, fez com que o cenário
musical sofresse enormes alterações nunca antes pensadas. Quem pensaria, nos
anos 1980, em fabricar ou regravar um LP em sua casa? É certo que o advento do
CD, da tecnologia digital, revoluciona a indústria do entretenimento e também facilita o
acesso de mais pessoas à produção de seus projetos.
Com o surgimento dos gravadores digitais de CD, com um computador e
softwares adequados, qualquer pessoa pode gravar um CD de qualidade similar aos
de grandes estúdios da indústria fonográfica. Essa “democratização” da tecnologia
digital propicia a difusão de estúdios de gravação de pequeno e médio portes, amplia
a possibilidade de maior número de artistas poderem custear os seus próprios projetos
e terem em seu controle todo o processo de fabricação do CD: da gravação das
músicas em estúdio até a prensagem em gravadores digitais, em microcomputadores
domésticos ou em fábricas especializadas como a Sonopress Indústria e Comércio
Ltda., que atende às grandes gravadoras e aos clientes particulares.
Hoje, com aproximadamente R$ 3.500,00, um artista tem o projeto gráfico e a
prensagem de mil CDs, realizados por essas fábricas do comércio fonográfico.
O processo de acesso à tecnologia digital proporciona grande avanço para os
artistas em início de carreira e também para os selos independentes. Nos anos 1990,
essas “minigravadoras” ampliaram o acesso, como vimos, para artistas que queriam
gravar seus CDs sem ter de moldar a sua música de acordo com as tendências do
mercado, optando, assim, por uma produção menor, mas com maior autonomia no
processo de criação, e para os artistas que, mesmo seguindo tendências do mercado,
não conseguiam assinar contratos com as majors e procuravam os selos
independentes para lançar seus trabalhos na tentativa de alavancar suas carreiras.
Porém, essa profusão de estúdios e novos selos não seria uma questão tão
difícil de enfrentar, já que apenas a grande indústria mantém o monopólio da
65
VICENTE, Eduardo. A indústria do disco no Brasil: um breve relato. Texto apresentado no
XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Manaus, 3 a 6 set. 2000, p. 5.
46
divulgação e da distribuição. As novas tecnologias gestam novos movimentos e,
dentre estes, estava o que atingiria o lucro da indústria fonográfica: a pirataria.
Questão a ser abordada no segundo capítulo deste trabalho.
No próximo item deste capítulo, é apresentada a configuração do cenário
musical brasileiro entre 1998 e 2008. Destacam-se os artistas representativos e as
iniciativas de majors e indies.
1.2. CONSTITUIÇÃO DA CENA MUSICAL BRASILEIRA
Pretende-se, aqui, expor como se constitui a cena musical brasileira nos dez
últimos anos (1998-2008), que coincide com a ascensão do mercado pirata de CDs e
compartilhamento de arquivos MP3, pela internet, no Brasil. Constatar como as majors
e indies desenvolvem seus projetos em relação às mudanças nesse início de século
XXI.
Dá-se destaque à movimentação das indies, visto que os artistas das majors
circulam pelos canais tradicionais da mídia massiva.
Dentre os gêneros que se destacam, em número de vendas, nesse período,
estão o pop/rock, sertanejo, religioso, pagode/samba e forró. Segundo a ABPD, o
gênero musical pop/rock representa a maior parcela de vendas das majors no Brasil,
entre 35%-40% no período.
Alguns nomes se destacam no mainstream brasileiro do pop/rock como Sandy
e Junior. Filhos de famosos cantores do gênero sertanejo, começaram a carreira ainda
crianças, com músicas voltadas para o público infantil. Adolescentes, se firmam no
cenário pop, conquistando o mercado voltado aos adolescentes e marcando presença
nos álbuns mais vendidos em 2000/01 e 2002. Em 2007, lançam o último álbum da
dupla, em formato acústico MTV. Pretendem seguir carreira solo.
Os irmãos do KLB, em 2000, o grupo de meninas selecionado em um reality
show do SBT: Rouge em 2002, os jovens mineiros do Jota Quest em 2003 e, com o
acústico MTV em 2006, o retorno de uma das bandas de maior sucesso dos anos
1980: Kid Abelha em 2003, relançamento de músicas do extinto Legião Urbana em
2004, o fenômeno adolescente da televisão na América Latina em 2005/2006: RBD e
as trilhas sonoras das novelas da Globo marcam presença entre os dez álbuns mais
vendidos no período.
O gênero musical sertanejo é outro segmento que esteve presente nos últimos
anos.
47
Leonardo é um dos mais vendidos nessa “fatia” de mercado. Iniciou sua
carreira na década de 1990 com seu irmão Leandro. Com o falecimento do irmão,
continuou carreira solo e esteve entre os mais vendidos de 2000 a 2005.
Certamente, a explosão sertaneja, com produção artística mais sofisticada no
mercado fonográfico nos anos 1990, possui características diferentes da sua origem
rural. Eduardo Vicente, a esse respeito, faz a seguinte colocação:
[...] Musicalmente, entendo que a principal marca desse
processo de sofisticação será o progressivo abandono
das influências latinas – como os ritmos da guarânia e
do bolero e os arranjos de metais típicos – e a adoção
da música romântica lenta, de ritmos como o country e,
nos
arranjos,
de
formações
instrumentais
mais
sofisticadas, com predominância das cordas. Roberto
Carlos e a música romântica internacional irão, nesse
processo, tornar-se as principais referências para as
duplas atuais. A trajetória de Chitãozinho & Xororó –
sem dúvida a dupla mais influente do período – marca
bem essa ascensão da música sertaneja do kitsch ao
66
mainstream das gravadoras.
Nesse sentido, outras duplas sertanejas que surgem nos anos 1990 com
Chitãozinho e Xororó ganham espaço no mercado fonográfico e atingem posições de
destaque, entre os álbuns mais vendidos nos últimos anos. É o caso de Zezé Di
Camargo
e
Luciano,
em
2000/2001/2002/2006,
Bruno
e
Marrone,
em
2001/2003/2004/2005/2006, Daniel em 2001/2002 e Teodoro e Sampaio, em 2004.67
O aparecimento do fenômeno conhecido como renovação carismática da Igreja
Católica e da figura jovem do padre Marcelo Rossi, como uma nova liderança e uma
nova linguagem dentro do catolicismo, alavanca vendas dentro desse gênero religioso.
Nos anos de 2001/2002/2006/2008, o padre Marcelo Rossi (Polygram, hoje Universal)
esteve entre os dez álbuns mais vendidos no Brasil. “Na tentativa de repetir o sucesso
da Polygram nesse mercado, outras majors realizaram suas investidas sobre os
padres cantores – caso da EMI com o padre Zeca, da Sony, com o padre Antonio
66
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e
90. Tese (Doutorado) – ECA/USP. São Paulo, 2001, p.113.
67
Fonte: ABPD. <www.abpd.org.br>.
48
Maria e mesmo da MZA (independente, mas fortemente ligada à Universal) com o
padre Fábio”.68
O gênero pagode/samba, que teve forte passagem nos anos 1990 com:
Raça Negra (RGE, 1992) Ginga Pura (PolyGram,
1993), Só Pra Contrariar (BMG, 1993), Razão Brasileira
(EMI, 1993), Grupo Molejo (Warner/Continental, 1994),
Negritude Jr. (EMI, 1994), Art Popular (EMI, 1995),
Gera Samba (depois rebatizado É o Tchan do Brasil,
Polygram, 1996), Companhia do Pagode (PolyGram,
1996), Grupo ExaltaSamba (EMI, 1997), Grupo Malícia
(BMG, 1997), Karametade (BMG, 1997), Soweto (EMI,
1997), Terra Samba (Polygram, 1998), Os Morenos
(Universal, 1999) e Kiloucura (BMG, 1999), entre
69
muitos outros.
De acordo com Vicente, o gênero encontra um declínio nas vendas a partir de
1998. Apenas o carioca Zeca Pagodinho, em 2002, aparece na lista dos mais
vendidos nesse período de estudo, graças ao hit “Deixa a vida me levar”, que foi
adotado pelos jogadores da seleção brasileira de futebol, campeões do mundo na
Alemanha no mesmo ano.
Mesmo assim, o gênero pagode/samba, como um todo, representa em média
12% das vendas do mercado fonográfico.
No ano 2000, Frank Aguiar torna-se um símbolo da presença do forró como um
dos gêneros de destaque no mercado fonográfico. Como o caso do gênero sertanejo,
Frank Aguiar utiliza o seu teclado e mostra uma nova roupagem do forró, que se
denominou forró eletrônico. O ritmo mais acelerado e outros instrumentos, como
bateria e teclado, compondo a sonoridade.
O ritmo nordestino, que no final dos anos 1990 ganhou popularidade em todas
as regiões do país e principalmente nas metrópoles, pela profusão de jovens da classe
média que trazem o forró pé-de-serra para o Sudeste e formam suas bandas,
conquista outra fatia do mercado.
O grupo Falamansa, formado por jovens da classe média da cidade de São
Paulo, entra na lista dos dez álbuns mais vendidos do país em 2001. Com bandas
68
69
VICENTE, Eduardo, op. cit., 2001, p. 252.
VICENTE, Eduardo,op.cit, 2001, p.240.
49
como Rastapé, Bicho-de-pé e outros, se torna símbolo de uma cena que se
denominou forró universitário.
Marisa Monte, em 2000 e 2006, Adriana Calcanhoto em 2001, Tribalistas em
2002 (único projeto que reúne Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e Marisa Monte),
Maria Rita em 2003 (o lançamento da filha de um dos maiores ícones da música
brasileira: Elis Regina), Ana Carolina em 2006 (coletânea de grandes sucessos)
representa os poucos artistas do gênero MPB que freqüentaram a lista dos dez álbuns
mais vendidos no período estudado.
Os gêneros axé music, com forte presença nos anos 1990, e o infantil, nos
anos 1980, não tiveram grandes expoentes nos números da indústria fonográfica.
Salvo exceção de Ivete Sangalo com o álbum MTV ao vivo de 2004 e Multishow ao
vivo no Maracanã, de 2007 (207 mil CDs e 553 mil DVDs)
70
e Xuxa, que apareceu
entre os mais vendidos de 2001 a 2005.
Porém, os movimentos que ganharam força nos últimos anos advêm da cena
independente, haja vista que a grande indústria teve queda expressiva nas vendas,
devido ao crescimento da pirataria de seus produtos. Esta questão será detalhada no
próximo capítulo.
Neste início de século XXI constata-se o fortalecimento da cena independente
no Brasil, com inúmeros festivais que promovem novos artistas como o Abril Pro Rock,
Prêmio Claro de Música Independente, Goiânia Noise Festival, MADA em Natal, o
projeto Prata da Casa/Sesc e o TIM Festival. A criação da Associação Brasileira de
Música Independente e de canais de exposição como o site Trama Virtual, Música
Brasileira Independente (MUBI), MySpace, Zona Punk, Whiplash. Revistas MTV,
Laboratório Pop, Bizz, Comando Rock, Outracoisa, Rock Brigade e programas de TV
como Trama Virtual, Musicaos (TV Cultura), Alto Falante (MG), Patrola (RS) e MTV
Banda Antes.
O festival Abril Pro Rock acontece anualmente, desde 1993, em Recife,
Pernambuco, no mês de abril. O evento se tornou referência nacional por mostrar
bandas e artistas com renome na cena independente do país inteiro e do exterior,
revelar novos nomes e apoiar as bandas locais. O nascimento do Abril Pro Rock
coincidiu com a explosão do Movimento Manguebit, que revelou bandas como
Penélope (banda), Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Eddie, Devotos,
Faces do Subúrbio e outras. Em 2001, o Abril Pro Rock acontece também em São
70
VIANA, Luiz Fernando. Com queda no mercado fonográfico, padre Marcelo e Ivete são
campeões em vendas. Folha On-line, São Paulo, 3 abr. 2008. Disponível
em:http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u388494.shtml. Acesso em: 28 abr. 2008.
50
Paulo, no Sesc Pompéia, com dezoito bandas e dois palcos em três dias. Há
dezesseis anos a programação tem como principal foco novos nomes do cenário
nacional, bandas independentes e grandes nomes internacionais. Já firmado como um
dos mais importantes festivais de música indie e pop do país, pivô dos festivais
independentes do Brasil.
O Goiânia Noise Festival surge na região Centro-Oeste em 1995. Considerado
principal festival independente do país ao lado do Abril Pro Rock (PE), “os números
impressionam: 33 bandas de dez diferentes estados, dezenas de expositores, público
estimado em mais de 8 mil pessoas durante três dias, em sua 12ª edição (2007)”.71
Contando com a presença de bandas de projeção nacional e internacional como
Sepultura, Pato Fu, Mundo Livre S/A e Cordel do Fogo Encantado.
O sucesso tem relação com a consolidação da cena
independente local. “O crescimento é nítido”, confirma
Túlio Fernandes, dono do estúdio República, um dos
pontos de encontro das bandas goianas. “Existem
cerca de 200 bandas na cidade, algumas com ótimo
potencial [...]. Além do apoio estatal, a organização
captou recursos de empresas privadas por meio da Lei
Goyazes de incentivo à cultura. Por conta disso, o
evento ganhou visibilidade inédita na cidade, com
cobertura em jornais e emissoras locais e presença do
público “não-roqueiro”, atraído pelas atrações mais
famosas. A estrutura mais caprichada não evita que as
bandas novas continuem a arcar com certos custos. A
maioria
dos
músicos
de
outros
estados
paga
passagens em troca da hospedagem e alimentação
oferecidas pelo festival. “Apresentamos nosso trabalho,
vendemos alguns discos e fazemos contatos para
futuros shows. É claro que compensa”, afirma Toshiro,
baixista da curitibana Los Dianõs.
72
71
CARANDINA, Tiago. Goiânia, a cena independente mais celebrada do país. Revista Rolling
Stone,
São
Paulo,
jan.
2007.
Disponível
em:http://www.rollingstone.com.br/materia.aspx?idItem=202&titulo=Goi%C3%A2nia%2C+a+ce
na+independente+mais+celebrada+do+pa%C3%ADs&Session=Especiais. Acesso em: 28 abr.
2008.
72
Ibidem.
51
A banda MQN da região conseguiu colocar seu videoclipe na MTV e possui
uma agenda de shows em outros estados. Levantam a bandeira da independência e
defendem o cânone na cena independente. Público restrito, distinto e fiel:
Não acredito em hits que levam você ao estrelato, diz
Fabrício Nobre, vocalista e produtor do Goiânia Noise.
“Acredito em um público de trezentas pessoas em cada
cidade, em um real circuito independente. Com isso,
ninguém precisará chegar ao mainstream. Vamos ter
tesão de continuar tocando, viajando e gravando.
Parece piegas, mas é o que mais importa no final das
contas.
73
O Mada (Música alimento da alma) surge em 1998 em uma lona de circo e com
entrada franca. Chega em 2007 na nona edição, a sexta com patrocínio (TIM celular e
Governo do Estado de Rio Grande do Norte) e melhoras na programação e na
estrutura de som e luz. “Passaram pelo Mada, antes da fama vamos dizer assim, os
Detonautas (RJ), Cabruêra (PB), Sonic Jr. (AL), Eddie (PE) e recentemente a Pitty
(BA)”,74 declara Jomardo Jomas, idealizador do festival, em entrevista para o site
colaborativo overmundo, que tem o objetivo de servir como canal de expressão para a
produção cultural do Brasil. É realizado pelo Núcleo de Idéias Movimento, com base
no Rio de Janeiro, contando para tanto com o patrocínio da Petrobras, por meio do
Programa Petrobras Cultural e dos mecanismos de incentivo fiscal do Programa
Nacional de Apoio à Cultura/Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), do
Ministério da Cultura.
Grandes nomes comparecem como atração principal nas últimas edições
como Nando Reis, O Rappa, Biquíni Cavadão, Paralamas do Sucesso, Nação Zumbi,
Detonautas e Skank. Mais de trinta shows e de setecentos inscritos, onde alguns são
escolhidos. Em 2006 foram selecionados apenas dois grupos dos 150 inscritos pelo
estado do Rio de Janeiro.
O Projeto Prata da Casa, criado em 1999, se torna outro importante celeiro de
novos artistas. Nomes que alcançaram repercussão nacional como a cantora Céu e
Vanessa da Mata foram reveladas na choperia do Sesc Pompéia.
73
CARANDINA, Tiago, op. cit., 2007.
SILVA, Yuno. Música alimento da alma. Natal- RN, 30 abr. 2006. Disponível
em:http://www.overmundo.com.br/overblog/musica-alimento-da-alma. Acesso em: 28 abr. 2008.
74
52
O Prata da Casa tem sido para mim uma grata
surpresa, pelo grau de liberdade e diversidade que o
projeto permite experimentar, diz o atual curador, o
jornalista e crítico de música Pedro Alexandre Sanches.
Isso me faz renovar a convicção sobre a enorme
riqueza musical que nunca abandona o Brasil. Segundo
o técnico José Henrique, o número de shows passa
dos 70 por mês, reunindo um público de cerca de 25
75
mil pessoas.
A Associação Cultural Dynamite, que está há mais de quinze anos ligada na
cena independente nacional e internacional, organiza em 2002 o prêmio Dynamite da
Música Independente. Desde a edição de 2004, passa a se chamar Prêmio Claro de
Música Independente, devido ao patrocínio da empresa de telefonia Claro. Um evento
que constrói um caminho para a consolidação de um mercado independente e
reconhecimento dos agentes mais importantes no campo. Dividido em categorias
como rock, punk /hardcore, heavy metal, rap/hip hop/black music, MPB/pop, música
eletrônica, música instrumental, melhor álbum internacional, revelação, melhor selo
etc., expõe nomes como Leela, Cachorro Grande, Forgotten Boys, Berimbrown,
Sabotage, Rappin Hood, Z´África Brasil, Fernanda Porto, Cordel do Fogo Encantado,
Ultramen, Max de Castro, Cidadão Instigado, Autoramas, Acústicos e Valvulados,
Gram, Matanza, Pitty, Garotos Podres, Krisiun, B Negão e os seletores de freqüência,
Cansei de ser sexy, RZO, Shaaman, Claustrofobia, Ludov, Lan Lan, Otto, Mundo Livre
S/A, Domenico + 2, Jair Oliveira, Edu Ribeiro, Vanguart, Ramirez. Em 2006, passa a
se chamar Prêmio Toddy de Música Independente.
A
A Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) foi fundada em janeiro
de 2002 e surgiu de vários encontros de independentes para discutir a organização do
setor. Atua no mercado brasileiro e no exterior em busca de melhores condições para
a produção e a distribuição da música independente brasileira. Atualmente, a
associação reúne 136 associados, espalhados em doze estados da federação, e no
Distrito Federal. A meta da associação é reunir cada vez mais empresas do cenário
musical brasileiro independente. Mantém estreita relação com outras instituições de
música independente no mundo, participa de eventos e reuniões internacionais a fim
75
Sesc-SP. Marco da diversidade e palco de revelação de nomes inovadores da cultura, o
Sesc Pompéia chega aos 25 anos. Revista E, nº 124, São Paulo. Disponível
em:http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=290&Artigo_ID=4534&I
DCategoria=5162&reftype=2. Acesso em: 28 abr. 2008.
53
de dar suporte aos associados presentes e estreitar relações com os representantes
de gravadoras e associações da Europa e outros continentes.
A ABMI emite certificados de volume de vendas de CDs e DVDs por meio de
um contrato firmado com a Trevisan Auditores Independentes, para conceder: Discos
de Platina (250 mil); Disco de Ouro (100 mil); Disco de Prata (30 mil) -- este
especialmente concebido para premiar uma vendagem menor, mas muito significativo
no mercado independente, sinal de que um disco atingiu seu patamar de consolidação
do artista no mercado. DVD de Ouro (25 mil); DVD de Platina (50 mil); DVD de
Diamante (100 mil).
Apóia a profissionalização de seus associados para que a produção
independente seja cada vez mais competitiva e fornece informações sobre como
comercializar e distribuir músicas digitalmente, direitos autorais, divulgação e formação
de grupos e parcerias. Representa a música independente do Brasil em eventos
internacionais como o Midem na França, além de conferências e feiras no Mercosul.
Faz parte da “Coalizão Mundial Independente”, que reúne quinze entidades nacionais
da música independente.
Segundo dados do I Encontro Nacional de Música Independente convocado
pela Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), Associação dos Músicos,
Arranjadores e Regentes (AMAR) e União Brasileira de Compositores (UBC), realizado
em abril de 2008, em Curitiba (ver anexo 1):
Em 2007, as quatro gravadoras multinacionais que
atuam no Brasil lançaram, no total, 130 novos discos,
dos
quais,
75
são
licenciamentos
de
música
estrangeira. A EMI lançou 9 novos títulos nacionais e
11 licenciamentos; a Sony-BMG, 17 nacionais e 25
licenciamentos; a Universal, 24 nacionais e
25
licenciamentos; e a Warner, 5 nacionais e 14
licenciamentos.
Enquanto
isso,
63
gravadoras
independentes lançaram 784 novos discos. Estão
excluídos
deste
número
aquelas
que
trabalham
principalmente com licenciamentos internacionais e os
músicos que se auto produzem, estes últimos pela
impossibilidade de ser contabilizados. No entanto, a
grande indústria do disco ocupou 87,37% do espaço
das rádios comerciais brasileiras, contra apenas 9,82%
do
espaço
dado
à
música
produzida
pelas
54
independentes. O cálculo final não fecha em 100%
porque os dados referentes à gravadora Som Livre não
estão contabilizados. Mas, os números disponíveis são
76
eloqüentes e falam por si.
Os sites MySpace e Trama Virtual são responsáveis pela maior exposição de
bandas independentes na internet. Permitem que o usuário construa a página
inserindo o histórico, as músicas em MP3, blog, agenda de shows, fotos e vídeos de
sua banda gratuitamente.
O MySpace surgiu em 2004, nos Estados Unidos. É a maior rede social na
internet do Estados Unidos e do mundo, com mais de 110 milhões de usuários.77 Inclui
um sistema interno de e-mail, fóruns e grupos. A crescente popularidade do site, e
sua habilidade em hospedar MP3s, fez com que muitas bandas e músicos se
registrassem, algumas vezes fazendo de suas páginas de perfil seu site oficial.
Segundo
Emerson
Calegaretti,
diretor
geral
do
MySpace no Brasil, cerca de 55 mil bandas brasileiras
já criaram perfis no site. O Cansei de Ser Sexy, por
exemplo, ficou famoso através do MySpace, e só
depois assinou contrato com uma gravadora. Na
gringa, a inglesa Lily Allen também já havia trilhado
esse mesmo caminho.
78
Além das ferramentas virtuais, o MySpace realiza o secret show com artistas
que fazem parte do site de relacionamento. Algumas semanas antes do evento, o
secret show é anunciado. Cinco dias antes, são revelados o artista e a cidade, e dois
dias antes o MySpace divulga o local. O primeiro secret show aconteceu em 19 de
dezembro de 2007, com a banda NX Zero.
O site Trama Virtual, que pertence ao selo Trama, segue o modelo do
MySpace. Permite que usuários votem e criem um rank entre as melhores bandas e
músicas da semana. Desse portal na internet surge, em 2006, o programa de TV
76
KFOURI, Maria Luiza. I Encontro Nacional de Música Independente. Disponível em:
<http://www.samba-choro.com.br/noticias/19265>. Acesso em: 28 abr. 2008.
77
AGÊNCIA INTERNACIONAL. Jovens preferem MySpace à televisão, diz pesquisa.
Tecnologia,
O
Estado
de
S.
Paulo,
São
Paulo.Disponível
em:http://www.estadao.com.br/tecnologia/not_tec105473,0.htm. Acesso em: 28 abr. 2007.
78
89FM.
MySpace
no
Brasil.
São
Paulo.Disponível
em:http://www.89fm.com.br/projetos/myspacenobrasil_coletiva/default.aspx. Acesso em: 28
abr. 2008.
55
apresentado por João Marcello Bôscoli. O TramaVirtual vai ao ar semanalmente no
Multishow (canal pago da Globosat), trazendo shows, matérias e entrevistas com
integrantes do cenário independente nacional.
A MTV Brasil com o programa Banda Antes, em meados de 1998-2008,
também proporcionou maior visibilidade às bandas independentes como Cachorro
Grande, Gram, Volver etc.
Todas essas iniciativas indicam maior organização da cena independente
nesse início de século XXI. Com iniciativas próprias, em parceria com grandes
empresas como a TIM, Claro, Toddy (Pepsico) ou órgãos do governo, formando uma
associação de selos independentes (ABMI), utilizando novas ferramentas de
divulgação e distribuição como MySpace, Trama Virtual, Mubi, Imusica, Orkut,
Revistas MTV, Laboratório Pop, Bizz, Comando Rock, Outracoisa, Rock Brigade e
programas de TV como Trama Virtual, Musicaos (TV cultura), Alto Falante (MG),
Patrola (RS) e MTV Banda Antes.
Nomes como Céu, Vanessa da Mata, Cachorro Grande, NX Zero, Los
Hermanos, Nação Zumbi, Mundo Livre S/A etc., conseguem visibilidade e alguns
assinam contratos com majors.
Grandes empresas procuram aliar seus produtos com a cena independente,
utilizando-se não só do discurso de “independência” como sinônimo de liberdade, mas
também da imagem construída em vestimentas que desafiam os “gostos comuns” das
classes tradicionais.
A Levi's quer resgatar seu passado de parcerias com o
mundo da música. A grife, que já vestiu ícones como
Bob Dylan e Elvis Presley, lançará neste mês (mar.
2008) um portal na internet, unindo notícias sobre
moda e comportamento à divulgação do trabalho de
bandas
que
estão
surgindo
na
cena
musical
independente brasileira. Os destaques do projeto,
batizado de Levi's Music, são a banda Vanguart, maior
revelação do rock nacional dos últimos anos, e a
estrelinha teen Mallu Magalhães, com seu folk-pop
muito charmoso. Além deles, participam os grupos Cine
79
SP, Drive e Forgotten Boys.
79
WHITEMAN, Vivian. Levi's lança portal de moda e música. Ilustrada, Folha de S. Paulo, 14
mar. 2008. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1403200823.htm. Acesso
em: 28 abr. 2008.
56
Talvez buscando uma “aura” de originalidade perdida, um posicionamento “cult”
no mundo do consumo de jovens que vivem um momento de desterritorialização, para
Martin-Barbero:
A televisão é a mídia que mais radicalmente irá
desordenar a idéia e os limites do campo da cultura [...]
desde as transformações de nossa percepção do
espaço e do tempo. Do espaço, aprofundando o
desancoramento que a modernidade produz com
relação ao lugar, desterritorialização dos modos de
presença e relação, das formas de perceber o próximo
e o longínquo, que tornam mais perto o vivido “a
distância” do que aquilo que cruza nosso espaço físico
cotidianamente.
E,
paradoxalmente,
essa
nova
espacialidade não emerge do itinerário que me tira do
meu
pequeno
mundo,
senão,
ao
contrário,
da
“experiência doméstica” convertida pela televisão e
pelo computador nesse território virtual ao qual, como
expressivamente disse Virilio, “todos chegam sem que
tenham que partir.
80
Nesse sentido, as empresas, sejam majors, têxteis, midiáticas visam a se
apropriar do lucro simbólico e da qualidade social desse capital da cena indie. Da
mesma forma, os agentes desse campo da cultura pop buscam a distinção por meio
de uma hierarquização.
Com efeito, é a qualidade social do público (medida
principalmente por seu volume) e o lucro simbólico que
ele assegura que determinam a hierarquia específica
que se estabelece entre as obras e os autores no
interior de cada gênero, correspondendo às categorias
hierarquizadas
que
aí
se
distinguem
estreitamente à hierarquia social dos públicos.
muito
81
80
MARTIN-BARBERO, Jesus e RUY, Germán. Os exercícios do ver. São Paulo: Senac, 2001,
p. 34.
81
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 141.
57
Assim como Bourdieu defende a oposição principal entre a produção pura,
destinada a um mercado restrito aos produtores, e a grande produção, dirigida para a
satisfação das expectativas do grande público, o mercado fonográfico parece trabalhar
com as mesmas oposições no subcampo da cultura pop, onde a cena independente
coloca sua distinção em relação à produção do mainstream, sem negar a participação
no mercado e sua relação com a mídia.
Talvez haja algo mais do que determinação de gostos nos produtos culturais
que circulam e dialogam com o mercado. Talvez a canção de consumo esteja na
mesma posição da televisão, como diz Canclini:
Compartilho a crítica de Bourdieu à televisão por
subordinar-se ao mercado, mas esta crítica não
consegue perceber aquilo que, na linguagem e no ritmo
da comunicação audiovisual, aponta para um modo de
interação social, uma construção do conhecimento
82
distinta da acadêmica.
Observando a acumulação desigual da propriedade cultural e a assimetria no
acesso à informação e ao entretenimento no nosso país, dado o cenário musical do
mercado fonográfico no período, pretendo analisar, no próximo capítulo, como as
novas tecnologias digitais surgem e quais as conseqüências para a indústria
fonográfica e os agentes do campo.
O advento do formato que compacta o arquivo sonoro e permite a circulação na
internet e a pirataria no mercado da música, tanto em formato material (CD), quanto
imaterial (MP3).
82
CANCLINI, Nestor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: UFRJ,
2005, p. 159.
58
2. O feitiço virou contra o feiticeiro
A abordagem, neste capítulo, deve ater-se à apropriação das novas
tecnologias digitais no campo da produção fonográfica, especificamente para a criação
de novos formatos de distribuição da música e de máquinas (hardware e software)
para a sua produção, a circulação de arquivos de áudio na internet, que abre uma
nova possibilidade de distribuição, divulgação e apropriação musical, e o fator do
crescimento da pirataria dos produtos da indústria da música no mercado brasileiro.
Como essas novas tecnologias permitiram que agentes desse campo pudessem ter
acesso facilitado à produção de qualidade de seus fonogramas e quais as
conseqüências dessa maior democratização no mercado fonográfico.
Descreve-se como se dá a introdução das tecnologias digitais na cadeia de
produção da indústria fonográfica e como possibilitam a profusão de estúdios de
gravação e fabricação de produtos musicais para maior número de músicos,
produtores e pequenas empresas fonográficas, com alta qualidade.
São apresentados o papel da internet e a criação de novos softwares, que
possibilitam a circulação de arquivos de áudio compactados no mundo musical.
Quando surgem essas novas tecnologias e os desdobramentos que podemos
constatar não apenas na internet (troca de arquivos de áudio MP3, web rádios, sites
gratuitos para divulgação de músicas e videoclipes de bandas – myspace, youtube),
mas em outras mídias que se digitalizam ou estão em processo (iPod, celulares, TV
digital).
Nesse sentido, o objetivo específico deste capitulo é traçar um paralelo entre o
surgimento das novas tecnologias digitais, o crescimento da pirataria de fonogramas
no mundo e, especificamente no Brasil, e a volatilidade no lucro das empresas
fonográficas. Como ocorre esse processo, quais são os agentes envolvidos e as
conseqüências dessas transformações para o mercado fonográfico.
59
O conhecimento sobre a tecnologia no mundo da música se faz necessário,
pois possibilita entender como as mudanças decorrentes dessa noção grega de
techné, que remetia à destreza, à habilidade de fazer, mas também de argumentar, de
expressar, de criar e de comunicar, é parte constitutiva dos seres humanos e não
entendida como noção de técnica como aparato, objetivação da techné nas máquinas
ou nos produtos.
Por meio da noção de tecnicidade, de Jesús Martín-Barbero, é possível
entender a técnica como constitutiva, como dimensão imanente de uma visão
antropológica de comunicação.
A experiência de viver em um mundo intermediado por diversas interfaces
entre diferentes meios e espaços de comunicação do consumo e da criação requer um
novo olhar dos estudos culturais.
“O que está aí implícita é a recusa do sentido instrumental de tecnologia tão
desenvolvida nos estudos de comunicação. Pois, no dizer de Martín-Barbero, na
tecnologia está uma nova alheação entre cérebro e informação”.83
O desordenamento no campo cultural, especificamente na produção musical
em nosso estudo, necessita de um estudo reflexivo, que contenha um novo olhar
sobre os objetos de estudo.
[...] Se deve, em grande medida, ao entrelaçamento
cada dia mais denso entre os modos de simbolização e
ritualização do laço social com os modos de operar dos
fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais. O
estouro das fronteiras espaciais e temporais, que eles
introduzem no campo cultural, des-localiza os saberes,
deslegitimando
as
fronteiras
entre
a
razão
e
imaginação, saber e informação, natureza e artifício,
ciência e arte, saber especializado e experiência
profana.
84
Nesse sentido, essa tecnologia digital entendida como a extensão do fazer e do
criar da humanidade coloca, não somente, novos desafios e posicionamentos em
relação aos meios e modos de produção, mas também de apropriação e disseminação
desses produtos.
83
MARTIN-BARBERO, Jesús e REY, Germán. Os exercícios do ver. São Paulo: Senac, 2004,
p. 12.
84
Ibidem, p.18.
60
A sociedade do conhecimento desloca o saber dos seus “templos sagrados” e
abre caminho para que novos agentes atuem, se apropriem e proponham novos
caminhos para a produção em todas as áreas do saber.
Daí que as transformações nos modos como circula o
saber constituam uma das mais profundas mutações
que
uma
sociedade
pode
sofrer.
Disperso
e
fragmentado, é como o saber escapa dos lugares
sagrados, que antes o continham e legitimavam, e das
85
figuras sociais, que o detinham e administravam.
Dessa maneira, pode-se procurar entender quais mudanças se colocam no
campo fonográfico, inserido nesse contexto de desordenamento da produção e
apropriação do conhecimento, nesse mundo fragmentado e de experiências diárias de
desterritorialização de seus participantes.
No próximo item, procura-se elucidar o caminho que a tecnologia,
especialmente a digital, trilha no mundo da música para compreender todas as
mudanças que proporciona no campo fonográfico.
85
MARTIN-BARBERO, Jesús, op. cit., 2004, p. 59.
61
2.1 Tecnologia digital no mundo da música
A comunicação digital nasceu nos laboratórios de pesquisa do telefone. Podese considerar o sistema dot-dash do telégrafo de Samuel Morse, o precursor do código
binário, base dos computadores e do som digital.
O áudio analógico se torna dados digitais por meio da técnica PCM (PulseCoded Modulation), que codifica digitalmente sinais de áudio. Na técnica PCM, o nível
do sinal de áudio é amostrado várias vezes por segundo (usualmente, mais de 44 mil
amostras), e os valores medidos são codificados em números binários, armazenados
numa tabela na memória do equipamento. Existem variações na técnica PCM (linear,
não-linear, ponto-flutuante, diferencial etc.), que não será objeto de detalhamento
neste estudo, pois diferem pela forma como lidam com a quantização dos valores,
como avaliam os níveis que estão entre dois valores da escala de medidas.
O
termo
digital
é
usado
para
designar
uma
representação de uma grandeza em forma numérica
(bits).
Os
equipamentos
digitais
trabalham
com
números, que representam (como códigos) a grandeza
que se quer processar; as alterações desejadas são
feitas
sobre
esses
números,
por
processos
matemáticos e lógicos, e depois os códigos são
reconvertidos para recompor novamente a grandeza
original, já alterada (processada). Exemplo: num
equipamento de áudio
digital, o conversor
A/D
(analógico/digital) transforma a onda sonora numa
sucessão de números, que são armazenados na
memória
digital;
de
posse
desses
números,
o
processador manipula-os adequadamente, até produzir
um resultado desejado, em números, que depois é
convertido novamente em onda sonora, pelo conversor
D/A.
86
O processamento digital traz várias vantagens, dentre elas: diversidade de
processos
de
manipulação
(processamento),
precisão
de
processamento,
possibilidade de armazenamento e cópia sem qualquer perda ou deterioração.
86
RATTON, Miguel. Dicionário de áudio e tecnologia musical. Rio de Janeiro: Música e
Tecnologia, 2004, p. 47.
62
A nova técnica permitiu um avanço enorme na qualidade sonora, com a quase
total eliminação de ruídos, que marcavam presença nos suportes analógicos. A
gravação digital transformou as ondas sonoras em corrente elétrica pulsante, que
poderia ser medida e expressa como código binário de dígitos.
A qualidade digital torna-se notória. A definição e a claridade do áudio
conquistam e mudam nossa relação sensorial com a música. São possíveis inúmeras
mudanças no tratamento do áudio em poucos segundos, como: redução de ruídos,
emendas precisas, seqüência programável de músicas etc.
Apesar da discussão entre os agentes do mercado fonográfico, sempre
recorrente ao surgir uma nova tecnologia, sobre qual formato (analógico ou digital)
seria mais fiel ou retrataria melhor, por exemplo, “os graves da execução dos
instrumentos acústicos”, tecnicamente o sistema digital ganha espaço na cadeia de
produção da indústria fonográfica pelas vantagens econômicas e facilidades na
manipulação de produtos sonoros.
Possibilita que todo acervo de música gravada no sistema analógico se
converta em digital. Melhora a qualidade, cria um acervo moderno e gera lucro para a
indústria fonográfica, que relança inúmeras obras, faturando enormes quantias, sem a
necessidade de investimento em produção e outros encargos de um novo lançamento.
O primeiro protótipo do Compact Disc Player surgiu pela Phillips (Holanda) em
1978. Porém, as vendas de CDs e seus tocadores tiveram início em 1982.
O Compact Disc (CD) torna-se a base material do novo registro sonoro, com
muitas vantagens em relação ao LP e ao cassete. Além da melhor qualidade sonora, o
CD permite a gravação de aproximadamente 74 minutos, contra os 40 minutos do vinil.
Os 12 cm de diâmetro o tornam objeto de mais fácil transporte. O CD player possibilita
ao usuário escolher a ordem das músicas a serem executadas, o que atrai os
consumidores, mesmo que só fossem reproduzidas as faixas musicais (os primeiros
exemplares), e não gravasse como os cassetes.
Essa transição se deu vagarosamente até se tornar o formato dominante.
Segundo Coleman, em 1986 o mercado fonográfico americano vendeu 350 milhões de
cassetes, 110 milhões de LPs e 50 milhões de CDs. Mas, comparando os seis
primeiros meses de 1988 com os seis primeiros meses de 1989: foram vendidos 70.4
milhões de CDs contra 43.4 milhões de LPs em 1988, e 96.8 milhões de CDs contra
17.5 milhões de LPs em 1989.
Essa dinâmica de substituição de tecnologia se espalharia, nos próximos anos,
para além da Europa e Estados Unidos.
63
O mundo digital sonoro, que proporciona a mudança do formato do LP para o
CD, surge da possibilidade de que essa nova tecnologia foi incorporada pelos estúdios
de gravação.
Segundo Gohn, sabe-se que as gravações magnéticas surgem com Graham
Bell entre 1879 e 1885, porém, foram viabilizadas pelo dinamarquês Valdemar
Poulsen, em 1898. E o uso da fita magnética, aperfeiçoado em vários aspectos, foi o
principal sistema de gravação sonoro utilizado até recentemente, quando a gravação
digital se difundiu.
As tecnologias de gravação, inicialmente, eram responsáveis pelo registro da
performance, em mesmo tempo e espaço, dos músicos reunidos em estúdio. O que
condicionava os executantes à perfeição coletiva para a realização do produto
musical.
Com o surgimento da fita magnética, o processo de
gravação foi se tornando cada vez mais dependente de
operações realizadas após o registro do som. Em
primeiro lugar, permitiu que se fizessem edições de
gravações
realizadas
em
diferentes
momentos,
selecionando os melhores trechos de cada take,para
montar a versão definitiva. O próximo passo foi dado
pelo surgimento do overdub – ou overdubbing –,
técnica que possibilita “gravar um novo material, ao
mesmo tempo em que se ouve (sem apagar) o material
já gravado” (Ratton, 2004, p. 108). Em seguida vieram
os gravadores multipistas, ou multitrack,que permitem
que
cada
instrumento
seja
gravado
independentemente. Esta técnica ofereceu uma grande
flexibilidade ao processo de produção, possibilitando
que
várias
decisões,
antes
tomadas
durante
a
gravação, pudessem ser adiadas para outras fases do
processo: a edição, a mixagem e a masterização.
87
Os gravadores analógicos de rolo permitem gravação estéreo em 4, 8, 12 e 24
canais, e assim continua a evolução das mesas de gravação, onde os músicos podem
87
MACEDO, Frederico Alberto Barbosa. O processo de produção musical na indústria
fonográfica: questões técnicas e musicais envolvidas no processo de produção musical em
estúdio. Revista eletrônica de musicologia: Udesc, set. 2007. Disponível em:
<http://www.rem.ufpr.br/REMv11/12/12-macedo-gravacao.html>. Acesso em: jul. 2008.
64
executar seu instrumento separadamente dos outros. Possibilita a fidelidade e o
desempenho perfeitos de cada instrumento, e a repetição da execução inúmeras
vezes, caso seja necessária.
Essa etapa na evolução da indústria fonográfica surge na Segunda Guerra
Mundial.
A gravação em fita de rolo ou tape recording surge na Alemanha nazista, que
estava mais avançada nas pesquisas sonoras e tinha a função militar. O magnetofone
é o primeiro gravador e reprodutor de áudio em fita magnética de alta fidelidade
estéreo. Utilizado como tecnologia de informação e máquina de propaganda, é
encontrado pelas tropas Aliadas, ao final da guerra, em estações militares de rádio.
Um simples pedaço de papel com uma fina camada de aço oxidado reproduzia
o som, assim como o mais avançado sistema de gravação em disco fonográfico.
Nos anos de 1940, as empresas americanas adotam a fita magnética em seus
estúdios de gravação pelas inúmeras vantagens em relação à gravação nos discos de
acetato: gravava 30 minutos ininterruptamente e, logo após, se podia ouvir e editar a
gravação. Erros podiam ser apagados e efeitos incluídos. A música poderia ser mais
bem trabalhada antes que fosse transferida para o disco.88
Durante anos surgiram novas evoluções técnicas nos estúdios de gravação,
mas tendo como base a fita magnética de gravação, que possibilitou o surgimento da
fita cassete e de aparelhos portáteis como o walkman e auto-rádio cassete.
Essas novas plataformas deram origem às primeiras formas significativas de
pirataria de produtos fonográficos. Os gravadores de cassetes permitem às pessoas
criar seus repertórios em suas fitas gravando músicas de LPS, rádios ou dos próprios
cassetes. Mas, não pretendo me alongar sobre esse assunto neste momento.
A tecnologia digital é o próximo passo importante dentro do modo de produção
da indústria fonográfica.
Tem-se como marco importante para a consolidação da tecnologia digital na
produção da indústria fonográfica, o surgimento do protocolo Musical Instrument
Digital Interface (MIDI), em 1982. O MIDI é uma padronização mundial, pois permite
que instrumentos eletrônicos, seqüenciadores e computadores se comuniquem entre
si, compreendendo as informações musicais traduzidas em valores numéricos.89
88
COLEMAN, Mark. Playback, from the victrola to MP3, 100 years of music, machines, and
money. Cambridge: Da Capo Press, 2003, p. 56-58.
89
DE MARCHI, Leonardo. A angústia do formato: uma história dos formatos fonográficos.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Abr.
2005, Disponível em: <http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/29/30>.
Acesso em: jul. 2008.
65
Basicamente, o MIDI é um protocolo de transmissão
serial de dados a uma taxa de 31.250 bits/seg. A
codificação de música em formato MIDI é um processo
bastante econômico em termos de ocupação de
espaço (armazenamento de dados), pois utiliza códigos
numéricos
que
representam
as
ações
musicais
executadas em um instrumento (e não os sons
propriamente). Todo esse processo envolve poucos
códigos
(bytes),
memorizando-se
assim
muita
informação musical (em forma de códigos) em pouco
espaço
no
dispositivo
de
armazenamento
do
computador. Por outro lado, para que se possa
executar uma música codificada em formato MIDI, será
sempre
necessário
um
instrumento
MIDI
(ex.:
sintetizador) que possa reconhecer os códigos e então
recriar as ações musicais originais.
90
O áudio digital introduz gravadores em fita de vídeo como o ADAT e
gravadores digitais de rolo.
Sabe-se que, na década de 1980, a introdução dessa nova tecnologia permitiu
o aparecimento de mais estúdios de gravação que não pertenciam aos grandes
estúdios das majors no Brasil, além de ter possibilitado a entrada, significativa, de uma
cena independente no campo da produção fonográfica.91
Porém, após a profusão de estúdios de pequeno porte no início da década de
1990, pretendo ressaltar as mudanças que possibilitaram a disseminação deles e dos
chamados home studios, que dominam o cenário no final da década e início deste
século XXI no Brasil.
Pode-se dizer que com a introdução de um novo processo de gravação digital,
onde o áudio é gravado diretamente para o disco rígido de um computador (hardware),
através de uma interface (placa) de som e um programa (software), o cenário de
gravação musical sofre mudanças significativas, no que tange à apropriação da
tecnologia por maior número de pessoas, com padrão de qualidade próximo ao dos
grandes estúdios das majors. O micro passa a ser um estúdio de gravação.
90
RATTON, Miguel. Dicionário de áudio e tecnologia musical. Rio de Janeiro: Música e
Tecnologia, 2004, p. 93.
91
Ver o trabalho de OLIVEIRA, Laerte Fernandes de. Em um porão em São Paulo... o Lira
Paulistana e a produção alternativa. Dissertação (Mestrado) – PUC-SP. São Paulo, 1999.
66
De meados da década de 1990 até hoje (2008), inúmeras evoluções
tecnológicas ligadas aos computadores domésticos permitiram que pequenos estúdios
e home studios ganhassem força no cenário fonográfico. Pela própria qualidade
alcançada, graças às novas tecnologias digitais e à profissionalização desses
produtores independentes (alguns, vindos das majors). Esses estúdios de gravação
produzem inúmeros artistas para indies e majors. Um processo de terceirização que
as grandes gravadoras vêm adotando no período.
Esse processo de acesso à tecnologia digital proporciona um grande avanço
para os artistas que iniciam sua carreira e também para os selos independentes.
Nos anos 90 essas “minigravadoras” passaram a ser a
alternativa para, basicamente, dois tipos de artistas:
primeiro para os que queriam gravar seus CDs sem ter
de moldar a sua música de acordo com as tendências
do mercado, optando assim por uma produção menor
mas com maior autonomia no processo de criação e,
em segundo lugar, para os artistas que, mesmo
seguindo tendências do mercado, não conseguiam
assinar contratos com as majors e procuravam os selos
independentes para lançar seus trabalhos na tentativa
de alavancar sua carreiras.
92
Faz-se necessário apresentar algumas dessas ferramentas tecnológicas que
permitem a aparição de inúmeros estúdios de gravação, de alta qualidade, pelo nosso
país.
Os programas de computador (softwares) para gravação de arquivos sonoros
são os grandes responsáveis por essas mudanças no cenário da produção
fonográfica. Permitiram a evolução técnica e o barateamento da produção de alta
qualidade.
Segundo o professor, músico e produtor Sérgio Izecksohn, em entrevista para
a revista especializada em produção musical Backstage:
Primeiro
surgiram
programas
dedicados
exclusivamente à gravação de áudio no hard disk, em
geral com 8 pistas, como o Pro Tools, para o Mac, e o
92
SANCHES, Wilken David. Pirataria no ciberespaço. A indústria fonográfica e as novas
tecnologias. TCC-PUC-SP, orientadora Maria Celeste Mira, São Paulo, 2001, p.10.
67
Session 8, para Windows, ambos da Digidesign. Nos
últimos anos, uma nova opção ganha cada vez mais
força, principalmente nos home studios: os programas
que conjugam gravadores de som e seqüenciadores
MIDI, como o Digital Performer, o Studio Vision (Mac),
o Cubase Audio, o Logic Audio, ambos para Mac e
Windows, e o mais popular de todos, o Cakewalk Pro
Audio (Windows). Com um programa como esses, em
um PC multimídia, o usuário dispõe de um estúdio de
gravação com muitos recursos de edição, junto a um
poderoso
seqüenciador
de
teclados
MIDI.
No
Cakewalk, por exemplo, usando qualquer placa de
som, pode-se gravar, em cada track, um canal de áudio
(voz, instrumento elétrico ou acústico) ou um canal
MIDI de instrumentos eletrônicos. Para isso, basta
selecionar a fonte sonora (MIDI ou áudio) com o
mouse, na coluna apropriada do programa. Os dois
sistemas de gravação, de áudio e MIDI, trabalham
sincronizados e unidos, como se fossem uma única
tecnologia.
No
entanto,
são
dois
sistemas
independentes: um seqüencia (registra e ordena)
informações sobre a performance do músico nos
teclados e baterias eletrônicas, com baixo consumo de
memória, e depende de hardware externo, como
sintetizadores, samplers e bateria eletrônica; o outro é
um gravador de som multipista que usa o HD como
meio, ao invés de uma fita, convertendo os sinais de
áudio em dados digitais, consumindo um grande
espaço em disco.
93
A gravação de áudio multipista no HD do computador ganha força nos anos
1990. Os programas permitiam gravar várias pistas de áudio, mas os hard disks e os
processadores não tinham velocidade suficiente para trabalhar com muitas pistas
simultâneas. Era comum a mixagem dessas pistas ser feita fora do computador, na
mesa de som. O sinal entrava e saía através de interfaces de áudio, que eram bem
caras.
93
IZECKSOHN, Sérgio. Gravação de áudio no computador. Revista Backstage, 1997.
Disponível em: <http://www.homestudio.com.br/artigos/Art006.htm>. Acesso em: jul. 2008.
68
No final da década de 1990, os plug-ins ou programas
acessórios
para
processar
o
áudio
encontraram
computadores com velocidade suficiente para rodar
uma boa quantidade simultânea deles. Foi a senha
para a popularização das mixagens virtuais. Dezenas
de canais de áudio podem ser mixados com ótimos
efeitos, compressores, equalizadores paramétricos,
auto-afinação
de
vozes,
redutores
de
ruídos,
modeladores de imagens estéreo ou surround. Outra
atividade que surgiu e se popularizou foi a dos
restauradores de gravações antigas. Dos toca-discos
ao CD-RW, as músicas passam por receivers, boas
placas de áudio, já bem mais acessíveis, e programas
de edição de áudio e de masterização de CDs,
apoiados por plug-ins para restauração. Produzir
94
coletâneas em CDs virou uma tarefa doméstica.
Como coloca o professor Izeckson, o que antes estava acessível apenas às
grandes empresas do entretenimento, torna-se tarefa doméstica de milhares de
pessoas, por todas as facilidades apresentadas. Mas, outras surgem com o advento
da internet e novas possibilidades de manipulação, distribuição e divulgação de
arquivos sonoros.
Torna-se necessário entender como a música digital começa a fazer parte da
rede mundial de computadores e quais os caminhos percorridos para que a mesma
anuncie um novo cenário de produção, recepção, distribuição e divulgação na
produção musical.
2.2 Ondas digitais: circulação livre de música na web
A possibilidade de converter ondas sonoras em dígitos possibilita o surgimento
de novas máquinas, formatos e suportes que levam os agentes do campo fonográfico
a repensar o processo da cadeia de produção da indústria da música. É preciso
entender quais são as mudanças tecnológicas que influenciam no modo de produzir,
distribuir e divulgar os produtos musicais. Como essas novas ferramentas são
apropriadas pelos agentes do campo fonográfico e de que maneira podem
94
IZECKSOHN, Sérgio. Gravação de áudio no computador. Revista Backstage, 2004.
Disponível em:< http://www.homestudio.com.br/Artigos/Art079.htm>. Acesso em: jul. 2008.
69
proporcionar
um
reposicionamento
dos
mesmos
neste
campo
da
música
industrializada.
Nesse sentido, compartilho da visão do pesquisador Danilo Dantas, ao definir
formato e suporte:
O suporte seria a base física, que, como nos mostrou
McLuhan
(1996)
tem
um
papel
importante
na
configuração da “mensagem”. “Se as estruturas sociais
de recepção estão sempre ativas, essa mesma
atividade não é livre, mas determinada a montante
pelos meios e suportes de transmissão. Não se
conhece técnica intelectual ou informática que não
veicule uma ética, nem que seja profissional e, em
seguida, social” (Debray, 1993, p.78). Já o formato se
dá como uma articulação entre a forma, o meio e o
modo de expressão, ou seja, o suporte, e estabelece
uma relação direta com o campo da recepção. Para
Valverde, “no caso dos produtos da comunicação
mediática, a predisposição do público estará associada
aos hábitos estéticos infundidos por determinados
meios ou tecnologias da expressão, à relação implícita
com outras peças do universo mediático internacional
ou
ao
corte
semiótico
estabelecido
pelo
enquadramento característico de cada formato estético
(a
dimensão
sociotécnica
de
sua
forma
de
apresentação plástica)” (Valverde, 2000). O formato é a
forma em ato, encarnada em seu corpo mediático e
investida de sua vigência midiológica. É o meio pelo
qual as praxes de recepção se transmitem a uma dada
situação receptiva, estabelecendo o quadro necessário
para o desenrolar da experiência estética. “Esse
conceito
(de
formato)
procura
estabelecer
uma
articulação dinâmica entre forma, meio e modo de
expressão, com o campo da recepção” (Valverde,
2000).
95
95
DANTAS, Danilo Fraga. MP3, a morte do álbum e o sonho de liberdade da canção?. ANAIS
do V Enlepicc. Salvador, BA, nov. 2005.
70
Portanto, é importante entender como o surgimento de formatos virtuais (MP3 é
o exemplo mais significativo) muda a relação de produção e consumo dos produtos do
campo fonográfico. Um novo momento em que o suporte físico (LP, cassete, CD, MD)
tem sua centralidade histórica ameaçada pelo surgimento do produto imaterial.
Pela primeira vez na história da produção fonográfica, a música consegue se
descolar de um suporte físico e, ao mesmo tempo, continuar um produto acessível em
escala mundial,96 graças ao advento da tecnologia digital e à rede mundial de
computadores. Um produto conectado às novas demandas, inserido na lógica do
capital ou de “persistência”, em um contexto de desterritorialização de vivências e
pertencimentos.
A possibilidade que os formatos virtuais proporcionam para o armazenamento
em diferentes suportes parece inserir novas relações com o suporte físico em si. Os
dias da coleção de LPs ou CDs, como símbolo de capital cultural para colecionadores,
estariam contados graças à transferência dos arquivos sonoros a vários suportes (HD
para CD, telefone celular, Ipod, pen drive)?
A introdução dos arquivos sonoros digitais na rede mundial de computadores e
no campo da produção fonográfica requer uma reflexão mais aprofundada. Desde o
surgimento dos softwares, que permitiram essa circulação dos arquivos musicais na
internet até as ferramentas e outros suportes engendrados pela a aparição de novos
formatos digitais, principalmente o MP3.
O MPEG Layer 3 é um formato de áudio que reduz o tamanho de arquivos de
áudio a cerca de 1/12 do original, elimina as ondas sonoras não perceptíveis ao ouvido
humano e se traduz em arquivos digitais que podem ser facilmente compartilhados na
internet, visto o aumento progressivo das taxas de velocidade de conexão e a fácil
compressão que permite em relação a outros formatos.
Uma música gravada nos CDs de áudio tradicionais usa o padrão Red Book,
que estipula o tamanho do registro sonoro em 10 megabytes por minuto (em média),
enquanto o MP3 compacta a mesma informação utilizando 1 megabyte (em média). O
que na prática reduz uma música de 4 minutos com 40 MB em 4MB.
O desejo de codificar em bits, áudio e imagem de maneira mais eficiente surge
da capacidade limitada, de aproximadamente 650 MB, que os CDs continham. A
descoberta possibilitaria enormes avanços, entre elas a idéia de criar transmissão
digital para emissoras de TV.
Leonardo Chiariglione, engenheiro eletrônico, doutor pela Universidade de
Tóquio, trabalhava desde 1975 com a transformação de imagens em bits para
96
Aos conectados, como foi proposto por Nestor Garcia Canclini (2005).
71
videoconferência. Em 1988, convocou uma conferência na cidade canadense de
Ottawa, onde especialistas pudessem criar um padrão para a compressão digital de
áudio e vídeo. Surgiu o Moving Pictures Experts Group (Grupo de Especialistas em
Imagens e Movimento) ou MPEG.
Na área de áudio, o Instituto Fraunhofer de Circuitos Integrados (Sul da
Alemanha) era o mais promissor e conduzia um estudo chamado Eureka, EU147 –
Digital Áudio Broadcasting (DAB), em cooperação com a Universidade de Erlanger,
desde 1987.
O trabalho sob o comando do professor Karlheinz Brandenburg levou quase
dez anos para descobrir um método no qual as freqüências sonoras muito baixas,
encobertas por outras, altas demais, fossem eliminadas para a redução do tamanho
do arquivo final. A música Tom’s Dinner, da cantora americana Suzanne Vega, tornouse o arquivo digital para demonstração do novo decodificador de áudio.
Em 6 de novembro de 1992, o mundo veio a conhecer as técnicas de
codificação do grupo MPEG, que permitiria a união de indústrias distintas como
computação, telecomunicações e entretenimento compartilharem vídeo e áudio.
Entre as normas técnicas do padrão MPEG-1 estava
um certo Layer III. Responsável pela codificação de
sons, essa tal camada três era essencialmente fruto do
trabalho desenvolvido pelos alemães liderados por
Brandenburg... Em 14 de julho de 1995, Brandenburg
criou a extensão .MP3 para designar os arquivos
codificados de acordo com as normas MPEG-1 Layer
III. A revolução estava oficialmente batizada.
97
A idéia de unir a música digital e internet vem de dois amigos, Jeff Patterson e
Rob Lord. O último, ex-gerente de loja de discos, estudava Ciência da Computação e
tinha David Huffman, um dos autores da teoria da compressão destrutiva, como
professor. Patterson era músico e queria expandir o som da sua banda pela rede
mundial de computadores.
Lord encontra o Xing Player, um dos primeiros a tocar arquivos comprimidos,
mas ainda anterior ao MP3, e se torna o propagador da difusão da música on-line.
Seus e-mails continham o link para o Xing Player e os dizeres: “Música livre, a
distribuição de música pela internet vai mudar tudo”.
97
TEIXEIRA JR., Sérgio.MP3, a revolução da música digital. São Paulo: Abril, 2002, p. 24.
72
Lord e Patterson lançam o site Internet Underground Music Archive. Um dos
primeiros empreendimentos no ramo da música on-line, mas que não desperta a
atenção da indústria fonográfica. Porém, outro estudante californiano iniciava suas
pesquisas com o arquivo .MP3 e a internet.
David Weekly, estudante de computação da Stanford, ao criar um site
disponibilizando 120 musicas em MP3 recebe cem visitantes por hora, no primeiro dia
de funcionamento. Uma semana depois, sua página é responsável por 80% do tráfego
de dados que saía do campus de Stanford e retira seu site sob a ameaça -- da Geffen
Records -- de violação de direitos autorais. Em fevereiro de 1997, a indústria
fonográfica começa a prestar a devida atenção ao novo fenômeno que se espalhava
pela rede.
O novo arquivo digital coloca em risco o controle que as majors detêm sobre a
produção, distribuição e comercialização do seu principal produto.
Os internautas ficam maravilhados com a nova ferramenta. A qualidade sonora
e a facilidade de codificar e distribuir as músicas em MP3, rapidamente, conquista
milhares de adeptos na rede mundial de computadores, amantes da música e das
novas tecnologias digitais.
A indústria fonográfica percebe que o seu modo de produção estava diante de
uma ameaça que tinha um enorme potencial multiplicador na internet. O monopólio
das majors sobre a distribuição de música em meios massivos sofre um relevante
impacto, devido às possibilidades que as novas tecnologias digitais proporcionam.
Situação inusitada para uma indústria que durante o século XX teve o domínio sobre a
produção e a distribuição de produtos musicais, em escala massiva.
De uma hora para outra, a indústria fonográfica viu-se
ameaçada sob várias frentes. A primeira e mais óbvia é
a perda de vendas. Convertidas para o formato MP3,
todas as músicas gravadas pelos Beatles cabem em
um único CD. Aliás, a versão pirata dessas “obras
completas” dos Beatles foi uma das coqueluches dos
primeiros anos do MP3. Se é possível obter as músicas
de graça na internet, por que comprar um CD na loja?
98
No início, os sites que hospedavam os arquivos .MP3 sofrem ameaças da
RIAA (Recording Industry Association of America), com os dizeres: retire o conteúdo
98
TEIXEIRA JR., op. cit., 2002, p. 35.
73
ilegal ou nos vemos nos tribunais. O que teve certo resultado, haja vista a fácil
localização de um site e seu proprietário.
A procura por músicas na internet demandava tempo, habilidade, certo
conhecimento básico, e um espírito explorador dos internautas. A possibilidade de
encontrar sites bloqueados e arquivos retirados afastava os menos aficionados pelos
meios digitais.
Outros meios de troca foram utilizados como canais de FTP (File Transfer
Protocol), que permitiam uma troca mais rápida dos arquivos.
Mas, é com o surgimento do programa Napster, em junho de 1999, que o MP3
encontra a sua fase de distribuiçao massiva na internet. O novo programa permite que
os usuários encontrem rapidamente os arquivos e “baixe-os” (linguagem informal para
o download de arquivos na internet) rapidamente.
Shawn Fanning era um estudante de Ciências da Computação na Universidade
Northeastern, em Boston, quando resolveu estudar meios para facilitar a busca dos
arquivos na internet. No final de 1998, dedicava mais horas na programacao do seu
software de busca de arquivos e menos à universidade.
Em junho de 1999, Fanning lança a primeira versão do Napster e a distribui a
seus amigos, que logo ficam impressionados com a nova ferramenta e a encaminham
a outros colegas.
O Napster inaugura uma nova fase na troca de arquivos, pois rompe com a
lógica presente naqueles anos, com base em sites e servidores centralizados, onde o
usuário adquire as informações de que necessita.
O software criado por Fanning mudou essa lógica
radicalmente. Em vez de centralizar as músicas MP3
em um único ponto, o Napster funcionava apenas como
um grande índice dos arquivos contidos nas máquinas
de cada um de seus usuários. As transferências
ocorriam diretamente entre os computadores dos
99
internautas.
Graças a esse processo de transferência de arquivos, chamado peer-to-peer
ou P2P (computação entre pares), o mundo da música industrializada entraria numa
nova etapa, pois essa tecnologia abriria novos caminhos de distribuição de seus
produtos. Bastava que os usuários permitissem a troca de arquivos contidos em seus
99
TEIXEIRA JR., op. cit., 2002, p. 50.
74
discos rígidos e estaria pavimentado o caminho para uma nova relação entre produção
– distribuição – consumo.
Após a profusão de estúdios digitais, vista no início do capítulo, que
proporciona a maior número de artistas a produção de produtos musicais de boa
qualidade, o Napster surge como a primeira ferramenta que possibilita a distribuição
de música em larga escala, e gratuitamente.
Segundo Teixeira, o Napster alcançou a audiência de 50 milhões de pessoas,
em pouco mais de um ano e meio. Considerando-se que a rádio levou 38 anos, a TV
aberta 16 anos e a TV por assinatura 10 anos para chegar a esse enorme público.
O encanto pela nova ferramenta conquista os usuários instantaneamente e a
notícia se espalha em “correntes de e-mail”, matérias jornalísticas na internet e grande
mídia massiva. A ferramenta se torna instrumento essencial para os amantes da
música, que podem, com um simples digitar do nome da sua música ou artista
preferido, acessar um número ilimitado da sua produção, quiçá o repertório de toda
uma carreira. Totalmente gratuito e possibilitado por um software de fácil manuseio.
Cria-se uma comunidade digital que pode compartilhar um repertório musical.
No auge do Napster, fevereiro de 2001, o número de usuários é de 1,5 milhão
trocando músicas, simultaneamente. Chega-se à marca de, aproximadamente, 2,79
bilhões de downloads efetuados no mês.100
A idéia de um jovem estudante de computação ganha o ciberespaço, se
espalha como um vírus nos computadores domésticos de usuários do mundo inteiro,
movimenta e conquista a adesão de parcela significativa de usuários, e acende a “luz
de alerta” dos conglomerados internacionais do ramo do entretenimento.
A associação das grandes gravadoras americanas (RIAA) estava a par dos
novos acontecimentos e imediatamente tratou de acionar todos os mecanismos
possíveis para deter -- o que dizia ocorrer -- o desrespeito aos direitos autorais.
Inicialmente, houve o interesse de se fazer um acordo por parte das majors.
Porém, a recusa da empresa de Fanning, o leva à corte judicial americana, em
dezembro de 1999. Acusada de violação de direitos autorais em larga escala.
As grandes gravadoras pressionam os congressistas de Washington D. C., a
corte judicial e seus artistas a testemunharem a seu favor. Napster, já não era o único
software P2P na época, mas era o alvo perfeito pela sua popularidade.
Fanning baseava sua defesa em três pontos.
100
História do enfraquecimento do Napster. Folha de S. Paulo. São Paulo, 11 jul. 2001.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr1107200117.htm>. Acesso em: 15
set. 2008.
75
O primeiro dizia que os consumidores têm direito a um
uso razoável da música que havia comprado. Assim
como o dono de um CD poderia gravar uma fita
cassete para desfrutar da música em seu carro, ele
também poderia fazer uma cópia no computador. O
segundo ponto da defesa afirmava que havia diversos
usos
perfeitamente
legais
para
o
Napster.
Os
advogados invocaram o caso do videocassete, que,
quando lançado pela Sony no começo dos anos 80,
fora acusado pelos estúdios de cinema e pelas
emissoras de TV de promover a pirataria. No fim das
contas, o videocassete tornou-se uma grande fonte de
lucro para a indústria do entretenimento. Por fim,
estava o principal ponto da argumentação: o Napster
em si não era responsável por nenhum ato de pirataria.
Os servidores da empresa não armazenavam nenhuma
música protegida por copyright. Se a propriedade
intelectual alheia estava sendo desrespeitada – e
quanto a isso não restava nenhuma dúvida --, então os
culpados eram os usuários do Napster. Um argumento
capcioso.
101
Nessa batalha, a indústria fonográfica e alguns artistas entram na justiça de
seus países, para proteger seus direitos autorais. O processo movido pela banda
Metallica, que cultivava uma imagem de banda rebelde e independente havia mais de
15 anos, surpreende inúmeros fãs e críticos especializados, que chegam a acusá-los
de se “vender ao sistema”.
Em 13 de abril de 2000, quando o Metallica abriu o
processo, seus advogados afirmaram que a banda
estava
tendo
um
prejuízo
de
mais
de
US$
10.000.000,00. O valor era baseado na quantia pedida
pela Associação das Gravadoras dos EUA (RIAA) no
processo que já vinha movendo contra o Napster, o
equivalente
a
US$100.000,00
por
cada
música
pirateada. Depois do Metallica a comunidade de
101
História do enfraquecimento do Napster, op. cit., 2001, p. 53.
76
músicos em todo o mundo se dividiu, alguns contra,
outros a favor.
102
Em fevereiro de 2001, o Napster é condenado por ser responsável pela
supervisão dos arquivos trocados por seus usuários e obrigado a retirar todo o
conteúdo protegido por copyright. A utilidade essencial está bloqueada.
Depois do investimento no Napster pelo grupo Bertelsmann (dono da major
BMG) e de desentendimentos entre os sócios, a empresa decreta falência e seus bens
e marcas são adquiridos por 5 milhões de dólares pela fabricante de software Roxio,
pois pretendia utilizar a massa de usuários para torná-la uma empresa legal no ramo
do entretenimento digital.
Dez anos após, a idéia do adolescente californiano que revolucionou a
distribuição de música nos meios digitais é adquirida pela grande empresa americana
de eletrônicos Best Buy.
San Francisco, 15 set. (EFE). A cadeia americana de
lojas de eletrônicos Best Buy anunciou hoje que
comprará o site de downloads de música Napster por
US$ 121 milhões a fim de concorrer com iTunes, da
Apple. A Best Buy, um dos principais distribuidores de
CDs nos EUA, tanto em suas lojas como na rede,
pagará US$ 2,65 por cada ação do Napster, quase o
dobro do valor de fechamento dos títulos na sextafeira."É um momento natural e apropriado para que
Napster melhore sua posição na indústria com uma
estratégica aliança de um sócio poderoso", disse Chris
Gorog, executivo-chefe da Napster, em entrevista à
imprensa americana. O Napster nasceu no final dos
anos 90 como um serviço gratuito de downloads de
músicas baseado na troca de arquivos entre seus
usuários. O portal chegou a ser um dos sites mais
populares da internet então, mas acabou fechando por
ordem judicial, após uma batalha legal com a indústria
fonográfica. O novo Napster reabriu anos depois como
102
SANCHES, Wilken David. Pirataria no cberespaço, A indústria fonográfica e as novas
tecnologias. TCC- PUC-SP, orientadora Maria Celeste Mira, São Paulo, 2001, p. 10.
77
um serviço legal de downloads musicais, mas nunca
alcançou a popularidade de iTunes.
103
Mas, a semente da revolução digital estava plantada e motivou outros
programadores a acharem outro meio eficiente para a troca de arquivos na internet.
Um antigo hacker do mundo digital e criador do popular tocador de MP3
Winamp, Justin Frankel, e seu colega de trabalho Tom Pepper desenvolveram um
programa sob licença GPL (GNU General Public License). Um software livre, baseado
no projeto GNU, que tinha como meta garantir algumas liberdades aos usuários como:
a liberdade de executar o programa para qualquer finalidade, sem qualquer tipo de
embargo; liberdade de alterar o programa, para que ele se adapte às suas
necessidades (indispensável que o programa venha com o código fonte); liberdade de
distribuir cópias modificadas para que toda a comunidade possa se beneficiar das
melhorias feitas no programa, e a liberdade de distribuir cópias do programa,
gratuitamente, ou em troca de um pagamento.
O Gnutella parecia ter as mesmas funções do Napster, porém com duas
diferenças essenciais para distribuição da música da internet.
Por ser um software livre, não pertencia a ninguém, sendo Frankel apenas um
colaborador e cliente do programa. Qualquer usuário poderia, por intermédio do
código-fonte, fazer mudanças e distribuí-lo na rede.
Outra diferença está na organização da rede de usuários que não tinham
diretório central, que processava as buscas e colocava os computadores dos usuários
em contato, como o Napster. O servidor central não existe, pois os usuários
conversam entre si diretamente.
Em 13 de março de 2000, o software livre de Frankel estava disponível para
cópias e alterações. Apesar da retirada do programa no dia seguinte por ordem da
empresa Nullsoft, aonde trabalhava, os hackers tinham a posse do invento e
desenvolviam novos softwares de troca de MP3.
O mais novo e difícil desafio surge para as grandes empresas fonográficas.
Para onde iriam apontar suas armas, visto que o inimigo não tem face, se transforma e
se multiplica no espaço virtual desterritorializado?
103
G1 GLOBO.COM. Best Buy adquire Napster por US$ 121 milhões. Disponível em:
<http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL760530-5602,00BEST+BUY+ADQUIRE+NAPSTER+POR+US+MILHOES.html>. Acesso em: 15 set. 2008.
78
Lawrence Lessig, professor de Direito da Universidade
Stanford e uma das maiores autoridades na interseção
entre o direito tradicional e o mundo da internet,
defende a idéia de que, na rede, o software é a lei. O
caso Gnutella é um dos exemplos mais bem-acabados
dessa teoria. O programa não tem dono nem depende
de um ponto central para funcionar. Ou seja, mesmo
que haja alguém ou alguma empresa a quem
responsabilizar num processo, uma eventual vitória
jurídica não pode ser aplicada na prática. Combater os
programas P2P é uma tarefa muito mais complicada do
que a indústria da música poderia imaginar.
104
Um vírus invade o mundo do mercado fonográfico e se espalha rapidamente.
Clones de programas P2P surgem a todo instante. Enquanto a indústria consegue
fechar alguns sistemas, outros surgem ao redor do mundo.
A geração seguinte ganha espaço. Em junho de 2002, o KaZaA tinha 8.3
milhões de usuários e, em uma semana de setembro, o programa é “baixado” 2,75
milhões de vezes.105
Para cada programa que sai da rede, novos surgem a cada momento. Gnutella,
FreeNet, LimeWire, Bearshare, eDonkey, Grokster, Morpheus, Shareaza, Soulseek,
Emule e Ares são descendentes da idéia que afeta significativamente o campo da
produção fonográfica e abre novos caminhos para a produção, distribuição e
divulgação de música.
[...] 9,4 milhões de brasileiros baixam músicas, filmes e
seriados por meio de serviços de P2P e programas de
compartilhamento de arquivos, segundo o Ibope/Net
Ratings. O eMule é o programa mais popular, com
17,2%
de
participação.
RapidShare, com 12,3%.
Em
seguida
aparece
o
106
104
TEIXEIRA JR. Sérgio. MP3, a revolução da música digital. São Paulo: Abril, 2002, p. 57.
COLEMAN, Mark. Playback, from the victrola to MP3, 100 years of music, machines, and
money. Cambridge: Da Capo Press, 2003, p.179.
106
ARRAIS, Daniela. Microcelebridades mudam conceito de fama na internet. Folha de
S.Paulo.
São
Paulo.
Disponível
em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr0705200803.htm>. Acesso em: 17 set. 2008.
105
79
Atentos às mudanças no campo de produção massiva da música no início do
século XXI, pequenos e grandes empreendedores do ramo começam a vislumbrar
novas ferramentas que poderiam trazer maior visibilidade e/ou agregar valor aos seus
produtos.
Webrádios, Myspace, YouTube, Ipod, celulares tornam-se as principais
ferramentas por onde se dariam essas mudanças no campo da produção fonográfica,
em meios digitais.
A idéia de transmitir ondas sonoras, em tempo real, na internet ganha corpo
com o desenvolvimento da mídia streaming (corrente ou fluxo). A tecnologia permite
que o arquivo seja executado à medida que é transferido para o computador do
usuário, o que evita a espera por completar o download, antes de ouvir ou ver o
arquivo.
O Real Áudio é o primeiro player gratuito a disponibilizar a tecnologia em 1995.
Outros programas seriam criados, e evoluíram para a transmissão da imagem, em
tempo real.
A novidade faz com que Gilberto Gil lançasse em dezembro de 1996, por um
desses players, a música Pela internet, em homenagem à rede e ao samba Pelo
telefone de Donga.
A tecnologia de transmissão de áudio e vídeo, em tempo real, adquire
vitalidade, na virada do século, com a evolução da tecnologia streaming, da maior
capacidade de troca de informações (processadores) entre computadores e,
posteriormente, o advento da banda larga.
Windows Media Player, RealPlayer, Winamp e QuickTime se consolidam como
os principais players que permitem a exibição de rádios e programas de TV na
internet. O primeiro, desenvolvido pela Microsoft, é o mais popular entre seus pares.
Segundo dados da BRS Media, empresa especializada
em quantificar webrádios, apenas em termos de Brasil,
esse
tipo
de
empreendimento
apresentou
um
crescimento de 58% em pouco mais de um ano, indo
de 2.934 rádios em dezembro de 1999 para 4.637 em
janeiro de 2001.
107
107
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e
90. Tese (Doutorado) – ECA/USP. São Paulo, 2001, p.39.
80
As webrádios representam, em grande parte, extensão das tradicionais AM/FM.
Mas, abriram canais para pequenos empreendedores, que puderam estabilizar-se nas
ondas da web, sem pertencer a uma rede de comunicação de rádio.
A evolução é tão grande no início deste século, que a operação de rádio via
internet está começando a aparecer nas pesquisas especializadas de opinião do
mercado musical por sua capacidade anunciante.
Já existem pelo menos dois serviços oficiais de
compilação mensal de resultados dos serviços de
rádio virtual, produzidos pelas empresas Arbitron Inc.
e ComScore Networks Inc. Essas empresas estão
monitorando as atividades de outras empresas como
Yahoo!, Microsoft, America Online (AOL) e Virgin
Digital, sendo que esta última já está obtendo lucros
com um serviço de assinatura mensal com 60 canais
de música diferentes produzidos em Los Angeles. A
Clear Channel Inc., que havia abandonado os
negócios na Rede, anunciou que está voltando ao
segmento, produzindo conteúdo inédito para rádio,
exclusivamente para execução na Internet. Outras
empresas como a AudioFeast Inc., também da
Califórnia, estão trabalhando para tornar a rádio virtual
portátil, de forma a permitir aos assinantes realizarem
o download de músicas para seus aparelhos tocaMP3.
108
De acordo com a ComScore (líder global em pesquisa de mercado na internet),
4,1 milhões de pessoas escutavam as três maiores rádios online,109 semanalmente,
nos Estados Unidos, em outubro de 2004. Em março de 2008, o tráfego chega a 61,8
milhões de visitantes no mesmo país. AOL Music lidera com 21,9 milhões de
visitantes, seguida pela Yahoo! Música, com quase 20,8 milhões de visitantes, e Clear
Channel on-line, com 11 milhões de visitantes. Outros aumentos significativos foram
108
GUEIROS JR., Nehemias. A explosão na Webrádio está cada vez mais atraente para
anunciantes.
Consultor
Jurídico.
9
fev.
2005.
Disponível
em:
<http://www.conjur.com.br/static/text/32824,1>. Acesso em: 17 set. 2008.
109
America Online’s AOL® Radio Network; Yahoo!®’s LAUNCHcast,; and Microsoft’s MSN
Radio and WindowsMedia.com
81
experimentados por Pandora.com, Citadel Broadcasting Corporation, Disney e
Música.110
Esse crescimento das rádios on-line fez com que as majors interviessem,
novamente, para defender seus direitos sobre as obras executadas.
Em 2002, o Congresso americano criou a The Copyright Arbitration Royalty
Panel (CARP) para arbitrar as questões relacionadas ao copyright. Em 2004, inicia-se
o processo de regulamentação das leis sobre direitos autorais na internet e
plataformas digitais. Em maio de 2007, entram em vigor as leis que regulam e
determinam a forma de pagamento dos direitos autorais sobre obras divulgadas em
meios digitais.
Rádios on-line como Live365, MTV, Pandora, Shoutcast ficaram em silêncio,
em 26 de junho de 2007, em protesto às severas leis que questionavam a
sobrevivência de milhares de webrádios nos Estados Unidos.
A Pandora, com um milhão de ouvintes diários, se vê obrigada a fazer vários
acordos. Sustenta que proporcionalmente ao lucro, o encargo de taxas é maior para
as webrádios que para as tradicionais.
As majors pressionam a emissora on-line a proibir o acesso de outros países
que não possuam acordos de licença dos direitos autorais.
O problema é que a situação do Pandora pode piorar,
assim como a de outras rádios on-line. O Conselho de
Direitos de Propriedade (Copyright Royalty Board), nos
Estados Unidos, aprovou em março uma medida que
determina às rádios on-line pagar uma taxa aos
detentores de direitos autorais cada vez que uma
música for transmitida a um internauta. Além disso, a
rádio terá que pagar US$ 500 a cada canal que tiver. A
cobrança passa a valer a partir do dia 15 de julho. A
Save
NetRadio
(www.savenetradio.org)
é
uma
campanha criada por empresários do setor para tentar
diminuir o valor da taxa, considerada muito alta por
eles. "O pagamento de royalties está tão alto que vai
110
ComScore Media Metrix Releases Top 50 Web Rankings for March. Disponível em:
<http://www.comscore.com/press/release.asp?press=2180>. Acesso em: 17 set. 2008.
82
quebrar as rádios on-line", diz o porta-voz da
111
campanha Jake Ward.
Dentre as últimas ações das grandes gravadoras, a Warner estampa mais uma
manchete de jornal, em defesa da ameaça da livre circulação de suas músicas na
internet.
A Warner Music e o Last.fm estão em meio a uma briga
para tentar renovar um acordo comercial que permite a
usuários da rede de música ouvir faixas de artistas da
gravadora. Segundo o "Guardian", a Warner retirou seu
catálogo do site sem dar explicação. O jornal diz, ainda,
que a gravadora está frustrada com o acordo, que
oferece baixo rendimento publicitário, se comparado a
112
outras negociações com sites.
Os números sobre a webrádio no Brasil são escassos, mas pelo crescimento
do número de usuários da rede, acima de 40 milhões, e a liderança entre os países
que mais movimentam o fluxo na rede, as ondas digitais abrem novos caminhos para
a circulação da música.
A rádio UOL e rádio Terra são exemplos de investimento no setor por parte dos
grandes conglomerados de comunicação do país. Oferecem vários canais de música
para o usuário e agregam seus produtos para venda em seus sites (canções em MP3,
celulares, pacote de viagens, TV por assinatura etc.). Links com rádios parceiras e
programas em Podcast (ou podcasting).113
As novas tecnologias permitem que pequenos empreendimentos ganhem
espaço na rede. Das muitas que se firmam no cenário, a Radio Rox114 é 100% digital e
111
ARIMA, Kátia. Pandora é bloqueado aos brasileiros. Folha de S.Paulo, São Paulo.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr0905200719.htm>. Acesso em: 17
set. 2008.
112
MATHESON, Kathy. Buscas na rede dão conteúdo para teatro. Folha de S.Paulo. São
Paulo. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr1806200822.htm>. Acesso
em: 17 set. 2008.
113
O podcasting é um sistema de transmissão de arquivos pela Web que permite, para um
ouvinte, receber automaticamente, cada vez que ele se conecta à internet, as novas edições de
um programa de rádio (ou vídeo) sem que ele tenha de visitar a todo o momento o site em que
o programa é produzido. A cada nova edição, o ouvinte é notificado e o programa -- o podcast - é automaticamente baixado em seu computador.
114
<www.radiorox.net>. Rádio on-line de que pude participar como locutor, durante seis meses,
com o programa MPB on the Rox.
83
se mantém nas ondas digitais desde 2004, em parcerias e investimento pessoal do
fundador Fernando Telles.
Como Telles, vários outros pequenos empreendedores investem nesse novo
caminho das ondas digitais via rádio on-line, graças ao baixo custo de se manter um
canal de comunicação digital. Visto que ainda não há o mesmo rigor das leis, em meio
digital, como nos Estados Unidos.
Retomando os canais digitais apresentados no Capítulo 1, os sites como o
MySpace e Trama Virtual são responsáveis pela maior exposição de novas bandas na
internet. São sites que permitem que o usuário construa a sua página inserindo o
histórico, as músicas em MP3, blog, agenda de shows, fotos e vídeos de sua banda
gratuitamente.
O MySpace surgiu em 2004, nos Estados Unidos. É uma das maiores redes
sociais na internet do Estados Unidos e do mundo, com mais de 110 milhões de
usuários.115 Inclui um sistema interno de e-mail, fóruns e grupos. A
crescente
popularidade do site, e sua habilidade em hospedar MP3s, fez com que muitas bandas
e músicos se registrassem, algumas vezes tornando suas páginas de perfil em site
oficial.
A News Corporation (conglomerado FOX) comprou a empresa por US$ 580
milhões em julho de 2005. Mantém o serviço gratuito e atrai a cada dia mais usuários,
sejam músicos ou pessoas que pretendem ter um perfil num site de relacionamento.
O canal, que inicialmente abrigava as novas bandas independentes, ganhou
tanta expressão, que os grandes nomes do mainstream se viram “obrigados” a criar
seus perfis, dada a possibilidade de maior visibilidade entre fãs e colegas “menos
famosos”, que consagraram o local como ponto de encontro dos músicos do mundo
inteiro.
Segundo a pesquisa da ComScore, em junho de 2008, o MySpace possuía
117,6 milhões de internautas que utilizavam seus serviços. O maior site de
relacionamento dos Estados Unidos, Facebook, possui 132,1 milhões.
O site brasileiro Trama Virtual segue os mesmos moldes do MySpace. Criado
em 2004, pela gravadora independente Trama, permite as mesmas comodidades para
as bandas da cena indie nacional, possui 949 mil usuários cadastrados, 56 mil
bandas/artistas, média de 7 milhões de pageviews (último trimestre de 2007) e tem um
sistema de remuneração para as bandas.
115
AGÊNCIA INTERNACIONAL. Jovens preferem MySpace à televisão, diz pesquisa.
Tecnologia,
O
Estado
de
S.
Paulo,
São
Paulo.
Disponível
em:
<http://www.estadao.com.br/tecnologia/not_tec105473,0.htm>. Acesso em: 28 abr. 2007.
84
Em vez de se basear na divisão das receitas geradas
pela publicidade com os artistas, como faz o Jamendo,
outra plataforma de música livre on-line, o modelo da
Trama Virtual assenta na cedência de uma verba
mensal por parte de empresas parceiras. Esse
montante será dividido pelos artistas tendo em conta
todos os downloads realizados durante o período. A
partir do momento em que o artista acumular 50 reais
(cerca de 20 euros) ele pode levantar o seu dinheiro. É
claro que este modelo deve implicar uma forma de
publicidade ou posicionamento comercial, agora não
sabemos ao certo, pois os responsáveis não adiantam
116
pormenores.
Outra ferramenta que abre novos caminhos para a música neste início de
século XXI é o YouTube. Criado em fevereiro de 2005, o site permite que o usuário
disponibilize e assista, gratuitamente, a vídeos digitais.
Os empregados da PayPal ofereceram uma ferramenta que, rapidamente,
cairia na graça dos usuários e abriria mais um caminho no mundo digital para
divulgação de programas de TV, cinema, documentários e, é claro, clipes musicais.
Como o ocorrido com outras novas ferramentas digitais relatadas neste
trabalho, o gigante site de buscas Google arremata a idéia por US$ 1,65 bilhão, em 13
de novembro de 2006. Mais de 79 milhões de usuários assistem a 3 bilhões de vídeos,
somente em janeiro de 2008, segundo site da CNN.117
Todos esses softwares criados neste início de século XXI permitem que os
arquivos de áudio circulem entre usuários e produtores. Percebe-se, claramente, a
iniciativa de pequenos empreendedores na busca pela maior facilidade no fluxo de
troca dessas informações digitais (áudio e vídeo). Mas, o crescimento da circulação da
música digital gera outra demanda. Como se apropriar desse produto imaterial na era
da portabilidade digital?
116
DOWNLOAD REMUNERADO. Disponível em: http://downloadremunerado.uol.com.br.
Acesso em: 17 set. 2008.
117
YEN,
Yi-Wyn.
YouTube
looks
for
the
money
clip.
Disponível
em:
http://techland.blogs.fortune.cnn.com/2008/03/25/youtube-looks-for-the-money-clip. Acesso em:
17 set. 2008.
85
A criação de um novo suporte gera a necessidade de criar novos hardwares.
Assim como o walkman para o cassete, O discman para o CD, surge o tocador de
MP3, em que o Ipod da Apple torna-se referência entre vários modelos que surgem.
É preciso destacar que, dentre vários compressores de áudio que aparecem,
torna-se padrão o MP3, por sua popularidade na rede. O compressor AAC, por
exemplo, apesar de oferecer arquivos menores, melhor qualidade de som e controle
de cópias, não se firma no cenário da música digital. Segundo Teixeira Jr.,
[...] Uma vez atingida uma certa massa crítica de
usuários, desbancar o formato vencedor é praticamente
impossível – e isso a indústria da música descobriria de
forma amarga ao longo do ano de 1999.
118
Não só ao longo daquele ano, pois o MP3 ganha a simpatia dos usuários pela
liberdade que engendra sua essência. Torna-se o pesadelo das majors que tentarão
criar meios para restringir a cópia dos seus produtos. Porém, este assunto será tratado
no próximo item.
Dentre os tocadores, o primeiro a surgir foi o MPMan-F10, da fabricante
coreana de dispositivos eletrônicos Saehan. Um player portátil que contava com 32
MB de memória Flash (expandida até 64MB). A gradiente lançou o produto com o
nome de Gradiente MPMan no Brasil.
Logo após surgiu o modelo norte-americano da Diamond Multimedia Systems.
Uma pequena empresa californiana que lançou o player RIO, em 1998. Com
capacidade de armazenar uma hora de música no formato MP3 (codificada a 64 kbps)
na versão 32MB.
A novidade assusta os guardiões do direito autoral nos Estados Unidos, pela
sua capacidade, simplicidade e funcionalidade. O Rio não tem partes móveis, como
motores ou engrenagens. Todo o funcionamento é eletrônico, possui dimensões
reduzidas (tamanho de um Pager da época) e utiliza apenas uma pilha pequena com
autonomia de 12 horas de funcionamento.
Players surgem como o Nomad da Creative Labs, o Samsung yepp, o Empeg
(um player para automóveis), entre outros. Atualmente, os tocadores possuem rádio
FM, gravador de voz, equalizador configurável, relógio com cronômetro, e guardam
dados de vários formatos digitais.
118
TEIXEIRA JR, Sérgio. op. cit. 2002, p.52.
86
Dentre esses, o Ipod da Apple se firma como tocador/padrão vencedor, pelas
facilidades e números surpreendentes em vendas.
O primeiro modelo (primeira geração) foi lançado em 23 de outubro de 2001.
Com capacidade de 5 GB e ao custo de US$ 399,00, logo se mostra um sucesso de
vendas, ultrapassando outros players como Nomad Jukebox. Seu design inovador
com a roda de rolagem e apenas quatro botões em volta (Menu, Play/Pause, Back e
Forward) vira sua característica essencial e marca da sua praticidade. Inicialmente,
projetado para somente trocar arquivos com plataformas Macintosh.
119
Primeiro modelo, com roda de rolagem mecânica.
No decorrer dos últimos anos, as novas gerações do player de Steve Jobs120
têm expandido a sua capacidade de armazenamento de dados, flexibilidade com
outras plataformas (Windows), pastas para gerenciamento das músicas, novos
modelos como o Ipod mini, Ipod Photo (mostra fotos na tela em vários formatos:
JPEG, BMP, GIF, TIFF e PNG), comporta vídeos digitais (como seriados de TV: Lost,
Desperate Housewives), torna-se componente acoplável ao equipamento de som de
automóveis (contrato com Mercedes Benz), Ipod nano, Ipod shuffle, possibilita jogar
games eletrônicos e vira extensão no produto Iphone.
Os mais recentes têm capacidade de até 160 Gigabytes, e compatível com os
seguintes formatos de áudio: AAC (16 a 320 Kbps), Protected AAC (da loja para
119
120
Veja a evolução dos modelos no anexo.
CEO da Apple.
87
iTunes na Apple.com), MP3 (16 a 320 Kbps), MP3 VBR, Audible (formats 2, 3, e 4),
Apple Lossless, AIFF, e WAV e vídeo compatível com os seguintes formatos de vídeo:
H.264 video, até 1.5 Mbps, 640 x 480 pixels, 30 quadros por segundo, versão LowComplexity do H.264 perfil de linha-base com áudio AAC-LC até 160 Kbps, 48kHz,
áudio estéreo em .m4v, .mp4, e formato .mov; video H.264, até 2.5 Mbps, 640 x 480
pixels, 30 quadros por segundo perfil de linha base até nível 3.0 com AAC-LC áudio
até 160 Kbps, 48kHz, estéreo .m4v, .mp4, e fomato .mov; MPEG-4 video, até 2.5
Mbps, 640 x 480 pixels, 30 quadros por segundo, Perfil simples com AAC-LC áudio até
160 Kbps, 48kHz, estéreo .m4v, .mp4, e .mov .
iPod nano, de terceira geração
A Apple supriu a demanda pelos tocadores e criou seu próprio site de vendas
de música pela internet. Manteve o vínculo pela tecnologia de encriptação acoplada
aos arquivos AAC vendidos na loja ITunes. Usando seu sistema FairPlay de modo que
apenas computadores autorizados possam reproduzi-los. É desnecessário dizer que
hackers criaram maneiras de burlar o sistema de proteção do Ipod.
Mas, Steve Jobs, com sua enorme carteira de clientes, soube aproveitar a
demanda e faturar milhões vendendo o tocador de MP3 e músicas no seu site.
Michael Hirschorn, ex-vice-presidente executivo da VH1, em depoimento à
Folha de S.Paulo, analisa os negócios da Apple.
Um exemplo clássico seria a maneira como Steve Jobs
[principal executivo da Apple] transformou a indústria
fonográfica em refém e praticamente a destruiu. As
grandes gravadoras, ao concederem à Apple o direito
de vender faixas individuais por US$ 0,99, solaparam o
88
modelo de negócios que as sustentava -- vender
grupos de canções unidas em um produto chamado
"álbum", por até US$ 20 a unidade. O que elas não
perceberam foi o fato de que as pessoas estavam
prontas para começar a consumir música de maneira
inteiramente nova. As gravadoras viam o iTunes como
uma maneira de ganhar dinheiro sem despesas -como uma fonte "subsidiária" de receita, no sentido
legal do termo. Jobs tomou essas canções baratas e as
vendeu abaixo do preço, como forma de estimular a
compra dos dispendiosos iPods fabricados por sua
empresa, e o setor de música, em sua forma
tradicional, agora está despedaçado [...]. O modelo que
o iTunes criou no setor de música e o modelo do
download ilegal representaram um salto quântico em
termos de satisfação dos consumidores, diante dos
modelos anteriormente existentes: tornou-se possível
pagar apenas pelas canções realmente desejadas (ou
obtê-las sem pagar coisa nenhuma!). Além disso, o
método
oferecia
um
sistema
de
armazenagem
conveniente, que permitia dispensar todas aquelas
121
caixas quebradas de CDs.
Nas palavras do ex-vice-presidente de um dos maiores canais de videoclipes
do mundo, nota-se a percepção de que as novas tecnologias mudam o modo de
consumo – produção – distribuição dos produtos musicais entre os agentes do campo
fonográfico em estudo (produtores) e consumidores.
Dentre as novas tecnologias, o telefone celular é o mais novo candidato a se
tornar outro importante hardware para o suporte, o consumo e a distribuição de música
em meios digitais.
Em entrevista a um jornal alemão, em maio de 2005, o “visionário” da
computação Bill Gates opinou sobre o futuro dos tocadores de MP3 e celulares.
Afirmou que os telefones celulares devem ocupar o lugar dos toca-MP3 e classifica a
popularidade do iPod, acessório da Apple, como "insustentável".
121
HIRSCHORN, Michael. A revolução será televisionada. Caderno +Mais!. Folha de S.Paulo.
São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0903200817.htm>. Acesso
em 17 set. 2008.
89
Você
pode
fazer
comparações
utilizando
os
computadores. A Apple era muito forte antes, com o
Macintosh, mas enfraqueceu, disse o presidente da
Microsoft, segundo a agência de notícias Reuters. "Se
você me perguntasse qual o melhor equipamento
móvel para ouvir música, eu diria telefone celular, com
toda a certeza", continuou Gates.
122
Os novos celulares comportam vários minutos de música. Os usuários têm a
possibilidade de compra pelas operadoras, mas também de criar seu próprio repertório
através de compartilhamento com o HD do seu computador ou de um celular qualquer,
por transmissão de dados via tecnologia Bluetooth.
Ao contrário do que Gates pensava, parece que desta vez seu antigo rival
Steve Jobs estava atento à corrida pelo desenvolvimento da tecnologia. E surgiu o
iPhone. Um smartphone desenvolvido pela Apple Inc., com funções de iPod, câmera
digital e internet. Ele também oferece serviços de internet, como e-mail, mensagens de
texto, navegador internet, visual voicemail e conexão Wi-Fi local. A interação com o
usuário é realizada por meio de uma tela sensível ao toque. O iPhone foi lançado no
dia 29 de junho de 2007, nos Estados Unidos. Steve Jobs, numa comunicação feita no
evento MacWorld, em São Francisco (EUA), confirmou que até janeiro de 2008 tinham
sido vendidos quatro milhões de iPhones.
122
Para Bill Gates, celulares devem ocupar espaço de toca-MP3. Folha Online. 12 mai. 2005.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u18469.shtml. acesso em:
17 set. 2008
90
Apple iPhone
As
novas
tecnologias
abriram
caminho
para
que
novos
meios
de
compartilhamento de música surgissem e possibilitassem um novo modo de se
relacionar com as questões que envolvem produção – consumo – distribuição de
música.
No próximo item, pretende-se abordar o crescimento da pirataria de
fonogramas no mundo, especificamente no Brasil, e a volatilidade no lucro das
empresas fonográficas. Como se dá esse processo, quais são os agentes envolvidos e
as conseqüências dessas transformações para o mercado fonográfico.
91
2. 3. Pirataria, majors e indies
A palavra pirataria deriva do termo grego πειράω, que signifca "tentar,
assaltar”. Em princípio, remete nossos pensamentos a tempos remotos. Lembra-nos
dos guerreiros vikings ou dos famosos piratas do Caribe, retratados até em filmes da
Disney, que tinham como finalidade pilhar as riquezas alheias.
Atualmente, o termo é utilizado para se referir a cópia não-autorizada e à
distribuição ilegal de material sob direito autoral, especialmente música, imagem,
vestuário e software.
Relatos afirmam que a pirataria moderna deu-se com a Revolução Industrial,
em que as primeiras máquinas têxteis patenteadas na Inglaterra foram copiadas e
fabricadas nos Estados Unidos sem qualquer consideração ou pagamento aos
inventores ingleses.
Com o passar dos anos, a pirataria se expandiu para vários setores da
economia (farmacêutico, bebidas, fumo, calçados, ótica, relógios e jóias, entre outros).
Pretende-se analisar como a pirataria moderna afeta a economia legal no ramo
da música massiva e quais as conseqüências para majors e indies nesse início de
século XXI.
Faz-se necessário ressaltar que as novas tecnologias digitais abriram novos
caminhos para a produção – distribuição – consumo da música nos últimos dez anos.
Porém, não se deve afirmar que as novas tecnologias digitais, em si, carregam o cerne
da pirataria moderna.
Nesse sentido, desde o início do desenvolvimento de softwares para produção
e compartilhamento de música existe o plano de utilização dessas ferramentas sob
novos tipos de licenças.
Sabe-se que o nascedouro desses novos planos data da década de 1970.
Porém, foi nos anos de 1980 que o movimento se consolidou.
Em 1985, é fundada a FSF (Free Software Foundation)
uma instituição sem fins lucrativos com o objetivo de
captar
recursos,
estimular
o
desenvolvimento
e
disseminar o uso do software livre, além de dar
respaldo jurídico aos seus desenvolvedores. Nesse
momento, o conceito de software livre consolida-se [...]
segundo a qual, para que um programa de computador
92
possa ser definido como um software livre ele deverá
garantir
ao
usuário quatro liberdades,
a saber:
liberdade de executar o programa para qualquer
finalidade, sem qualquer tipo de embargo; liberdade de
alterar o programa, para que ele se adapte às suas
necessidades.
(Para
que
esta
liberdade
seja
assegurada, é indispensável que o programa venha
acompanhado do seu código fonte); liberdade de
distribuir cópias do programa, gratuitamente, ou em
troca de um pagamento; liberdade de distribuir cópias
modificadas para que toda a comunidade possa se
123
beneficiar das melhorias feitas no programa.
Surgem, dessas iniciativas, idéias de licenciamentos copyleft e Creative
Commons.
O copyleft é um trocadilho com o copyright (licença que protege e garante
todos os direitos àquele que dela for detentor). O copyleft permite a cópia e a
manipulação da obra, já que o autor opta por “alguns ou nenhum direito reservado”.
Como juridicamente não existe, os autores registram suas obras como copyright, para
que os usuários tenham o direito de usar o produto para qualquer fim.
A Creative Commons é uma empresa sem fins lucrativos, que tem o obejtivo de
construir uma camada de copyright racional. Uma proteção de alguns direitos, mas
que se distancia de opostos como “todos os direitos reservados” ou “nenhum direito
reservado”.
Para isso, a Creative Commons criou uma série de
licenças, a princípio voltadas para trabalhos artísticos e
científicos ou que sejam passíveis de proteção pelas
leis de direito de autor; em cada uma delas, é possível
atribuir um nível de liberdade aos usuários. Tomemos
como exemplo um arquivo de música: caso ele seja
distribuído sob uma licença Creative Commons, o autor
poderá especificar cada um dos seus direitos, que
124
estão sendo previamente liberados ao consumidor.
123
SANCHES, Wilken David. O movimento de software livre e a produção colaborativa do
conhecimento. Tese (Mestrado) - Ciências Sociais/PUC-SP. São Paulo, 2007, p. 22.
124
SANCHES, W. D., op. cit., 2007, p. 103.
93
Delimitadas essas novas licenças, pode-se entender melhor o desenrolar da
complexidade que as novas tecnologias introduzem no campo de produção massiva
da música. Questões que permeiam os próximos itens, no decorrer desta dissertação,
e ajudam a compreender o que é pirataria para os agentes do campo.
A pirataria para as grandes gravadoras constitui-se de tudo aquilo que não
respeita a licença de uso sob direito autoral. Portanto, percebe-se que a indústria
fonográfica sofre enormes conseqüências com a cópia não-autorizada e a distribuição
ilegal de seus produtos na década analisada, 1998-2008.
Nesses anos, inúmeras reportagens e dados estatísticos foram relatados para
mostrar a dimensão das mudanças que ocorreram no mercado da música massiva
brasileiro. Abaixo a década de 1990 e o início da queda na lucratividade em 1997/98.
Unidades vendidas, em
Faturamento*, em
milhões
milhões de US$
1991
45
399,7
1992
32,1
284,1
1993
44,2
449,5
1994
63,1
804,6
1995
75
1.005,2
1996
99,8
1.318,2
1997
107,9
1.275,1
1998
105,3
1.171,7
1999
96,9
668,4
2000
104,2
724,4
*Fonte: ABPD (valores reportados pelas maiores companhias fonográficas operantes no país à
ABPD).
Após um período de grande lucratividade, em que o plano real é fator
importante no poder aquisitivo da população, nota-se uma queda expressiva nas
vendas de CDs, mas principalmente do faturamento das grandes empresas
fonográficas no final da década de 1990.
Os motivos estavam claros para os grandes industriais da música e suas
pesquisas apontam a pirataria como fator principal.
94
Entre 1997 e 2001, a comercialização de produtos não-autorizados cresce de
forma impressionante.
Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de
Discos – ABPD, a pirataria ocupava 3% do mercado
em 1997, 30% em 1998 e hoje representa quase 70%
do mercado nacional. 50% só de CDs e 100% do
mercado de fitas cassetes. A indústria fonográfica
brasileira perdeu o mercado de fitas cassetes, pois
como Marcos Maynard, presidente da Abril Music,
disse: “Isso é normal acontecer no mundo inteiro.
Historicamente, o produto brasileiro era o vinil. O
cassete era subproduto. Com o advento do CD, o
produto nobre e, por conseqüência, o subproduto
125
desapareceram”.
Para alcançar um nível equivalente ao do mercado dominado pelas
gravadoras, a polícia identifica pelo menos duas máfias ligadas à comercialização de
CDs ilegais: a chinesa e a libanesa. Mas, por outro lado, há também, em menor
quantidade, a atuação daqueles que têm um computador e fazem tudo, da produção à
comercialização.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, em julho de 2001, os representantes das
grandes gravadoras e integrantes da ABPD falam sobre os piratas.126
Folha - Quem são os piratas? Niemeyer - (Silêncio)
Quem são os piratas? Boa pergunta. Se a gente
soubesse. Maynard - Se aqueles dois mil estivessem
presos, a gente saberia quem são os piratas. Niemeyer
- Há quadrilhas, há a máfia chinesa, coreana... Reis - É
o mesmo que perguntar quem são os traficantes. Há
traficante pequenininho, há megatraficante, tudo. É
crime. Deve-se falar das gravadoras? Se alguém
roubar as cadeiras dessa sala provavelmente vai ser
preso. Mas pode roubar obra e não vai acontecer nada.
125
SÁ, Cláudio. A indústria fonográfica brasileira neste início de século XXI: a consolidação, o
funcionamento e os novos movimentos. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – PUCSP. São Paulo, 2002.
126
Participaram da entrevista os presidentes Aloysio Reis, 47, da EMI/Virgin, José Antonio
Eboli, 45, da Sony, Marcos Maynard, 49, da Abril Music, e Luiz Oscar Niemeyer, 45, da BMG, e
o diretor-geral da ABPD, Márcio Gonçalves, 29.
95
O fato mais grave e mais importante disso tudo é que
duas mil pessoas foram detidas e não há nenhuma na
cadeia. Niemeyer - Um dono de fábrica no Paraná
fazia 3 milhões de cassetes por mês. Teve a fábrica
fechada pela Polícia Federal, tudo foi apreendido, todo
mundo foi preso. Não aconteceu nada. Gonçalves Ele foi indiciado por vários crimes: sonegação fiscal,
lavagem de dinheiro, formação de quadrilha... E o cara
está na rua.
127
Dados e pesquisas realizados pelas majors na virada do século XXI, não só no
Brasil, mas em várias partes do mundo, confirmam o novo cenário para a indústria
fonográfica. O que se configura é uma indústria paralela de produtos piratas, em
países onde a fiscalização é leniente. Apesar de a distribuição de arquivos de áudio
pela internet ser um fator crescente na Europa e América do Norte, a pirataria do
suporte físico em outros países é que traz mais prejuízo à indústria da música.
No Brasil, a principal luta da indústria fonográfica é contra a falsificação de CDs
em grande escala. Em fevereiro de 2002, o diretor da ABPD teceu comentário sobre a
preocupação das majors em território nacional.
“Márcio Gonçalves, diretor-geral da ABPD, concorda
com o raciocínio: ‘o garoto que tem um equipamento de
gravar CD em casa obviamente está cometendo uma
infração de direitos autorais, mas isso não é crime, não
é pirataria no sentido que a gente fala. Para nós,
pirataria é quando a cópia visa ao lucro”.
128
Nota-se que a indústria fonográfica brasileira aponta suas armas contra o
comércio ilegal do seu produto em suporte físico, visto que o acesso à internet na casa
do usuário de banda larga ainda era restrito a uma pequena parcela da população
brasileira na época.
127
SANCHES, Pedro Alexandre. Indústria fonográfica reclama da pirataria e prevê extinção do
mercado.
Folha
de
S.
Paulo.
São
Paulo.
Disponível
em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u15826.shtml>. Acesso em: 17 set. 2008.
128
MENA, Fernanda & WERNECK, Guilherme. Folha de S.Paulo, 18 fev. 2002.
96
1º
China
600
Índice de
Pirataria
(unidades CDs e
Cassetes)
90%
2º
Brasil
300
70%
3º
Rússia
240
65%
4º
México
220
65%
5º
Itália
180
25%
6º
Paraguai
110
95%
7º
Taiwan
100
45%
8º
Indonésia
65
55%
9º
Malásia
40
65%
10º
Grécia
40
50%
Ranking
Pirataria
(em US$ milhões)
País
Quadro da pirataria no mundo em 2001. Fonte: IFPI
Sejam as grandes máfias internacionais ou de pequenos produtores
“artesanais”, o fato é que o barateamento das tecnologias digitais permite que com
computadores domésticos e gravadores de CD, a fabricação de CDs se torne um
processo viável a qualquer pessoa que esteja familiarizada com a informática.
Segundo Gilberto Teixeira, investigador-chefe da 1ª Delegacia de Propriedade
e Material, do Departamento Estadual de Investigações sobre Crime Organizado
(DEIC), criada em novembro de 2001 para combater a pirataria, são apreendidos
cerca de 10 mil CDs falsificados por dia, mas esta atuação não tem inibido
falsificadores ou camelôs.
Em entrevista, o camelô afirma: “A polícia já me levou uma pá de vezes. Só
que eles levam 100 CDs e, no dia seguinte, estou lá de novo com 200”, diz João
(nome fictício), 34, que trabalha há cinco anos como vendedor de discos piratas.129
Outro problema é que a relação de alguns policiais, e das próprias pessoas que
trabalham dentro das grandes gravadoras, não é das mais idôneas.
“João conta que marcou todos os seus CDs com um
carimbo personalizado e, uma semana depois de eles
serem apreendidos, ele os encontrou à venda em outra
banca na Santa Ifigênia. A verdade é que os fiscais
129
MENA, F. e WERNECK, G. Op. cit., 2002.
97
apreendem para vender de novo. ‘Eles fazem a
máquina girar’, diz. ‘Piratear é fácil demais. Existe
gente infiltrada nas próprias gravadoras e recebemos
os lançamentos antes das lojas’, revela José”
130
.
No decorrer da década de 2000, a fiscalização nas ruas e o combate à pirataria
na internet se intensificaram, acompanhadas de debates no Congresso Nacional e de
campanhas publicitárias em rádio e TV.
Combate à pirataria na internet /operações de rua - Anos 2000
Apreensões
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Páginas
3.766
8.897
9.708
8.782
4.125
2.282
2.785
8.694
9.458
8.687
4.113
2.277
Notificadas
Páginas
Removidas
Apreensões
CDs gravados
CDs virgens
Drivers de
2000
2001
2002
2003
2004
2005
3.223.295
2.976.217
3.783.535
5.686.253
3.473.371
4.117.104
122.165
315.643
8.649.590
11.455.421
12.168.818
17.215.590
280
691
847
4.883
8.238
21.092
1.348
1.213
1.264
1.060
1.064
1.638
s/registro
8
58
142
149
205
gravação
Pessoas
averiguadas
Presos
Fonte: APDIF
De acordo com a ABPD, em 2001, o prejuízo causado pelos piratas foi de
cerca de US$ 300 milhões às gravadoras e de aproximadamente US$ 150 milhões ao
governo, apenas com sonegação de imposto.131
No decorrer da década ocorreram sucessivas reestruturações e fusões de
empresas. Como vimos na Introdução deste trabalho, em 1998, as sete maiores
130
131
Ibidem.
MENA, F. e WERNECK, G., op. cit., 2002.
98
empresas do setor fonográfico atuantes no mercado brasileiro eram: a CBS, a RCA –
Ariola, a Polygram, a WEA, EMI – Odeon e a Som Livre. O quadro atual (2008) mostra
a fusão da BMG–Ariola (ex-RCA–Ariola) com a Sony Music: SonyBMG, a Universal
(que já atuava nas áreas de cinema e música) com a Polygram (ex-braço produtor de
música da Phillips): Universal Music, EMI e Warner Music (WEA).
O jornalista J. Medeiros, de O Estado de S.Paulo, mostra uma dessas
reestruturações que ocorreram dentro da indústria fonográfica brasileira.
A EMI é uma das gigantes do mercado que atravessa
um período turbulento. Já demitiu 1.800 funcionários no
mundo todo (25 demitidos no Brasil). Entre os artistas,
”dançaram” Fat Family, Kleyton e Camargo e Pepê e
Neném, entre outros. A Sony Music rescindiu contratos
de promessas da música nacional, como Mestre
Ambrósio. A Abril demitiu o Mundo Livre S/A. A
Universal deu cartão vermelho para o cantor mineiro
Wilson Sideral.
132
Em 5 de fevereiro de 2003, uma tradicional empresa do setor editorial, que
apostou no mercado fonográfico no final da década passada, o Grupo Abril, anunciou
o fim de seu braço musical, a gravadora Abril Music, após quatro anos de atividades.
"Em quatro anos de operação, a Abril Music conseguiu
ótimos
resultados.”
Segundo
o
vice-presidente
superintendente da Unidade de Negócios Jovem,
Giancarlo
Civita:
“Esse
mercado,
dominado
pelas
multinacionais
e
entretanto,
é
extremamente
competitivo e, para complicar a situação, a pirataria na
indústria fonográfica já ultrapassa 50%”.
133
Segundo balanço publicado pela Federação Internacional da Indústria
Fonográfica (IFPI), o mercado musical mundial encolheu 6,5% em unidades vendidas
e 5% em faturamento no ano de 2001. O Brasil, país da música, desempenhou papel
de ponta no fenômeno. Despencou de sétimo mercado mundial para 12º, acumulando
132
133
MEDEIROS, Jotabê. O Estado de S.Paulo, 8 abr. 2002.
COELHO, Luciana. Folha Online. 5 fev. 2003.
99
queda livre de 25% em unidades vendidas e faturamento. Nos EUA, as perdas foram
de 9,4% em unidades e 4,5% em dólares, segundo a ABPD.134
A indústria fonográfica chegou ao início do século XXI, depois de ter se
consolidado no mundo inteiro, atingindo grandes períodos de expansão, tendo que se
deparar com aquilo que proporcionou sua evolução e qualidade em seus produtos e
que também engendrou sua própria tempestade: a tecnologia. A tecnologia que
permite o acesso de mais pessoas aos processos de criação e fabricação de CDs, que
permite a troca de arquivos sonoros via internet e que expande a pirataria.
Na luta contra a pirataria, a indústria fonográfica utiliza-se da justiça contra os
programas que possibilitam a troca de arquivos de áudio na internet, da mídia e do
apoio dos governos de cada país, para a apreensão dos produtos falsificados, prisão
das pessoas e máfias que atingem a propriedade intelectual e os lucros das grandes
gravadoras e buscam conter a cópia ilegal de obras musicais, por meio de novas
tecnologias.
O primeiro encontro para criar mecanismos tecnológicos que protegessem os
produtos das cópias ilegais se deu em 1998. Presidentes de grandes gravadoras,
representantes da RIAA e fabricantes de eletrônicos criaram a Iniciativa para Música
Digital Segura (SDMI). Reunia representantes de mais de 180 empresas como IBM,
Microsoft, AT&T, Panasonic, Philips.
Leonardo Chiariglione, o mesmo homem que teve papel fundamental na
criação do MP3, foi convocado para presidir o consórcio em 1999. Mas a dificuldade
de implementar as normas de segurança e a concorrência entre os associados
comprometeram o sucesso da SDMI.
Nem mesmo entre as grandes gravadoras, autoras da
iniciativa, havia um compromisso firme com a SDMI.
Impaciente com a falta de avanços, a Universal
anunciou, em maio daquele ano, a criação de um
projeto paralelo com uma empresa de tecnologia, a
Intertrust. Uma semana depois, a Sony anunciaria um
135
acordo semelhante com a Microsoft.
134
135
SANCHES, P. A. Op. cit., 2008.
TEIXEIRA JR., Sérgio. Op. cit., 2002, p. 43.
100
A SDMI morre silenciosamente após a saída de Chiariglione, em março de
2001. Em depoimento um ano e meio mais tarde, ele não explica sua saída do
consórcio, mas diz acreditar numa solução tecnológica:
Hoje, as músicas e os CDs são como apartamentos
sem chave. É fácil alguém entrar e roubar. Mas se o
CD estiver protegido de alguma forma aí o ladrão terá
muito mais trabalho.
136
Outras apostas se deram, como o Cactus Data Shield (CDS), desenvolvido
pela empresa israelense Midbar Tech, que impede a execução do CD em
computadores, para que não seja copiado ou transformado em formato MP3,
percorrendo a rede mundial de computadores.
A Sony Music coloca no mercado europeu uma leva de CDs com a nova
tecnologia antipirataria, porém a reação dos consumidores não foi positiva, pois
englobava no mesmo “balaio” legítimos consumidores e simples pirateadores.
Consumidores se organizaram na Europa e nos EUA contra esse tipo de tecnologia.
Gerry Wirtz, gerente da Philips, multinacional holandesa, que em 1978 desenvolveu o
Compact Disc (CD), em parceria com a japonesa Sony, demonstrava preocupação,
em vários depoimentos à imprensa, com a compatibilidade de sistema, pois, como o
padrão Compact Disc foi inventado há mais de vinte anos e existem diversos modelos
de toca-discos digitais no mercado, é previsível que houvessem conflitos imediatos.
No início do mês de março de 2002, a Music City Records, gravadora norteamericana, foi acusada de ocultar informações sobre o novo dispositivo e teve de
recolher todos os CDs protegidos. O álbum White lilies island, que é um dos primeiros
títulos da BMG a trazer um sistema antipirataria, foi devolvido às lojas por vários
consumidores ingleses que não conseguiam ouvi-lo em seus toca-CDs.137
Vários mecanismos de gestão de direitos digitais ou Digital Rights Management
(DRM) são planejados por diversas empresas. Consistem em restringir a difusão por
cópia de conteúdos digitais ao mesmo tempo em que se asseguram e administram os
direitos autorais e suas marcas registradas. É possível personalizar o varejo da
difusão de determinado arquivo comercializado, como por exemplo o número de vezes
136
Ibidem.
PEREIRA, Robson. O Estado de S. Paulo, 14 mar. 2002 e REDAÇÃO. Folha de S. Paulo –
30 jan. 2002.
137
101
em que esse arquivo pode ser aberto ou a duração da validade desse arquivo. Dentre
as características comuns, tem-se: detectam quem acessa cada obra, quando e sob
quais condições, e reportam essa informação ao provedor da obra; autorizam ou
negam de maneira irrefutável o acesso à obra, de acordo com as condições que
podem ser alteradas unilateralmente pelo provedor da obra; quando autorizam o
acesso, fazem-no sob condições restritivas que são fixadas unilateralmente pelo
provedor da obra, independentemente dos direitos garantidos por lei ao autor ou ao
público.
Todas essas ações da indústria fonográfica, as tecnologias digitais e a pirataria
têm gerado novos movimentos. Alguns contestam a privação que os mecanismos
como DRM impõem sobre os consumidores das obras. A campanha DRM is killing
music é um dos exemplos que demonstram a insatisfação de uma parcela
consumidora de música.
As majors vêm percebendo a insatisfação dos consumidores com as restrições
impostas, visto que hoje a troca de suporte para música (CD para HD, HD para
tocador de MP3 ou celular) é algo vital para os clientes. Algumas já permitem, em
alguns casos, a venda dos seus produtos sem DRM.
O antropólogo Hermano Viana comenta essa nova fase no mercado
fonográfico em um recente artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.
As licenças tradicionais se tornaram inadequadas para
lidar com a crise do modelo pré-internet da indústria
fonográfica. Mesmo "grandes" gravadoras (cada vez
menores -- hoje, no Brasil, contratam só 92 artistas)
têm que se adaptar: a Universal e a EMI agora vendem
102
música na internet sem o DRM, pois essa proteção
demonstrou ser péssima comercialmente. E para quem
não tem gravadora -- a maioria da gente que faz
música -- é inegável que a situação atual, embora
ainda confusa, é boa oportunidade: todo dia surgem
formas
mais
baratas
de
gravação,
reprodução,
138
distribuição, divulgação etc.
As grandes gravadoras, geralmente ligadas a grandes conglomerados do
entretenimento, procuram maneiras para proteger seu lucro, baseadas nos antigos
moldes do direito autoral, mas em outros “braços empresariais” (eletrônicos: Sony,
Phillips) vêem lucrando ao fabricar os aparelhos que recebem os arquivos MP3.
De qualquer forma, para a indústria fonográfica brasileira, em si, o decorrer da
década de 2000, mesmo com todas as ações efetivadas nos últimos dez anos,
acumula queda expressiva na venda de CDs e no faturamento. E este trabalho não
aponta as perdas com o suporte DVD.
Unidades vendidas, em
Faturamento*, em
milhões
milhões de R$
2002
75
726
2003
65
601
2004
66
706
2005
52,9
615,2
2006
37,7
454,2
2007
25,4
215
Fonte: ABPD
As gravadoras indies estão perplexas com as mudanças do mercado
fonográfico nos últimos anos. Interessadas pelas novas ferramentas digitais,
pretendem não trilhar os mesmos caminhos que causaram constrangimentos às
majors. Porém, com o avanço das trocas gratuitas de arquivos musicais pela internet,
alguns produtores independentes seguem de perto os passos da velha indústria
138
VIANA, Hermano. Não é "liberar geral" -- Gil traz a realidade para a legalidade. Folha de S.
Paulo. São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0610200711.htm.
Acesso em: 17 set. 2008.
103
fonográfica, que tanto questionaram. Apegados ao CD, que lhes parece a única forma
viável de ganhar dinheiro no mundo digital, eles também decidiram processar sites que
permitem o compartilhamento de músicas sem o devido pagamento de direitos
autorais.
Enquanto o primeiro processo já corre na corte federal
australiana, com adesão prevista da Associação
Brasileira de Música Independente (ABMI), engatinha a
busca de soluções que tornem viável a sobrevivência
dos independentes, que detêm cerca de 30% do
mercado
mundial
de
lançamentos
musicais.
[...]
Principal executivo da organização sem fins lucrativos
Merlin,
que
defende
interesses
comerciais
de
produtores e gravadoras com menos de 5% do
mercado em 25 países, Charles Caldas esteve no
Brasil esta semana para participar do V Encontro Anual
da ABMI e convencer os brasileiros sobre a ação
judicial. Ouviu muitas preocupações quanto à "crise" no
setor e ao epidêmico avanço dos downloads de
música. Mas, apesar da ressaca cibernética, não está
nos planos uma caça a internautas que trocam músicas
na rede, como fizeram as grandes gravadoras dos
Estados Unidos, que conseguiram indenização de até
US$ 222 mil de um dos 30 mil usuários processados
por pirataria. Caldas, inclusive, defende que não há
melhor promoção do que a feita por alguém que gostou
de uma música e resolveu compartilhar.
139
Os selos indies sempre tiveram como base comercial a venda dos CDs dos
seus artistas, mas muitos procuram novos caminhos para sua sobrevivência,
transformando-se em produtores de shows, por exemplo.
139
PINTO, Rodrigo. Gravadoras independentes vêem crise na indústria, se agarram ao CD,
cujas vendas só caem, e querem processar Kazaa e YouTube. O Globo Online. 10 nov. 2007.
Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/11/09/327106623.asp. Acesso em: 17
set. 2008.
104
A recente Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) vem
desenvolvendo pesquisas para mostrar a dimensão da produção independente, haja
vista a importância dos dados para o fortalecimento das indies.
Além de realizar eventos para discutir o papel das gravadoras independentes
no mercado brasileiro, busca caminhos alternativos para a viabilidade de projetos para
as gravadoras associadas.
Um exemplo é uma linha de crédito do BNDES, com juros baixos e prazo de 36
anos para pagar empréstimos que viabilizem produções de artistas independentes.
Faz-se necessário ressaltar que a ABMI representa seus associados. Os
associados devem ser pessoa jurídica. Portanto, torna-se difícil ter a dimensão real, de
quantas iniciativas pessoais ocorrem atualmente no Brasil. Segundo um dos seus
diretores, Pena Schimdt, trata-se de número expressivo e que não se conhece
exatamente.
A Feira Música Brasil, criada em 2007, é outro espaço em parceria com o
Ministério da Cultura, onde os independentes contam com a rodada de negócios, área
de serviços especializados, exposição de produtos, debates, oficinas e apresentações
de bandas e artistas. A próxima FMB será em março de 2009 e contará com as
principais associações do setor como gestores e promotores. São eles: Associação
Brasileira dos Empresários Artísticos (Abeart), Associação Brasileira dos Editores de
Música (Abem), Associação Brasileira de Editoras Reunidas (Aber), Associação
Brasileira da Música Independente (ABMI), Associação Brasileira de Produtores de
Disco (ABPD) e Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin).
O presidente da ABMI, Roberto de Carvalho, no podcast da instituição,
reconhece a queda das vendas de CDs no mercado fonográfico, mas aponta para um
maior prejuízo por parte das majors, pois as indies sempre apostaram em nichos de
mercado e agora enfrentam o desafio de colocar seus produtos em mercados digitais,
o que considera ser a tendência crescente no setor fonográfico.
De qualquer maneira, a cena indie brasileira vem adquirindo maior visibilidade
na última década, principalmente através dos festivais e de iniciativas de divulgação
em meios digitais, como vimos no capítulo anterior. Estimativas de 2002 já apontavam
nessa direção: “Hoje, de acordo com levantamento recente, existem mais de
quatrocentas gravadoras (empresas) independentes; e ainda mais de mil artistas
105
lançando
discos
individualmente,
regularmente,
sem
ligação
com
firmas
constituídas”.140
Certamente, estamos no meio de um processo inusitado para o mercado da
música, no qual, talvez, o maior acesso aos meios de produção – distribuição –
consumo e a relação entre os agentes envolvidos gestam novos movimentos que
reclamam por uma nova ética nessa relação.
A circulação planetária e imediata das informações gesta novas interatividades
e conectividades entre os usuários. Possibilitam novos meios da reprodução do
capital, mas criam espaço para a livre produção colaborativa, que independe de um
único pólo de emissão.
Os novos formatos de produção – distribuição – consumo levam as instituições
a se readaptar aos novos movimentos que ocorrem dentro da produção fonográfica.
As redes peer-to-peer representam a troca de informação livre do ponto de
emissão. Todos são emissores e receptores dentro do mundo digital. Essa liberação
permite a efervescência de produção e de emissão por parte de maior número de
agentes.
As
tecnologias
móveis
inserem
as
pessoas
em
novos
processos
comunicacionais dentro um território informacional, móvel, que conecta fluxos
contínuos de produção – distribuição – consumo, em tempo real.
Ao retomar a idéia inicial deste capítulo,
Se as estruturas sociais de recepção estão sempre
ativas, essa mesma atividade não é livre, mas
determinada a montante pelos meios e suportes de
transmissão. Não se conhece técnica intelectual ou
informática que não veicule uma ética, nem que seja
profissional e, em seguida, social (Debray, 1993
p.78).
141
Pode-se dizer que as novas tecnologias, que libertam os usuários do pólo de
emissão, permitem novas interatividades e conectividades, uma livre produção
colaborativa e compartilhamento da produção musical, através de novas redes que
incentivam a troca de informação livre, fomentam a efervescência da produção e da
emissão por parte de maior número de agentes. Portanto, esses novos fluxos
140
DIAS, Mauro. O Estado de S.Paulo. 17 fev. 2002.
DEBRAY apud DANTAS, Danilo Fraga. MP3, a morte do álbum e o sonho de liberdade da
canção?. ANAIS do V Enlepicc. Salvador, BA, nov. 2005.
141
106
comunicacionais que circulam num território informacional móvel, necessariamente,
criam uma nova relação de produção – distribuição – consumo e uma nova ética que
engendra o debate sobre a “residual” -- tradicional e a “emergente” forma de produção
e apropriação da cultura no início do século XXI.
No capítulo final, há que se ressaltar como essas mudanças afetam os agentes
produtores do mercado fonográfico e, assim, proceder-se à análise do posicionamento
e do discurso dos agentes dentro do campo.
107
3. UMA NOVA CONFIGURAÇÃO DO CAMPO?
A última década (1998-2008) se apresenta como um período turbulento para o
mercado fonográfico, onde uma indústria consolidada e com práticas tradicionais de
negócios se vê diante de uma evolução tecnológica que proporciona, inicialmente,
enorme lucro pela mudança do suporte físico, mas engendra novas possibilidades que
permitem maior acesso à produção – distribuição – consumo aos agentes produtores
do campo fonográfico e consumidores de música, como vimos no capítulo anterior.
O cenário do surgimento das novas tecnologias digitais e da pirataria nos
serviu de base para, neste capítulo, proceder-se à análise do posicionamento e do
discurso dos agentes dentro do campo.
Avalia-se se há transformações nas relações de trabalho das majors e indies,
em decorrência das novas tecnologias digitais e mudanças estratégicas em relação à
questão da pirataria dos produtos da indústria fonográfica brasileira. Como essas
mudanças afetam a economia dessas empresas fonográficas e as conseqüências para
a cadeia de produção e seus agentes.
Analisa-se o debate sobre quais novas possibilidades, caminhos e tendências
surgem na visão de agentes ligados às majors e indies. Dentre os debates, a questão
do acesso livre aos bens culturais (apropriação) e a manipulação desses produtos,
gesta a grande polêmica, na última década, entre os defensores de novas chancelas
de circulação livre de produtos culturais (copyleft, creative commons, software livre) e
a proteção dos direitos intelectuais privados. E, assim, há a possibilidade de análise
sobre o posicionamento desses agentes do campo e suas propostas a essa
reorganização do mercado fonográfico brasileiro.
As medidas realizadas pelas majors, para manter a hegemonia de seus
produtos culturais, e indies, para conseguir mais visibilidade e sobrevivência, no
mercado fonográfico brasileiro no período (1998-2008) são mostradas.
São tecidas considerações sobre como os agentes do campo da música
popular massiva se apropriam de novos espaços abertos pelas novas tecnologias
(internet, Ipod, celulares) para se adaptar à nova realidade no mundo da música. E
como essas mudanças podem gerar reconfigurações dentro do campo, entre agentes
de majors e indies, neste início de século XXI.
108
3.1. O novo sempre vem: as mudanças no cenário musical das majors e indies
As novas ferramentas digitais impulsionam novos movimentos entre os agentes
produtores de música ao redor do mundo. O novo território informacional para música
surge como a novidade que promete potencializar um novo espaço que congregue a
possibilidade de produção difusa e liberta de restritos pólos de emissão e uma nova
ética sobre a criação e apropriação dos bens culturais da humanidade.
Nesse sentido, artistas começam a utilizar esses novos espaços e abrem novo
debate a cada novo movimento que produzem dentro do campo. Ressalte-se que
alguns desses agentes produtores se mantêm atrelados aos velhos modelos do
mercado musical, como veremos nas próximas linhas deste trabalho.
Artistas começam a travar um debate sobre as possibilidades que as novas
tecnologias digitais trazem ao mundo da música. Entre os primeiros se encontra John
Perry Barlow, letrista do Grateful Dead, umas das bandas de rock mais famosas nos
anos de 1960 e 1970, que permitia e estimulava os fãs a gravar e distribuir cópias
piratas de seus shows, com maior divulgação da banda, sob o entendimento de que os
fãs não deixariam de assisti-la ao vivo. Ao contrário, aumentaria o seu público
consumidor.
A melhor maneira de ganhar dinheiro com música é
entregá-la de graça. Enquanto a escassez aumenta o
valor de bens físicos, como os CDs, com a informação
acontece
o
informação,
oposto.
existe
Na
economia
uma
relação
imaterial
direta
da
entre
familiaridade e valor. Se seu trabalho é bom, permitir
que ele se multiplique livremente só vai aumentar a
demanda futura por aquilo que você vier a produzir.
142
O modelo de negócios da indústria fonográfica começa a ser fortemente
debatido e, agora, não somente por aqueles que estavam à margem dessa grande
indústria, mas também por aqueles que se inseriam em sua lógica. Como veremos, o
início do século XXI presencia novos movimentos gerados pelas novas tecnologias
digitais. Fator que pressiona mudanças sociais, como coloca Renato Ortiz.
142
BARLOW apud TEIXEIRA JR., Sérgio. MP3, a revolução da música digital. São Paulo: Abril,
2002, p. 65.
109
O aparato tecnológico não é a causa da mudança
social, mas fonte potencializadora. Na verdade, o
movimento da modernidade é aprofundado pelas
técnicas informatizadas.
143
Artistas que sempre mantiveram um posicionamento crítico em suas obras são
os primeiros a se debruçar e propor novos caminhos nessa nova era digital da música.
Os rappers do Public Enemy, em 1998, romperam um acordo contratual com a
major Polygram/Universal, que determinava a data de lançamento dos produtos de
seus artistas, e se utilizavam das novas ferramentas digitais.
Numa decisão que misturou doses iguais de frustração
e rebeldia, o grupo colocou uma série de músicas
inéditas no site. Todas estavam no formato MP3 e
poderiam ser copiadas e distribuídas à vontade pelos
fãs. A Polygram, dona dos direitos sobre as músicas,
imediatamente exigiu que os arquivos fossem retirados
do site. [...] Em entrevistas o líder Chuck D diz: A
Polygram/Universal, ou qualquer que seja a porra do
nome que esses caras usem, nos forçou a retirar a
versão MP3 de “bring the noise 2000”. Os executivos,
advogados e contadores que ultimamente têm feito a
maior parte do dinheiro no negócio da música agora
fogem da tecnologia que equilibra o jogo e torna mais
difícil escravizar os artistas. Que todos morram. Ajudo a
construir essa bomba com prazer.
144
Novos posicionamentos são propostos no decorrer do período estudado, como
veremos a seguir, o que engendra novas ações das majors para manter sua
hegemonia no campo da produção fonográfica.
A percepção tardia do potencial comercial dos novos meios digitais leva a
indústria fonográfica a reformular sua estrutura interna e a adaptar-se a novos
mecanismos de atuação comercial.
143
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 68.
TEIXEIRA JR., Sérgio. Op. cit., 2002, p. 66.
144
110
Um dos erros teria sido o tratamento equivocado dado
à pirataria on-line, quando as empresas não entraram
em acordo com o primeiro serviço de compartilhamento
de música, o Napster. "Eles jogaram fora bilhões por
processarem o Napster -- foi ali que as gravadoras
cometeram suicídio", diz Jeff Kwatinetz, presidente da
empresa de gestão de negócios Firm. "O setor teve
uma chance incrível ali. Era como se todo o mundo
estivesse ouvindo uma rádio só. Daí, o Napster fechou,
e aqueles 40 milhões de pessoas foram para outros
sites de compartilhamento”.
145
Mais de cinco mil funcionários das grandes gravadoras foram demitidos desde
2000. Nos EUA, aproximadamente 2.700 lojas de discos fecharam desde 2003 e 65%
de todas as vendas de música agora são feitas em grandes supermercados, como os
das redes Wal-Mart e Best Buy, que oferecem menos opções do que as lojas
especializadas e concentram menos esforços na promoção de novos artistas.146
A venda e fusão das grandes empresas é importante indicador da
reestruturação do setor fonográfico no período. As majors Sony e BMG entram em
negociação no final de 2003 e oficializam a fusão em março de 2005. Em entrevista à
Folha de S.Paulo, Alexandre Schiavo, principal executivo representante da fusão no
Brasil, fala sobre os motivos da reestruturação.
A fusão é uma questão de necessidade, aconteceu não
porque o mercado estivesse favorável a isso; ocorreu
por motivo da crise da indústria da música no mundo.
Essa crise foi gerada pela pirataria física e eletrônica -na América do Sul, mais pela física. Nos EUA, a
pirataria eletrônica é maior do que a física. A fusão
aconteceu para termos uma gravadora mais forte para
enfrentarmos esses problemas. A concentração de
poder é relativa, há vários selos independentes fortes.
147
O artista tem opção.
145
HIATT, Brian e SERPICK, Evan. Uma crise anunciada. Rolling Stones. Ed. 12. Disponível
em: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/12/textos/394/. Acesso em: 17 set. 2008.
146
Ibidem.
147
NEY, Thiago. Presidente da Sony BMG aponta fusão como resultado da crise na produção
musical. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 mar. 2005. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u50022.shtml. Acesso em: 17 set. 2008.
111
A Sony tinha mais de quinhentos funcionários no Brasil antes da fusão com a
BMG em 2005, e hoje, as duas juntas têm noventa pessoas.
A Universal Music teve sua equipe reduzida de 190 para noventa pessoas, do
ano 2000 para cá, afirma José Antonio Éboli, presidente da major no Brasil.
A empresa número três da indústria fonográfica mundial, a britânica EMI,
aceitou, em maio de 2007, uma oferta de compra do fundo de investimentos Terra
Firma. A oferta avalia o selo dos Beatles em 3,5 bilhões de euros (cerca de US$ 4,73
bilhões). As primeiras metas visavam a não pagar adiantamentos excessivos, cortar
gastos desnecessários e demitir 2 mil funcionários.
Só um ano depois, em maio de 2008, foi anunciada a demissão de mais mil
funcionários visando chegar à estrutura mais enxuta das concorrentes Warner e
Universal Music.148
A Warner Music, enfrentando as mesmas dificuldades, desde o ano de 2006
tenta se aproximar da EMI para uma fusão aos moldes da Sony-BMG. O negócio -avaliado em 3,7 bilhões de euros -- não se concretizava devido ao fato de a corte
européia de justiça questionar a fusão da Sony com a BMG. Mas, segundo a corretora
Numis Securities, “Warner parece cada vez mais um sócio natural para a EMI, mas o
lançamento de uma oferta seria complicado, do ponto de vista da lei, sobretudo tendo
em conta que o exame da fusão Sony-BMG ainda não terminou".149
O braço musical do conglomerado Globo, a Som Livre, acompanha essa
tendência de cortes e registra uma diminuição do contingente de 220 para noventa
pessoas, nos últimos dez anos. Segundo Gustavo Ramos, diretor-geral da empresa.
A gente está vendo uma queda grande, mas pontual.
Acho que ela continuará caindo, mas de forma menos
dramática. As gravadoras cortam aquele disco que
vende 5 mil cópias, alguns clientes fecham as portas,
porque para eles interessam produtos de nichos e não
os mais populares... E assim, o ciclo vai se repetindo,
lamenta, revelando de quem é a culpa neste círculo
148
CANEPA, Francesco. EMI to cut 1,000 more Jobs. StrategyEye. Disponível em:
http://digitalmedia.strategyeye.com/article/2IVcclm1Ftw/2008/05/13/emi_to_cut_1000_more_job
s/nsl/pElMjauoyJav. Acesso em: 17 set. 2008.
149
G1. AMERICANA WARNER INSISTE EM TENTAR APROXIMAÇÃO COM A BRITÂNICA
EMI.
Globo.com.
20
fev.
2007
Disponível
em:
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,AA1463395-9356,00.html. Acesso em: 17
set. 2008.
112
vicioso: "É bom frisar que o cliente não deixou de
comprar o produto, a gravadora é que está arriscando
menos. O chato disso é ver que o repertório brasileiro
não está sendo renovado e cada vez mais as apostas
são nas regravações”.
150
A gravadora Trama, que teve apoio da empresa de ticket de alimentação Vale
Refeição (VR) no seu início, em 1998, chega em 2007 com o quadro de funcionários
reduzido (100 para 35), poucos lançamentos ao ano e com a Distribuidora
Independente, um braço da empresa, fechada. Até outubro de 2007 tinha lançado
apenas dois CDs (Maquinado, de Lucio Maia, e Art, Plugs & Soul, do DJ Mau Mau) e,
segundo o presidente João Marcelo Bôscoli, filho da conhecida intérprete Elis Regina,
o cenário sofre mudanças consideráveis.
Já houve época em que eu ficava deprimido por
conseguir lançar 25 artistas por ano! Mas eu não tenho
só uma gravadora. Não estou nessa para vender
pedaços de plástico. Vendemos música. O que
aconteceu foi que trocamos de fornecedor (de CDs) no
começo do ano e precisávamos limpar o mercado dos
títulos velhos que ainda estavam em catálogo. Então
seguramos os lançamentos. E também fechamos a
Distribuidora Independente, que nunca deu dinheiro, só
dor de cabeça. A Distribuidora se justificava quando
ainda pensávamos em virar a cena, mudar o mercado
musical. Mas o mercado está acabando.
151
Os últimos relatos escolhidos servem para salientar como o mercado
fonográfico é levado a tomar ações efetivas frente aos novos desafios colocados no
final da década de 1990. O início do século XXI remete às majors e indies a
reestruturar seus modelos de negócios. Principalmente as grandes gravadoras, visto
que a pirataria dos seus produtos é proporcional à visibilidade que os mesmos
possuem no mercado.
150
FUSCALDO, Cristina. Metamorfose ambulante. Rolling Stones. set. 2007. Disponível em:
http://www.rollingstone.com.br/edicoes/12/textos/388. Acesso em 17 set. 2008.
151
BARBOSA, Marco Antonio. Gravadora Trama não vai fechar, diz João Marcelo Bôscoli. JB
online. 9 out. 2007. Disponível em: http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI1975261EI1267,00.html. Acesso em: 17 set. 2008.
113
Faz-se necessário retomar a idéia de indie (independente), que se refere às
empresas que estão em oposição às majors. Como vimos, algumas dessas empresas
consideradas indies possuem um braço econômico que viabiliza sua formação (ex.:
caso da Trama e do grupo VR).
Mas, apesar de algumas indies possuírem um aporte econômico, as majors
ainda se diferenciam pelo seu controle predominante na divulgação e, principalmente,
na distribuição massiva dos seus produtos materiais.
Em entrevista com o ator, cantor e compositor Seu Jorge152 vemos claramente
essa situação. Desde 2001, não possui contrato com majors e sua produtora indie, a
Cafuné Produções, depende de parcerias para a distribuição dos seus CDs. Mantém
parcerias com outras gravadoras maiores, que possam distribuir seu produto. Seu
último lançamento, América Brasil, de 2007, cedeu a licença no Brasil para a EMI, mas
na Europa pela Discos Como No.
É difícil manter uma estrutura de uma produtora
independente. Tenho funcionários que dependem do
meu trabalho. Por enquanto, só produzo os meus
trabalhos. Gostaria até de distribuir alguns discos,
como fiz algumas vezes para meus fãs, mas o custo
torna essa prática inviável no longo prazo [...] devido à
minha carreira de ator e aos shows, posso manter a
produtora independente [...] a venda de CDs não
cobriria os custos.
Apesar da fama conseguida em trabalhos como o filme Cidade de Deus e
sucessos musicais como “Carolina”, percebe-se que manter uma indie no cenário atual
é tarefa complexa para figuras de expressão no cenário nacional e internacional.
Há que se ressaltar que a abordagem nessa pesquisa não se propõe a citar
todos os agentes produtores de música brasileiros. Visa a relatar os novos
movimentos e qual o posicionamento de alguns dos principais agentes dentro do
campo da produção fonográfica brasileira.
Nesse sentido, os agentes do campo da produção musical se adaptam ao novo
cenário e procuram novas estratégias para estabelecer novos posicionamentos ou se
manter dentro do campo.
152
Participaçao em filmes: Cidade de Deus (Brasil) , The Life Aquatic (EUA), Elipsis
(Venezuela), The Escapist (Irlanda). Foi integrante da Farofa Carioca, possui seis CDs solo e
um duo com a cantora Ana Carolina.
114
Já foram relatadas algumas ações que visavam ao controle da circulação livre
dos produtos musicais materiais e imateriais, sob licença de direito autoral, como:
processo contra os softwares P2P, webrádios, criação de associações como a APCM
para pressionar a fiscalização de governos e divulgar campanhas contra a pirataria e o
investimento em tecnologias para restrição de uso dos fonogramas.
No decorrer do início do século, as majors e indies tiveram que procurar novas
estratégias para comercializar seus produtos, visto que o modelo de negócios
tradicional vivia uma fase de perdas contínuas na lucratividade.
As grandes gravadoras começam a desenvolver outras atividades com seus
produtos, como o gerenciamento e a promoção dos shows de seus artistas. Maarten
Steinkamp, presidente da SonyBMG Europa, expõe o argumento em artigo publicado
em 2006, no jornal Folha de S. Paulo.
Se não fizermos essa mudança, ficaremos apenas
como vendedores de música e este não é nosso
objetivo, disse Steinkamp à edição alemã do jornal
Financial Times. [...] Enquanto a principal atividade da
companhia segue em crise -- Steinkamp espera uma
queda de 5% nas vendas de álbuns neste ano na
Europa
--,
o
grupo
também
desenvolve
outras
atividades, como a promoção de artistas ou patrocínio.
Em 2007, essas atividades representarão entre 4% e
5% do volume de negócios da Sony-BMG na
Europa.
153
A SonyBMG abre a “desenvolvedora de talentos” Day1 em solo nacional, na
busca de driblar a queda na venda de discos. Isso inclui organizar turnês e shows,
arrecadar patrocínios, fazer campanhas publicitárias e prestar todos os serviços que
artistas necessitam.
A estratégia foi adotada em oito países da América Latina, visto que, segundo
levantamento da consultoria PricewaterhouseCoopers (PWC), a estimativa é de que o
mercado de CDs mundial encolherá por volta de 10% ao ano, de 2007 a 2011. A
pesquisa da IBM Consulting mostra que as perdas da indústria fonográfica podem ficar
entre US$ 90 bilhões e US$ 160 bilhões entre 1999 e 2010.
153
Gravadora Sony-BMG busca alternativa à venda de CDs. Folha de S. Paulo, São Paulo, 27
set. 2007. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u64553.shtml.
Acesso em: 20 set. 2008
115
Somos muito orgulhosos da história da Sony, mas o
modelo de negócios do nosso mercado está mudando,
disse à Folha Kevin Lawrie, presidente da Day1 para a
América
Latina.
"Somos
agora
uma
agência
desenvolvedora de talentos. [...] Aprendemos de um
jeito duro que o mercado está pedindo outra coisa”, diz
Lawrie. "O modelo de trabalho antigo terá vida curta".
154
Essa mudança nos negócios das grandes gravadoras, porém, ainda é vista
com muita cautela pelos artistas que possuem certa estabilidade no mainstream
nacional. Artistas que já têm tradição de produção, não associada às gravadoras
desconfiam das vantagens. André Carrano, assessor de marketing da banda Jota
Quest, diz à Folha: “Ainda não fechamos com a Day1, porque estamos tentando
entender se vale a pena para os dois lados”. 155
Em entrevista com o ex- diretor de majors e atual representante da Associação
Brasileira de Música Independente (ABMI), Pena Schmidt, nota-se que as indies
seguem na mesma direção das grandes gravadoras.
As indies estão virando produtoras de artistas. Poucas
conseguem sobreviver da venda de CDs no Brasil. [...]
Há aquelas que conseguem produzir para um público
fiel e restrito como um selo de choro no Brasil ou um
selo americano que procura antigos discos legais, que
as majors não pegaram, e relançam.
Schmidt reforça sua visão de um novo momento no campo da produção
fonográfica e a tentativa, a seu ver, atrasada, das majors manterem seu papel
dominante no mundo da música.
O fato de a Sony-BMG passar a agir como agente de
concertos, prova por A + B que os contratos de 360
graus visam garantir o último bastião da indústria da
154
BARBIERI, Cristiane. Com crise no CD, Sony BMG muda marca para Day1. Folha de S.
Paulo.
São
Paulo,
22
ago.
2007.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2208200738.htm. Acesso em: 20 set. 2008
155
BARBIERI, Cristiane, op. cit., 2007.
116
música, que são os shows. Há dez anos, isso seria um
grande insulto, dizer que as gravadoras cuidariam
156
também dos shows dos artistas.
A Trama foi uma das gravadoras indie que apostaram em outras formas de
lucrar no ramo da música industrializada, sem ter o foco na venda de CDs, desde o
início da sua criação. O que garantiu sua sobrevivência nesse período turbulento do
mercado fonográfico, segundo afirma seu presidente J. M. Boscolli.
Em 1997, nos preparativos para fundar a Trama, já
sabíamos que uma empresa de música teria futuro,
mas uma gravadora, não. Nosso pulo do gato foi
entender que tudo é música. Mochila é música.
Camiseta é música. Calendários, pôsteres, revistas...
Só 20% de nosso faturamento vem de CDs e DVDs; o
resto chega de outras fontes. Acho que a Trama nem
sequer pertence ao mesmo setor que as outras
gravadoras. As multinacionais tomaram a comida de
bola do milênio ao subestimar a Internet. Eu rio quando
ouço as gravadoras falando: "Agora a música vai para
a web". A Trama está na web desde 1999! Tem o lado
triste que é ver todo um setor da economia quebrando.
É uma crise que tem mais vítimas do que culpados.
Estou contente com o nosso retorno. Mas o pouco que
157
ganhamos até agora foi por W.O.
Os indies, pela própria dificuldade tradicional de divulgar e distribuir seus
produtos, foram os que se adaptaram mais rapidamente ao novo cenário musical.
Utilizaram-se dos novos pólos de emissão e recepção e, no decorrer dos últimos anos,
vêem propondo diversos modelos de negócio.
O Swedish Model, como está sendo denominado por integrar sete pequenas
gravadoras suecas, é um desses novos modelos de distribuição musical que consiste
156
SCHMIDT, Pena. Esboço Número 1: Under the Influence Of Pena Schmidt. Disponível em:
http://hihowareyou.wordpress.com/2008/02/14/esboco-numero-1-under-the-influence-of-penaschmidit. Acesso em 20 set. 2008.
157
BARBOSA, Marco Antonio. Gravadora Trama não vai fechar, diz João Marcelo Bôscoli. JB
online. 9 out. 2007. Disponível em: http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI1975261EI1267,00.html. Acesso em: 17 set. 2008.
117
em manter-se no mercado musical, oferecendo gratuitamente o CD da banda em seus
shows. O dinheiro vem de turnês, camisetas, merchandising e festas.
O movimento na Suécia não é nenhuma grande novidade, mas, posto em
prática, tem recrutado vários adeptos e importunado as grandes gravadoras no país.
Primeiro é preciso reconhecer que o velho modelo de
consumo musical está morrendo e todo mundo baixa
música de graça. Há em curso uma profunda e
irreversível revolução técnica e cultural. As grandes
gravadoras ainda tentam sobreviver à custa do modelo
tradicional, e a indústria musical está morrendo. “Nós
reconhecemos isso e a partir daí sabemos que
precisamos fazer alguma coisa para conseguir dinheiro
de algum lugar, para pagar nossos aluguéis”, afirma à
Folha o produtor Abbas Salehi, iraniano que cresceu na
Suécia. [...] Mais do que ser uma gravadora de música,
nós viramos uma empresa musical. A primeira coisa
que fizemos foi montar uma estrutura para distribuirmos
música de graça na internet. Uma vez feito isso, a
gente pega a banda, bola estratégias de marketing,
estruturamos sua turnê, montamos festas para ela,
criamos logo, tentamos colocá-las em filmes de cinema
158
e seriado de TV, melhoramos seus equipamentos.
As majors tentam se adaptar ao mundo da distribuição digital e após a
explosão das redes peer-to-peer tentam utilizar canais legais para distribuir seus
produtos musicais.
O iTunes Store, portal de música da Apple, é o site de distribuição legal que
mais lucrou com a venda de música na internet, desde seu surgimento em abril de
2003. Visto que condicionava aos usuários do iPod a compra de músicas pelo seu
canal exclusivo, como vimos no capítulo anterior. As majors, inicialmente, viam como
uma outra fonte de renda para seu produto, desde que os arquivos musicais
mantivessem restrições de uso ao usuário (DRM). É desnecessário dizer que hackers
conseguiram desbloquear esses arquivos. Além disso, gerou insatisfação dos clientes
que viam restritas as opções de troca de plataforma das músicas que compraram.
158
RIBEIRO, Lúcio. Selos suecos procuram saídas fora da indústria. Folha de S. Paulo. São
Paulo,
18
jun.
2008.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1806200808.htm. Acesso em: 20 set. 2008.
118
Em artigo da Reuters (em setembro de 2007,) o iTunes Store aparece como o
site que detém 70% do mercado de venda legal de músicas digitalizadas. A visão de
negócios de Steve Jobs tornou as majors reféns no mercado digital da música
legalizada e, mais uma vez, tardiamente, tenta procurar alternativas para escapar
desse “quase” monopólio de distribuição legal de arquivos musicais.
A indústria fonográfica norte-americana está mais
aberta a possibilidades de cooperação com lojas online
de música, das menores empresas iniciantes à
Amazon.com, esperando conseguir estimular a venda
de música digital e superar o domínio da iTunes, da
Apple, sobre o segmento. [...] O objetivo é ampliar a
receita obtida nos mercados digitais para compensar a
queda mais acentuada do que se esperava nas vendas
de CDs, e criar alternativas à iTunes, a fim de reforçar
o poder das empresas no momento de renegociar
contratos de licenciamento.
159
Novos acordos são fechados com várias empresas na internet como MySpace,
Yahoo e Napster, na tentativa de minimizar as perdas no setor e fazer frente à iTunes
Store, que se tornou, em abril de 2008, a maior loja de vendas de músicas
digitalizadas dos Estados Unidos, com mais de 4 bilhões de arquivos comercializados
desde sua inauguração em 2003.
O novo serviço do Napster tenta enfrentar o domínio da
Apple no mercado de música digital ao oferecer aos
consumidores mais canções sem proteção contra
cópias ou administração de direitos digitais (DRM). A
maior parte dos 6 milhões de canções disponíveis na
loja iTunes é vendida com o DRM Fairplay, que impede
que as faixas sejam executadas na maioria dos demais
aparelhos portáteis que não o iPod. [...] Agora estamos
159
ADEGOKE, Yinka. GRAVADORAS BUSCAM NOVOS MODELOS DE NEGÓCIOS PARA
AMPLIAR
VENDAS.
G1
Globo.com.
18
set.
2007.
Disponível
em:
http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,AA1635188-6174,00GRAVADORAS+BUSCAM+NOVOS+MODELOS+DE+NEGOCIOS+PARA+AMPLIAR+VENDA
S.html. Acesso em: 20 set. 2008
119
escapando à nuvem do DRM, disse Chris Gorog,
presidente-executivo
do
Napster.
"Agora
os
consumidores podem usar o Napster com qualquer
aparelho”, acrescentou. A maioria das canções do
serviço estará disponível por US$ 0,99 a faixa, ou US$
160
9,95 por álbum.
Todos esses fatores pressionaram as grandes gravadoras a mudar
rapidamente de estratégia, principalmente entre 2006 e 2008. O descompasso vivido
no modelo de negócios digitais, no início do século XXI, leva algumas dessas
empresas a adotarem posturas surpreendentes como: a circulação da música digital
sem a proteção do DRM e até a distribuição gratuita desses arquivos.
A Universal Music foi a primeira major a assinar acordo com a empresa
americana SpiralFrog para permitir o download grátis de parte de seu catálogo, em
2006. Meses após, a EMI entra no acordo visando lucrar com a publicidade que seria
vinculada quando o usuário “baixasse” a música.
Junto à notícia do contrato com a Universal, o anúncio
da SpiralFrog pegou o mundo da internet e da música
de surpresa. Agora são duas companhias do grupo das
quatro maiores gravadoras do mundo a aceitar o
download gratuito. [...] Apesar de ainda não ter sido
especificada a extensão do catálogo que poderá ser
baixado gratuitamente, a notícia contrasta com os
esforços das grandes gravadoras, principalmente nos
Estados Unidos, de se mostrar contrárias ao download
não-pago (em maioria dos casos, feito de forma
ilegal).
161
160
G1. Napster lança loja de MP3 para concorrer com iTunes. G1 Globo.com. 20 mai. 2008.
Disponível
em:
http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL487445-6174,00NAPSTER+LANCA+LOJA+DE+MP+PARA+CONCORRER+COM+ITUNES.html. Acesso em: 20 set.
2008.
161
REDAÇÃO G1. Mais uma grande gravadora vai permitir download grátis. G1 Globo.com. 06
set. 2006. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,AA1263457-7084,00.html.
Acesso em: 20 set. 2008.
120
No Brasil, o site da empresa iMusica foi o primeiro portal a comercializar
música digital legalizada, em 2000. Hoje possui licenças com todas as majors e mais
de quatrocentas indies.
Outras empresas que se destacam em solo nacional são a UOL Megastore e o
portal Sonora da empresa Terra.
Em entrevista com Jan Fjeld, diretor da UOL Megastore, tem-se a noção do
crescimento do setor de venda de música digital no Brasil.
Em 2003, havia menos de 250 sites legais de venda de música digital no
mundo, aproximadamente 1 milhão de faixas licenciadas e o faturamento da indústria
não chegava a 1%. Em 2007, há mais de quinhentos sites no mundo, sendo mais de
vinte no Brasil, ao redor de 6 milhões de faixas licenciadas e um faturamento que
representa 15% (ou US$ 2,9 bilhões) da indústria fonográfica mundial (40% a mais
que 2006) e 8% no Brasil.
Os 8% do mercado de música digital no país representa R$ 24,5 milhões.
Sendo que 24% dos arquivos foram comercializados por meio de downloads na
internet e 76% por celulares.
Os dados mostram a outra nova ferramenta que a indústria utiliza para
expandir seus negócios: o celular.
O crescimento com venda de músicas em celulares em 2007, no Brasil, foi de
157%, em comparação ao ano de 2006.
As operadoras de celulares e a indústria fonográfica vêm lucrando,
efetivamente com essa parceria desde 2005. Disponibilizando ringtones (toques para
celular) até álbuns completos de artistas como Ivete Sangalo e Skank, quando o
cliente adquire um novo celular.
A operadora Claro, que mantém parcerias com a
Sony/BMG e Warner, contabiliza cerca de 3 milhões de
músicas baixadas por mês. "Artistas que vendem bem,
como Ivete Sangalo e Zeca Pagodinho, fazem fácil
cerca de 50 mil downloads por mês", diz Marco
Quatorze, diretor da Claro." O CD, quando tem uma
boa venda, chega a cem mil cópias. Comparando na
mesma
ordem
de
grandeza,
desprezível", afirma Quatorze.
não
é
um
valor
162
162
SILVA, Adriana Ferreira. Downloads de celular estão na mira das gravadoras. Folha de S.
Paulo.
São
Paulo.
07
out.
2005.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0710200509.htm. Acesso em: 20 set. 2008.
121
Lançado pela Sony/ BMG em 2006, numa parceria com a Sony Ericsson, o
aparelho W300 contava com o repertório integral (em formato MP3) do CD Carrossel,
da banda Skank, e atingiu a quantia de 53 mil unidades vendidas. Foram 3 mil
aparelhos a mais do que o equivalente em CDs para um artista ganhar o Disco de
Ouro.
Esta ação, inovadora e pioneira, é um marco para a
indústria fonográfica, na busca contínua de novas
fontes de receitas e canais legais de distribuição para
os produtos, gerando negócios e combatendo a
pirataria. “Acreditamos que este projeto complementa o
lançamento do álbum do Skank em CD, caracterizando
um grande sucesso para a banda, para a gravadora e
para a indústria”, comemora Claudio Vargas, gerente
de novos negócios e mídias digitais da Sony BMG.
163
Entre os independentes existem poucos casos de sucesso que lucram com
essa parceria. O projeto Motiro do DJ Hum, com a música “Senhorita” é um dos
poucos exemplos que alcançou a marca de mais de 70 mil downloads. Mesmo assim,
representante da ABMI vê com ressalvas esse novo canal de distribuição de música
para os indies.
Estamos nos preparando para isso, mas ainda não é
uma realidade tão forte para nós, acredita Jerome
Vonk, diretor-executivo da ABMI (Associação Brasileira
da Música Independente). "Quem compra esse tipo de
serviço são as "telecom", que querem sucessos que
tocam na rádio. O negócio deles não é música, é
vender conteúdo, diz Vonk. "Nós ainda não temos
muito como concorrer, é uma luta meio injusta".
164
163
FAGUNDES, Sylvio. Skank – celular de ouro. Jovem Pan FM. Disponível em:
http://www.jovempanfm.com.br/musica/especial/index.php?especial=1836. Acesso em: 20 set.
2008.
164
SILVA, Adriana Ferreira. Downloads de celular estão na mira das gravadoras. Folha de S.
Paulo.
São
Paulo.
07
out.
2005.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0710200509.htm. Acesso em: 20 set. 2008.
122
Apesar do crescimento, Fjeld informa em entrevista, que a música no ambiente
digital da internet e celulares sofre com muitos entraves.
Um dos grandes problemas que nós temos, é a enorme
quantidade de plataformas diferentes que existem para
distribuir música na internet [...] as empresas de
telefonia ou internet criam cada uma sua própria
plataforma (suporte) para que se restrinja o uso do seu
produto e prenda o cliente ao seu modelo [...] a
telefonia móvel possui 12 plataformas diferentes, o que
significa que para cada música que conseguimos
licença, temos que criar doze plataformas diferentes
para vender a mesma música, causando um alto custo
operacional. [...] Há também
o custo alto dos
equipamentos, o problema da expansão da banda larga
no país e o custo da operação.
Essas novas atividades fizeram surgir uma nova categoria, que é o agregador.
Empresas que são especializadas em trabalhar com os códigos necessários para cada
plataforma em que a música será distribuída.
Jan Fjeld acredita que se houver uma padronização das plataformas de
distribuição de música, junto com a expansão da tecnologia 3G
165
(banda larga) para
telefonia celular, o comércio de música digital pode crescer e gerar, em suas palavras,
maior “interoperabilidade”.166
Pena Schmidt e Fjeld concordam que a necessidade de pedir uma autorização
para cada nova plataforma de distribuição de música é outro problema que as novas
ferramentas tecnológicas enfrentam diante do descompasso da legislação que trata de
direitos autorais no país.
Todas as medidas para a proteção da circulação da música no meio digital,
para assegurar o uso sob licença de direito autoral, significam um entrave para os
clientes, que se vêem impossibilitados de transferir seus arquivos para diferentes
suportes na era marcada por um território informacional móvel, e também para as
165
A tecnologia permite que você use seu celular ou computador para transferir dados com
velocidade de banda larga. Assim, é possível aproveitar serviços como downloads de arquivos
grandes e chamadas em vídeo, que exigem boas conexões. 3G é a sigla para terceira geração,
padrão de telefonia celular que sucede o 1G, ainda analógico, e o 2G, já digital. A primeira rede
3G do mundo foi inaugurada em 2001 pela japonesa NTT DoCoMo.
166
Inter = interação + opera = fazer, realizar
123
empresas legais, que percebem o descompasso na forma de distribuição da música
para seus clientes.
A velocidade da informação, a portabilidade e a interoperabilidade nesse
território informacional móvel pressionam, por intermédio dos usuários, os agentes
produtores a se adequar às novas demandas.
Percebe-se
essa
tentativa
de
quase
“render-se”,
para
manter
seu
posicionamento dentro do campo, a esses novos movimentos por parte da indústria
fonográfica, nesses últimos anos (2007/2008). As grandes gravadoras começam a
entender que as novas dinâmicas do mercado reclamam por uma liberdade maior na
circulação da informação. Essência vivida pelos usuários dos meios virtuais desde a
sua implementação no cotidiano dos cidadãos conectados.
Em maio de 2007, a EMI foi a primeira major a se aliar à iTunes Store para
disponibilizar seu acervo musical para venda, sem a proteção DRM. As outras majors
vêm fazendo parcerias na mesma direção.
Como vimos no Capítulo 2, uma vez consagrado o suporte nos meios digitais,
no caso, o MP3, dificilmente outros suportes conquistam a adesão dos usuários. O
MP3 é o suporte vencedor nesse início de século XXI, pois possui a interoperabilidade,
livre de restrições, que o território informacional demanda.
Novos acordos apontam para esse novo movimento gestado no final de década
de 1990, como se vê nessa matéria de abril de 2008.
O site de relacionamentos MySpace anunciou nesta
quinta-feira (3) um acordo amplo de venda e divulgação
de música com as gravadoras Sony BMG, Universal e
Warner Music. A iniciativa, que tem o objetivo de
integrar o comércio on-line de 100% do catálogo das
gravadoras,
e
ferramentas
de
compartilhamento,
deverá criar um concorrente de peso para a loja virtual
iTunes, da Apple [...] O usuário poderá fazer o
download pago de arquivos de MP3 sem proteção
antipirataria, ouvi-los no próprio site e ainda controlar o
conteúdo, organizando playlists e tendo acesso a
ferramentas de busca. Tudo poderá ser baixado
diretamente das páginas dos artistas - de músicas a
ringtones, passando por produtos como camisetas e
124
até ingressos de shows.
167
[...] "O download é apenas
um pedaço do serviço. Você não precisa comprar nada,
pode apenas criar playlists, por exemplo. Uma das
razões para se comprar downloads é a portabilidade;
as pessoas querem levar suas músicas favoritas à
praia, quando estão dirigindo ou correndo no parque. O
ponto não é que as pessoas não querem pagar por
música; você tem que fazer com que esse processo
seja prático, fácil e com preço justo", diz o americano
Travis Katz, vice-presidente internacional do MySpace,
por telefone, à Folha.
168
Percebe-se uma enorme reestruturação dentro do campo da produção
fonográfica. Os agentes vêm se adaptando a essas novas mudanças e buscando
novos caminhos para inserir seus produtos em um cenário em transformação.
Longe da afirmação apocalíptica de alguns críticos e pesquisadores da cultura
pop, essa pesquisa mostra que a indústria fonográfica está viva e procura estratégias
para manter sua hegemonia. Mas ressalta que as novas tecnologias digitais abrem
novos movimentos, em que maior número de agentes pode fazer frente ao domínio
das majors.
Os dados atuais mostram que a indústria fonográfica passa por período de
reposicionamento dentro do campo e apontam positivamente alguns aspectos.
Os downloads pagos de músicas saltaram de R$ 334
mil em 2006 para R$ 5,7 milhões; um aumento de
1.619%. As vendas para telefones celulares pularam de
R$ 8,1 milhões para R$ 18,5 milhões (127%). Na soma,
o segmento digital avançou 185%. Se tinha 2% do
mercado interno de música em 2006, passou para 8%.
É pouco, mas, para as gravadoras, a tendência é
167
CARPANEZ, Juliana e SUZUKI, Shin Oliva. MySpace fecha acordo com gravadoras para concorrer
com iTunes. G1 Globo.com. 3 abr. 2008. Disponível em:
<http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL386617-6174,00MYSPACE+FECHA+ACORDO+COM+GRAVADORAS+PARA+CONCORRER+COM+ITUNES.html>.
Acesso em: 20 set. 2008.
168
NEY, Thiago. MySpace começa a vender música. Folha de S. Paulo. São Paulo, 26 set.
2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2609200821.htm. Acesso em:
4 out. 2008.
125
crescer bem mais."A expectativa para 2008 é o nosso
percentual se alinhar à média do mundo, que é de
15%", disse o presidente da ABPD, Paulo Rosa. "É
possível que em dois ou três anos já estejamos em
25%, marca do Reino Unido", apostou José Antonio
Eboli, presidente da Universal Music. A ABPD ressalta
o fortalecimento das lojas on-line e o aumento de
músicas à disposição na rede entre 600 e 700 mil.
"Estamos no ar desde maio de 2006 e nosso volume de
vendas cresceu 46% até o fim de 2007", diz Jan Fjeld,
diretor da UOL Megastore (do mesmo grupo da Folha).
"As pessoas estão cada vez mais consumindo produtos
digitais e há cada vez mais aparelhos que tocam
música digital, sejam computadores, celulares, rádios
de carro ou portáteis", disse Beni Goldenberg, gerente
do Terra Sonora. [...] O otimismo se estende às
gravadoras independentes, que respondem por cerca
de 20% do mercado. "Conseguimos uma recuperação
razoável em 2007, e 2008 será bem melhor", disse
Roberto de Carvalho, presidente da ABMI (Associação
Brasileira da Música Independente).
169
Mesmo com a queda de venda no suporte físico, a indústria vê um aumento
com as vendas on-line e projeta um ponto de equilíbrio para o futuro.
Em entrevista com Jan Fjeld, o diretor da UOL Megastore afirma que estudos
feitos nos Estados Unidos apontam para o crescimento das vendas digitais, queda na
venda de CDs e um ponto de equilíbrio em 2011, com faturamento de US$ 40 bilhões
para o mercado fonográfico mundial. O mesmo faturamento do ano 2000.
169
VIANNA, Luiz Fernando. Vendas digitais animam as gravadoras. Folha de S. Paulo. São
Paulo.
03
abr.
2008.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0304200834.htm. Acesso em: 04 out. 2008.
126
2007
2008
Suporte
digital
5,7
Suporte
físico
Total
2009
2010
2011*
8,6
11,5
13,8
16,1
27
25,8
24,4
23,3
23,9
32,7
34,4
35,9
37,1
40
*Faturamento do mercado fonográfico mundial em bilhões de dólares.
O início do século XXI presencia uma mudança profunda no mundo da música.
Assim, como há cem anos, a introdução do fonógrafo mudou a relação das pessoas
com a produção cultural, as novas tecnologias digitais reclamam novas dinâmicas
dentro da relação produção – distribuição – consumo.
A evolução da telecomunicação e da informática engrenda novas práticas
sociais que permitem maior interatividade e conectividade entre os participantes do
mundo globalizado. Uma cultura pop, que compartilha uma produção cultural por meio
das novas redes digitais. Uma circulação planetária e imediata de informações que
permite a efervescência de uma produção livre de um pólo central de emissão.
A produção musical encontra novos caminhos de produção, distribuição e
divulgação no território informacional, em que todos podem ser um pólo emissor e
receptor de informação.
A mídia massiva mantém seu papel hegemônico na produção de sentidos na
sociedade da informação, mas a mídia pós-massiva170 pautada na difusão da emissão,
customização da informação, reutilização, circulação planetária e imediata de
informações abre novos movimentos no mercado musical no início do século XXI.
O próximo item mostra como os agentes produtores do campo fonográfico se
apropriam dos novos espaços e produzem novos discursos de legitimação e
posicionamento frente às novas tecnologias e a reestruturação do meio de produção –
distribuição – consumo.
170
Conceito utilizado pelo prof. dr. André Lemos (UFBA) no I Simpósio Nacional de
Pesquisadores em Comunicação e Cibercultura, 25 a 29 set. 2006.
127
3.2. Liberdade, democracia ou contravenção?: Um debate sobre o papel das
novas tecnologias
O avanço tecnológico sempre esteve no âmago da indústria da música.
Constituindo-se mola propulsora da inovação dos tocadores (fonógrafo, gramofone,
vitrola, tape, walkman, CD player, MiniDisc, DAT, iPod) e suportes (cilindro, discos, fita
cassete, CD, MD, MP3).
Como vimos no Capítulo 2, o formato e os suportes dos primeiros discos
definiram o tamanho entre 3 e 4 minutos para a difusão da música massiva com o
compacto simples e compacto duplo, depois o conceito de álbum (10 a 12 músicas) e
os 74 minutos do CD. Assim como toda evolução técnica, o advento do MP3, como
suporte digital, muda a relação do usuário com a produção cultural. A relação estética
e práticas sociais são orientadas entre o meio e suporte por onde trafega a
informação.
Ao retomar a noção de tecnicidade, de Jesús Martín-Barbero, é possível
entender a técnica como constitutiva, como dimensão imanente de uma visão
antropológica de comunicação. Nesse sentido, vivenciar uma nova experiência técnica
em um mundo intermediado por diversas interfaces entre diferentes meios e espaços
de comunicação do consumo e da criação requer um novo olhar sobre as práticas
sociais e os posicionamentos discursivos dos agentes do campo da produção
massiva.
Entender que esses agentes defendem interesses difusos, mas que de certa
forma assumem posicionamentos, não somente individuais, mas constituem também
corpo e/ou se alinham ao pensamento de instituições, corporações ou qualquer tipo de
organização.
Portanto, pretende-se nesse último item ver como os agentes do campo se
posicionam em relação às questões que foram levantas pelas novas tecnologias
digitais, no período estudado, como liberdade, democracia e contravenção.
O ambiente tradicionalmente considerado “democrático” e “livre” da internet
insere uma nova lógica ao mundo da música industrializada ao englobá-la e se definir
como meio importante na relação produção – distribuição – consumo.
A intenção, nessa parte final do trabalho, não é definir se realmente a internet
tem papel “democrático” ou “livre” na produção cultural da humanidade. Mas, perceber
o seu papel central na discussão sobre a apropriação e circulação de música no
mundo atual.
128
Agentes produtores de música defendem novas práticas e modelos de
negócios, enquanto outros buscam uma reestruturação que conserve alguns direitos
que são parte do tradicional modelo de negócios da indústria fonográfica.
É importante ressaltar que a pirataria do suporte físico no campo da produção
fonográfica existe há anos, porém se torna uma ameaça real à lucratividade da
indústria, na última década. O que leva a indústria a rever seu modelo de negócios,
principalmente em países onde a fiscalização é leniente como o Brasil. Mas, a
circulação ilegal dos produtos físicos da indústria da música nunca gestara novos
posicionamentos significativos em relação ao meio de produção – distribuição –
consumo da música.
São os novos meios digitais que implantam uma nova lógica nessa relação.
Uma discussão presente em todos os países inseridos num contexto de uma cultura
pop massiva. Uma produção que se apropria das novas lógicas desse território de
tráfego contínuo de informação e procura uma nova forma de se relacionar com os
meios digitais.
As idéias de novas licenças (Creative Commons e copyleft), presentes no
capítulo anterior, fazem parte de um desses novos movimentos entre os agentes que
procuram novos caminhos para a circulação de bens culturais.
Indivíduos que procuram adaptar o mundo da música na estrutura
informacional da rede mundial de computadores e fomentam o debate sobre a
circulação da produção cultural.
Em entrevista, a fala do cantor/ator/produtor indie Seu Jorge, artista que trafega
entre a cena “cult” cinematográfica e o mainstream musical nacional, se vê um novo
olhar sobre a circulação da música no dias atuais.
Acredito que se o cara “baixa” uma música pra
escutar...escutar com sua mina...é legal...acho que o
problema está quando um cara pega seu trabalho, que
custou uma grana pra produzir e teve que pagar um
monte de gente...vai lá, copia e vende... aí acho
errado... ele tá querendo tirar lucro em cima do seu
trabalho.
Percebe-se que o artista não vê uma relação de contravenção na apropriação
livre do pagamento dos direitos autorais do seu produto, caso este não vise o lucro,
mas um proveito para a formação cultural do receptor.
129
Prince e David Bowie foram um dos primeiros artistas a disponibilizar, em
meados de 1996, suas músicas na internet em troca de uma assinatura trimestral,
semestral ou anual.
Na Suécia, músicos como mr. Suitcase ganham espaço na mídia mundial pela
sua relação com os novos meios digitais. Em seu último álbum Frauds, ele se apropria
de trechos de canções de inúmeros artistas, como Prince, cria uma nova canção e
disponibiliza nos canais que desafiam as empresas que reivindicam seus direitos
autorais como: o YouTube, Pirate Bay e eBay.
Mr. Suitcase não defende a pirataria abertamente. De
acordo com o que ele disse ao TorrentFreak, "da
maneira como a internet funciona, não há razão para
argumentar pela ou contra a troca de arquivo. Nós
podemos concluir, aqui e agora, que a troca de arquivo
"é". [...] Qualquer coisa criada não é apenas para ser
experimentada, mas pode ser também blocos para
novas criações.
171
O Pirate Bay é um site registrado na Suécia, que divulga abertamente sua
postura favorável à troca de arquivos sem nenhuma legislação que contenha
restrições. O administrador Peter Brukep afirma não haver meios para conter o tráfego
livre dos arquivos e ignora as ameaças feitas pelas majors.
Desde o momento em que a reprodução virou possível,
há cópia. As pessoas gostam de copiar. Na verdade,
elas têm paixão por copiar, precisam copiar. É bom
para as pessoas, então, elas fazem. [...] Não há um
único estudo que mostre que os artistas realmente
perdem dinheiro com a troca de arquivos. Na verdade,
há pesquisas que mostram justamente o oposto. A
razão pode ser que as gravadoras perdem dinheiro,
não os artistas. Mais pessoas consomem música, e
mais pessoas vão a shows do que antes. Sem falar nas
outras mercadorias -- com as quais os artistas
171
DA REPORTAGEM LOCAL. Sueco faz "Frauds" com verba antipirataria. Folha de S. Paulo.
São
Paulo.
18
jun.
2008.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr1806200821.htm. Acesso em: 20 set. 2008.
130
normalmente conseguem acordos melhores do que nos
selos em que estão.
172
Os suecos também possuem um partido pirata, o Piratpartiet, desde janeiro de
2006. A proposta é realizar uma ampla reforma das leis de proteção aos direitos
autorais, que permitiria, entre outras coisas, usar redes de troca de arquivos para
baixar livros, músicas e filmes sem pagar nada.
Ressalta-se que na Suécia existe uma lei que arrecada uma parte do preço de
cada megabyte de mídia regravável vendida (abrangendo tocadores de MP3 e CD-Rs)
e destina o bolo aos artistas. Uma nova forma encontrada pelos legisladores desse
país, de compensar os criadores pela pirataria. O músico mr. Suitcase recebeu sua
parte da associação de direitos autorais suecos e assim produziu o álbum Frauds e
disse: "Como o dinheiro veio da pirataria, eu deveria usá-lo para mais pirataria,
certo?".
Músicos pertencentes às majors se manifestam e começam a polemizar a
questão sobre a circulação de música nessa nova era digital.
A conhecida banda de rock americana Counting Crows, em 2007, lançou seu
álbum pela Universal Music e coloca seu posicionamento sobre a circulação desse
novo produto. Seu líder, Adam Duritz, disse não ter feito concessões aos grandes
industriais da música.
Ele também brigou com a gravadora para lançar um
single digital gratuito contendo duas canções, "1492" e
"You
Can't
Count
On
Me".
A
banda
também
disponibilizou imagens suas para os fãs usarem em
suas próprias versões de clipes para o YouTube de
"You Can't Count On Me", quando ela foi lançada como
single. Com a execução em rádio "não confiável" e as
vendas de discos convencionais em declínio, Duritz diz
que a banda não tem alternativa a não ser explorar
opções baseadas em internet."A internet facilita tudo.
Nenhuma ferramenta que conecta cada indivíduo no
172
BARRETO, Felipe Corazza. Pirata defende troca de arquivos "sem censura". Terra
Magazine.
15
mai.
2007.
Disponível
em:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1613429-EI6596,00.html. Acesso em: 20 set.
2008.
131
mundo gratuitamente pode ser ruim. Nós estamos
acordando. Nós a estamos usando".
173
Trent Reznor, líder do Nine Inch Nails, usou o site da banda para atacar
violentamente a política de preços e a distribuição do álbum Year Zero estabelecida
pela gravadora Universal Music Group, citando o preço cobrado pelo álbum na
Austrália como "absurdo". Em um show no país, em setembro de 2007, o músico
tomou o lado dos fãs, rotulados pelas gravadoras como "ladrões" por baixar músicas
na internet. "Roubem e roubem e roubem mais, dêem tudo para seus amigos e
continuem roubando", disse.
No final de 2007, a banda lançou o álbum Ghosts I para download gratuito, e
sem restrições para seus fãs. Vislumbraram as novas possibilidades oferecidas pela
tecnologia e incentivaram a todos a utilização das novas ferramentas.
Agora que não estamos mais presos a uma gravadora,
decidimos enviar pessoalmente o álbum Ghosts I, o
primeiro de quatro volumes, a vários sites de torrents,
porque acreditamos que o BitTorrent é um método
revolucionário de distribuição digital, e acreditamos que
devemos encontrar formas de utilizar as novas
tecnologias, em vez de lutar contra elas. [...] Nós o
encorajamos a compartilhar a música de Ghosts I com
seus amigos, colocá-la em seu website, tocá-la em seu
podcast, usá-la como trilha sonora em vídeos etc. Ela é
licenciada para todas as formas de uso não-comercial
174
sob uma licença Creative Commons.
Os agentes produtores do campo fonográfico tomam posicionamentos difusos.
Marca de uma tecnicidade que propõem um novo olhar nessa nova alheação entre o
cérebro e a informação.
173
GRAFF, Gary. The New York Times: Adam Duritz, do Counting Crows, vem a público com
um segredo sombrio. The New York Times. Nova Iorque. 03 jun. 2008. Disponível em:
http://musica.uol.com.br/ultnot/2008/06/03/ult89u9137.jhtm. Acesso em: 20 set. 2008.
174
RIGUES, Rafael. Nine Inch Nails lança álbum "gratuito". 3 mar. 2008. IG Tecnologia –
Notícias.
Disponível
em:
<http://tecnologia.ig.com.br/noticia/2008/03/03/nine_inch_nails_lanca_album_gratuito_1213604.
html>. Acesso em: 20 set. 2008.
132
Nesse sentido, o exemplo da banda inglesa Radiohead torna-se marco
referencial na postura entre agentes do campo em relação aos novos meios de
circulação de música.
Considerada como uma das bandas de rock mais influentes do mundo, o
Radiohead, em outubro de 2007, disponibilizou seu sétimo disco In Rainbows para
download, no sistema que ficou conhecido como “pague o quanto quiser”. Os fãs
poderiam pagar qualquer quantia até 100 libras esterlinas ou “baixar” o álbum sem
pagar nada. Havia também a opção de adquirir o produto físico em uma caixa
especial, no qual estavam incluídos dois vinis, uma versão em CD de "In Rainbows" e
um segundo CD com novas músicas, encarte e fotografias da banda ao preço de
U$82.
Esse novo meio de disponibilizar um produto musical proposto por uma banda
consolidada no campo da produção fonográfica, e que escolheu sair do modelo de
negócios da sua antiga gravadora EMI, amplifica para o mundo o debate sobre as
novas tecnologias, onde não há como escapar da necessidade de se rever o meio de
produção – distribuição – consumo da música dentro de uma cultura pop massiva. A
indústria fonográfica se vê em um novo contexto nesses cem anos de hegemonia
sobre a produção musical pop mundial. O debate está colocado e estampado em
todos os principais veículos de informação de massa do planeta, como se vê abaixo.
A banda britânica Radiohead virou um dos assuntos do
ano ao disponibilizar
seu sétimo álbum, o "In
Rainbows", para download na internet pelo preço que o
usuário quisesse pagar. A estratégia adotada após fim
de contrato com a gravadora EMI foi aclamada por
críticos e fãs por tentar reverter os efeitos da pirataria
no mundo digital. Comercialmente, a iniciativa pode ter
rendido prejuízo, segundo o comScore, que faz
pesquisa sobre internet: mais de 60% do 1,2 milhão de
175
fãs não pagaram nada pelo álbum.
Apesar de não se saber o resultado financeiro da proposta, os novos
posicionamentos dos agentes do campo ganharam destaque e adesão entre os
produtores e consumidores de música.
175
Pague quanto quiser: Radiohead quebra paradigmas com novo disco. Folha de S. Paulo. 26
dez. 2007. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr2612200712.htm. Acesso
em: 20 set. 2008.
133
O Radiohead chegou a estar no topo das paradas britânica e americana na
venda do suporte físico. Mas, meses depois, o líder Thom Yorke disse que “foi uma
resposta única a uma situação particular”. Declaração que deixou vaga a experiência
adotada pela banda.
Em entrevista com Jan Fjeld, o diretor da UOL Megastore declara seu ponto de
vista sobre o acontecimento.
Acho que o Radiohead aproveitou o momento e soube
lucrar com a iniciativa [...] sabe-se que ganharam muito
dinheiro depois com a venda de uma caixa de luxo que
custava uma nota [...] eu mesmo comprei uma.
Fjeld, representante de um “braço” de venda legal de música na internet, vê o
acontecimento como uma grande jogada de marketing da banda inglesa.
Independentemente do fator que tenha motivado o Radiohead a disponibilizar
seu álbum aos fãs, a proposta ecoa no campo da produção fonográfica. Outros artistas
aderem à proposta, como Elvis Costelo, Mombojó, entre outros.
No Brasil, músicos famosos e independentes, pesquisadores e produtores
musicais discutem sobre as novas tecnologias em jornais, revistas, televisão e
simpósios.
Participei de alguns como o ciclo de debates Cultura e Democracia -Comunicação digital: a tecnologia vai democratizar as mídias e Música Cultura em
Movimento no SESC-SP, Novas Mídias Digitais (audiovisual, games e música):
impactos econômicos, sociais e políticos organizado pela Ford Foundation e o Instituto
de Estudos Econômicos e Internacionais, e o I Simpósio Nacional de Pesquisadores
em Comunicação e Cibercultura na PUC/SP.
BNegão, ex-integrante da conhecida banda carioca Planet Hemp, é um dos
artistas que participam desses ciclos de debates e depois de pertencer a uma major
com sua ex-banda, defende a liberdade total da música na internet. Disponibiliza seus
álbuns em copyleft desde 2003 e declara, em entrevista, sua convicção sobre o
caminho escolhido.
Eu produzo meus discos e disponibilizo na internet prá
rapaziada. [...] Fui fazer show em Barcelona, na
Espanha, em maio de 2004, e achava que ia estar
vazia a casa, mesmo porque não tenho ajuda de
divulgação das majors. Chegando lá, soube que estava
134
tudo esgotado e a galera já tinha “baixado” o som na
internet e sabia as músicas.
O ex-ministro da cultura, cantor e compositor Gilberto Gil é um dos agentes
produtores que expressa um novo posicionamento frente aos meios de circulação da
produção cultural.
Em diversas declarações aponta para a necessidade de uma revisão da
legislação e das formas de circulação da música.
A diferenciação entre cópia [da obra] privada e cópia
comercial é uma discussão não feita na lei, disse Gil,
para quem não se deve usar a tecnologia para cercear
liberdades.
176
Gil, que se utilizou de novas ferramentas digitais como YouTube para divulgar
seu último álbum Banda Larga Cordel (2008), declara o descontentamento com a
legislação cultural do país e defende maior liberdade para produtos culturais, para que
aconteça maior democratização no acesso à informação.
Para mim, as prioridades culturais são que as pessoas
leiam mais, vão aos museus e valorizem
seu
patrimônio. É preciso mudar as leis de consumo
cultural. O acesso à música tem de ser livre, gratuito e
de qualidade. O autor deve ser compensado, é claro,
177
mas aquilo vem primeiro.
O produtor Pena Schmidt, em entrevista, enxerga um novo cenário, onde todos
os agentes necessitam se readaptar radicalmente.
As lojas de discos estão desaparecendo [...] no site do
Submarino, eles já não possuem discos no catálogo.
[...] Esse modelo não serve para gerenciar o novo
176
Gil sugere criar órgão regulador do direito autoral. Folha de S. Paulo. 6 dez. 2007.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0612200735.htm. Acesso em: 20 set.
2008.
177
LINES, Estebán. "O acesso à música tem de ser livre, gratuito e de qualidade", defende
Gilberto
Gil.
17
abr.
2008.
La
Vanguardia.
Disponível
em:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lavanguardia/2008/04/17/ult2684u430.jhtm. Acesso em:
20 set. 2008.
135
formato que surge, pois a arte se imaterializou, se
libertou do CD. [...] A cópia é igual ao original e não há
como conter esse processo de circulação das músicas
pela internet.
Percebe-se na fala do ex-diretor de major que não há esperança para
produtores de música caso não se adaptem ao novo cenário. E explica que novas
idéias estão sendo debatidas no campo.
Já existe o conceito de música como água, onde não
sabemos de onde vem, mas pagamos prá alguém uma
taxa pela utilização.
Enxerga um cenário onde as gravadoras devem se transformar em agências
produtoras de artistas e o CD servirá como cartão de apresentação dos artistas.
Não chega a ser um dilema, mas sem música gravada
não há espetáculo? Ambos se complementam, a
música gravada hoje desemboca na apresentação ao
vivo e não mais na venda de cópias, de discos. A
música gravada pela gravadora tem mais chances de
virar boa bilheteria do que virar vendas. Localizando
melhor a conversa, no Brasil não temos nem a chance
da venda de música pela internet, este mercado é
insignificante. A loja da Apple, iTunes, que domina 80%
do mercado americano de venda pela internet, não tem
planos para entrar no Brasil e nem se cogita aqui de
outras receitas, que poderiam ser auferidas pelas
gravadoras, pelo tráfego de suas músicas pela internet,
como cobrar nos provedores de banda e distribuir via
ECAD, tema que é assunto de Estado pelo mundo
afora. Resultado? O dinheiro está nos shows. Mais
força para o agente, que um dia poderá ir buscar estes
direitos e porcentagens das vendas digitais, que
acontecem
quase
administração
e
sozinhas,
logistica,
sem
como
no
precisar
de
tempo
das
gravadoras.
136
Na visão de Cris Olivieri, participante do simpósio Música Cultura em
Movimento e experiente advogada especializada em direito autoral, acredita que há
um novo cenário, mas que a tecnologia que abriu espaço para uma circulação livre de
música na internet pode criar mecanismos de proteção do direito autoral.
O autor precisa ter seus direitos autorais protegidos.
Essa é a garantia que ele tem para poder se dedicar ao
seu ofício que é criar. [...] Ele é o movimento dessa
indústria [...] o controle é possível, basta achar o
usuário. [...] A discussão fica reduzida, de maneira
romântica, ao se falar de liberdade nos meios digitais
[...] a própria tecnologia trará respostas de controle.
Lobão é um dos artistas que sempre defendeu o fim da indústria fonográfica.
Uma indústria que monopoliza os meios de comunicação e impede o surgimento de
novos artistas, a seu ver. Apesar do seu posicionamento, lançou um álbum pela Sony,
em parceria com a MTV (2007-2008), e em entrevistas manteve um discurso
contraditório, privilegiando a possibilidade de uma grande produção, mas mantendo
sua visão de independência em relação às grandes gravadoras.
"As gravadoras são parasitas intermediárias da pior
espécie. Elas monopolizam as rádios, impedindo que o
grande público conheça outros artistas". Há dois anos,
em entrevista ao Guia da Semana, Lobão, voraz, ataca
as empresas fonográficas e sustenta a posição de que
incentivar a pirataria é uma forma de desestabilizar a
tal indústria, que suga os artistas e limita a criatividade
dos mesmos. Hoje. "Contraditório, eu? Resolvi fazer
um álbum que precisava do auxílio de uma gravadora,
e daí?". O cantor afirma que foi dele a idéia de fazer o
projeto. Ele mesmo ligou para a MTV e disse que
queria produzir algo grande. Logo, as gravadoras
começaram a ligar. O cara não blefou e escolheu a
Sony, pois ela já conhecia o seu trabalho. Detalhe:
Lobão afirma que teve total liberdade na escolha do set
list. Mas..."o artista bom é aquele que se produz".
Lobão garante que mesmo com a ajuda de uma
gravadora, continuará nas produções independentes.
137
Atualmente, o cantor trabalha no site Universo Paralelo
Virtual, espaço onde as bandas autônomas divulgam
seu material.
178
Os novos movimentos no mercado musical, no início do século XXI, gestam
novos posicionamentos e interesses difusos frente às possibilidades que as novas
tecnologias digitais trouxeram para o campo da produção fonográfica. A estratégia
defensiva da indústria fonográfica mostrou-se inadequada diante das novas dinâmicas
do mercado.
Os agentes do campo da produção fonográfica tentam se adaptar ao novo
cenário que as tecnologias digitais impuseram ao tradicional modelo de negócios da
indústria do disco.
Após anos de uma estratégia defensiva, as majors e os agentes ligados ao
tradicional modelo de negócios da música percebem a necessidade de um novo
posicionamento dentro do campo nos últimos anos da década apresentada (19982008). Seja por meio do investimento na comercialização do suporte digital dos seus
produtos em sites legalizados, parcerias com operadoras e fabricantes de celular e
tocadores digitais, retirando restrições como DRM dos seus produtos, utilizando-se
dos novos canais de divulgação como YouTube e MySpace ou se transformando em
agências especializadas em gerenciar a carreira artística de artistas.
As indies e os agentes ligados aos novos meios tecnológicos sofrem com as
mudanças no campo da produção fonográfica, mas se adaptam mais facilmente a um
cenário que possibilita a um maior número de agentes independentes produzir,
distribuir e divulgar seus produtos pelos novos canais digitais, de melhor organização
da cena indie com a profusão de festivais pelo país e o surgimento de uma
organização representativa como a ABMI.
As novas redes trouxeram interatividade e conectividade que libertaram a
produção de um pólo hegemônico de difusão. A mídia massiva se mantém soberana e
a indústria fonográfica conserva seu posicionamento central na produção da cultura
pop planetária. Mas, a efervescência da produção se aproveita dos novos canais peerto-peer, YouTube, MySpace, iPod, celulares, MP3 para difundir um novo olhar sobre a
circulação da produção cultural. Reclama por uma nova ética, em um novo mundo
baseado nesse território informacional móvel que permite a circulação planetária e
178
BARALDI, Humberto. Lobão enjaulado?. Guia da semana. 25 mai. 2007. Disponível em:
http://www.guiadasemana.com.br/noticias.asp?ID=3&cd_city=1&cd_news=26903. Acesso em:
20 set. 2008.
138
imediata de informações aos que participam dessa experiência de desterritorialização
e conectividade.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Debruçar-se sobre um território em transformação constante à procura de
novos movimentos, em um mundo mergulhado no volume intenso e contínuo de
informação torna-se tarefa instigante, mas extremamente difícil pela aproximação no
tempo com o objeto de estudo.
O intuito de dar seqüência ao estudo realizado na graduação se tornou
necessário dadas as mudanças ocorridas, em tão pouco tempo, dentro de um
mercado que mantinha um modelo tradicional e sólido de negócios, durante
aproximadamente cem anos.
Apesar de tentar dar conta de um período preciso no campo da produção
fonográfica (1998-2008), era preciso tratar historicamente de algumas evoluções
técnicas para melhor entender e dimensionar as mudanças ocorridas no mundo
sonoro da cultura pop contemporânea. Apontar os fatos e os agentes mais relevantes
dentro desse campo, para o entendimento das mudanças, quando o mundo da musica
é levado para o novo território digital.
Nesse sentido, fez-se importante trilhar um caminho que apontasse os
principais referenciais teóricos que trataram sobre a indústria cultural desde o seu
surgimento e definir a nossa linha de estudo dentro de uma cultura pop, retomando a
idéia de música popular massiva de Jorge Cardoso Filho e Jeder Janotti Jr.
Com essa base, o objetivo foi o de levantar os principais acontecimentos e a
evolução técnica dentro da produção da música industrializada no mundo e,
especificamente, no Brasil.
O conceito de campo de Pierre Bourdieu serviu de principal referência para o
entendimento
da
dinâmica
dos
agentes
produtores
no
cenário
musical
brasileiro,configurando-se como o espaço de lutas por posições hierarquicamente
superiores. Um espaço social delimitado de disputas por legitimidade.179
A consolidação do mercado fonográfico brasileiro mostra a importância dessa
indústria dentro de um mercado de bens simbólicos nacional.
Com dados do mercado e pesquisas científicas tratou-se de mostrar a dinâmica
do mercado brasileiro e definir alguns conceitos que definem o posicionamento dos
agentes dentro do campo, como indies, majors, mainstream e alternativo
(underground).
179
Ver BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; e La
Distinción. Espanha: Madri, Taurus, 1999.
140
Pretendeu-se mostrar a dificuldade em definir os agentes e mostrar novas
dinâmicas dentro do campo ao escolher dois casos relevantes da cena musical
nacional: Los Hermanos e Banda Calypso.
Neste sentido, o que constatei no cenário musical brasileiro foi a idéia de uma
cena alternativa, que tanto pode conter artistas ligados a grandes empresas da
indústria fonográfica, quanto às indies. Como a esfera do mainstream, que pode
englobar artistas que participam da produção independente e aqueles ligados às
majors.
A partir desses relatos, pode-se definir melhor a cena alternativa e o
mainstream no período proposto pelo estudo (1998-2008). Mostra-se o cenário e os
artistas do mainstream, mas ressalta-se o crescimento e a profissionalização da cena
alternativa.
Assim, a intenção foi sinalizar o comportamento dos agentes do campo. Como
Bourdieu defende a oposição principal entre a produção pura, destinada a um
mercado restrito aos produtores, e a grande produção, dirigida para a satisfação das
expectativas do grande público, o mercado fonográfico parece trabalhar com as
mesmas oposições no subcampo da cultura pop, onde a cena independente coloca
sua distinção em relação à produção do mainstream, sem negar a participação no
mercado e sua relação com a mídia.
O próximo passo seria mostrar o surgimento da tecnologia digital no mundo da
música para compreender como a nova técnica insere novas lógicas no campo da
produção fonográfica.
O conceito de tecnicidade de Jesús Martín-Barbero serve de base para a
compreensão de como a técnica insere um novo olhar na relação entre o cérebro e a
informação. Por meio da noção de tecnicidade é possível entender a técnica como
constitutiva, como dimensão imanente de uma visão antropológica de comunicação.
Nesse sentido, essa tecnologia digital entendida como a extensão do fazer e do criar
da humanidade coloca, não somente, novos desafios e posicionamentos em relação
aos meios e modos de produção, mas também de apropriação e disseminação desses
produtos.
Pode-se construir o caminho histórico da tecnologia digital no mundo da música
e entender como a produção musical se insere no novo ambiente e contexto chamado
internet por meio do desenvolvimento, principalmente, das pesquisas de compressão
de áudio que gera o MP3, o desenrolar de softwares que permitem que os arquivos de
áudio circulem pela internet e o desenvolvimento de novos hardwares para armazenar
o novo suporte imaterial sonoro.
141
O cenário serviu para discutir a pirataria no mercado fonográfico com
o
surgimento das novas tecnologias digitais. Fez-se necessário ressaltar que as novas
tecnologias digitais abriram novos caminhos para a produção – distribuição – consumo
da música nos últimos dez anos. Porém, não se deve afirmar que as novas
tecnologias digitais, em si, carregam o cerne da pirataria moderna.
Prentendeu-se mostrar como surgem novas idéias em relação à produção –
distribuição – consumo como o Creative Commons e o copylef,t e as conseqüências
financeiras e medidas adotadas pelas majors e indies.
Aponta-se para um novo prisma sobre a circulação de bens culturais inseridos
na nova lógica digital móvel e, ao retomar o proposto no Capítulo 2, pode-se dizer que
as novas tecnologias que libertam os usuários do pólo de emissão, permitem novas
interatividades e conectividades, uma livre produção colaborativa e compartilhamento
da produção musical, por meio de novas redes que incentivam a troca de informação
livre, fomentam a efervescência da produção e da emissão por parte de maior número
de agentes. Portanto, esses novos fluxos comunicacionais que circulam num território
informacional móvel, necessariamente criam uma nova relação de produção –
distribuição – consumo e uma nova ética, que engendra o debate sobre a “residual”,
tradicional e a “emergente” forma de produção e apropriação da cultura no início do
século XXI.
No capítulo final, a abordagem sobre o posicionamento dos agentes em
relação às mudanças colocadas pelas tecnologias digitais no campo da produção
fonográfica. Saliente-se o discurso de artistas, diretores, produtores, majors e indies
nessa nova etapa vivida pelo mercado fonográfico, onde se vê novos posicionamentos
de agentes dentro de majors e indies, que propõem novos modelos, criam novas
alternativas, fomentam o debate e, de certa forma, assumem novos posicionamentos
dentro do campo da produção fonográfica. Às vezes contraditórios, mas revelando que
as novas tecnologias inseriram novos posicionamentos e uma reconfiguração que
aciona esses agentes a redefinir seus papéis dentro da nova lógica desse território
informacional móvel, de fluxo contínuo de informação, que promove novas formas de
mobilização social e se aproveita da liberação de um pólo hegemônico de difusão.
A efervescência da produção é possível pelo desenvolvimento das novas
mídias que possibilitaram a um maior número de pessoas produzir, distribuir e
consumir por intermédio da interatividade e conectividade que as novas redes digitais
proporcionaram.
Os
apocalípticos
da
indústria
fonográfica
devem
resguardar
suas
considerações, porém o advento do MP3, das redes peer-to-peer, MySpace, YouTube,
142
tocadores de arquivos sonoros como iPod, os celulares, a banda larga, os softwares
de gravação de pequenos estúdios e homestudios, webrádios e podcasts gestaram
novos processos comunicacionais. Inseriram um novo olhar antropológico dentro do
campo de produção fonográfica, pressionado pela nova demanda que reclama por
uma nova ética na relação produção – distribuição – consumo da produção dos bens
culturais.
Os novos movimentos no mercado musical nesse início de século XXI é uma
realidade colocada pelos meios digitais que englobaram a produção fonográfica e
inseriram novas dinâmicas para os agentes conectados com a produção de uma
cultura pop planetária. O novo meio digital conclama uma nova experiência estética e
uma nova ética em um território informacional que encurtou o espaço e o tempo com a
circulação planetária e imediata das informações. Fruto de um novo fazer, de um novo
criar da humanidade.
Antes mundo era pequeno, porque Terra era grande.
Hoje mundo é muito grande, porque Terra é pequena.
Do tamanho da antena parabolicamará. Ê, volta do
mundo, camará. Ê-ê, mundo dá volta, câmara.
(Parabolicamará – Gilberto Gil)
143
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150
ANEXO
Anexo1 - CARTA DO PARANÁ TOQUE O BRASIL
Nós,
músicos
e
produtores
fonográficos,
advogados,
jornalistas,
comunicadores e emissoras públicas de todo o Brasil, reunidos em Curitiba, nos dias
11 a 13 de abril de 2008, sob convocação da ABMI (Associação Brasileira de Música
Independente), AMAR (Associação dos Músicos, Arranjadores e Regentes), UBC
(União Brasileira de Compositores) e Governo do Paraná, por meio da Secretaria de
Estado da Cultura e da Rádio e Televisão Educativa do Paraná, refletimos sobre a
atual situação da música independente brasileira e afirmamos a manutenção do termo
Produção Independente como fator de diferenciação em relação à produção
massificada.
Entendemos que o cenário musical brasileiro atravessa um momento
esplendoroso e pujante da criação e produção musicais. No entanto, sofremos há
tempos com a prática de mercado que domina o setor
Preocupa-nos a falta de
políticas públicas de fortalecimento do setor musical, relegado a uma ditadura de
mercado, que define uma estética própria, de qualidade e gosto que julgamos
duvidosos, baseada na obtenção do maior lucro pelo menor custo de produção,
imposta de forma homogênea para todo o Brasil. Trata-se de um modelo nocivo aos
interesses nacionais, que reduz a difusão da produção musical genuinamente
brasileira, ignorando inclusive nossas riquezas regionais.
Entre tantos dados
exaustivamente analisados, destacamos um exemplo desse descaso com a cultura
nacional: durante o ano de 2007, as quatro gravadoras multinacionais que operam no
Brasil produziram apenas 130 títulos. Destes, 75 são licenciamentos de música
estrangeira e apenas 55 de produção nacional. No mesmo período, 63 gravadoras
nacionais independentes colocaram no mercado 784 títulos novos. De modo
inversamente proporcional, a produção de música independente nacional ocupou
apenas 9,82% do espaço de veiculação musical, contra 87,37% do espaço ocupado
pela produção da indústria multinacional nas rádios comerciais de todo o País. Tratase da imposição de um modelo de dominação cultural e monopolização do mercado
da música que leva ao empobrecimento da cultura brasileira. Por meio da redução da
pluralidade e diversidade de estilos e gêneros registra-se um rebaixamento da música,
assim como de toda produção cultural nacional, a simples produtos descartáveis,
exatamente num país reconhecido mundialmente pela exuberância de seu tesouro
151
musical. Para democratizar o acesso à música profissional de qualidade, garantindo o
desenvolvimento da cultura nacional em base à cidadania, à ética e ao respeito aos
valores mais nobres de uma sociedade,convocamos as autoridades brasileiras e a
sociedade de um modo geral a refletir sobre e a apoiar os seguintes
encaminhamentos:
AOS GOVERNANTES
1. Repudiar e combater como crime a prática do “jabá” (veiculação musical
paga aos meios de comunicação) como um ato lesivo à cultura nacional.
2. Desenvolver um mecanismo de aquisição pública da produção independente
de música brasileira, para uso nas bibliotecas, acervos e escolas públicas como forma
de desenvolver e estimular a educação musical do povo brasileiro.
3. Pelo mesmo motivo, implantar e desenvolver a educação musical nas
escolas de todo o país, como disciplina do currículo.
4. Criar uma política de Estado em defesa dos acervos das editoras musicais
brasileiras, através do IPHAN, para impedir a absorção dos catálogos nacionais por
grupo estrangeiros.
5. Assumir a defesa intransigente da lei dos direitos autorais.
6. Exigir que os órgãos públicos só possam veicular anúncio publicitário,
campanha pública ou outra forma de veiculação que possibilite o repasse de recursos
públicos em emissoras que estejam em dia com suas obrigações legais em relação
aos direitos autorais.
7. Condicionar a manutenção e renovação das concessões públicas ao fiel
cumprimento da legislação, particularmente no que diz respeito ao recolhimento de
direitos autorais.
8. Criar mecanismos que garantam a diversidade e regionalidade na
veiculação de toda a produção musical brasileira nos meios de comunicação em geral,
de acordo com os artigos 221 e 222 da Constituição Brasileira.
152
AOS ARTISTAS E À SOCIEDADE BRASILEIRA:
1. Criar um banco de dados sonoros, em suporte digital, sistematizando um
repertório nacional de música independente, destinado à sua difusão especialmente
para as emissoras das redes públicas de comunicação.
2. Apoiar a PEC, em tramitação no Congresso Nacional, que cria a imunidade
tributária para a música brasileira, como forma de reconhecimento do seu papel
educativo e primordial para a identidade cultural brasileira, assim como já é feito com a
produção editorial.
3. Apoiar a criação, fortalecimento e expansão em sinal aberto dos sistemas
público e estatal de comunicação, como forma de garantir a democracia informativa no
país, e cobrar que tais emissoras se comprometam a ser agentes da difusão da cultura
nacional, respeitando e valorizando a cultura regional.
4. Manifestar apoio ao ECAD, condenando toda campanha iniciada como forma
de enfraquecer esta organização, conquista dos artistas brasileiros, e ao mesmo
tempo contribuir para que a instituição amplie e aperfeiçoe seus mecanismos de
transparência e eficiência. Para dar continuidade aos temas tratados neste encontro,
os presentes decidiram manter esta forma de organização e, para isso, formar um
grupo de trabalho, composto por representantes das entidades organizadoras deste
encontro e outras entidades convidadas.
153
Tabela de modelos
Modelo Geração Imagem Capacidade
iPod
classic Primeira
Segunda
Terceira
Mudanças introduzidas
Preço no
Data de
lançamento
Conectividade lançamento
(US$ - dólares
original
americanos)
Sistema
mínimo para
sincronização
(Mac/Windows)
FireWire
23 de
outubro de
2001
$399, $499
9
10.1
FireWire
17 de julho
de 2002
$399, $499
10.1/2000
28 de abril
de 2003
$299, $399,
10.1/2000
$499
5, 10 GB
Primeiro modelo, com roda de
rolagem mecânica.
10, 20 GB
Roda sensível ao toque. Porta
FireWire recebeu uma tampa.
Botão HOLD (travar) revisado.
Compatibilidade com Windows
através do Musicmatch.
10, 15, 20,
30, 40 GB
Primeira vez completamente
redesenhado, inclusão do "dock
connector", e caixa mais fina. O FireWire (USB
para sincronização
suporte através do Musicmatch somente)
foi substituído pelo lançamento
do iTunes 4.7 para Windows..
Quarta
Quarta
(iPod
photo)
Quinta
Sexta
20, 40 GB
Inserida a click wheel, baseada
no iPod mini.
FireWire ou
USB
19 de julho
de 2004
$299, $399
20, 30, 40,
60 GB
Versão aprimorada do iPod de
quarta geração, com tela
colorida e suporte a
visualização de fotos. Mais
tarde foi integrado à linha
principal dos iPods.
FireWire ou
USB
Outubro de
2004
$349, $449,
10.2/2000
$499, $599
30, 60,
80 GB
Segunda vez completamente
redesenhado, com uma caixa
mais fina ainda, e uma tela
mais larga, com uma novidade,
a reprodução de vídeo.
Lançado em versões preta e
branca.
USB (FireWire
12 de
outubro de
2005
$299, $399
(later $249,
$349)
80, 160 GB
Introduzido o sufixo "classic".
Nova interface, e parte frontal
de alumínio anodizado. Versão
prateada substituiu a branca.
USB (FireWire
apenas para carga)
apenas para carga)
5 de
setembro de $249, $349
2007
10.2/2000
10.3/2000
10.4/XP
155
Sétima
Primeira
120 GB
Novos recursos Genius e
Nike+; a parte de trás em
alumínio anodizado e a frente
em prateado quintessencial ou
preto cintilante. Mais fino. O
mesmo preço que o modelo de
80 GB anterior.
USB (FireWire
4 GB
Novo modelo, com dimensões
reduzidas. Disponível em 5
cores. Introduziu a "Click
Wheel".
USB ou
FireWire
4, 6 GB
Variações de cores mais claras,
duração da bateria estendida.
USB ou
Os ícones da Click Wheel
passaram a ter a mesma cor do FireWire
corpo. O modelo dourado foi
descontinuado.
22 de
fevereiro de $199, $249
2005
10.2/2000
512 MB,
1 GB
Novo modelo, sem tela e com
armazenamento por memória
flash.
11 de
janeiro de
2005
10.2/2000
iPod
mini
Segunda
iPod
shuffle Primeira
apenas para carga)
USB
9 de
setembro de $249
2008
10.4/XP
6 de janeiro
de 2004
10.1/2000
$249
$99, $149
(later $69,
$99)
156
1, 2 GB
Nova versão, com dimensões
reduzidas e design de "clip".
Quatro novas cores foram
introduzidas mais tarde, e
alteradas novamente em outro
momento.
USB (pelo dock
Primeira
1, 2, 4 GB
Substituiu o iPod mini.
Armazenamento por memória
flash. Disponível em preto e
branco.
7 de
USB (FireWire para setembro de $149, $199, 10.3/2000
carga somente)
$249
2005
Segunda
2, 4, 8 GB
Corpo de alumínio anodizado,
baseado no iPod mini, e 6
opções de cores.
12 de
USB (FireWire para setembro de $149, $199, 10.3/2000
carga somente)
$249
2006
4, 8 GB
Tela de 2 polegadas, com
resolução de 320x240, a tela
com a maior densidade de
pixels já feita pela Apple. Cores
atualizadas, nova interface e
suporte a reprodução de vídeo.
5 de
USB (FireWire para setembro de $149, $199
carga somente)
2007
Segunda
iPod
nano
Terceira
somente)
12 de
$79 (later
setembro de
$49, $69)
2006
10.3/2000
10.4/XP
157
Quarta
Primeira
8, 16 GB
Mais alto e tela maior. Novo
design curvo; acelerômetro
incluído; Tela reversível vertical
ou horizontal como o iPhone.
Até 9 cores. Até 24 h de
música, ou 4 h de video.
9 de
USB (FireWire para setembro de $149, $199
carga somente)
2008
8, 16 e
32 GB
Design baseado no iPhone.
Inclui o navegador da Web
Safari, tela multitoque, acesso
sem fio a internet via Wi-Fi,
iTunes Store, YouTube, etc.
5 de
USB (FireWire para setembro de $299, $399, 10.4/XP
carga somente)
$499
2007
8, 16 e
32 GB
funcionalidade Nike+
adicionada; encosto de trás de
cromo mais fino; funcionalidade
Genius; atualização do software
9 de
iPhone 2.1 para iPod touch;
USB (FireWire para setembro de
carga somente)
novos botões de volume
2008
integrado e alto-falante interno;
e acelerômetro incluído. Mais
leve que o modelo prévio.
Bateria durando mais horas.
iPod
touch
Segunda
10.4/XP
158
Download