história da língua portuguesa

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História da Língua Portuguesa
José Pereira da Silva
(organizador e editor)
HISTÓRIA
DA LÍNGUA PORTUGUESA
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01
São Gonçalo (RJ)
2001
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
S586m
Silva, José Pereira da, 1946–
História da língua portuguesa / José Pereira da Silva.
São Gonçalo (RJ) : O Autor, 2001. 105 p.; 14 X 21 cm.
(Cadernos de Pós-Graduação em Língua Portuguesa)
ISBN 85.314-0601-3
1. Língua Portuguesa. 2. Gramática. 3. História. 4.
Língua portuguesa – Estudo e ensino. I. Título
CDD-469.5
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES
Reitora
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Vice-Reitor
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Sub-Reitor de Graduação
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Sub-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
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Sub-Reitor de Extensão e Cultura
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Vice-Diretor da Faculdade de Formação de Professores
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Chefe do Departamento de Letras
Flavio García de Almeida
Sub-Chefe do Departamento de Letras
Fernando Monteiro de Barros Júnior
Coordenador da Pós-Graduação em Língua Portuguesa
Afrânio da Silva Garcia
Coordenador de Publicações do Departamento de Letras
José Pereira da Silva
Editor dos Cadernos de Pós-Graduação em Língua Portuguesa
José Pereira da Silva
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO – José Pereira da Silva.......................05
A EVOLUÇÃO DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS
DO LATIM AO PORTUGUÊS – José Roberto de Castro
Gonçalves........................................................................07
A EVOLUÇÃO DOS TEMPOS VERBAIS – Priscila Brügger
de Mattos.........................................................................24
A FORMAÇÃO DOS PRONOMES NA LÍNGUA PORTUGUESA Jupira Maria Bravo Pimentel...........................32
A INFLUÊNCIA INDÍGENA NOS TOPÔNIMOS DO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO – Norma Cristina da Silva
Moreira ...........................................................................46
CONTRIBUIÇÕES AFRICANAS NOS FALARES DO BRASIL – Jaline Pinto da Silva .............................................60
ORIGEM E USO DO FUTURO DO SUBJUNTIVO – Patrícia
Miranda Medeiros ..........................................................76
PROVÉRBIOS: SABEDORIA DE UM POVO – OS PROVÉRBIOS E SEUS OPOSTOS – Nadir Fernandes Rodrigues Cardote ...................................................................84
PERMUTA ENTRE /b/ E /v/ – José Marcos Barros Devillart
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
APRESENTAÇÃO
A Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação e a Coordenação de
Publicações do Departamento do Letras da Faculdade de Formação de Professores têm o prazer de apresentar-lhe o primeiro número dos Cadernos da
Pós-Graduação em Língua Portuguesa, que agora surgem com a finalidade de dar visibilidade à produção acadêmica de seus discentes e docentes da
forma mais simples possível.
Os trabalhos aqui divulgados são produzidos, normalmente, como
monografias de avaliação discente das disciplinas oferecidas durante o referido curso, bem como outros preparados pelos docentes e utilizados como
bibliografia complementar ou básica.
Neste primeiro número, todos os trabalhos foram produzidos como
monografias de avaliação da disciplina História da Língua Portuguesa, oferecida pelo Prof. José Pereira da Silva no primeiro semestre do ano 2001,
tendo contribuído como autores: Jaline Pinto da Silva, José Marcos Barros
Devillart, José Roberto de Castro Gonçalves, Jupira Maria Bravo Pimentel,
Nadir Fernandes Rodrigues Cardote, Norma Cristina da Silva Moreira, Patrícia Miranda Medeiros e Priscila Brügger de Mattos, professores pósgraduandos em Língua Portuguesa.
No segundo número, já em fase de organização, serão publicados
trabalhos sobre Morfossintaxe da Língua Portuguesa, também resultantes
de monografias com a mesma finalidade e sob a orientação do mesmo docente, não ficando necessariamente excluídos os outros.
O organizador dos Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa não se responsabiliza pelas opiniões dos autores, que entregam os
textos digitados para a específica finalidade de serem publicados e contribuem com a sua divulgação, adquirindo sempre um pequeno número de exemplares para que se cubram as despesas da publicação.
Neste momento, em que os alunos dos cursos do Departamento de
Letras da Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo conseguiram o melhor desempenho na Avaliação Nacional de Cursos (o Provão), a
pós-graduação não poderia deixar de apresentar também a sua contribuição
para manifestar publicamente a satisfação de pertencer a um quadro tão selecionado de colegas de Letras, graduandos e graduados.
Surgidos como uma iniciativa da Coordenação de Publicações do
Departamento de Letras, estes Cadernos estão abertos para acolher também,
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
nos próximos números, a contribuição dos ex-alunos e ex-professores do
Curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa para que também a produção anteriormente elaborada por esse corpo não fique excluída ou engavetada.
Está sendo preparado também o Catálogo das Publicações do Departamento de Letras, que poderá sair como um volume próprio ou anexo
ao segundo número destes Cadernos (o que ainda não está definitivamente
resolvido) e estará disponível no início do próximo período letivo.
Esperamos que esta iniciativa seja bastante enriquecedora e que anime os caros colegas (que se iniciam no seu aperfeiçoamento) a publicarem
os seus trabalhos e a se esforçarem cada vez mais para a consecução do
maior aperfeiçoamento possível em todas as suas produções acadêmicas.
A FFP, o Departamento e seus cursos de Letras também começam a
aparecer na listagem dos melhores do País, engrandecendo o trabalho de
seus alunos, funcionários e professores, que já podem ser tomados como
exemplos a serem seguidos, ao menos no que fazem de bom para o desenvolvimento do ensino superior, da pesquisa e do engajamento com a sua
comunidade.
Aguardando as suas críticas e as suas sempre bem desejadas sugestões, a Coordenação de Publicações do Departamento de Letras promete levar absolutamente a sério todas as suas opiniões e corrigir nos próximos
números ou reedições todos os erros apontados.
José Pereira da Silva
Organizador e Editor
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
A EVOLUÇÃO DOS PRONOMES
DEMONSTRATIVOS DO LATIM AO PORTUGUÊS
José Roberto de Castro Gonçalves
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa
Todo o sentido da vida
Principia à vossa porta.
Cecília Meireles
1- INTRODUÇÃO
Este trabalho visa a estudar a evolução dos pronomes
demonstrativos do latim ao português, como também o seu sentido, emprego e funções.
Todo língua possui um sistema de formas, destinado a situar os elementos do mundo biossocial, que interessam à expressão lingüística, no quadro de um ato de comunicação. Em
vez de serem representados por formas lingüísticas que os evoquem e simbolizem de acordo com o conceito que tem de cada
um deles a comunidade falante, como sucede nas formas nominais e nas formas verbais, eles passam a ser indicados pela posição que ocupam no momento de uma mensagem lingüística.
Essas formas, assim meramente indicativas, ou dêiticas em sentido amplo, são os pronomes. Funcionam como o campo mostrativo da linguagem, em face do campo representativo ou simbólico.
Em latim, como é a regra geral, o sistema de indicação
dos pronomes tinha para perto de partida o eixo falante–
ouvinte, que se estabelece num ato de comunicação.
Ao sistema dos pronomes pessoais correspondia um sistema demonstrativo, em que os elementos exteriores ao falante
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
ou ao ouvinte eram indicados pela sua posição em referência a
um ou a outro: hic e iste, e uma série de outros pronomes para
o que estava além dessas duas áreas mostrativas.
A partir desse estudo detectou-se o problema e daí justifica a elaboração dessa pesquisa, mostrando que do pronome
“ille” provieram os artigos e o pronome pessoal de 3a pessoa –
“ele” em língua portuguesa.
2- AS VARIAÇÕES DOS PRONOMES
DEMONSTRATIVOS
2.1- O Sistema Dos Pronomes Demonstrativos
No latim clássico havia três pronomes demonstrativos
que correspondiam às três pessoas gramaticais: hic para a primeira, iste para a segunda e ille para a terceira.
Observou-se no latim vulgar, uma certa confusão no uso
desses pronomes. É freqüente encontrar-se empregado um no
lugar do outro.
Desde o tempo de César, o pronome da segunda pessoa
iste substitui o da primeira hic, que nos últimos tempos desaparece inteiramente.
O pronome de identidade ipse, da terceira pessoa, passou
então a ocupar o lugar de iste.
J. J. NUNES (1975) afirmou que o latim costumava a designar as três pessoas respectivamente pelos pronomes hic, iste
e ille; afora estes, possuía a mesma língua os pronomes ipse e
idem, que designavam identidade, sendo o último um composto
de outro pronome, is, que era empregado em todos os casos, e
de significação contrária a estes alius e alter; o romance, porém, dos quatros últimos ficou só com dois, ipse e alter, deixando de empregar idem e alius, mas no primeiro destes esque8
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História da Língua Portuguesa
ceu a primitiva significação, e, como iste viera a substituir o
hic (que igualmente saiu do uso, deixando vestígios apenas nas
expressões agora e arc ogano, nas quais, justapondo-se aos
substantivos hora e anno, formou como que vocábulos simples) e passara a indicar proximidade, ao contrário de ille, que
designava afastamento, por isso o ipse ocupou o lugar por ele
deixado. Em vista, pois, desta substituição, resultaram para a
nossa língua os seguintes demonstrativos simples:
masculino
este
esse
ele
1a pessoa
feminino
esta
2a pessoa
essa
3a pessoa
ela
neutro
esto
esso
elo
(NUNES, 1975, p. 246)
Ele diz que o latim costumava reforçar os pronomes, servindo-se de duas partículas: ecce e met, das quais a primeira
antepunha e a segunda como que sufixava ao vocábulo sobre o
qual pretendia em especial chamar a atenção; semelhante prática devia, sobretudo, ser do gosto do povo, a julgar pelo seu
emprego quase exclusivo dos poetas cômicos. Mas, a par de
ecce, que, fundido com os pronomes iste e ille, com elisão do e
final, ocorre, sobretudo, na poesia arcaica, havia igualmente em
latim a expressão eccum, a qual, sendo composta do mesmo
advérbio ecce e do pronome is, no caso acusativo, veio a perder
a idéia dessa composição e a ser considerada como sinônimo
de ecce. Da junção desta partícula com os mencionados pronomes iste, ipse e ille nos três gêneros latinos e número singular provieram os seguintes demonstrativos compostos:
masculino
aqueste
1a pessoa
feminino
aquesta
neutro
aquesto
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História da Língua Portuguesa
aquesse
2a pessoa
aquessa
aquele
3a pessoa
aquela
aquesso
aquelo
(NUNES, 1975, p. 247)
J. J. NUNES afirmou que no século XV não havia diferença sensível entre os pronomes simples e os compostos. É
provável, porém, que nos primeiros tempos houvesse tal ou
qual ênfase que os diferenciasse no seu emprego; provavelmente, porque essa pequena distinção se perdeu pouco a pouco e as
duas formas tornaram-se sinônimas, é que as últimas desapareceram do uso, não sucedendo, todavia, nem podendo suceder o
mesmo ao pronome da terceira pessoa, aquele, porque o simples, ele, fora cedo escolhido, para suprir, nos pessoais, a mesma pessoa, tendo a sua conservação, que assim se tornou necessária no masculino, em que, como o simples, e por igual razão, tomou também a forma aquel, e no feminino, obstado, por
motivo de simetria, ao desaparecimento do neutro aquelo.
NUNES mencionou que da posposição da partícula met
aos pronomes pessoais, principalmente do reforçamento destes
com o pronome ipse resultaram expressões, como ipsemet e
ego met ipse, nesta última desaparecendo o pessoal, ficou metipse, que daria regularmente medesse, onde, depois, da queda
da última sílaba, em virtude da próclise, resultou a forma medês, muito usada na antiga língua, a qual, como a maioria dos
nomes em –ês, era quase sempre invariável em ambos os gêneros e números: todavia não é sem exemplo o plural medeses.
Mas ao pronome latino ipse o povo, como se tratasse de um adjetivo, dava o superlativo, juntando-lhe a terminação costumada, -issimus, de onde ipsissimus, que se encontra em Plauto;
depois esta forma, decerto por haplologia, converteu-se em ipsimus, que se faz uso Petrônio. Ora, assim como se dizia metip10
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História da Língua Portuguesa
se, dizia-se também no fim do Império metipsimu(m), onde o
atual mesmo, que foi precedido pela forma meesmo, muito freqüente ainda nos escritores do século XVI, e que, pela queda
anormal do –d–, devida provavelmente a próclise evolucionou
da mais antiga medesmo, ainda viva no italiano medesimo e reconhecível no antigo francês e provençal medesme.
Afirmou ainda, que do pronome latino alter, no acusativo, resultou o português outro, que ainda por um processo usado no latim, apareceu por vezes a reforçar os já mencionados
este, esse, aquele, aos quais se aglutinou por forma tal, que nos
clássicos, eles ocorrem como vocábulos simples e, portanto
com o sinal do plural apenas no último dos seus componentes,
ao contrário da prática de pluralizar ambos, seguida por muita
gente, quer falando, quer escrevendo.
Em igual pronome tem origem outrem, que rigorosamente deve ser contando entre os indefinidos, em virtude da sua
significação vaga e indeterminada e na língua arcaica, como no
castelhano antigo, devia receber a acentuação na última sílaba,
parecendo terem contribuído para isso e para a troca do –o final
em –em os pronomes de significação quase idêntica, quem e
alguém. Mais tarde esse pronome, que no antigo português tinha as formas outre, outri e outrim, retomou a acentuação do
primitivo outro que é empregado pelo povo, precedido de artigo no mesmo sentido daquele, em expressões como lá diz o outro; como diz o outro ou como o outro que diz.
Em língua portuguesa persiste o sistema tripartido latino:
situação próxima ao falante (este), situação próxima ao ouvinte
(esse), situação afastada do falante e do ouvinte (aquele). Conceptualmente, apenas se simplificou a série de 3a pessoa latina.
Outras língua românicas, como o italiano e o romeno, criaram
um sistema bipartido (igual ao padrão inglês – this ® that), e o
francês reduziu praticamente a dêixis demonstrativa ao elemento único ce.
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História da Língua Portuguesa
Segundo MATTOSO CÂMARA JÚNIOR (1976) foi o
pronome iste, demonstrativo da 2a pessoa, que passou para indicar a 1a e a casa vazia da 2a foi preenchida por ipse, que tinha
uma função especial em latim. Esse deslocamento de formas
foi determinado pelo abandono do demonstrativo de 1a pessoa
hic. Talvez o deslocamento de iste tenha sido, a princípio, uma
extensão de sua área, para se opor o campo em conjunto do eixo falante–ouvinte a tudo que lhe era exterior (ille). Se foi isto
que se deu, o antigo sistema tripartido logo retomou seu funcionamento, com a restrição de iste para o campo do falante e a
adjudicação de ipse para o campo do ouvinte, propiciada pela
presença enfática de ipse junto às três pessoas pronominais, especialmente a 2a.
Ele disse também, que no singular, as formas portuguesas
correspondem ao nominativo latino (em que o masculino é de
tema em –e, mas recebe a desinência –a de feminino); no plural
estabeleceu-se a desinência –s, de acordo com o padrão nominal.
MATTOSO CÂMARA JÚNIOR (1976) afirmou que do
ponto de vista da categoria de gênero, os demonstrativos se caracterizam, em português, pela presença do gênero neutro, que
foi eliminado das formas nominais.
O nominativo–acusativo neutro latino de iste, ipse, ille, a
saber – istud, ipsum, illud, subsistiram, em função substantiva
exclusivamente e sem categoria de plural para indicar “coisas”,
isto é, seres vistos como inertes ou inativos. A noção inicial do
gênero neutro, que se esvaíra em latim nos nomes, tornando-se
aí, uma idiossincrasia mórfica, persistiu fundamentalmente nos
demonstrativos latinos, como substantivos, e daí, sempre em
função substantiva, passou aos nossos demonstrativos. Os reflexos portugueses de istud, ipsum, illud servem para assinalar
num campo mostrativo, como indivíduo singular, o que não
pertence ao que concebemos como do reino animal.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
Entretanto, o latim vulgar desde cedo usou reforçar o
demonstrativo pela anteposição da partícula ecce “eis”; ecce
eum (com o acusativo masculino de is) aglutinou-se a ela na
forma eccum e passou a equivaler a ecce. Uma variante de eccum, accum, perdendo a nasal final, entrou dessa maneira nos
demonstrativos reforçados portugueses aqueste, aquesse, aquele, que figuravam na fase arcaica da língua, em variação livre
com a forma simples. Naturalmente, aquele se impôs logo exclusivamente, fora da motivação enfática, para uma distinção
formal entre o demonstrativo e o pronome pessoal de 3a pessoa
(ele), também saído de ille.
2.2- A Evolução do Pronome Demonstrativo “Ille”
em Artigo e como Pronome Pessoal de 3a Pessoa “Ele”
Foi de um demonstrativo que saiu o artigo nas línguas
românicas.
Segundo MATTOSO CÂMARA JÚNIOR (1976), o demonstrativo ille, na sua forma acusativa, sem intento de localização no espaço, passou a ser usado diante de um nome substantivo para opor o indivíduo definidamente visualizado a
qualquer outro da mesma espécie. Na função de artigo, uma
forma de transição lo perdeu afinal o /l/ inicial, para reduzir-se
a atual forma o. Assim, a partícula ficou resumida no tema,
que, como –o átono final, é suprimido, dentro da descrição atual da língua, pela adjunção da desinência –a de feminino.
Daí, o artigo português: o (masculino), a (feminino), singular e plural, respectivamente, os, as.
Categoricamente, ele continua a ser uma partícula pronominal demonstrativa. Assinala o caráter definitivo de uma
posição em um campo mostrativo ideal, de que participam o falante e o ouvinte.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
J. J. NUNES (1975) esclareceu que não possuía artigo na
língua latina. Quando, porém, havia um substantivo que se queria mais especialmente determinar, costumava ela acompanhálo do pronome ille, que ora colocava antes, ora depois dele. Este processo, usado na linguagem literária, existia igualmente na
popular, que empregava com o mesmo fim, além daquele, o
pronome ipse, segundo se depreende não só de textos posteriores ao latim clássico, mas também dos vestígios que desse uso
estes dois pronomes deixaram nas línguas românicas. Ainda
hoje, a nossa serve-se por vezes dos pronomes demonstrativos,
este, esse, aquele em casos em que poderia perfeitamente substituí-los por artigos. É quando o substantivo a que vem junto se
acha restringindo na sua significação por uma proposição relativa, como se vê nas frases seguintes: estes homens que aqui
estão; esse indivíduo que me recomendas; aqueles estudantes
que são aplicados. Falando, pois, rigorosamente, o artigo definido é um verdadeiro pronome, quer com respeito ao seu emprego, quer sobretudo relativamente à sua origem.
J. J. NUNES (1975) afirma que os demonstrativos de que
a língua vulgar principalmente se servia, quando se referia a
uma pessoa ou coisa de todos conhecida, eram ille e ipse, mas
do fato de estar o primeiro mais extensamente representado nas
línguas românicas do que o segundo deduz-se que a língua vulgar tinha por ele especial predileção. No acusativo o pronome
ille deu regularmente nos dois gêneros elo, ela, formas que, além do antigo italiano, também possuía o leonês ainda no século XVI, e pelo seu caráter essencialmente proclítico passaram a
lo, la, como, mais ou menos alteradas se apresentam na maioria
das línguas congêneres da nossa. Sucedia, porém, que na fala,
em que soavam como se constituíssem um vocábulo único a
palavra e o lo ou la que a precedia ou seguia, freqüentemente
estes se achavam entre vogais e, como em tais casos o gênio da
língua repelia o –l–, daí a sua transformação posterior em o ou
a, transformação esta que fez com que exteriormente o artigo
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
tanto se afastasse do das outras línguas no português e no galego igualmente refratário à conservação do l intervocálico, e se
realizava, quer em frases em que o lo fazia de verdadeiro pronome demonstrativo, quer naquelas nas quais desempenhava a
função de artigo.
J. J. NUNES (1975) esclarece que assim como o romance, seguindo processo idêntico ao grego, fora tirar de um dos
pronomes demonstrativos o seu artigo definido, para formar o
indefinido, procedeu da mesma forma, indo buscá-lo ao primeiro dos numerais cardinais.
J. J. NUNES (1975) afirma que as formas o, a, os, as, foram a princípio de uso restrito, limitando-se o seu emprego apenas ao caso apontado de se achar o l entre as vogais. Mais
tarde, porém, ainda em época anterior à fixação da língua pela
escrita, como pode-se notar nos mais antigos documentos, o
que era especial tornou-se geral, sem que todavia desaparecessem por completo os vestígios das que as precederam. Com efeito, locuções possuiu e possui ainda a língua atual em que elas continuam a subsistir, as quais sem dúvida ascendem a
tempo anterior à transformação; pela queda do o ou a do artigo
lo ou la motivada pelo caráter proclítico deste e também porque tais frases soavam como se fossem uma única palavra, o –
l– não podia desaparecer, por se não encontrar entre vogais.
Mas, afora estas locuções, que ficaram como fossilizadas, as
antigas formam lo, la, quer artigos, quer pronomes, ainda são
pela língua hodierna usadas, embora não com a extensão da antiga, pois, enquanto esta a elas recorria, sempre que o vocábulo
que as antecedia terminava em r ou s, aquela só o faz depois de
uma forma verbal, cuja última letra sejam estas consoantes e a
mais z, ou em seguida aos pronomes nos e vos e advérbio. Nestes vocábulos os r, s, z primeiro assimilaram-se ao l do artigo
ou pronome, depois os dois ll reduziram-se a um único, caindo
na fala e na escrita de hoje o l, que viera substituir as consoanCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
tes.
3- OS PRONOMES DEMONSTRATIVOS
SENTIDO, EMPREGO E FUNÇÕES
3.1- Sentido e Emprego dos Pronomes Demonstrativos
Os pronomes demonstrativos portugueses formam um
sistema ternário, cuja organização é absolutamente divergente
do sistema dos demonstrativos franceses. Esta organização baseia-se numa certa visão do espaço e, de um modo mais geral,
de todo o universo sensível e inteligível. É pois impossível fazer compreender termo a termo um demonstrativo francês a um
demonstrativo português. Só compreendendo a organização do
sistema se poderá sentir, em cada caso particular, o valor exato
de um determinado demonstrativo e encontrar-lhe equivalente
no sistema francês.
Tudo se baseia na divisão do espaço e do mundo em três
domínios. Simplificando um pouco, poderemos dizer, com os
gramáticos portugueses e brasileiros, que estes três domínios
correspondem às três pessoas do verbo:
1) Domínio de este = Domínio do eu, nós (aquilo em que o
locutor se vê presente, aquilo que ele se atribui).
Adv. de lugar correspondente: aqui.
2) Domínio de esse = domínio do tu, vós (aquilo que o locutor
atribui ao interlocutor ou destinatário).
Adv. de lugar correspondente: aí.
3) Domínio de aquele = domínio do ele, ela, eles (aquilo que
o locutor atribui ao objetivo de que fala).
Adv. de lugar correspondente: ali.
(CARVALHO, 1989, p. 141)
É importante ressaltar que este sistema é, no essencial,
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
idêntico ao do espanhol.
Este, esta, isto.
Empregar-se-á estes demonstrativos para a primeira pessoa do singular ou do plural –eu ou –nós, para tudo o que se situa no local.
Exs.:
Esta monografia (a minha).
Aqui nesta faculdade.
Só temos este filho.
Nesta casa (onde habito).
Neste mundo.
Pegue isto!
Esse, essa, isso.
Os demonstrativos citados aplicam-se a tudo o que o locutor atribui à pessoa (ou às pessoas) a quem se dirige.
Exs.:
Esse livro de que você me falou.
Não me diga isso!
Essa monografia que estou escrevendo.
Aquele, aquela, aquilo.
Estes demonstrativos aplicam-se aquilo que não é atribuído pelo locutor nem a ele próprio nem ao seu interlocutor.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
Usa-se portanto com a 3a pessoa e com o advérbio de lugar ali.
Ex.: Ali naquela casa onde ela mora com a mãe.
Nas determinações do tempo mais ou menos longo que
abranja o momento em que se fala, emprega-se o pronome demonstrativo este = esta semana, este mês, este ano.
O demonstrativo este serve também para marcar o tempo
muito próximo ao momento atual, mas este uso reduz a poucas
expressões: esta noite (pode referir-se tanto à noite passada
como a que virá), esta manhã (a manhã de hoje), estes dias
(passados ou mais próximos).
Em frases como as precedentes, nisto, indicando tempo, é
expressão consagrada que não se substitui por nisso. Não obstante dizemos nesse instante, nesse dia, nessa hora, nesse ano,
aludindo a uma época distante da atual: E logo nesse instante
começamos a elaboração do trabalho.
A simples anteposição do pronome esse a um substantivo
supre muitas vezes a locução adverbial de tempo: Assim termina esse dia maravilhoso!
O pronome demonstrativo este sugere a noção de proximidade em relação à pessoa que fala; por isso também é empregado, na linguagem animada, para dar a impressão de que
nos interessa muito de perto alguma coisa ou pessoa, conquanto de fato se ache um tanto afastada. O contrário se dá com o
demonstrativo esse.
Com freqüência, na linguagem animada, nos transportamos
pelo pensamento a regiões ou épocas distantes, a fim de nos referirmos a pessoas ou objetos que nos interessam particularmente,
como se estivéssemos em sua presença. Lingüisticamente, esta
aproximação mental traduz-se pelo emprego do pronome este
(esta, isto) onde seria de esperar esse ou aquele. (CUNHA, 1986,
pág.: 324)
Os exemplos abaixo foram colhidos das obras de José
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História da Língua Portuguesa
Lins do Rego:
“Amarelo infeliz. Se fosse outro, dizia Deodato, já tinha
mandado este mondrongo para as profundas dos infernos.”
(MR, 45)
“– Este Alfredo Gama é um danado, dizia D. Júlia, elogiando o compositor.” (U, 89)
Pode-se afirmar que o pronome demonstrativo este, a imaginação aproxima de nós, coisas da realidade afastada; com
o pronome esse, a imaginação afasta de nós coisas que estão ou
poderiam estar próximas.
3.2- As Funções Anafórica e Dêitica
dos Pronomes Demonstrativos
O sistema dos pronomes demonstrativos em português
funciona não só para uma indicação no espaço em que se situam falante e ouvinte (função dêitica, propriamente dita), mas
também, no âmbito do contexto lingüístico, o que constitui a
sua função anafórica.
Os pronomes demonstrativos situam a pessoa ou a coisa designada relativamente às pessoas gramaticais. Podem situá-la no
espaço ou no tempo. (CUNHA, 1986, pág.: 321)
“Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!” (G. DIAS, PCPE, 269)
Segundo CUNHA (1986), a capacidade de mostrar um objeto sem nomeá-lo, a chamada função dêitica (do grego deiktikós
= “próprio para demonstrar, demonstrativo”), é a que caracteriza
fundamentalmente esta classe de pronomes.
Mas os demonstrativos empregam-se também para lembrar ao ouvinte ou ao leitor o que foi mencionado ou o que se
vai mencionar:
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História da Língua Portuguesa
“Depois vieram outros e outros, estes fincados de leve,
aqueles até a cabeça.” (M. LOBATO, U, 110)
“Minha tristeza é esta –
A das coisas reais.” (F. PESSOA, OP, 100)
É a sua função anafórica (do grego anaplorikós = “que
faz lembrar, que traz à memória”).
Conforme esclarece J. MATTOSO CÂMARA JÚNIOR
(1976), como pronomes anafóricos, os demonstrativos servem
a um campo mostrativo centrado no falante. O sistema tripartido, fundamentado na oposição falante–ouvinte, perde a rigor
seu sentido. O que se cria então, na realidade, é a oposição entre o âmbito contextual do momento da comunicação e quaisquer outros, anteriores ou posteriores, de que o falante se acha
atualmente afastado. Em outros termos, a série este – esse –
aquele se reduz a outra (este/esse) – aquele, do tipo bipartido
italiano, romeno ou inglês.
Há assim uma discrepância entre o sistema de demonstrativo na função dêitica e o que atua na função anafórica.
A língua escrita, tanto em Portugal como no Brasil, procura apesar de tudo, manter estreme a distinção entre este e esse para referências dentro do contexto lingüístico. Mas a regra,
que criou para tal fim, de se empregar esse para o que acaba de
ser dito, e este para o que vai ser dito em seguimento, é uma
convenção fora da realidade lingüística e não é rigorosamente
obedecida. A relutância contra ela é muito maior no Brasil do
que em Portugal, é certo. A norma imanente da língua escrita
brasileira é usar esse, em oposição a aquele, para a comunicação global do momento, e recorrer a este como uma variante
enfática de esse. Na própria função dêitica, o sistema tripartido
está se tornando inseguro no Brasil, com a tendência a suprimir
a discrepância entre o sistema tripartido e o bipartido da função
20
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
anafórica.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
4- CONCLUSÃO
Esta exposição teve como um dos objetivos fazer um levantamento dos pronomes demonstrativos do latim ao português e a evolução que se deu do pronome “ille”.
Do pronome “ille” originou os artigos na língua portuguesa, como também o pronome pessoal de 3a pessoa “ele”.
Observamos que na língua latina não possuía artigos e quando
queriam enfatizar um substantivo utilizavam o pronome “ille”
diante do mesmo.
Na língua portuguesa temos os artigos, os quais têm a
função de substantivar as palavras de qualquer classe morfológica.
Após refletirmos sobre as funções dos pronomes demonstrativos chegamos a uma conclusão, que as funções dêitica e
anafórica têm uma importância relevante na comunicação, pois
as mesmas funcionam não só para uma indicação no espaço em
que se situam falante e ouvinte, mas também, no âmbito do
contexto lingüístico.
Acreditamos que este trabalho venha nos auxiliar no conhecimento da “História da Língua Portuguesa” e motivar outras pesquisas, uma vez que o assunto oferece possibilidades de
ser ampliado.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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único e Completo. 27a ed. São Paulo : Saraiva, 1997.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37a
ed. Revista e ampliada. Rio de Janeiro : Lucerna. 2001.
CAMARA, Junior, J. Matoso. História e Estrutura da Língua
Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro : Padrão, 1976.
CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. Série Princípios. 3a ed. São Paulo : Ática.
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Coleção: Lingüística. 1989. p.: 139 a 147.
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica.
7a ed. Rio de Janeiro : Livro Técnico, 1976.
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11a ed. Rio de Janeiro : FAE. 1986.
FARIA, Ernesto. Gramática da Língua Latina. Revisão de Ruth Junqueira de Faria. Brasília : FAE, 1995.
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Portuguesa – Fonética e Morfologia. 8ª ed. Livraria Clássica Editora, 1975.
SAID ALI, Manuel. Gramática Histórica da Língua Portuguesa. Melhoramentos. Volume: 19. 1971.
TEYSSIER, P. História da Língua Portuguesa. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
A EVOLUÇÃO DOS TEMPOS VERBAIS
Priscila Brügger de Mattos
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem objetivo mostrar a evolução dos tempos verbais do modo Indicativo desde o Latim até o Português
atual. Mostrando, assim, as perdas e inovações ocorridas.
AS CONJUGAÇÕES LATINAS
Segundo a gramática latina, os verbos distribuíam-se por
quatro conjugações, caracterizadas pela vogal do tema, as quais
tinham as seguintes terminações no infinitivo:
1ª - áre (amáre)
2ª - ére longo (debére)
3ª - êre breve (vendêre)
4ª - íre (puníre)
Tal distribuição era um tanto artificial, visto que não correspondia totalmente às formas vivas da língua corrente, e, assim não era respeitada em todas as minúcias.
Ora, no latim corrente lusitânico os verbos da terceira incorporavam-se à segunda; passando alguns à quarta.
Desse modo as quatro conjugações reduziram-se a três:
1ª - are: mais numerosa de todas.
2ª - ére: contém os da segunda e a maioria dos da terceira.
3ª - íre: é a antiga quarta, acrescida com alguns da terceira.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
Já no latim a primeira conjugação era a mais produtiva,
visto que os empréstimos a ela melhor se adaptavam. Exemplos: roubare (origem germânica) > roubar; trottare (origem
germânica) > trotar; gûbernáre (origem grega) > governar etc.
Além disso, nela se infiltravam verbos doutras conjugações. Exemplos: molliare (por mollire) > molhar; torrare (por
torrere) > torrar; terráre (por terrere) > aterrar etc.
As novas formações por ela se modelavam. Exemplos:
altiare (de altus) > alçar; cantare (cantum) > cantar; usare (de
usus) > usar etc.
A segunda conjugação é a formadora dos verbos incoativos, isto é, daqueles que indicam começo de ação. Exemplos:
permanescére (de manére) > permanecer; parescére (de parere)
> parecer; perescére (de perire) > perecer etc.
A terceira conjugação é de todas a mais pobre.
Como conseqüência desse estado de coisas do latim corrente, há, em português, três conjugações, caracterizadas pelas
respectivas vogais temáticas.
Vogal temática é a que fica entre a raiz do verbo, sua
parte primária irredutível, e a desinência. Vê-se claramente no
infinitivo:
1ª amar – raiz am; vogal temática a; desinência r;
2ª beber – raiz beb; vogal temática e; desinência r;
3ª partir – raiz part; vogal temática i; desinência r;
O verbo pôr é atemático no infinitivo, pois perdeu o – e
que tinha na língua antiga, onde se dizia poer. Por essa razão
incluímos esse verbo, com os compostos, entre os irregulares
da segunda conjugação. Observemos que na segunda e terceira
pessoas do presente do indicativo aparece a vogal característica: tu pões, ele põe, eles põem.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
Assim, pode-se estabelecer o quadro da conjugação no
latim vulgar lusitânico com os seus correspondentes no latim
clássico e respectivos resultados no português.
Conjugações
Latim Clássico
Latim Vulgar
Português
1ª
2ª
3ª
- áre
- ére
- êre
- are
-ére (-ére ou –êre)
-íre (-íre ou –ére
ou –êre)
-ar
-er
-ir
3ª
- íre
-
OS TEMPOS VERBAIS
A conjugação do verbo latino tem por base a oposição de
dois grupos de tempos: o do infectum e o do perfectum. Os
tempos do infectum exprimiam a ação ou processo em seu curso de duração (aspecto imperfeito), ao passo que os do perfectum indicavam uma ação ou processo concluídos ou terminados
(aspecto perfeito).
Assim, pertenciam ao tema do infectum: o presente, o
imperfeito, e o futuro imperfeito do indicativo. E se formavam
do tema do perfectum: o perfeito, o mais-que-perfeito e o futuro perfeito do indicativo.
Infectum
Conjugações
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Presente
Imperfeito
1ª
2ª
3ª (ate- 3ª (temática) mática)
4ª
Amo
Vídeo
Lego
Cápio
Áudio
Amabam
Videbam
Legebam
Capiebam
Audiebam
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
Perfectum
História da Língua Portuguesa
Futuro
Amabo
Videbo
Legam
Cápiam
Áudiam
Perfeito
Amavi
Vidi
Legi
Cepi
Audivi
Mais-queperfeito
Amáveram
Víderam Légeram
Céperam
Audíveram
Futuro Perfeito
Amávero
Vídero
Cépero
Audívero
Légero
PERDAS E INOVAÇÕES DA CONJUGAÇÃO LATINA
Vejamos o que ocorreu na evolução dessas formas verbais.
Presente
O Presente do Indicativo manteve-se: amo > amo; debo
(por debeo) > devo; vendo > vendo; puno (por punio) > puno.
Imperfeito
O Imperfeito do Indicativo igualmente se manteve: amabam > amava; debeam (por debebam) > devia; vedeam (por
vendebam) > vendia; puniam (por punibam) > punia.
Futuro Imperfeito
O Futuro Imperfeito do Latim Clássico não se manteve
no latim vulgar. Quer se tratasse da forma em -bo, da 1ª e da 2ª
conjugações (amabo, debebo), quer se tratasse da forma em –
am, da 3ª e da 4ª (vendam, puniam), foi substituído por uma
perífrase, que já aparecia nos escritores da decadência, a qual
era construída de um verbo no infinitivo e do presente do indicativo de habere: Amare habeo (compare-se ao português hei
de amar). Tendendo a se transformarem em simples terminações verbais, as formas do presente do indicativo de habere
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
contraíram-se através de alterações fonéticas violentas, mas
não anômalas: habeo > aio > ai > ei.
Dessa forma, em amarei, a terminação – ei está por hei,
do verbo haver, e a consciência da composição ainda se observa na possibilidade de intercalar entre as formas primitivas o
pronome: amar-te-ei. Temos, pois: amare habeo > amarei; debere habeo > deverei; vendere habeo > venderei; punire habeo
> punirei.
Perfeito
O Pretérito Perfeito do Indicativo manteve-se: amai (por
amavi) > amei; debei (por debui) > devi; vendei (por vendedi e
este por vendidi) > vendi; punivi > puni.
Mais-que-perfeito
O Pretérito-mais-que-perfeito do Indicativo manteve-se
através das formas sincopadas, que predominaram no latim
vulgar: amaram (por amavêram) > amara; deberam (por debiêram) > devera; venderam (por vendidêram) > vendera; puniram
(por punivêram) > punira.
Futuro Perfeito
O Futuro Perfeito do Indicativo, fundindo-se com o pretérito perfeito do subjuntivo produziu um tempo novo: o futuro
do subjuntivo.
Para indicar o Futuro do Perfeito ou o sentido condicional, desenvolveu-se tardiamente, no latim vulgar, uma nova
forma verbal – o Futuro do Pretérito. Constituindo-se, a exemplo do Futuro Imperfeito do Indicativo, de um infinitivo segui28
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
do do Imperfeito do Indicativo de habere, sua evolução foi paralela à daquele modelo: amáre habébam > amaria; debére habébam > deveria; vendêre habebam > venderia; puníre habebam > puniria.
A CONJUGAÇÃO PORTUGUESA
De conformidade com isso, podemos dizer que a conjugação portuguesa se compõe de suas famílias: a do presente e a
do perfeito.
À primeira, pertencem:
· Presente
· Imperfeito
· Futuro do presente
À segunda, pertencem:
· Pretérito perfeito
· Pretérito mais-que-perfeito
· Futuro do pretérito
Perfeito
Presente
Conjugações
1ª
2ª
3ª
Presente
Amo
Vendo
Parto
Imperfeito
Amava
Vendia
Partia
Venderei
Partirei
Vendi
Parti
Futuro do PreAmarei
sente
Pretérito PerAmei
feito
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
Pretérito maisAmara
que-perfeito
Futuro do PreAmaria
térito
Vendera
Partira
Venderia
Partiria
CONCLUSÃO
À proporção que se distanciava do seu centro, e língua
latina ia sofrendo alterações e simplificando sua estrutura. Logo, foram várias as transformações ocorridas na língua até o
Português atual.
Um exame superficial das formas verbais nos mostra que
na evolução do latim para o Português, nem sempre os verbos se
conservavam nas conjugações de origem. Podemos citar como
exemplos os verbos: fazer, agir e pôr; que de acordo com a gramática latina, pertencem à 3ª Conjugação.
Há correspondência entre formas verbais latinas e portuguesas, embora nem sempre se empreguem do mesmo modo
em uma língua e em outra língua. Podemos citar como exemplos: o imperfeito (era < erat) o perfeito (pensou < pensavit) e o
mais-que-perfeito do indicativo (voltara < vol (u) tarat, por vol
(u) taverat).
Como compensação às evoluções ocorridas, o latim criou
novas formas verbais: os futuros do indicativo (presente e pretérito) o último também chamado de condicional e o futuro do
subjuntivo.
BIBLIOGRAFIA
ALI, M. Said. Gramática Secundária e Gramática Histórica
da Língua Portuguesa. [Brasília] : UnB, 1964.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 13ª
ed. São Paulo, 1968.
BUENO, Francisco da Silveira. A Formação Histórica da Lín30
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gua Portuguesa. Rio de Janeiro : Acadêmica, 1955.
CARDOSO, Wilton e CUNHA, Celso. Estilística e Gramática
Histórica. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1978.
COUTINHO, I.L. Gramática Histórica. Rio de Janeiro : Acadêmica, 1974.
NETO, Serafim da Silva. Introdução ao Estudo da Filologia
Portuguesa. 2ª [Rio de Janeiro] :Grifo, 1976.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
A FORMAÇÃO DOS PRONOMES
NA LÍNGUA PORTUGUESA
Jupira Maria Bravo Pimentel
É fato conhecido que do latim se originou o novo sistema
lingüístico.
Fatos aparentemente simples envolvem, na verdade, uma
série de questões entrelaçadas que podem dar margem a discussões enriquecedoras no tocante à mudança e à variação lingüística.
Este breve trabalho tem por finalidade estudar os pronomes em sua estrutura morfossintática numa perspectiva diacrônica e sincrônica.
Propõe também uma rápida apreciação sobre a relação da
evolução lingüística à evolução histórico-social, focalizando o
falante e sua necessidade de se comunicar.
I. INTRODUÇÃO
Sabemos que o português vem do latim, porém, esse latim não é o mesmo das classes cultas de Roma. Foi do latim
vulgar que nasceram as línguas românicas, da modalidade falada, da qual pouca história escrita restou e chegou a nossos dias.
Objetiva-se, neste trabalho, realizar um breve estudo sobre os pronomes, que são na sua forma lingüística elaborada e
complexa, “sinais” que indicam em vez de nomear.
Na presente pesquisa, serão adotados procedimentos de
análise descritiva e histórica. Tomar-se-á como ponto de partida o latim vulgar, visando depreender sua estrutura conforme
apresentado por Mattoso Câmara (1979), Silva Neto (1952) e
Ismael Coutinho (1976).
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
Na seqüência, procurar-se-á demonstrar a organização do
sistema lingüístico da língua portuguesa, levando em consideração as alterações morfossintáticas ocorridas.
Ao final, então, comentar-se-á sobre a evolução lingüística e sua ligação com a evolução histórico-social face à necessidade de comunicação, no eixo falante-ouvinte.
Temos conhecimento de que a vida social oscila entre a
imitação dos antigos e a difusão das inovações, operando em
direções diferentes: enquanto a primeira tende a perpetuar e valorizar o antigo, a segunda empenha-se por coletivar as inovações.
É de capital importância a estrutura da sociedade. As inovações lingüísticas têm que levar em conta as condições sociais dos falantes que fixam as novas formas e dão andamento
às mudanças em potencial.
II. DESENVOLVIMENTO
A- Considerações gerais
A língua possui um conjunto de elementos destinados a
situar o universo biossocial, que interessam à expressão lingüística, no ato da comunicação.
Dentre este, há um certo grupo de vocábulos, que, se diferenciam. Esses vocábulos, meramente indicativos são os pronomes. De maneira geral, eles possuem três noções gramaticais:
a- A primeira é a noção de pessoa gramatical. Assim
se situa a referência do pronome no âmbito do falante, no do ouvinte ou fora da alçada dos dois interlocutores.
A noção de pessoa gramatical se realiza lexicalmenCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
te por vocábulos distintos, como: eu, tu, ele, este,
esse, aquele.
b- A segunda noção gramatical, própria dos pronomes,
é a existência em vários deles de um gênero neutro
em função substantiva, quando a referência é a coisas inanimadas, como: isto, isso, aquilo. Por outro
lado, há formas específicas para seres humanos,
com alguém, ninguém e outrem.
c- A terceira noção gramatical é uma categoria “casos”. Os pronomes pessoais distinguem uma forma
“reta”, para sujeito, e uma ou duas formas oblíquas,
servindo umas como complemento aglutinado ao
verbo, como: falou-me e outras com complemento
regido de preposição, como: falou de mim.
Em latim, o sistema de indicação dos pronomes tinha
como ponto de partida a relação estabelecida num ato de comunicação falante – ouvinte.
Havia assim formas para indicar o falante: “ego” – a si
mesmo (ou seja, a pessoa que no momento fala); “tu”- quando
a um dele se dirigia outro falante.
Havia também a possibilidade do falante se expressar no
nome de outras pessoas ou de se dirigir a mais de um ouvinte.
Tal possibilidade era caracterizada com a existência de uma
forma “nós” (o falante e mais alguém), e de outra forma “vós”,
para mais de um ouvinte.
A esse sistema, chamado de “pronomes pessoais”, correspondia um sistema demonstrativo, em que os elementos exteriores ao falante ou ao ouvinte eram indicados pela sua posição em referência a um ou a outro.
A língua latina possuía um sistema de formas vocabulares, que se opunham aos demonstrativos no sentido de assinala34
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
rem a ausência de uma indicação de posição. Também se opunham aos nomes, em geral, porque, ao mesmo tempo, eram vazios de representação específica.
Em virtude desse duplo caráter, serviam nas perguntas
para designar o elemento desconhecido sobre o que se queria
informar do ouvinte. São, por isso, usualmente denominados na
gramática latina como “indefinidos – interrogativos”.
B. A evolução da formas pronominais
e o seu sistema em português.
1. As formas pronominais
1.1. Os pronomes pessoais
Eram mais empregados no latim vulgar que no clássico.
Segundo Mattoso, a melhor denominação para as três
formas portuguesas de um pronome pessoal é:
a. forma isolada – tônica e livre;
b. forma dependente adverbal – clítico que pode ficar
em próclise ou ênclise em relação ao vocábulo verbal;
c. forma com preposição regente – tônica mas dependente, porque só aparece associada a uma preposição.
Em eu e tu que provêm respectivamente de ego e tu, não
houve propriamente mudança funcional; o que não aconteceu
com as outras duas formas portuguesas. Mim origina-se do dativo latino sob o seu aspecto contrato mi (em vez de mihi) e ti
e si, de formas latinas ti, si, cunhadas pelo modelo de mihi e
substituídos em latim vulgar aos dativos tibi, sibi. Me, te, se,
são reflexos do acusativo-ablativo me, te, se. Mas em português
os clíticos adverbais indicam objeto direto ou indireto, isto é,
equivalem a um acusativo-dativo, enquanto a forma com preCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
posição regente, saída do dativo latino, corresponde a um ablativo.
Para a 1ª e 2ª pessoa do plural, só há em português uma
forma – nós e vós, respectivamente. Acontece que, como clítico
adverbal, ela perde o vocalismo o do quadro das vogais tônicas
e apresentam /u/, escrito –o-, do quadro átono final.
O subsistema de 3ª pessoa, criado na fase românica, apresenta uma forma livre e tônica, variável em gênero e número
pelo modelo dos nomes – ele, eles, ela, elas, e duas formas clíticas adverbais, que conservam a oposição latina entre acusativo e dativo. A forma acusativa, para objeto direto, com um feminino e um plural também pelo modelo dos nomes – o, a, os,
as. A forma de dativo, para objeto indireto, não tem gênero,
mas tem plural em – s lhe, lhes.
Todas essas formas de 3ª pessoa se prendem ao demonstrativo latino ille. Foi o nominativo, masculino ilhe, feminino
ilha, que originou o português ele, ela. O plural com –s é uma
criação portuguesa pelo padrão do plural dos nomes. A partícula o, a, os, as provém do acusativo latino de ille, em suas quatro formas de masculino, feminino, singular e plural – illem, illam, illos, illas, submetidas a um enfraquecimento articulatório
gradual, que atingiu a vogal inicial e a consoante do radical.
Na língua coloquial do Brasil esse subsistema, de 3ª pessoa foi mudado. Lhe com plural – s passou a forma adverbal
para o ouvinte tratado em 3ª pessoa, em identidade de função
com te, enquanto o, a, os, as está ficando em desuso. Assim, a
3ª pessoa se reduz a forma ele, eles, ela, elas em qualquer
função sintática.
Porém, a língua escrita e a oral formalística mantêm em
vigor o sistema tradicional.
Interessante é que o sistema de pronomes pessoais em
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
português é a rigor dicotômico. De um lado há a estrutura heterônima latina, como: eu, tu, nós, vós; de outra parte, a série de
3ª pessoal com a estrutura nominal de feminino em –a e plural
em –s. Os primeiros referem-se às pessoas que participam da
comunicação lingüística; o segundo substitui no contexto lingüístico um nome substantivo.
1.2. Os possessivos
O latim clássico usava a forma adjetiva do pronome
pessoal em concordância com o nome substantivo dado. São
esses pronomes pessoais adjetivos que a gramática latina denominou os “possessivos”, partindo das construções em que o
adjetivo pronominal designava o possuidor de uma coisa.
Os possessivos eram da 2ª declinação, no masculino, e,
no feminino, da 1ª declinação.
Eram quatro séries, correspondentes aos quatro pronomes pessoais:
a - meus, mea (ego, genitivo mei)
b - tuus, tua (tu, genitivo tui)
c - noster, nostra (nos, genitivo nostrum)
d - uester, uestra (uos, genitivo uestrum)
O pronome pessoal reflexivo de 3ª pessoa apresenta desinências causais paralelas às de tu (sui, sibi, se) e o possessivo
reflexivo de 3ª pessoa era da estrutura dos demais (masc. suus,
2ª declinação; fem. sua, 1ª declinação).
O sistema de possessivos portugueses continua o padrão
estabelecido em latim. O português refez os masculinos da 2ª e
3ª pessoa pelo modelo da 1ª: meu, teu, seu (+ - /s/ no plural);
feminino minha, tua, sua (+ - /s/ no plural). No plural da 1ª e
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
2ª pessoa, nostru, vostru, o latim vulgar adotou formas novas,
tiradas dos pronomes pessoais respectivos - nossu-, vossu-; daí, nosso, vosso – com as desinências –a e –s, de feminino e plural, respectivamente.
Como em latim, o possessivo português não é definidor
do substantivo, daí o emprego do artigo para esse fim, mas no
Brasil é usual a omissão do artigo. A oposição entre a indicação definida e a indefinida, na presença ou na ausência do artigo, só se manifesta quando o possessivo se reporta a um substantivo sujeito.
Também o possessivo português, como em latim, só tem
função adjetiva.
1.3. Os demonstrativos
Havia no latim clássico, três pronomes demonstrativos,
correspondentes às três pessoas gramáticas hic para a primeira,
este para segunda e ille para a terceira.
No latim vulgar, observa-se certa confusão no uso desses
pronomes. É freqüente encontrar-se empregado um em lugar
do outro.
O pronome da 2ª pessoa iste substitui o da 1ª hic, que
nos últimos tempos desaparece inteiramente. O pronome de identidade ipse, da 3ª pessoa, passa então a ocupar o lugar de
iste.
Havia, em latim, a partícula ecce, que se combinava com
algumas palavras, para pôr em relevo a idéia por elas expressa:
eccum (ecce + hunc), eccilum (ecce + illum), eccistrum (ecce +
istum). O composto eccum, pronunciado eccu, influenciado
provavelmente por atque, o que melhor explica os pronomes
arcaicos aqueste < accu + iste, aquesse < accu + isse por ipse e
o atual aquele < accu + ille.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
No singular, as formas portuguesas correspondem ao
nominativo latino, no plural estabeleceu-se a desinência –s, de
acordo com o padrão nominal.
O nominativo – acusativo neutro latino de iste, ipse, ille,
a saber – istud, ipsum, illud, substituíram, em função substantiva e sem categoria de plural, para indicar “coisas”, isto é, seres
vivos como inativos. Os reflexos portugueses de istud, ipsum,
illud servem para assinalar o que não pertence ao que concebemos como do reino animal.
Na morfologia dos demonstrativos, no português atual,
tem ainda a alternância /e/ para /e/, no feminino, e, no neutro,
/e/ para /i/. Para o neutro, esto, que era forma normal no português arcaico, passou para isto.
Como pronomes anafóricos, os demonstrativos servem a
um campo mostrativo centrado no falante. O sistema tripartido,
fundamentado na oposição falante ¹ ouvinte, perde a rigor seu
sentido. O que se cria então é a oposição entre o contexto do
momento da comunicação e o falante. Assim temos: este, esse,
aquele se reduz a – este /esse/, aquele.
A língua escrita no Brasil procura manter a distinção entre este e esse para referências dentro do contexto lingüístico.
Mas a norma imanente da língua escrita é usar esse em oposição a aquele, para a comunicação do momento.
O sistema tripartido está se tornando inseguro, com a
tendência a suprimir a discrepância entre o sistema tripartido e
o bipartido.
2. Os Indefinidos
2.1. Os pronomes indefinidos
A língua latina possuía um sistema de formas vocabulaCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
res, que se opunham aos demonstrativos no sentido de assinalarem a ausência de uma indicação de posição. Também se opunham aos nomes, porque eram vazios de representação.
Por essa dupla oposição, serviam nas perguntas para designar o elemento desconhecido sobre o que se desejava de informação do ouvinte. Na gramática latina são chamados de
“indefinidos-interrogativos”.
A forma básica era um radical Kw ( i / o ), de que provém
no latim clássico, primário quis (mas., fem.), quid (neutro), do
radical Kwi, no nominativo. Com essa base havia uma série
numerosa de derivados: quisquis, quidam, quispiam, aliquis,
quims etc. com uma distribuição de acordo com a necessidade
do falante para efetuar o processo de comunicação.
No latim, o indefinido-interrogativo era aproveitado para
subordinar uma oração a outra. O pronome passava a funcionar
nas duas orações, ao mesmo tempo. Assim, desta maneira era
preferida no nominativo a variante de radical Kwo (qui; masculino; quae, feminino; quod, neutro).
A unidade do conjunto era desfeita pela inclusão de uma
série de adjetivos de tema em –o/u, como: unus - “um”; ullus
– “qualquer um”; alter – “o outro, entre dois”; alius – “outro
entre vários”. Morfologicamente, apresentavam no genitivo e
dativo do singular as desinências pessoais dos demonstrativos
(gen. - ius, dat. – i, para os 3 gêneros).
Assim, na língua portuguesa o sistema foi profundamente
reformulado, havendo uma nítida separação entre os pronomes
indefinidos e os interrogativos.
De uma maneira geral, do ponto de vista mórficosemântico, o que encontramos nos pronomes indefinidos é uma
função substantiva ou adjetiva, variável em gênero e número, e
uma forma variável de função substantiva.
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A criação do sistema se fez pela evolução fonética e reinterpretação e redistribuição de formas latinas com o radical Ku
( i/o ):
. alíquis e unus > algum;
. aliquem (acusativo de aliquins) > alguém;
. aliquod (do tema Kwo, em vez de aliquid, tema Kwi –
neutro de aliquis) > algo.
Ao pronome algum corresponde uma série negativa:
. nenhum (lat. ne (c) + unu -); a , + s; ninguém (ne (c) +
quem), nada).
. outro (+ a, +s), do acusativo de alter (alterum, alteram,
alteros, alteras) ganhou uma forma invariável para pessoa –
outrem , onde o sufixo – em é átono).
Inovação românica, decorrente de um empréstimo do latim vulgar ao grego, é o adjetivo cada, invariável, só aplicável
no singular.
Outra inovação foi a locução qualquer, com um plural
quaisquer, para marcar a diferença de escolha dentre uma série.
Cada é exclusivamente de função adjetiva. Para a função
substantiva há uma locução com o indefinido um (+ a, + s ):
cada um.
A descrição gramatical tradicional inclui os adjetivos de
tema – o entre os indefinidos. Assim, muito, pouco e todo. Para
os dois primeiros nada justifica esse critério, mas para o segundo, a gramática latina fazia a relação com lotus.
Assim, há uma separação em português entre as formas
de indefinido e interrogativo. Apenas qual, que é fundamental
interrogativo.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
2.2. Os interrogativos.
As formas pronominais interrogativas, em português,
provém do latim quis – quid, e de qualis, que é um composto
na base do radical Kwo-.
A forma masculina – feminina na forma de acusativo
quem ficou em português reservada ao gênero “pessoal”, que já
foi mencionado nos indefinidos alguém, ninguém, outrem.
A forma neutra quid passou ao português sob a forma
que e é do gênero neutro, para “coisas".
Qual, do acusativo qualem de qualis, tem a função de
assinalar a indefinição dentro de um grupo limitado de seres e
definido em seu conjunto. Singular qual; plural quales > quais.
Há assim, uma relação muito grande do português com o
latim nos pronomes interrogativos.
2.3. O relativo
O pronome relativo tinha, em latim, três formas: uma para o masculino qui, outra para o feminino qual, uma terceira
para o neutro quod.
Pelo fim do Império, o pronome relativo ficou assim:
qui; que (m), cui; quid ou quod.
Sobreviveram em nossa língua os acusativos que (m) átono e quid > que, quem (tônico) > quem, cuju (m) > cujo.
Como qui – qual – quod latino, português que só funciona na oração relativa e aí se reporta anaforicamente a um
nome ou pronome substantivo da outra oração. Em decorrência
de sua função na oração relativa, pode vir regido de qualquer
preposição.
Ao lado de que, há como pronome relativo uma locução
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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constituída de qual com o artigo definido anteposto. Como
qual varia em número e o artigo em número e gênero, há aí
uma concordância em gênero e número.
III. CONCLUSÃO
O individual e o social interpenetram-se. As palavras,
pronunciadas só por uma pessoa, não sobreviveriam. As palavras só têm história porque a coletividade as repete.
A língua é eminentemente mutável no tempo e o seu
movimento de mudança tem o caráter de uma evolução, isto é,
um processo dinâmico, gradual e coerente.
A evolução é muito complexa. A história de uma língua
não é um esquema pré-estabelecido. Não se pode partir do latim e chegar diretamente aos dias de hoje.
No latim estavam reunidas todas as condições de instabilidade lingüísticas. A experiência mostra que os povos invasores são levados a eliminar as particularidades locais de sua língua: é a conseqüência dos contatos que se verificam durante
esses movimentos sociais. A unificação, como se compreende,
escolhe as formas que são sentidas como m ais regulares: as
anomalias são desfeitas, adaptando-se aos modelos.
A inovação é, pois, um fato individual, que pode, ou não
se tornar coletivo. Quando isso acontece, temos um fato concreto, realizado.
Aí, entendemos que o uso e a evolução dos pronomes
serviram não só para que as pessoas pudessem comunicar suas
idéias e pensamentos da melhor forma, uma vez que o pronome
mostra o ser no espaço, visto esse espaço em função do falante:
eu, mim, me, este e assim por diante, mas também para designar elementos desconhecidos sobre o que se queira informar.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis : Vozes.
_____. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro : Padrão, 1979.
____. Princípios de lingüística geral. Rio de Janeiro : Padrão,
1979.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. Rio de Janeiro : Cortez, 1995.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro : Livro Técnico S/A, 1976.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio
de Janeiro : Livros de Portugal, 1952.
WINTER, Enéia & SALLES, Paulo Eduardo Marcondes de
(org). Metodologia da pesquisa científica. São Paulo :
CEDAS.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
A INFLUÊNCIA INDÍGENA NOS TOPÔNIMOS
DO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO
Norma Cristina da Silva Moreira
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra.
Carlos Drummond de Andrade
ABREVIATURAS
al.
b.
Jd.
tv.
alameda .............................av.
bairro.................................est.
Jardim ...............................r.
travessa..............................var.
avenida
estrada
rua
variante(s)
INTRODUÇÃO
A influência da língua indígena, em especial o tupi, na
formação do léxico da língua portuguesa falada no Brasil é
muito expressiva. Pretende-se, então, neste trabalho, fazer o levantamento de alguns topônimos de procedência indígena existentes no Município de São Gonçalo (Região Metropolitana do
Estado do Rio de Janeiro), dando sua localização e seu significado.1
Os missionários jesuítas foram os grandes defensores do
ensino do tupi e, no afã de catequizar os selvagens, contribuíram decisivamente para o conhecimento e a permanência do idioma. Da mesma forma, o advento das bandeiras fez com que
tal língua tivesse considerável expansão:
1
Por ser um trabalho sucinto, não foram transcritas todas as definições encontradas nos dicionários pesquisados, porém aquelas mais conhecidas ou aceitas pelo senso comum. E ainda ressalto que não foram encontrados os significados de alguns termos, embora sejam de origem tupi.
2 Pontos de Gramática Histórica, 323.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
Nas suas entradas pelo sertão brasileiro, estabelecendo a ligação entre o litoral e o interior, os bandeirantes, entre os quais havia ordinariamente condutores índios, faziam do abanheém o instrumento das suas comunicações diárias.
Deste modo é que se justifica a existência de tantos topônimos
em regiões situadas fora da área ocupada pelos tupis.2
São Gonçalo, município com cerca de 889.828 habitantes
e uma extensão territorial de 251 km2 3, também apresenta, nos
nomes de suas ruas e bairros, as contribuições da língua indígena.
TOPÔNIMOS DE ORIGEM INDÍGENA
DE SÃO GONÇALO
A
Abaeté (av. – b. Antonina): Do tupi aba, homem, etê, por excelência: homem de valor. Var. Abaetê.
Acari (r. – b. Trindade): Do tupi acari, isto é, acará, cascudo, escamoso e i, pequeno. Peixe de água doce do Brasil.
Anaiá (est. – b. Tribobó): Do tupi: palmeira de fruto drupáceo,
verde-amarelo.
Andira (r. Expedicionário Andiras Nogueira de Abreu – b. Porto
do Rosa): Do taxonomia Andira, de origem tupi: gênero de plantas da família das leguminosas.
Araçatuba (r. – b. Trindade): Do tupi araçá-tyba, o sítio dos araçás, onde há araçás em abundância.
Araguaia (r. – b. Boa Vista): Do tupi ara-guá-y, rio do vale dos
papagaios; ou ara, dia, tempo e guaia, caranguejo: tempo, época,
estação de apanhar caranguejo.
3
Dados do IBGE, 2000.
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Arara
(r. Araras – b. Trindade): Do tupi: ave.
Araribóia (r. – b. Porto Novo): Do tupi araüba, de ara, tempo, e
aüba, mau, e mboü, cobra de mau tempo, cobra de tempestade,
serpente misteriosa que no fundo das águas respondia com um
eco ao ribombo do trovão.
Araruama (r. – b. Trindade) : Do tupi arara-uama, comedouro ou
bebedouro das araras.
Araxá
Ari
(r. – b. Trindade): Do tupi: planalto em forma de tabuleiro.
(r. Ari de Azevedo – b. Jardim Catarina): Do tupi.
B
Baependi (r. – b. Trindade): Do tupi: clareira na mata, atalho, picada que dá passagem.
Baturité (r. – b. Trindade): Do tupi ybytyra-etê, alteração de ubutur-etê, montanha verdadeira, a serra por excelência.
Birigui (r. – b. Boa Vista): Do tupi: mosca pequena.
Boaçu (b.): Do tupi mboy-açú, serpente, cobra grande; Rio de Janeiro.
C
Caçapava (r. – b. Trindade) : Do tupi caá-çapaba, clareira da mata, aberta, travessia ou vereda na mata.
Caetés (r. – b. Jardim Catarina): No singular Caeté. Do tupi caáêtê, mata real ou verdadeira, mato virgem.
Caiçara (tv. Jardim Caiçara – b. Barro Vermelho): Do tupi: caa,
folha, mato ou folhagem e içara, tronco ou haste: tapume, paliçada, cercado, trincheira.
Cambuci (r. – b. Trindade): Do tupi: cambú-chi, vaso de água,
pote, cântaro, tina; var.: camuci, camucim, camutim, camoti, caámboci, fruto feito de duas partes juntas.
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Cambuquira (r. – b. Trindade): Do tupi: grelo de erva, isto é,
broto de erva.
Canindé (r. – b. Trindade): Do tupi kani’ne: anegrado, retinto, tisnado, escuro; nome de uma espécie de arara.
Capivari
(r. – b. Trindade): Do tupi capiuar-y, rio das capivaras.
Caramuru (r. – b. Galo Branco): Do tupi, moréia.
Carioca (al. – b. Jóquei Clube): Do tupi, casa do branco.
Cariri (r. – B. Coelho): Do tupi kiriri, adjetivo, taciturno, silencioso, calado; lugar descampado, sertão, lugar silencioso.
Caruaru
aras.
(r. – b. Coelho): Do tupi karna’ra-ü, a aguada das caru-
Cataguases
(r. – b. Trindade): Do tupi caatã-gua, o morador ou
habitante dos cerrados.
Cavaru (r. – b. Porto da Pedra): O modo do tupi da palavra cavalo.
Corumbá (r. – b. Trindade): Do tupi curú-mbá, o banco de cascalho. Var. corumbaba.
Cuiabá (al. – b. Rio do Ouro): Do tupi: lugar onde há cuias.
Curi (r. Aída Curi – b. Raul Veiga): Do tupi: a argila vermelha.
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História da Língua Portuguesa
G
Guanabara (r. – b. Gradim ): Do tupi: baía tão vasta que parece
mar.
Guaporé (r. – Santa Isabel): Do tupi wa, campo, e po’ré, catarata,
cachoeira no campo, no campestre.
Guaraci (r. – b. Estrela do Norte) : Do tupi wa’ra sü, a mãe dos
viventes, o criador, o sol, ou então, ko ara sü , a mãe deste dia, a
mãe do dia.
Guarani (r. Tenente Guarani – b. Estrela do Norte): De origem
obscura, mas certamente de idioma indígena da América do Sul.
Segundo Baptista Caetano deriva do tupi guarini, guerrear.
Guarapari (r. – b. Trindade): Do tupi.
Guaxindiba
cia.
(b.): Do tupi gwaxi’ndiba: vassouras em abundân-
I
Iara (r. – b. Laranjal): Do tupi: senhor, senhora.
Ibicuí (tv. – b. Colubandê) : Do tupi i’bi, terra, e ku’i, farinha, pó:
pó de terra, areia, praia.
Ibirapitanga
vermelho.
(r. – b. Guaxindiba): Do tupi ibirá, pau, e pitãga,
Ibituruna (r. – b. Monjolo): Do tupi ibi’tu, nuvem, e una, preta;
ou ibitu’roi, vento frio.
Iguaba (r. – b. Trindade ):Do tupi ü, água, e wab, particípio de u ,
beber, aquilo em que se bebe, lugar onde se bebe, bebedouro
d’água.
Iguaçu (al. – b. Rio do Ouro ): Do tupi-guarani ü, água e wa’su,
grande: rio caudaloso.
Imbé (r. – b. Guaxindiba): Do tupi: a planta rasteira; trepadeira.
Ipê
(r. – b. Arsenal) : Do tupi y-pê, árvore cascuda.
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Ipê
(r. – b. Arsenal): Do tupi y-pê, árvore cascuda.
Ipiranga
melha.
(r. – b. Gradim): Do tupi ü, água, rio, e pi’ranga, ver-
Iracema (tv. – b. Paraíso): Do tupi irá, mel e cema, porção, abundância: fluxo, quantidade de mel que escorre.
Itaberaba (r. – b. Barracão): Do tupi ita, pedra e beraba, brilhante.
Itabira (r. – b. Guaxindiba/Monjolo): Do tupi ita, pedra, e bira,
levantada, erguida, empinada, alta.
Itacambira (r. – b. Barracão): Do tupi ita akam’bira, forcado de
ferro, compasso, tenaz.
Itacava (r. – b. Barracão): Do tupi.
Itacoatiara
(r. – b. Guaxindiba/Monjolo): Do tupi ita, pedra, e
kwati’ara, pintada, escrita, gravada.
Itacolomi (r. – b. Jardim Catarina): Do tupi ita, pedra e kulu’mi,
criança, menino, o menino da pedra, o filho da pedra, a pedra e
seu filho.
Itacuruçá (r. – b. Monjolo): Do tupi ita, pedra e kuru’sa, forma
que os tupis deram à palavra portuguesa cruz: lugar da cruz de
pedra.
Itaguaí (r. - b. Trindade): Do tupi água (hi, hig, ig) do barro vermelho ou da argila vermelha.
Itaípe (r. – b. Guaxindiba): Do tupi ita, pedra; i, rio, água; pe,
caminho: água que corre entre pedras.
Itaipu (r. – b. Laranjal): Do tupi ita, pedra; ypú, fonte, manancial:
água que nasce da pedra.
Itajaí (r. – b. Galo Branco): Do tupi itajá, que tanto pode significar
uma erva como também uma espécie de formiga; hi, hig, i, ig, rio: rio das formigas ou da erva tajá.
Itajubá (r. – b. Trindade): Do tupi ita, pedra; jubá, amarela, de ouro.
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Itajuru (r. – b. Vista Alegre) Do tupi ita, pedra, jurú (yurú), boca:
boca de pedra ou caverna.
Itamarati (av. – Guaxindiba/Monjolo): Do tupi ita, pedra, marati,
branca: rio das pedras brancas.
Itambé (r. – b. Monjolo): Do tupi ita, pedra e aymbé, afiada, pontiaguda, cortante.
Itambi (r. – b. Laranjal) Do tupi ita, pedra, e mbi, alçada, o penedo em pé; ou ü, água e ã’ bü, muco, água de muco; ou ainda ita,
pedra, e ã’bi, muco, rochedos mucosos.
Itamirim
(r. – b. Barracão) : Do tupi ita, pedra, e mirim, pequena.
Itanguá (r. – b. Barracão): Do tupi ytã-guá, a baixa das conchas.
Itanhandu (r. – b. Guaxindiba): Do tupi ita, pedra, e nhan’du,
nhandu, nhandu de pedra.
Itaoca (est. - b. Itaoca): Do tupi ita, pedra e oca, casa : casa de
pedra.
Itaocara (r. - b. Trindade): Do tupi ita, pedra e ocara onde há
oca, casa e ara lugar: lugar da casa de pedra.
Itapagipe (r. – b. Vista Alegre): Do tupi, segundo Von Martius é
alteração de utapugipe, rio que dá vau, que dá caminho.
Itaparica (r. - b. Guaxindiba): Do tupi ita, pedra; pari, cercado:
lugar cercado de pedras.
Itapemirim
quena.
(r. – b. Monjolo): Do tupi ita’pé, laje, e mi’ri, pe-
Itaperuna (r. – b. Vista Alegre): Do tupi ita, pedra; pe, caminho
ou passagem e una, preta.
Itapetininga
ca.
(r. - b. Guaxindiba): Do tupi itape, laje; tininga, se-
Itapeva (r. – b. Guaxindiba/Monjolo): Do tupi ita, pedra, e pewa,
chata.
Itaporanga (r. – b. Guaxindiba) : Do tupi ita, pedra; porang, bela,
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bonita.
Itapuca (r. - b. Monjolo) : Do tupi ita, pedra e puca, arrebentada,
amassada.
Itararé (r. - b. Boa Vista): Do tupi ita, pedra e raré, escavada, onde há um buraco.
Itatiaia (r. – b. Laranjal): Do tupi ita, pedra, tiai, gancho, croque,
dente, o penhasco cheio de pontas, a crista eriçada.
Itaú (r. - b. Guaxindiba): Do tupi ita, pedra e u, preta: pedra preta,
isto é, o ferro.
Itaúna (b.): Do tupi ita, pedra e una, preta : pedra preta.
Itaverava (r. – b. Monjolo) : Do tupi ita, pedra, verava, corruptela
de beraba, luzente.
Itororó (r. - b. Jardim Catarina): Do tupi ita, pedra e roró, que faz
barulho, ou então: i, água, rio, e tororó, sussurrante.
Itu (r. - b. Monjolo) : Do tupi i, água, rio; tu, fazer barulho: água
rumorejante.
Ituverava (r. – b. Monjolo): Do tupi ütu, cascata, cachoeira, salto,
e beraba, brilhante, luzente, resplandecente.
J
Jabaquara (r. – b. Itaúna): Do tupi yabá-quara: refúgio ou esconderijo dos fujões, vulgo, quilombo.
Jacarandá (r. – b. Arsenal): Do tupi y-acã-ratã: o que tem o miolo
duro, o cerne duro.
Jaceguai (r. – Almirante Jaceguai – b. Laranjal): Do tupi yasêwa
ü, rio da baixa das melancias, ou yasê wai , a cabeça edule, a melancia.
Jaci (r. Jaci de Menezes – b. Barro Vermelho): Do tupi ya-cy, a
mãe dos frutos; ou do tupi ya’sü, lua.
Jaguaré (r. – b. Monjolo): Do tupi: sabe a onça, ou que tem cheiro
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de onça, a catinga da onça.
Jaguari (r. – b. Laranjal): Do tupi jaguar, onça e i, ig, água, rio: rio
da onça.
Jaraguá (r. – b. Trindade): Do tupi yara, senhor e guá, campo: senhor do campo.
Jaú (r. – b. Trindade): Do tupi-guarani ya-ú, o comedor, o comilão, o nome de um peixe fluvial. Do tupi ia’u: bagres d’água doce.
Jequitibá (r. – b. Arsenal): Do tupi: yiki, covo, t-ybá, fruto: árvore
de covos, porque os frutos têm a forma de covo.
Jequitinhonha (r. – b. Itaúna): Pode ser vocábulo de origem tupi:
yi’ki tünone, o covo mergulhado ou assentado n’água.
Joá
(r. – b. Almerinda): O mesmo que juá, do tupi yu, espinho.
Jurema (tv. – b. Porto Novo): Do tupi yú, espinhoso e r-ema, que
vasa.
Juruá(r. Rio Juruá – b. Rocha): Do tupi yuru a, a boca aberta ou
ampla, a embocadura larga.
L
Lambari (r. – b. Trindade): Do tupi : peixe pequeno de água doce. Var. de alambari.
M
Macaé (r. – b. Trindade): Do tupi ma’ka, abreviação de makaba,
macaba, e ê, doce; ou amaka ae, rede de dormir dele; ou ainda
mikié, rio dos bagres e céu enxuto.
Macapá (al. – b. Rio do Ouro): Do tupi: forma apocopada de maka’paba, a estância das macabas, o palmar das macabas.
Maceió (al. – b. Rio do Ouro): Do tupi ma por mbaé, coisa, e sai,
estendida, dilatada: o espraiado, extenso, ou ma-sai-ó, o que se
estende encobrindo ou tapando.
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Mangaratiba (r. – b. Trindade): Do tupi mãgara, mangará, tüba,
sufixo coletivo, o sítio das mangarás.
Mantiqueira (r. – b. Engenho Pequeno): Do tupi amãtikir, a chuva goteja, ou mbaétikir, coisa que verte.
Marabá (r. – b. Trindade): Do tupi mair-abá, isto é, o francês, o estrangeiro.
Marajó (tv. – b. Lindo Parque): Do tupi mba’ra yó, tirado, arrancado do mar.
Marambaia
(b.): Do tupi marã-bai, cerco do mar.
Maricá (av. – b. Galo Branco): Do tupi mari, cássia; cá, espinho,
ponta aguçada.
Mauá (r. – b. Porto Velho): Do tupi ma-u’ã : a coisa elevada; alusão à terra erguida entre baixas alagadiças.
Miracema (r. – b. Alcântara): Talvez do tupi müra, povo, gente, ou
ümira, pau, e sema, gerúndio de sem, sair, gente que nasce ou pau
que brota.
Mojica (r. Frei Mojica – b. Boaçu): Do tupi.
Mossoró (r. – b. Boa Vista): Do tupi mbo, fazer, e sorok, romper,
rasgão, ruptura.
Mucuri (r. - b. Jd. Catarina): Do tupi mucura, gambá, e y, água, rio.
N
Niterói (r. – b. Alcântara): De origem tupi, um tanto duvidosa: água abrigada em seio.
P
Paraíba (tv. – b. Gradim): Do tupi: variegado e o tupi : árvore; do
tupi : rio imprestável.
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História da Língua Portuguesa
Paraná (al. – b. Rio do Ouro) : Do tupi: semelhante ao mar.
Paranaguá
Parati
(r. – b. Trindade): Do tupi Paraná e guá, baía.
(r. – b. Trindade): Do tupi: peixe branco.
Peri (r. – b. Lagoinha): Do tupi, junco.
Piabas (est. – b. Várzea das Moças): Do tupi: no singular, piaba ,
pele manchada.
Pindamonhangaba
(r. – Portão do Rosa): Do tupi pinda monhangaba, fábrica de anzóis, ou pescaria a anzol.
Piracanjuba (r. – b. Jd. Catarina): Do tupi: pira, peixe de pele,
kang, osso, e yuba, amarelo.
Piracicaba (r. – b. Trindade): Do tupi pira, peixe, cycaba, colheita.
Piraí (r. – b. Trindade): Do tupi: designação indígena de peixes de
pequeno porte.
Piraju (r. – b. Boa Vista): Do tupi pira, peixe e yu, forma apocopada de yuba, amarelo, peixe amarelo, o dourado.
Pita (tv. Alberto Pita – b. Sete Pontes): Do quíchua pita: fio fino.
Pitangas
melho.
(est. – b. Monjolo): Do tupi: no singular, pitanga , ver-
Pororoca (r. – b. Itaoca): Do tupi: estrondar.
S
Sabará (r. – b. Itaoca): Do tupi ita, pedra, beraba, luzente, pedra
luzente, cristal, alterado para tabaraba, tabarab, Tabará (forma
antiga), finalmente Sabará.
Sapucaia (est. – b. Itaúna): Do tupi: fruto que faz saltar o olho.
Sepetiba (r. Visconde de Sepetiba – b. Mutondo): Do tupi sapê,
sapê, e sufixo coletivo tüba, sapezal.
Sergipe (r. – b. Brasilândia): Do tupi siri ü pe: no rio dos siris.
Sorocaba (r. – b. Trindade): Do tupi sorokab, lugar de se romper.
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História da Língua Portuguesa
T
Tapuia (r. Tapuias – b. Jardim Catarina): De origem tupi, mas de
etimologia mal explicada. O que se sabe ao certo é que da denominação se serviam, como alcunha injuriosa, tanto os nossos tupinambás como os guaranis do Paraguai. Quanto à significação
desta alcunha, pode ser: bárbaro, selvagem; contrário, inimigo.
Taubaté (r. – b. Trindade ): Do tupi taba eté, aldeia verdadeira,
considerável.
Tietê (r. – b. Trindade): Do tupi, tié (pássaro) verdadeiro.
Tupi (r. – b. Raul Veiga): Do tupi: tu-upi, o pai supremo, o primitivo, o progenitor.
Tupinambá
(r. – b. Porto Novo): Do tupi: descendente dos tupis.
Turiaçu (r. – b. Laranjal): Do tupi. Pode ser torü wasu, a turiúva
grande, ou torä wasu, o facho grande, a fogueira, o incêndio.
U
Ubá (r. – b. Trindade): Do tupi: árvore.
Ubirajara (r. – b. Laranjal): Do tupi: senhor da terra.
Uruguai (al. – b. Tenente Jardim): Do guarani: rio de caracóis.
CONCLUSÃO
Depois de tão longo convívio com a língua portuguesa, as
línguas nativas dos nossos índios deixaram importante influência na fala brasileira e, principalmente, no vocabulário – nomes
próprios de pessoas e de lugares.
Apesar da constante tentativa de extermínio dos povos indígenas através da destruição da sua cultura e língua, esta resiste bravamente e continua viva nos topônimos das diversas regiões do país.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
A contribuição indígena à cultura brasileira deve ser sempre estudada e valorizada, fazendo-se conhecida às gerações atuais.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
BIBLIOGRAFIA
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
CONTRIBUIÇÕES AFRICANAS
NOS FALARES DO BRASIL
Jaline Pinto da Silva
I - INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo promover uma reflexão acerca das contribuições dos falares africanos para a história do Português do Brasil. Para tanto, faz-se necessário citar
informações, ainda que sintéticas, a respeito dos países que
compõem os territórios de fala portuguesa. Sabendo-se, no entanto, que a proposta desta pesquisa delimita-se às influências
que as comunidades de origem africana exerceram no Brasil.
Situando geograficamente os países que possuem como
língua oficial o português, tem-se hoje: Portugal, Brasil, São
Tomé e Príncipe, Ilhas de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Angola, Macau, Goa e uma parte de Timor, sendo o português, nestes últimos territórios asiáticos, bastante ameaçado
pela expansão do inglês, dentre outros fatores políticos e econômicos.
Vale ressaltar que a investigação do presente trabalho, deuse a priori através de pesquisa de fatores sociais. Já que estes, além de variações dos enunciados lingüísticos, da existência de
dialetos, das situações de contato de línguas encerram em si conceitos que têm implicações na definição de uma língua, sendo necessário envolvê-los par se dar conta da realidade a que poderá
corresponder o rótulo de língua portuguesa.
As considerações finais da pesquisa trazem uma pequena, porém bastante simbólica mostra dos vocábulos que são utilizados hoje no Brasil e que têm suas origens nos povos africanos.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
II - TERRITÓRIOS DE LÍNGUA PORTUGUESA:
UMA SINTÉTICA PERSPECTIVA HISTÓRICA
Para se compreender as especificidades que constituem o
português brasileiro, principalmente no que se diz respeito às influências africanas, faz-se necessário relatar alguns fatos de ordem social e política do início da expansão do português para
outros territórios, a fim de que estes possam esclarecer dados
sobre as diferenças apresentadas no Brasil.
Para tal objetivo supracitado, deve-se começar por um
fator social, historicamente limitado, que terminou em situações de contato de línguas, envolvendo uma língua européia, o
português, e línguas extra-européias, faladas na África, na América e na Ásia. O fator é a colonização basco-portuguesa que
sucedeu a expansão começada em 400, e que, fruto do equilíbrio ou do desequilíbrio demográfico entre os falantes envolvidos no contato, motivou diferentes resultados sociolingüísticos.
Onde o colonizador era um aventureiro isolado e o território inicialmente deserto, servindo de entreposto no negócio da escravatura (caso de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe), as condições foram de emergência de crioulos etnicamente desenraizados, integrando grupos africanos mistos. As populações de
escravos viam-se obrigadas a renunciar às suas línguas maternas.
Essa é a situação típica para o nascimento de uma língua
auxiliar que reaparece sistematicamente em cenários de entreposto e de plantação e que tem o nome de pitim. Apresentando
uma gramática simplificada e um vocabulário escasso e instável, o pitim sujeita-se, onde quer que se converta em língua
materna de novas gerações, a um processo de complexificação
que resulta no nascimento de uma nova língua, o criollo, com
base no léxico da língua do colonizador. Para os falantes do
criollo de base portuguesa, a língua portuguesa vai funcionar
como segunda língua, apta a desempenhar as funções de língua
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
oficial à data da independência.
A convivência com a língua portuguesa na Guiné, Angola e Moçambique foi assegurada pela presença dos colonos, durante os séculos XIX e XX, que foram os responsáveis pela
imposição de um modelo de prestígio que os africanos precisariam dominar sempre que ambicionassem ascensão social ou
caso se impusesse uma situação de contato interétnico. Nesses
territórios o português só pôde funcionar como língua materna
para as populações africanas em áreas de intensa migração interna, como Ruanda. A independência, no entanto, não significou simultaneamente a despedida da língua materna da classe
administrativa.
Também em vários pontos da Ásia se vieram a desenvolver criollos de base portuguesa, falados na Índia, Ceilão,
Macau, Malásia e Timor, que se extinguiram progressivamente.
Onde a administração portuguesa se manteve até o século XX
(Goa, Damão e Diu, Macau e Timor), ocorreu a descriolização.
As estruturas gramaticais e lexicais foram se aproximando progressivamente do modelo português-europeu e apenas deixaram vestígios nas variedades dos sotaques do português hoje
falado por uma minoria de indianos, macaienses e timorenses.
Presença portuguesa duradoura ou vontade de afirmação
da individualidade comunitária, esses foram os dois fatores que
contribuíram para a permanência de vestígios lingüísticos. A
situação oriental é muito diversa da língua portuguesa na África, porque esta última foi alvo, em virtude de diferentes mecanismos de descolorização, de uma intervenção autoritária. A
língua portuguesa começou, a partir de 1975, a integrar um
processo de política lingüística, ao ser eleita em Cabo Verde,
São Tomé e Príncipe, Guiné, Angola e Moçambique como língua oficial.
As línguas só são alvo de decisões que implicam atos de
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História da Língua Portuguesa
poder, quando são faladas em comunidades bilíngües ou multilíngües. No reinado de D. Diniz, há 700 anos, Portugal vivia
uma continuação de bilingüismo cultural, em que a língua de
cultura, o latim, divergia da língua materna da população. D.
Diniz decretou que se passasse a redigir em português os documentos de chancelaria real. Este foi o primeiro gesto da oficialização da língua portuguesa em território europeu.
O segundo ato de poder que envolveu a língua portuguesa ocorreu no século XVIII, quando o marquês de Pombal, perante o multilingüismo presente no Brasil e à crescente importância das línguas gerais como línguas de comunicação entre
índios, africanos e mesmo europeus, decretou a proibição, atribuindo assim ao português, pela segunda vez na história, o estatuto de língua oficial.
Esses dois antecedentes deixam bem claro que os atos de
autoridade só incidem no fato social da língua, quando nos
contornos de um Estado, caiba algo mais do que a implantação
de uma com unidade unilíngüe. Os resultados vão divergir em
razão da natureza sociolingüística da língua imposta. A orientação política que passa pela institucionalização autoritária de
uma língua é um instrumento que tanto pode servir à causa nacionalista como combatê-la. Impor a oficialidade da língua da
comunidade majoritária, como faz D. Diniz, reforça a individualidade política dessa comunidade, pois passará a haver uma
coincidência entre poder e cultura. Ligar a oficialidade de línguas faladas no interior de um Estado, instituindo apenas a língua da classe dominante, forma federações como a brasileira,
com maiores ou menores problemas de homogeneidade lingüística, conforme a individualidade cultural dos grupos subjugados.
Pode-se dizer que se mantém a hegemonia de uma norma
culta só enquanto se mantiverem as condições de estabilidade
social. Quando há Estados onde prevalece o bilingüismo, ou o
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
multilingüismo, como é o caso dos africanos, se decreta que
prevaleça sobre as línguas maternas das diferentes etnias uma
segunda língua, falada por um grupo prestigiado, pertencente a
uma cultura estranha, que se desenvolve até em outro continente, mas vai-se assistir ao ecumenismo. Entretanto, o ecumenismo lingüístico não se impõe naturalmente, nem basta investir
em campanhas de alfabetização ou numa integração equilibrada
da população heterogênea. É preciso que resulte constantemente reforçado o prestígio da língua oficial. Não existe propriamente uma comunidade de língua portuguesa, existirão comunidades, mais do que Estados independentes. Assim sendo, vêse que a língua portuguesa acompanhou o Império na sua expansão e também o acompanhou no seu declínio, fato que leva
a uma possível definição de língua portuguesa como antepassado lingüístico de uma família de línguas a que pertencem o
português europeu, o português do Brasil, os crioulos de base
portuguesa e uma multiplicidade de variedades africanas e asiáticas.
III - DIFERENTES REFERENCIAIS TEÓRICOS
ACERCA DA INFLUÊNCIA AFRICANA
NA ESPECIFICIDADE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Em 1980, o lexicógrafo, americanista e indianista, Macedo Soares, afirmou em um de seus trabalhos sobre a etimologia de certos termos de origem africana:
Um estudo completo dessas vozes d’África seria trabalho, de evidente utilidade, para se conhecer não só a influência que exerceram sobre a nossa sociedade os elementos negros..., mas também a direção
que vai seguindo a língua portuguesa falada no Brasil em comparação
com a falada na metrópole. (1943, p. 72)
Os primeiros estudiosos do século passado consideraram
que a influência dessas línguas africanas e também indígenas
serem responsáveis pela especificidade do português no Brasil.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
Assim, Renato Mendonça (1933) e Jacques Raimundo (1933)
atribuíam à influência das línguas africanas a motivação de
muitas características que distinguem o português brasileiro do
europeu.
Contrapondo-se a esses autores, Serafim da Silva Neto
(1986) embora admitido a formação de crioulos e semicrioulos
decorrentes do aprendizado imperfeito do português por falantes africanos, nega a influência destes na constituição do português no Brasil. A presença africana teria apenas acelerado as
tendências latentes na língua portuguesa.
A concepção teórica em que se baseia o raciocínio supracitado defende que as línguas possuem uma natureza histórica
que oriente o seu desenvolvimento independente do contexto
em que evoluem. Tal posição é ratificada por Mattoso Câmara
(1972) que de acordo com sua opção estruturalista considera
que a influência das línguas africanas na constituição do português brasileiro estar resumida à aceleração de tendências prefiguradas no sistema lingüístico do português.
Depois de um longo silêncio sobre esta questão, o debate
sobre a influência das línguas africanas no Português do Brasil
foi retomado recentemente, nos autores estrangeiros Guy
(1981, 1989) e Holm (1987, 1988). Aparados por um conjunto
de dados sócio-históricos e lingüísticos, esses autores defendem a hipótese da crioulização prévia do português brasileiro.
Seus argumentos baseiam-se na constatação de que a convivência e o contato lingüístico com uma grande população africana, por mais de três séculos, conduzem fatalmente a uma história influenciada pela crioulização.
Animado pela perspectiva delineada pelos autores citados, mas partindo de bases empíricas diversas, Baxter (1992)
empreendeu uma pesquisa junto a uma comunidade afrobrasileira de descendentes de escravos, próxima a Helvécia, no
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História da Língua Portuguesa
sul da Bahia.
Num estudo apresentado no Colóquio Internacional sobre Crioulos de Base Lexical Portuguesa, realizado em Lisboa,
em 1992, Baxter destacou naquele dialeto de Helvécia os traços
morfossintáticos que não se encontram na maioria dos dialetos
rurais: uso de formas da terceira pessoa do singular do presente
do indicativo para retratar estados e ações pontuais e contínuas
que se situam no passado; uso variável de formas da terceira
pessoa do singular do presente do indicativo em contextos que
normalmente se usam formas do infinitivo; marcação variável
da primeira pessoa do singular; dupla negação, variação de
concordância de número e gênero do SN; orações relativas não
introduzidas por pronome; presença variável do artigo definido
em SN de referência definida; uso variável de formas no subjuntivo; ausência de formas sintéticas de futuro. Desse estudo
concluiu-se que o dialeto de Helvécia apresenta traços sugestivos de processo irregular de aquisição e transmissão de linguagem do tipo que caracteriza as línguas crioulas. Assinala também que o sistema verbal encontrado nos dialetos rurais do
português do Brasil pode ser derivado de dialetos como os de
Helvécia, configurando assim um processo de descriolização.
A partir dessas pesquisas, passou Baxter admitir então,
que a crioulização e a atual descriolização é um fato que pode
ser ainda observado em algumas comunidades que se constituem majoritariamente de negros e que se mantêm na zona rural,
isoladas de um contato mais intenso com os centros urbanos.
Observando de forma sintética os diferentes referenciais
teóricos apresentados no presente capítulo, pode-se dizer que o
estudo lingüístico das comunidades afro-brasileiras rurais é
uma contribuição necessária para os estudos dialetológicos do
Brasil para o levantamento das variedades do português brasileiro e também para o conhecimento da cultura da população
brasileira de origem africana, já que esse aspecto vem sendo
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
marginalizado ao longo do nosso processo civilizatório.
IV - LÍNGUAS AFRICANAS NO BRASIL
Sabe-se, evidentemente, que as línguas indígenas sempre
foram faladas no Brasil, mas quanto a línguas africanas, pouco
se sabe. Faltam documentos lingüísticos do tempo da escravidão e os papéis oficiais relativos ao tráfico que poderiam dar
uma pista em direção aos seus falantes, foram destruídos por
ordem governamental em 1891, três anos após a abolição da
escravatura no país, com o objetivo não confessado de evitar o
pagamento, pelo Estado, de indenização aos senhores de escravos. Esse tipo de dificuldade porém, não pode servir de motivo
para afastar os pesquisadores, já que se calcula terem sido
transplantados pelo tráfico para o Brasil mais de cinco milhões
de africanos que trouxeram consigo suas culturas e línguas.
Partindo das investigações das manifestações folclóricas
e dos falares africanos das comunidades de religião afrobrasileira, descobriu-se que os bantos foram trazidos em levas
numerosas e sucessivas para o desbravamento e ocupação de
terras desde o século XVI; a princípio oriundos do antigo Reino do Congo, depois de Luanda e Benguela, na costa sul de
Angola. Esse dado histórico confirma as razões da predominância no português do Brasil de aportes provenientes das três
línguas majoritárias e litorâneas daquela região, o quicongo, o
quimbundo e umbundo. Essa última mais evidente em Minas
Gerais e São Paulo do que na Bahia.
Quanto às línguas Kwa, faladas no oeste africano, as do
grupo ewe, principalmente o fon ou daomeano e que foram registradas em Vila Rica, atual Ouro Preto, nas Minas Gerais do
século XVIII, revelaram-se anteriores a iorubá. Essa mais do
que as outras concentrada nos aspectos religiosos da cultura e
formando poucos derivados portugueses a partir de uma mesma
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
raiz africana, o que já denuncia uma importação relativamente
mais recente no Brasil.
Na maioria dos casos estudados, verificou-se que ocorria
uma adaptação morfológica mais do que uma evolução fonética
das palavras importadas, diante das semelhanças casuais, mas
notáveis do sistema lingüístico das línguas banto e dwa identificadas com o sistema de português brasileiro. Entre elas:
1) 7 vogais (V) orais, reconstruídas no protobanto e próprias do iorubá e do fon que também conhecem as vogais nasais correspondentes.
2) A estrutura silábica ((C)V), com exceção da nasal silábica (N) para as línguas africanas, a vogal (V) é sempre centro de sílaba, estabelecendo a fórmula (CVCV) como representante da estrutura ideal.
Tomando-se de uma parte, uma estrutura silábica A, própria ao banto e ao iorubá {(N,(C)V}, e de outra parte, uma estrutura silábica B, própria ao português padrão, ou seja,
{(C)C)V(C)}, observar-se, para as palavras africanas uma adaptação do sistema A em sua integração progressiva no sistema B, como nos exemplos: nkisi’ inquice, ou seja, N à VN,
ndende à dendê, ou seja, N à Æ.
Constata-se igualmente, para palavras portuguesas, uma
adaptação do sistema silábico B em um sistema C sob a influência do sistema A, um fenômeno comum na linguagem popular e também generalizado em alguns casos do falar mais educado do português padrão do Brasil. Em outros termos
{(C)C)V(C)} à {(C)V} sob a influência de {N,(C)V} a exemplo, entre outros, de negra à *nega, advogado à *adivogado
e da vocalização da lateral velar /l/ ou queda do /r/ em posição
final, como na pronúncia de Brasil - /brasiu/ ou dos infinitivos
dos modos verbais, falar(r), dizer(r).
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
Assim, pode-se dizer que o português do Brasil, naquilo
em que ele se afastou, na fonologia, do português de Portugal
é, antes de tudo, o resultado de um enfrentamento de duas forças dinamicamente opostas, mas complementares. De um lado,
um movimento explícito dos sistemas fônicos africanos em direção ao português, e, em sentido inverso, do português em direção aos sistemas fônicos africanos, sobre uma matriz indígena (Ind) preexistente no Brasil. Conseqüentemente o português
de Portugal arcaico e regional, foi ele próprio africanizado, de
certa forma, pelo fato de uma longa convivência. A complacência ou resistência em face dessas influências mútuas é uma
questão de ordem sócio-cultural, os graus de mestiçagem lingüística correspondem, mas não de maneira absoluta, aos de
mestiçagem biológica que ainda se processam no país.
Levando-se em consideração o número relativo de ocorrências do vocabulário de base africana que é usualmente empregado por determinadas camadas da sociedade ou pela comunidade como um todo e corrente no português do Brasil, no
caso específico dos falares baianos, que talvez possa servir de
modelos para os outros, foram identificados cinco níveis sócioculturais de linguagem:
- Nível 1 - a linguagem litúrgica dos candomblés, um repertório baseado em sistemas lexicais de diferentes línguas africanas que foram faladas no Brasil e, pela sua própria natureza, de aspecto conservador e arcaizante.
- Nível 2 - a linguagem de comunicação usual do povode-santo (membros do candomblé), no contexto inter e intragrupal.
- Nível 3 - a linguagem popular da Bahia, a linguagem
das camadas sociais de baixa renda, onde se registra um grande
número de analfabetos, de elementos negros e mestiços e de
seguidores dos candomblés.
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
- Nível 4 - a linguagem mais educada, de uso regional na
Bahia.
- Nível 5 - a linguagem do português do Brasil em geral.
Assim, podemos configurar o perfil do português do
Brasil a partir da seguinte hipótese:
—————————————< PB >————————————
LA à
ß PO
Crioulos desaparecidos
N1
N2
N3
N4
N5
————————————< IND >——— —————————
Evidentemente que para ultrapassar o estágio atual do
conhecimento sobre o assunto, é necessário, antes de tudo, precisar quais as línguas africanas que foram faladas no Brasil, o
que não é o objetivo do presente trabalho. Sabe-se da deficiência da informação histórica e da escassez de documentos lingüísticos do tempo da escravidão. No entanto, tendo em vista
que, se a língua relata mais do que reflete a realidade, a língua
nativa de um povo é fator de resistência e de continuidade cultural na opressão. Sendo assim, o estudo das evidências lingüísticas encontradas no vocabulário de base africana que foi
tomado pelos falares regionais brasileiros, poderá revelar subsídios valiosos não só para a historiografia da língua portuguesa no Brasil, como também das próprias línguas negroafricanas.
V – CONTRIBUIÇÕES AFRICANAS NO VOCÁBULO DO
PORTUGUÊS DO BRASIL
Este último capítulo pretende demonstrar algumas conCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
tribuições dos africanos no vocabulário do português do Brasil,
assinalando desta forma, a inegável e forte influência dos falares crioulos em nossa língua.
- Banana: o mais popular dos vocábulos africanos no
Brasil. J. M. Dalziel (The Useful Plants of West Tropical Africa, Londres, 1937) crê banana originar-se nos idiomas do oeste
africano; a bana, plural de e bana, do timé; bana, plural mbana, do sherbro. Timé fala-se no Estado de Samori, costa do
Marfim, compreendendo também mandingas e bambaras.
- Cafuné: etimologicamente, é um aportuguesamento do
quimbundo Kifune. O verdadeiro termo local de emprego corrente, resulta de Kufunata, vergar, torcer. Compreende-se semanticamente que para a produção do ruído, tem que se vergar
o polegar, quer estalando sozinho, quer também com o indicador, pelo toque das duas unhas, a do polegar na do indicador. O
cafuné, segundo os apreciadores, para ser verdadeiramente apetitoso, devia estalar forte, conforme o vulgo, gritar.
- Farofa: do quimbundo falofa. Resultado de kuvala ofa,
expressão que significa: parir morto. Da mecânica lingüística,
com toda a sua série de transformações, originou-se o termo valofa, depois modificado para farofa. A alteração do v em f explicase facilmente: além de serem consoantes labiodentais, o f é mais
brando. Afora esta particularidade, ainda se pode admitir o fenômeno da atração silábica: a terminação fa. Agora, quanto à interpretação do sentido do vocábulo: ‘parir morto’. Parir corresponde
a preparar, e morto, frio. Quer dizer: preparar com ingredientes
frios. Ou melhor: sem a intervenção do calor, para efeito da cozedura.
- Samba: é um verbo conguês da 2ª conjugação, que significa adorar, invocar, rezar. No angolense ou bundo, igualmente, rezar é cusamba: na conjugação o verbo perde a sílaba
inicial do presente do infinitivo; de sorte que, além deste tempo
e modo, em todos os outros o termo bundo é samba, e assim é
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
também o substantivo “adoração, reza”. Dançar é no bundo cuquina, no congo, quinina. Como pois, samba é dança no Brasil? Ora, é a dança sagrada dos feiticeiros, dos curandeiros, dos
rezadores. O samba é a dança ritual, a dança da reza, a profana,
o baile, o mero divertimento.
- Banguelo: muitos escravos vindos da cidade de São Filipe de Benguela em Angola, não tinham os dentes da frente,
tornando-se estranha a feição apresentada. A ausência dos dentes, retirados na festa da iniciação, luto ou punição, no cerimonial comum em áreas extensas, transmitiu mais esse nome, não
indicando a procedência do negro, sua cidade natal, mas agora
constituindo forma peculiar na conservação da arcada dentária.
Limados em ponta de adaga, ou o triângulo, com o vértice nas
gengivas. Desapareceu o negro embarcado no porto de Benguela, mas o banguelo ficou no vocábulo brasileiro.
- Iaiá, ioiô: tratamentos dos escravos para com os senhores moços, rapazes e moças. As pessoas idosas não recebiam
essa saudação de intimidade confiada. Nhãnhã, nhõnhõ, no sul
do Brasil. Da Bahia para o norte, sempre iaiá e ioiô com o diminutivo carinhoso iaiazinha. Para ioiô atina-se provir de senhor Jacques Raimundo, citando Bentley, indica do conguês U
YAYA, mãe.
- Zumbi: Zumbi ou Dele é a alma de pessoa falecida recentemente, num período não secular. O primeiro termo é mais
usado no interior, o segundo em Luanda. O aportuguesamento
de zumbi é canzumbi. E de Dele proveio a expressão mundele,
indivíduo de raça branca. Pela decomposição, mukuá-ndele,
apura-se a comparação: possuidor de alma, semelhante a alma.
Zumbi e Dele derivam, respectivamente, de Kuzumbika e kuendela, ambos os verbos significando perseguir.
- Corcunda: no Aurélio, quem consulta o verbete corcunda
fica sem entender como uma palavra tem origem nela própria. SeCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
gundo ele, corcunda é resultado do cruzamento de sua forma dissimulada carcunda com corcova. O lógico no entanto, é se deduzir
que corcunda é que é a forma dissimulada de carcunda, porque
ambas derivam do mesmo étimo banto da palavra carcunda, assinalado por ele no verbete respectivo como quimbundo e remissivo
à corcunda.
VI - CONCLUSÃO
A questão relativa à parte da influência de línguas africanas nas diferenças que deram ao português do Brasil um caráter
distinto de sua matriz falada em Portugal tem sido objeto de silêncio mais do que de reflexão entre lingüistas e filólogos brasileiros. A resistência para tratar do assunto encontra razões de
ordem histórica e epistemológica, mas passa antes de tudo, pelo prestígio atribuído à escrita face à oralidade, por uma pedagogia que durante séculos tem privilegiado o ler e o escrever
diante da não menos importante arte de falar e ouvir. Rejeita-se
a hipótese do influxo de línguas africanas no sistema lingüístico do português do Brasil, a partir do princípio tácito de não
admitir que línguas de tradição oral pudessem influir em uma
língua de reconhecimento literário como a portuguesa. Conseqüentemente, segundo essa apreciação, os fatos que podem denunciar um movimento em direção oposta, são vistos como traços mal disfarçados pelo português em lugar de expressões de
resistência e de defesa cultural dos falantes africanos ante um
novo sistema lingüístico que lhes foi imposto, a exemplo da redução e simplificação dos modos verbais, de uso generalizado
na linguagem popular do Brasil.
Desta forma, vale ressaltar que o estudo lingüístico das
comunidades afro-brasileiras é uma contribuição necessária para os estudos dialetológicos do Brasil, aos quais dever integrarse, dentro de uma metodologia comum e eficiente, no levantamento e descrição das variedades do português brasileiro. Esse
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História da Língua Portuguesa
é o caminho seguro para se identificar o caráter específico da
língua nacional, que não pode ser considerada como um bloco
homogêneo, pois apresenta diferenças decorrentes de variações
diatópicas e diastráticas que merecem ser avaliadas. Enfim,
sem o conhecimento dos dados sobre nossa realidade lingüística pouco se poderá adiantar sobre a história do português do
Brasil, que, embora não tenha todos os seus momentos conservados em documentos escritos, está escrita na fala diferenciada
dos brasileiros, que ainda aguarda ser documentada.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
ORIGEM E USO DO FUTURO DO SUBJUNTIVO
Patrícia Miranda Medeiros
Nos estudos da História da Língua Portuguesa percebemos a inexistência do Futuro do Subjuntivo no Latim. Contudo, observamos que esse tempo verbal é bastante utilizado no
Português atual. Com o intuito de investigar os fatores que tornaram possível o uso do Futuro do Subjuntivo em nossa língua
damos início a presente pesquisa.
Sabemos que a língua é um organismo vivo e que em todo momento ocorrem variações lingüísticas que influenciam ou
poderão influenciar, com o passar do tempo, toda uma comunidade lingüística. O mesmo ocorreu no latim vulgar, a língua falada entre os povos colonizados pelos Romanos, em que houve
muitas mudanças e evoluções até chegar ao nosso Português,
usado hoje no Brasil.
Levando em consideração a vivacidade da língua, e sabendo que ela está intrinsecamente ligada com a competência e
o desempenho dos falantes, é notório o fato que estes são os
principais responsáveis pelas mudanças ocorridas tanto na linguagem culta quanto na linguagem popular.
Este trabalho tem o intuito de verificar as mudanças e inovações ocorridas do Latim para o Português, mais especificamente do Futuro do Subjuntivo.
I- A INEXISTÊNCIA DO FUTURO DO SUBJUNTIVO NO
LATIM
No quadro abaixo temos uma visão geral dos verbos latinos que tinham por base a oposição de dois grupos de tempo: o
do INFECTUM, que exprimiam a ação ou processo em seu
curso de duração (aspecto imperfeito) e do PERFECTUM, que
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História da Língua Portuguesa
indicavam uma ação ou processo concluídos ou terminados
(aspecto perfeito).
PERFECTUM
INFECTUM
Temos abaixo como exemplo a primeira pessoa de cada
tempo do verbo da 1ª conjugação:
INDICATIVO
SUBJUNTIVO
IMPERATIVO
Presente
Amo
Amem
Ama
Imperfeito
Amabam
Amarem
Futuro
Amabo
Perfeito
Amavi
Mais-que-perfeito Amaveram
Futuro perfeito
Amato
Amaverim
Amavissem
Amarevo
Queremos ressaltar nesse quadro a inexistência no latim
do verbo referente ao Futuro do Subjuntivo. Há no quadro uma
lacuna que nos indica que tal tempo verbal não existia no Latim.
Estudos nos mostram que o Futuro Perfeito do Indicativo
(amavero) que, fundido com o Perfeito do Subjuntivo(amaverim), veio a constituir o nosso Futuro do Subjuntivo
(amar). Temos então: amaro (por amavero) > amar; debero (por
debuero) > dever; vendero (por vendidero) > vender; puniro
(por punivero) > punir.
Ismael Coutinho ressalta, em sua Gramática Histórica
da Língua Portuguesa, que:
o Futuro do Subjuntivo só existe em português, no espanhol, no
romeno e nos dialetos italianos. No antigo castelhano, ainda se
conservara o –o da 1ª pessoa do singular. A sua queda entre nós
pode explicar-se da seguinte maneira: a 1ª pessoa dos vários tempos do subjuntivo termina do mesmo modo que a 3ª pessoa: ame,
amasse, deva, devesse, puna, punisse. No futuro, porém, tal não
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
se dava: *amaro e amar. A analogia fez que desaparecesse a diferença, identificando as suas formas. (p.292-293)
Em latim, para expressar dúvida e incerteza acerca de
uma ação futura, o Futuro do Subjuntivo era substituído pelo
futuro do presente, exemplo: “Quando eu souber” (fut. do
subj.), em latim fica “Quando eu saberei”; “Quando eu tiver
terminado” (fut. composto do subjuntivo.) em latim equivale a
‘Quando eu terei terminado’. Usava-se o futuro do próprio indicativo, pois não existia em latim o futuro do subjuntivo. Frases portuguesas como: ‘enquanto houver discórdia...’, ‘se lerdes...’ e outras, em que o verbo está no futuro do subjuntivo,
traduzem-se em latim como se fossem: ‘enquanto haverá concórdia...’, ‘se lereis...’. Exemplos: “Enquanto houver concórdia... = Dum erit concordia...”, “Se lereis este livro... = Hunc
librum si leges...”
II - A FORMAÇÃO E O USO
DO FUTURO DO SUBJUNTIVO
O Futuro do Subjuntivo no Português é formado a partir
da 3 pessoa do plural do pretérito perfeito mediante a supressão do -am. Assim temos os verbos: fizeram, viram, vieram
que estão na 3ª pessoa do Pretérito Perfeito, partindo destes e
suprimindo a terminação -am, teremos o Futuro do Subjuntivo:
quando eu fizer, fizeres, fizer... quando eu vir, vires, vir, virmos... quando eu vier, vieres, vier...
ª
O subjuntivo é o modo que expressa dúvida, incerteza e
dependência de outro modo. Na oração: “Se ele insistir, fale
comigo” temos a suposição que “ele” irá insistir; não é certo
que haverá a insistência por parte do sujeito. Caso ocorra a ação do verbo insistir será necessário a ação do verbo falar por
uma terceira pessoa (você) que, na oração acima, foi expressa
no modo imperativo (fale). Notamos, nesse caso, a dependênCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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cia do modo imperativo para completar o sentido do futuro do
subjuntivo.
Francisco da Silveira Bueno afirma que:
A terminação –o (de amaro) da primeira do singular se manteve por tempos no galego como em castelhano; em português, precedida de ‘r’ que formava sílaba própria, sofreu apócope. O
mesmo se passou com o -e da terceira pessoa. Nas duas primeiras
pessoas do plural, achando-se a vogal ‘e’ em posição postônica,
amáredes, dormíremos, dormíredes, até o século XVI. Forma
mantidas, por exemplo, em “Itinerário da Terra Santa”, de Frei
Pantaleão de Aveiro. Como acima foi dito, o futuro do subjuntivo
se confunde muito freqüentemente com o infinitivo pessoal, nos
verbos regulares. Exemplos: & hus com os outros tinhão suas
praticas, & eu não entendiamos, o que nos foy causa de guardáremos a modéstia...(p.25); nos perguntavão se a conta de tomáremos hum pouco de tralho, queriamos ir ver hua Antigualha...(p.26); na qual achamos somente molheres, & miminos como espantados da nossa vista sem véremos algum homem (idem).
Foi escrito o “Itinerário da Terra Santa e Todas Suas Particularidades” em 1544. As citações são da edição de 1600, de Lisboa.”
(1967: 145)
Assim temos, na evolução do latim para o português, o
uso do Futuro do Subjuntivo a partir do século XVI, sendo largamente usado no Português contemporâneo.
Como podemos notar nos mais diversos textos, como
também na linguagem oral, o Futuro do Subjuntivo, que era inexistente até o latim, é usado em certas orações subordinadas
que sugerem idéia de futuro. Temos abaixo alguns exemplos de
orações subordinadas que são compostas por verbos no Futuro
do Subjuntivo sugeridas por Napoleão Mendes de Almeida:
a) Condicionais com se, quando a hipótese é possível:
Irei se puder .
Se você não quiser, não farei.
b) Temporais com quando, enquanto, logo, que, depois que,
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História da Língua Portuguesa
assim que, sempre que:
Irei quando nada houver que fazer.
Enquanto me quiserem aqui, aqui ficarei.
Sairei assim que me virem.
Sempre que eu disser sim, digam não.
c) Relativas:
Haja o que houver, irei.
Diga o que quiser, estará mentindo.
Quem for inocente atire a primeira pedra.
d) Proporcionais:
Quanto mais quiserem, tanto mais terão.
e) Comparativas:
Farei tal qual mandarem – Dirão tanto quanto puderem.
f) Conformativas:
Agirei conforme ele disser.
Farei da mesma maneira que ele fizer.
Além do mais, como característica de estilo, o presente
do indicativo pode vir em lugar do futuro do subjuntivo com
efeito enfático: ‘Se avanças, morres’
Cabe ressaltar que, o Futuro do Subjuntivo é usado desde
os textos mais arcaicos tal como o temos ainda hoje, exemplos:
“Santo Dom Manuel de Souza, lhe socorrei se lhe puderdes dar
vida”(Gil Vicente em “O Velho da Horta” (1512)) “...se m’eu
quiser trabalhar.”(idem, ibidem)
Temos outros inúmeros exemplos de Futuro do Subjuntivo na Literatura, nos textos bíblicos e nos textos informativos
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
contemporâneos, exemplos:
“...Quando o tempo branquear os teus cabelos, vais um
dia, mais tarde, revivê-los nas lembranças que a vida não desfez...” (J.G. De Araújo Jorge, 1934)
“Disse-lhes Jesus: Quando levantardes o Filho do homem, então conhecereis quem eu sou, e que nada faço por mim
mesmo; mas falo como o Pai me ensinou.” (Bíblia - Evangelho
de S. João 8:28)
“O Brasil se tornará um país forte quando exportar tecnologia e acabar com a miséria de milhões de seus cidadãos.” (umas das Manchetes da capa da Revista Veja, 18 de Julho de
2001, ano 34, n.º 28).
É importante verificar que na linguagem oral, o Futuro do
Subjuntivo é, da mesma forma, muito utilizado. Contudo, é comum notar problemas na conjugação, especialmente quando se refere ao verbo ver, assim como: “Quando você me ver de bengala...” , “Sempre que eu ver você fumando...” Esse tipo de construção se constitui erro, e dos graves, pois sabemos que a forma
do Futuro do Subjuntivo do verbo ver é: vir, vires, vir, virmos,
virdes, virem. A construção correta das orações são: “Quando você me vir de bengala...”, “Sempre que eu vir você fumando...” Tal
problema se constitui devido à semelhança do verbo ver com o
vir, porém esta construção errônea, muitas vezes, passa desapercebida, sendo comumente ‘aceitável’ e entendida pelos ouvintes e
falantes da língua.
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História da Língua Portuguesa
CONCLUSÃO
Assim como a Língua de forma geral sofre mudanças
com o passar do tempo e, que tais modificações são determinadas pelo usuário, os verbos que hoje utilizamos na fala e na escrita, sofreram alterações desde o Latim até chegar ao Português.
Como vimos, o Futuro do Subjuntivo não existia no Latim, empregava-se em vez deste, o futuro do presente para expressar ações de incerteza e dúvidas quanto ao futuro.
Enfim, o Futuro do Subjuntivo é hoje e desde o século
XVI, utilizado na Língua Portuguesa, tanto na linguagem oral
quanto na escrita, aparecendo nos mais diversos textos literários, informativos, textos sagrados, além de ser também usado
com grande freqüência na linguagem oral.
Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
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Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
História da Língua Portuguesa
PROVÉRBIOS: SABEDORIA DE UM POVO
OS PROVÉRBIOS E SEUS OPOSTOS
Nadir Fernandes Rodrigues Cardote
Como não podia estar em todos os lugares, Deus criou
a mãe. (provérbio hebreu)
Os provérbios exigem três ‘sss’: sal, senso e sensibilidade. (Paulo Rónai)
Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres,
brocados jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los
contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento. (Teoria do Medalhão. Machado de Assis. Apud . Iza Quelhas)
Provérbios são ruínas de velhas histórias. (Walter
Benjamin. Apud Iza Quelhas)
Os Provérbios são telegramas que os antigos nos deixaram para nos transmitir a notícia de sua sabedoria.
(Eno Teodoro Wanke – Pensamentos Moleques)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Mágoas, penas prazeres de meus longos dias
são freqüentemente ilustrados por uma citação;
enobreço minha dor de queixas murmuradas…
Ó mágico poder da encantação!
Ó colmeias de ouro que são as memórias ornadas!
(Léo Larguier)
Provérbio: sm. ‘máxima ou sentença de caráter prático e
popular, comum a todo um grupo social, expressa em forma
sucinta e geralmente rica em imagens’ XIV. Do lat. Proverbium –ii // proverbiAL XVIII. Do lat. Proverbialis. (CUNHA,
Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
Ao conjunto de provérbios, adágio, ditado, anexim, broCadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n. 01. São Gonçalo, 2001.
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História da Língua Portuguesa
cardo, refrão, rifão, axioma, aforismo, apotegma, máxima, sentença, dá-se o nome de paremiologia.
Paremiologia [do gr. paroimía, “parêmia”]. Coleção de
parêmias ou provérbios. (Dicionário Aurélio)
Os provérbios são sínteses de justiça e conhecimento, que
chegam às gerações em forma de sabedoria popular, para respaldar uma idéia, ratificar melhor um argumento, endossar o
nosso parecer como verdade incontestável, seria, pois, “uma
estratégia para lidar com uma situação”, um elemento persuasivo em favor de quem o declina.
É o provérbio um enunciado anônimo, exceto os provérbios bíblicos, sua origem remonta a um passado na história da
humanidade, faz parte da cultura e do folclore de um povo e o
mais apaixonante de tudo é o seu caráter “político-social”, pois
o provérbio não tem fronteiras, ele é universal, um mesmo provérbio pode ser encontrado em várias línguas:
Pelos frutos conhece-se a semente.
A árvore se conhece pelos frutos.
De fructu arborem cognosces.
On reconnaît l’arbre à ses fruits.
El árbol por el fruto es conocido.
Por el hilo sacarás el ovillo.
Ogni erba si conosce per lo seme.
An der Frucht erkennt man den Baum.
By its fruit each plant is known.
A tree is known by its fruit.
Não se pode determinar como surgiu o primeiro provérbio, apenas podemos inferir que em todos os lugares existe
uma sabedoria que vem do povo e que se expressa através de
vários significados, trazendo em seu bojo a essência do viver
com todas as suas contradições.
E é a partir dessa visão de idéias opostas, trazida pela
“Literatura Oral”, representada pelos provérbios, que iremos
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História da Língua Portuguesa
nos deter.
OS PROVÉRBIOS E SEUS OPOSTOS
O mundo é feito de contradições: o bem e o mal; o bom e
o ruim; o certo e o errado; o sim e o não; a vida e a morte, poderíamos, assim, seguir indefinidamente, sempre encontrando
um oposto para uma idéia enunciada. O mundo segue sempre
obedecendo a ‘lei da relatividade’ proposta pelo físico Albert
Einstein ― dependendo do referencial de quem olha, observamos o trem da vida parado ou em movimento ―.
Por isso, essas forças opostas que compõem os provérbios servem como um ponto de equilíbrio, pois segundo Aristóteles “A virtude está no meio”. Usando a linguagem dos provérbios: “Quem chega na frente bebe água limpa”, mas “Quem
tem pressa como cru.”
O EQUILÍBRIO DA VIDA
O excesso de luz cega a vista.
O excesso de som ensurdece o ouvido.
Condimentos em demasia estragam o gosto.
O ímpeto das paixões pertuba o coração.
A cobiça do impossível destrói a ética.
Por isto, o sábio em sua alma
Determina a medida para cada coisa.
Todas as coisas visíveis lhe são apenas
Setas que apontam para o Invisível.
(TAO TE KING – O livro que revela Deus. LAO-TSE. Trad. e
notas de Humberto Rohden. São Paulo : Alvorada, 1982)
Tomemos alguns provérbios antagônicos:
1.
Longe dos olhos, perto do coração. // O que os olhos não vêem, o coração não sente.
2.
Rei morto, rei posto. // Quem foi rei nunca perde a majestade.
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3.
As roupas não fazem o homem. // O alfaiate faz o homem. // Boa aparência é carta de recomendação.
4.
Depois da tempestade vem a bonança. // Um problema nunca vem sozinho. // Uma desgraça nunca vem sozinha. // Depois da tempestade,
vem a gripe.
5.
Nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. // Amanhã é
outro dia. // Não faças hoje o que podes deixar para amanhã.
6.
Nunca é tarde para aprender. // Cachorro velho não aprende novos
truques. // Boi velho não toma andadura.
7.
Quem cedo madruga acha o que comer. // Não é por muito madrugar
que amanhece mais cedo. // Quem corre da alvorada, ao pôr-do-sol
não vive muito. // Mais vale quem Deus ajuda, do que quem cedo madruga. // Quem madruga fica com sono o dia inteiro.
8.
Ruim com ele pior sem ele. // Antes só do que mal acompanhado.
9.
Quem corre, cansa; quem anda alcança // Quem anda devagar vai
longe. // Quem corre alcança, quem anda, nunca chega lá. // Alcança
quem não se cansa.
10.
Onde há silêncio a razão predomina. //Quando algo importante está
acontecendo, o silêncio é uma mentira.
11.
A pressa é inimiga da perfeição. // Quem muito escolhe, mal acerta
12.
Quem espera, sempre alcança. // Quem espera, sempre alcança, ou
fica cansado. // Quem espera nunca alcança. // Quem espera, chega
atrasado. // Quem espera, desespera.
13.
Há males que vêm por bem. // Há males que vêm para pior.
14.
Quem não tem cão, caça com gato. // Quem não tem cão, caça como
gato. // Quem não tem cão, não caça.
15.
Quem dá aos pobres empresta a Deus. // Quem dá aos pobres, empresta. Adeus! // Quem dá aos pobres fica com menos. // Quem dá o
que é seu, sem ele se fica. // Quem dá o que tem, a pedir vem. // Quem
dá o que tem, fica sem vintém. // Quem dá ou empresta, adeus. //
Quem empresta aos pobres dá adeus.
16.
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. // Água mole em
pedra dura, tanto bate e nunca fura. // Água mole, pedra dura, tanto
bate até que acaba.
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História da Língua Portuguesa
17.
Os últimos serão os primeiros. // Os últimos serão desclassificados.
18.
Quem o feio ama, bonito lhe parece. // Quem o feio ama, é porque vê
mal.
19.
Quem desdenha quer comprar. // Quem desdenha não tem dinheiro
para comprar.
20.
A ocasião faz o ladrão. // A ocasião faz o furto, o ladrão já nasce feito. // O perdão faz o ladrão. // Ladrão de tostão, ladrão de milhão. //
Cerca ruim é que faz o ladrão.
21.
Devagar se vai ao longe. // Devagar nunca mais lá se chega.
22.
Muito falar é pouco acertar. // Em boca fechada não entra mosca. //
Boca fechada não fala. // Quem cala consente.
23.
Quem fala a verdade não merece castigo. // Nem toda a verdade se
diz. // A verdade dispensa enfeites. // Ao médico, ao advogado e ao
abade falar a verdade. // Romancear não é mentir. // Somente as crianças, os tolos e os bêbados falam a verdade. // O exagero é a verdade com mania de grandeza. // É melhor uma mentira que consola do
que uma verdade que magoa. // Uma verdade na hora errada é pior
do que a mentira. // A arte de agradar é a arte de enganar. // Quem
não sabe dissimular não sabe reinar. // A dissimulação é a primeira
das virtudes do homem civilizado. // Falar a verdade com a intenção
de ferir é pior do que enganar ou mentir. // Às vezes é preciso adiar a
verdade. // A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz
sentido. // A ficção revela verdades que a realidade esconde. // A falsidade é a mentira que aprendeu a sorrir. // Deus não é contra a mentira se a causa é nobre.
24.
Livros fechados não fazem letrados. // Mais vale ler um homem que
cem livros.
25.
Quem pergunta, mal não faz. // Quem pergunta e quer saber, mexerico quer fazer. // Nem toda pergunta merece resposta. // Não faça perguntas e não ouça mentiras. // Nenhuma resposta é muitas vezes a
melhor resposta. // A melhor das respostas é a que não se dá.
26.
O Sol brilha para todos. // O Sol nasce para todos; a sombra para
quem merece. // O Sol nasce pra quem compra e se põe pra quem
vende.
27.
Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros. // Os
últimos serão desclassificados.
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História da Língua Portuguesa
28.
Palavra de rei não volta atrás. // Palavra dada, palavra empenhada.
// Palavra não enche barriga. // Palavras o vento as leva; papel é documento.
29.
Os grandes venenos estão nos frascos pequenos. // Os maiores perfumes estão nos frascos menores
30.
“Devagar se vai ao longe”,
Mas custa tanto a chegar
Só paciência de monge
Para agüentar esperar.
31.
“Mentira tem perna curta”,
Todos sabem a oração.
Mas e se o tempo ela encurta
Viajando de avião?
32. “Longe dos olhos, longe do coração”,Dizia o cego, esnobando erudição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Provérbios são uma fonte de conhecimento do passado e do presente, e ao mesmo tempo, incorporam-se ao cotidiano, permanecendo muitas vezes com sua forma ‘arcaizante’ ou
com uma versão mais moderna, de acordo com a mudanças e
transformações inerentes ao próprio mundo, como:
1.
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura | Água mole em pedra dura, tanto bate até que falta água.”
2.
“Antes só que mal acompanhado. | Antes só que Malan acompanhado.”
3.
“De grão em grão a galinha enche o papo. | De Fernando em Fernando o Brasil vai-se afundando.”
4.
“Depois da tempestade vem a bonança. | Depois da tempestade vem o
lamaçal.”
5.
“Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. | Não há
mal que sempre dure, nem mal que sempre se ature.”
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História da Língua Portuguesa
Algumas características são constantes nos provérbios,
dentre elas destacamos:
a) são breves, curtos, muitas vezes com frases nominais;
b) são conhecidos e aceitos de antemão, temos sempre a
sensação de já tê-los ouvido anteriormente;
c) a universalidade de suas mensagens;
d) têm um ‘saber de experiência feito’, são lições de vida;
e) têm uma autoridade que lhe imprime uma verdade inquestionável;
f) não se referem a nenhum caso em particular, tem um
caráter geral;
g) são práticos, nos ajudam, são ferramentas que podemos dispor, para ratificar, tornar verdadeiro e indiscutível qualquer assertiva;
h) expressam princípios, normas de conduta, juízo de valor.
São os provérbios de grande valia para o entendimento
do folclore e cultura de um povo, pois eles revelam sua alma,
seu espírito, seus costumes, transmitem-nos a realidade da vida
com suas contradições. E assim, sempre encontraremos alguma
lição que nos faça refletir sobre a vida.
Se o velho pudesse e o jovem soubesse, não haveria nada
que não se fizesse.
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