PET/ FILOSOFIA – UFPR Bolsista: Coniã Costa Trevisan Data: 19.03.2014 (Fichamento de parte do capítulo II, do livro Do Mundo Fechado Ao Universo Infinito, de Alexandre Koyré) * Nicolau Copérnico A partir do titulo do capítulo – A nova astronomia e a nova metafisica -, podemos ter uma ideia de que o capitulo se trata de uma mudança ocorrida em relação aos autores tratados no primeiro capitulo. Seguindo essa ideia, Alexandre Koyré começa o segundo capitulo do livro Do Mundo Fechado Ao Universo Infinito se baseando na contemporaneidade de Marcelus Stellatus Palingenius e Nicolau Copérnico para compara-los, e, assim, chegar à conclusão de que “eles [Palingenius e Copérnico] são, de fato, separados por séculos”1. Isto é, a concepção de universo desses autores é muito distinta. Em seguida, Koyré explica que através de um pupilo de Copércino é possível sabermos que tal autor se baseou em autores antigos para chegar as suas concepções sobre o universo; nas palavras do pupilo – citadas por Alexandre Koyré -: “seguindo Platão e os pitagóricos, os maiores matemáticos daquela era divina, que [Copérnico] julgou que para determinar a causa dos fenômenos, deveria atribuir movimentos circulares a Terra esférica.” 1 KOYRÉ, Alexandre. From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore: T. J. Hopkins Press, 1957. p. 28. 1 O autor passa então a tirar conclusões sobre a importância de Copérnico na transição entre “mundo fechado” e “universo infinito”, afirmando que ao tirar a Terra do centro do universo, Nicolau transformou a Terra em apenas mais um planeta, e assim a visão hierarquizada tradicional do universo foi rompida. Dessa forma, não existe mais o mundo celeste e o mundo sublunar. Koyré compara tal mudança com a proposta por Nicolau de Cusa, e conclui que a mudança copernicana é uma mudança muito menos radical, contudo, tal revolução, diferentemente da proposta por Cusa, foi uma revolução que de fato ocorreu e teve influência nos autores posteriores. Para demonstrar isso, Koyré cita um poema da época, e conclui que as concepções de Nicolau Copérnico geraram um estado de ceticismo e perplexidade. Contudo, explica Koyré, apesar da interpretação de muitos, o universo de Copérnico ainda possui hierarquização. O Sol se torna o centro principalmente por ser considerado como mais nobre e divino e, portanto, deve estar em repouso e não em movimento e mutabilidade, que são típicas do mundano – do não divino. Dessa forma, o universo de Copérnico possui dois polos de perfeição: o Sol e a esfera das estrelas fixas, e, portanto, é ainda um universo bem-ordenado e hierarquizado. Em seguida, Koyré levanta a tese de que o universo de Copérnico é um universo “finito”. Apesar de ser logico defender o contrário, pois, aparentemente não há mais necessidade da esfera de estrelas fixas – devido a sua falta de movimento -, e tais estrelas são excepcionalmente grandes. Ou seja, poderíamos supor que tal esfera se estende indefinidamente ou, até mesmo, infinitamente. Interpretando assim, o que, segundo Koyré, é uma interpretação plausível, o universo proposto por Copérnico seria, de fato, “infinito”. Todavia, Alexandre Koyré defende que Copérnico vê o universo como finito. Inicialmente, tal defesa é feita baseada na noção de que o “pensamento humano, mesmo o pensamento dos grandes gênios, nunca é completamente consequente e lógico”2. Portanto, não seria inatural a Copérnico acreditar em uma “esfera de estrelas fixas”, mesmo quando elas não explicavam algo fundamental em seu sistema. Ou seja, mesmo que seja natural pressupor que as concepções de Copérnico levem a um universo 2 KOYRÉ, Alexandre. From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore: T. J. Hopkins Press, 1957. p. 31. 2 “infinito”, não é necessariamente certo que tal autor tenha visto tal conclusão – que consideramos lógica e natural – sair de seu sistema. Koyré continua explicando sua tese, argumentando que Copérnico jamais usou o termo “infinito” para se referir ao mundo visível, o termo utilizado para se referir a tal mundo era imensurável (immensum). Alexandre Koyré afirma então que mesmo se existisse algo fora do mundo (world) copernicano, ele ainda seria um universo fechado, pois o universo é englobado pela esfera das estrelas fixas, uma esfera cujo centro é ocupado pelo Sol. Em outras palavras, mesmo que fora da esfera das estrelas fixas exista algo que possa ser chamado de infinito, o universo não poderia ser considerado realmente como infinito – exatamente porque o universo é entendido como aquilo que é delimitado pela orbita das estrelas fixas. 3 Nesse viés, Alexandre Koyré cita Copénico, para mostrar como tal pensador ainda via o universo como hierarquizado, e, assim, distancia-lo da imagem de ser quem primeiro afirmou o “universo infinito” dos modernos: “Mas no centro de tudo está o Sol. Quem, com efeito, nesse mais magnifico templo colocaria a luz em um lugar diferente ou melhor que aquele de onde ele pudesse iluminar ao mesmo tempo todo o templo? Portanto, não é impropriamente que alguns chamam-no de a lâmpada do mundo, outros de sua mente, outros de seu governante. [...] Assim, com segurança, como que repousando no trono real, o Sol governa a circundante família dos astros”4. Ora, tal imagem, onde o Sol é colocado necessariamente no centro, onde ele está “como que repousando no trono real” leva a conclusão de que tal concepção de mundo é uma concepção hierarquizada. Isto é, a posição solar não é uma simples questão de opção, de capricho; tal astro deve se encontrar no centro. Assim, Koyré termina a defesa de sua tese voltando à ideia de que o que parece logico para nos não necessariamente corresponde ao sistema de Copérnico. Logo, “parece psicologicamente, bastante normal que o homem que deu o primeiro passo, o de 3 4 O que está sendo entendido como universo (world) aqui? KOYRÉ, Alexandre. From the… pg.33. 3 deter o movimento da esfera das estrelas fixas, hesitasse antes de dar o segundo, o de dissolvê-la em um espaço ilimititado.”5 Influência de Copérnico O autor de Do Mundo Fechado ao Universo Infinito passa então a uma comparação do tamanho do universo Copernicano com o universo dos medievos, para mostrar a importância de Copérnico na transição de cosmos para “universo infinito”. Apesar de afirmar que não é aumentando o tamanho do universo que se chega ao infinito (em comparação com o infinito, ambos universos seriam de tamanhos equivalentes), Koyré afirma que “a bolha-mundo (world bubble) tem que inchar antes de explodir”6, isto é, é logicamente, ou ao menos psicologicamente, mais fácil de passar de um mundo maior para o infinito do que de um mundo menor para tal concepção. Essa seria uma das importâncias e influências de Copérnico. Contudo, a maior importância de Nicolau Copérnico nessa passagem não estaria no “inchamento do mundo”, mas no fato de ele ter removido o maior empecilho para a infinitude do universo. Tal empecilho seria o argumento Aristotélico: o infinito não pode ser atravessado, as estrelas atravessam os céus, logo o céu não pode ser infinito. Mas como Copérnico considera que as estrelas não se movem (“esfera das estrelas fixas”) tal problema teria sido resolvido. Assim, não é surpreendente que alguém tenha feito a afirmação da infinitude do universo após Copérnico. Thomas Digges Dessa forma, Koyré passa a comentar o trabalho de Thomas Digges, quem, segundo outros autores, teria afirmado que o universo é infinito a partir da cosmologia de Copérnico. Para mostrar a plausibilidade dessa tese, Alexandre Koyré, apresenta um desenho, juntamente com sua explicação, do livro de Digges. No desenho, Thomas Digges estendeu a faixa de estrelas – a esfera das estrelas fixas de Copérnico – à página inteira. Isto é, a esfera das estrelas fixas que envolvem o universo, e são sua última fronteira, poderia ser interpretada como infinita, tornando o próprio universo infinito. 5 KOYRÉ, Alexandre. From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore: T. J. Hopkins Press, 1957. p. 33-34. 6 KOYRÉ, Alexandre. From the... pg.35 4 Além disso, Digges teria afirmado que a orbita de Saturno é de todas as orbitas a mais próxima da “orbita infinita das estrelas fixas” (infinite Orbe immouable), ou seja, não apenas o desenho, mas também o texto indica que tal orbita – e assim o universo – é infinita. O texto explicativo adiciona ainda que a orbita das estrelas fixas se estende infinitamente, e, portanto, é imensurável. Aparentemente estamos diante de um universo infinito. Entretanto, tal lugar – a orbita das estrelas fixas - seria a “corte de Deus”. Digges chega a chamar essa orbita de paraíso (heaven). Assim, Koyré conclui que Digges afirma a infinitude de um céu (heaven) teológico e não de um céu astronômico. Isto é, tal autor estaria mais próximo de Palingenius – quem Digges cita em seu livro -, do que de Copérnico, pois “não há lugar para o Paraiso no mundo astronômico de Copérnico.”7 Em outras palavras, Digges, tal como Palingenius, não são personagens “mais importantes” na transição do “mundo fechado” ao “universo infinito” e estão presentes no livro para que Alexandre Koyré possa desmistifica-los como defensores da infinitude do universo físico. Giordano Bruno Dada a sua leitura de Thomas Digges, Koyré afirma que foi Giordano Bruno quem primeiro apresentou o esboço da cosmologia que viria a se tornar a dominante. Nesse viés, Alexandre Koyré concorda e cita Lovejoy, segundo quem, em resumo, Bruno deve ser considerado o principal defensor da tese de “universo infinito”, pois ele sistematizou tal tese, bem como a propagou, isto é, foi o primeiro a defendê-la abertamente, de maneira consciente, e por isso estaria em um “patamar” diferente dos outros que podem ser chamados de defensores de tal tese. Assim, Koyré começa a exposição explicando que já na La Cena de le Ceneri, se encontra o que Girodano Bruno - que foi o único, antes de Galileo a defender tal tese escreveu contra a concepção aristotélica-ptolomaica de movimento da Terra.8 Assim, Bruno nos diz que “o mundo é infinito e, por conseguinte, não existe nele nenhum corpo ao qual coubesse simpliciter estar no centro, sobre o centro, na periferia ou entre esses dois extremos”9. Dito de outra forma, dado que o universo é infinito, não faz sentido 7 Ibid. pg. 39. Que concepção/movimento é essa(e)? 9 Ibid. pg 40. 8 5 dizer que algo está no seu centro, logo a Terra não pode ser o centro. Koyré continua, “quanto ao mundo, que tem sua causa e sua origem em uma causa infinita e em um principio infinito, deve ser infinitamente infinito segundo sua necessidade corporal e seu modo de ser”10. Isto é, dado que a causa do mundo é infinita (Deus), o universo não pode ser delimitado. Continuando a argumentação em prol de sua tese, Bruno afirma que não há sequer uma razão meio provável para que “esse universo corporal” seja limitado. Podemos concluir que se não ha razão que prove que o universo é limitado, ele é ilimitado. Contudo, segundo Koyré, é no dialogo De l’infinito universo e mondi e no poema De imenso et innumerabilibus, que encontramos as apresentações e as defesas das concepções de Giordano Bruno mais claramente. Assim, Bruno nos diz que: “Há um espaço universal, uma única e vasta imensidão que nós podemos livremente nomear o Vazio: nele existem inumeráveis globos como esse em que nós vivemos e crescemos; esse espaço nós declaramos ser infinito, uma vez que não há razão, conveniência, percepção sensível (senseperception) ou natureza que deem a ele um limite. Pois não há razão, nem defeito dos dons da natureza, sejam poderes ativos ou poderes passivos, que possam impedir a existência de outros mundos (worlds) através do espaço, que sejam idênticos em caráter natural com o nosso próprio espaço, isto é, tudo está repleto (filled) de matéria, ou ao menos éter.”11 Podemos ver a continuação da ideia de que não há motivo para limitar o espaço, portanto, ele é infinito. Mas, além disso, vemos também a possibilidade de outros mundos como o nosso, isto é, a Terra é só mais um planeta como outros. Ademais, além da tese do universo (Vazio) ser infinito, vemos também a hipótese da existência de outros mundos (world) além do nosso – não apenas no sentido de outras Terras, mas de outros “universos”12. Segundo Koyré, tais afirmações são parecidas com as concepções de Nicolau de Cusa, contudo “enquanto Nicolau de Cusa apenas afirma a impossibilidade de colocar limites ao mundo, Giordano Bruno afirma, e regozija-se na sua infinitude.”13 10 Id. KOYRÉ, Alexandre. From the... pg. 40. 12 Que são esses universos. Existem mesmo outros universos, ou é apenas a afirmação de outras Terras? Esses outros universos poderiam ser apenas outros “sistemas solares”, no linguajar moderno? 13 Ibid. pg.41. 11 6 Continuando a comparação entre Cusa e Bruno, Koyré cita o segundo para defender sua ideia de que apesar de parecidos, existe uma grande diferença entre os dois autores. Assim, Giordano Bruno nos diz que “não é possível atribuir centro ou limites a um corpo de tamanho infinito”14 e “assim como nós estamos no centro daquele círculo [universalmente] equidistante, que é o grande horizonte e o limite da região etérea que nos circunda, sem duvida os habitantes da lua acreditam estar eles mesmos no centro”15. A partir disso, Giordano Bruno conclui que: “assim, pois, a Terra não está no centro do universo; ela está apenas no centro do espaço que nos circunda.”16 Palavras e conclusões semelhantes às de Nicolau, mas, diferentemente do cardeal, Bruno também afirma que: “ciência que nos libertou dos grilhões de um estreitíssimo reino e promoveu-nos a liberdade de um reino realmente augusto.”17 É possível ver, uma diferença no tom de Bruno quando comparado ao de Cusa. Alexandre Koyré, passa então, a defender a importância do “principio de plenitude” para entender as concepções de Bruno, afinal – segundo Koyré - é através do uso desse principio que o italiano pode resolver facilmente a questio disputata. O ponto em questão era “por que Deus não criou um mundo infinito?” a resposta clássica era a simples negação de uma criatura infinita; já para Bruno: Deus fez uma criação infinita, além disso, Deus não poderia fazer diferentemente. Koyré adiciona ainda, “o Deus de Bruno, o, um tanto incompreendido, infinitas complicata de Nicolau de Cusa, não poderia se explicar e expressar, se não, em um mundo infinito, infinitamente rico e infinitamente estendido.”18 Dito de outra forma, dado ao fato de a causa do universo ser infinita, ele (o universo) deve também ser infinito. Alexandre Koyré passa então a uma comparação entre as diferentes formas que a transição do “mundo fechado” ao “universo infinito” foi recepcionada. Segundo o autor, costumeiramente a destruição do cosmos leva a perda da posição central da Terra e consequentemente a perda da posição privilegiado do homem. Contudo, defende Koyré, não foi assim que tal transição foi inicialmente recebida. Segundo ele: 14 Id. Id. 16 Id. 17 Id. 18 Id. 15 7 “é com satisfação que Nicolau de Cusa afirma a promoção do ranque [da Terra] ao de estrela nobre, quanto a Giordano Bruno, é com entusiasmo fervoroso – o de um prisioneiro que vê as grades de sua cela cair – que ele anuncia a destruição das esferas que nos separavam do espaço aberto e dos inesgotáveis tesouros de um universo eterno, infinito e sempre em mudança.” Contudo, mais uma vez, apesar de parecidas, Nicolau e Giordano não têm as mesmas ideias. Segundo Alexandre Koyré, enquanto Cusa afirma que não há imutabilidade no universo, Bruno vê nessa constante mutabilidade sinais da perfeição (e não o contrário) do universo. Nas palavras de Koyré comentando Bruno, “um universo imutável seria um universo morto; um universo vivo deve ser capaz de se mover e mudar.”19 Nesse viés, Bruno nos diz que “Não há fins, termos, limites ou muralhas que possam fraudar-nos ou depravar-nos da infinita multidão das coisas. Portanto, a Terra e o oceano são, pois, fecundos.”20 Se a “fecundidade” - que é um atributo positivo - da Terra e dos oceanos é derivada da “multidão das coisas”, chegamos a conclusão que a constante mudança, a “multidão das coisas”, é algo positivo. Bibliografia: KOYRÉ, Alexandre. From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore: T. J. Hopkins Press, 1957 KOYRÉ, Alexandre. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. 4. ed. Rio de Janeiro: F. Universitária, 2006. 19 20 Ibid. pg.44 KOYRÉ, Alexandre. From... pg 44. 8