UFPR Fichamento do capítulo IV do livro Do Mundo Fechado Ao

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PET FILOSOFIA - UFPR
Fichamento do capítulo IV do livro Do Mundo Fechado Ao Universo Infinito, de
Alexandre Koyré
Bolsista: Lucas Batista Axt
Data: 26/04/2014
***
Galileu
No capítulo intitulado Coisas que ninguém nunca viu antes e pensamentos que ninguém
teve: a descoberta de novos astros no espaço físico e a materialização do espaço, Alexandre
Koyré irá, na primeira parte, apresentar as descobertas feitas por Galileu através de sua
observação do espaço, procurando determinar onde sua interpretação desses novos dados o
situa no debate entre as concepções de mundo fechado e infinito.
Assim, Koyré começa ressaltando o impacto que as descobertas apresentadas por
Galileu naquele tratado tiveram na época, citando as primeiras passagens do Sidereus
Nuncius, onde são apresentadas rapidamente as grandes novidades demonstradas pelo
astrônomo: a descoberta de um número inumerável de estrelas fixas antes invisíveis ao olho
humano, uma visão detalhada da superfície da Lua que mostrava ser esta muito semelhante a
da Terra (o que seria mais um argumento contra o mundo hierarquizado aristotélico na medida
em que não haveria diferença de valor entre os mundos “sub” e “supra” lunar?), novos
planetas (que na verdade eram luas de Júpiter), entre outras (KOYRÉ, 2006, p. 80)1.
Tão importante para o desenvolvimento da ciência quanto essas descobertas, segundo
Koyré, foi a invenção do instrumento que possibilitou a Galileu ultrapassar a limitação de
nossos sentidos, o perspicillum. Segundo Koyré, tal invenção marca uma nova fase, não só da
astronomia, mas também da ciência como tal, uma fase em que o progresso da ciência se
______________________________
1
Doravante, citado apenas pela numeração da página.
torna indissociável do progresso técnico, e que pode ser chamada de instrumental. (p. 82).
Se segue então a exposição de outra descoberta proporcionada pelo perspicillum, agora
no que se refere ao tamanho das estrelas. Ao observar os astros, Galileu constata que eles não
são aumentados todos na mesma proporção, e que, no caso das estrelas, esse aumento é bem
menor. Isso se dá por que
“(...) as estrelas, quando observadas por nossa visão livre e natural, não se
apresentam a nós com sua dimensão real e, por assim dizer, nua, mas são cercadas
por um certo halo e franjas de raios brilhantes, sobretudo quando a noite já vai
avançada; por conseguinte, parecem muito maiores do que [pareceriam] se fossem
despidas dessas franjas adventícias, pois o ângulo de visão é determinado não pelo
corpo principal da estrela, mas pela auréola que a circunda.” (p.82)
Ou seja, o perspicillum amplia apenas a dimensão real das estrelas, removendo o halo
“adventício” e “acidental” que as faz parecerem maiores. Assim, uma estrela de quinta ou
sexta grandeza, ao ser ampliada, mas ampliada apenas em sua dimensão real, não seria
aumentada na mesma proporção em que é aumentado um planeta, mas apareceria apenas do
tamanho de uma estrela de primeira grandeza. Segundo Koyré, essa descoberta é de extrema
importância para derrubar a principal objeção à astronomia heliocêntrica, feita pelo astrônomo
Tycho Brahe, que consistia no argumento de que, fosse exato o sistema copernicano, as
estrelas fixas deveriam ter uma dimensão tão grande ou maior que todo circuito feito pela
Terra e maior até que o Sol. (p. 83). Ao reduzir a dimensão visível das estrelas fixas, não é
mais necessário que as elas tenham sua dimensão aumentada daquela maneira. Em
compensação, ressalta Koyré, a diminuição de tamanho é compensada pelo aumento do
número de estrelas. Galileu narra com entusiasmo a descoberta de uma multidão de estrelas
nunca antes vistas
“(...) Mas, abaixo das estrelas de sexta magnitude, vereis através do perspicillum
uma legião tão numerosa de outras estrelas que escapam a visão natural, uma visão
quase inacreditável; pois podeis ver mais de seis outras diferenças de grandeza;
dentre estas, as maiores, aquelas que podemos chamar estrelas de sétima grandeza
ou as primeiras das invisíveis, parecem com a ajuda do perspicillum maiores e mais
brilhantes do que estrelas de segunda grandeza vistas a olho nu.” (p. 83-84).
Feita esta apresentação das descobertas de Galileu, Koyré se dedicará a tentar situar o
astrônomo florentino no debate acerca da finitude ou infinitude do mundo. Nesse sentido, será
retomada a questão da interpretação dos dados trazidos pelo telescópio de Galileu. Como já
fora enunciado no capítulo anterior (p. 69), havia duas interpretações possíveis para explicar
porque a olho nu essas estrelas eram invisíveis: “(a) por serem demasiado pequenas para
serem vistas; (b) por estarem excessivamente distantes.” (p. 84) No primeiro caso, a
visibilidade ou não dos astros no céu se dá em função exclusivamente de sua dimensão, e,
nesse caso, o espaço no qual eles estão inseridos não está em xeque. Assim, a visibilidade de
novas estrelas não contradiz a concepção de um mundo fechado. No segundo caso, porém, se
o que determina a visibilidade das estrelas é a distância a que elas estão de nós, o instrumento
de Galileu mostra que devemos explicar esse fenômeno não pelo tamanho dos astros, mas
pelo “tamanho” do espaço. Se isso por si só não chega a “estourar” a “bolha” do mundo
fechado, no mínimo, mostra que pelos dados dos nossos sentidos não podemos determinar os
limites do universo. Koyré chama atenção ainda para o critério que levava os astrônomos a
adotar uma ou outra dessas explicações:
“Na realidade, ambas as interpretações são compatíveis com os dados ópticos, e um
homem daquele período não dispunha de quaisquer razões científicas para escolher
uma delas; só tinha razões filosóficas para tanto. E foi por motivos filosóficos que a
tendência predominante do pensamento do século XVII rejeitou a primeira
interpretação e adotou a segunda.” (p. 84).
A adesão de Galileu a essa interpretação é vista de modo mais claro em uma passagem
de uma carta a Ingoli, onde, após afirmar serem as estrelas e o Sol astros da mesma natureza,
defende que a menor luminosidade que as estrelas nos comunicam em comparação com o Sol
se deve a sua grande distância da Terra, e então levanta a questão: “(...) nesse caso, quão
grande não devemos crer que seja [essa distância]?” (p. 86).
Embora essa interpretação favoreça a concepção infinitista, Koyré mostrará que o
posicionamento de Galileu é ambíguo, oscilando entre a infinitude e a indeterminação da
questão e, em alguns momentos, até a concepção finitista do mundo. Koyré prossegue,
citando algumas passagens de Galileu que o afastam das concepções de Ptolomeu, Copérnico
e Kepler e aproximam-no de Nicolau de Cusa e Giordano Bruno. Por exemplo, contra uma
esfera de estrelas fixas, Galileu defende ser impossível provar tal tese, e diz que “(...) se nos
restringirmos a conjecturas e probabilidades, direi que nem mesmo quatro das estrelas fixas...
estão a mesma distância de qualquer ponto do universo que quiseres escolher.” (p. 86). Indo
ainda mais longe, diz: “(...) ninguém no mundo sabe, ou tem a possibilidade de saber, não só
qual é a forma [do firmamento] como sequer se ele tem alguma forma.” (p. 86).
A negação de um universo de forma esférica (e portanto negação de um centro do
universo) além da possibilidade de não haver forma alguma (o que não o mesmo que afirmar
um universo infinito?) seriam argumentos que colocariam Galileu facilmente ao lado de
Nicolau de Cusa e Giordano Bruno. No entanto, Koyré expõe alguns momentos da sua obra
que denotam a referida ambiguidade, ou ao menos indecisão, do pensamento de Galileu. No
Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, diante do impasse posto pelo
personagem Salviati entre a tese que defendia as estrelas estarem espalhadas sem fim no
espaço a diferentes distâncias de qualquer ponto determinado, e a tese da superfície esférica
no qual as estrelas estariam fixadas de modo equidistante do centro, o personagem Simplicius
propõe um meio termo, que consistiria em supor duas superfícies esféricas, uma mais alta,
outra mais baixa, a menor dentro da maior, distribuindo assim a multidão inumerável das
estrelas a diferentes altitudes entre os limites das esferas. Isto asseguraria um mundo fechado,
esférico e com centro determinado, mas manteria as diferentes distâncias das estrelas
comprovada pelo perspicillum (p. 87).
Koyré levanta a hipótese de que esse passo atrás na caminhada rumo a infinitização do
universo poderia ser uma concessão de Galileu às exigências do debate público naquele
contexto político: a defesa da concepção copernicana de mundo e destruição da concepção
aristotélica, só poderia ser levada ao “grande público” se fosse feita de modo que parecesse
que não a fazia, para que assim pudesse passar pela censura da Igreja. Tal hipótese não é
descartada, mas Koyré a admite como insuficiente, e reforça a presença da negação da
infinitude do mundo no pensamento de Galileu em outro momento de sua obra, em um trecho
da carta a Ingoli onde, a maneira de Kepler, o astrônomo florentino afirma que é
“absolutamente impossível que haja um espaço infinito acima das estrelas fixas, pois não
existe tal lugar no mundo; e se houvesse, a estrela ali situada seria imperceptível para nós” (p.
88). Mas então Koyré, novamente relativizando a aparente defesa do mundo fechado por
Galileu, retorna ao Diálogo pra mostrar aquela que parece ser a posição definitiva, ainda que
permeada de dúvidas, de Galileu. Nas palavras de Salviati “Nem eu, nem tu, nem qualquer
outro homem jamais provou que o mundo é finito e dotado de uma forma, ou, pelo contrário,
infinito e indeterminado.” (p. 88).
Nesse sentido, Koyré apresenta uma passagem da Carta a Liceti, onde Galileu apresenta
o argumento que o faria pender mais para a concepção de um mundo infinito e indeterminado
do que para o determinado. Diante de tantas razões alegadas em favor de cada uma das teses,
Galileu apresenta o seguinte argumento: “creio que minha [in]capacidade* de compreender
poderia mais propriamente ser referida à incompreensível infinitude, do que à finitude, na
qual não se acha nenhum princípio de incompreensibilidade.” (p. 89) Ou seja, Galileu parte do
pressuposto da impossibilidade de chegar a uma conclusão sobre a questão, mas tal
impossibilidade por si só constituiria um argumento a favor da infinitude, na medida em que
lhe parece mais plausível que um intelecto finito seja incapaz de compreender a infinitude, do
que incapaz de compreender algo também finito. Assim, a razão teria bons argumentos para
defender ambas as teses, mas a infinitude sairia ganhando justamente porque, para além dos
limites da razão, seria mais compreensível subsistir algo incompatível com sua capacidade de
conhecer (o infinito) do que algo a princípio “compreensível”.
Sem mais, Koyré conclui essa primeira parte do cap. IV fazendo um balanço geral das
ideias de Galileu. Num primeiro momento, volta a dar importância ao contexto da época: o
destino de Bruno, a condenação de Copérnico e sua própria condenação, mostravam não ser
saudável defender publicamente a infinitude do mundo. Mais importante, ao que parece, é a
hipótese de que esse problema não estivesse no cerne de suas investigações, o que não o
obrigaria a tomar a decisão de tornar o mundo infinito. Segundo Koyré, “ele se concentra na
pergunta: a quo moventur projecta? Nunca pergunta: a quo moventur planetae?” (p. 89). Por
fim, se por um lado o mundo de Galileu não é finito, vários aspectos de sua dinâmica sugerem
que ele também não é infinito (p. 89), o que leva Koyré a concluir que o termo que definiria o
mundo de Galileu é indefinido, como o de Nicolau de Cusa, especialmente porque em sua
carta a Liceti, o termo usado por Galileu é o mesmo usado por Cusa: “intérmino”, o que,
segundo Koyré, poderia ser mais que uma simples coincidência.
Bibliografia
KOYRÉ, Alexandre. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. 4. ed. Rio de Janeiro: F.
Universitária, 2006.
KOYRÉ, Alexandre. From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore: T. J.
Hopkins Press, 1957
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* Originalmente, “capacidade”, no entanto, na edição americana, o termo usado é “incapacity” (KOYRÉ, 1957,
p. 98), o que parece se adequar melhor ao contexto, daí a correção.
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