câncer e imagem corporal - Revistas Eletrônicas Unijuí

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CÂNCER E IMAGEM CORPORAL:
Possíveis Relações1
Cristiane Camponogara Baratto2
Natália de Andrade de Moraes3
Shana Hastenpflug Wottrich4
RESUMO
A incidência de câncer vem aumentando, no Brasil, devido a mudanças de caráter sócio-econômico. Nesse
contexto, estudos diversos têm sido realizados acerca da temática, principalmente no que diz respeito às conseqüências da doença na vida do paciente e de sua família. No entanto, através de pesquisa bibliográfica, constatou-se
pouca literatura relativa às relações entre câncer e imagem corporal. Este trabalho, portanto, surge dessa constatação
e atenta à enorme importância que a temática assume para os psicólogos que trabalham com pacientes oncológicos,
tanto em âmbito hospitalar como clínico. Tem como finalidade articular os estudos já existentes, esclarecendo
conceitos e modos de pensar e trabalhar com esse assunto. Para tal, realizou-se uma reflexão teórica, a partir de uma
pesquisa bibliográfica focada em artigos científicos.
Palavras-chave: Neoplasias; Imagem Corporal; Psicologia.
1
Reflexão teórica acerca das temáticas câncer e imagem corporal.
2
Estudante de graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]
3
Estudante de graduação em Psicologia pela UFSM. Membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde (NEIS);
[email protected]
4
Psicóloga, Mestre em Psicologia pela UFSM, Docente substituta do Departamento de Psicologia da UFSM, membro do NEIS;
[email protected]
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REVISTA CONTEXTO & SAÚDE IJUÍ EDITORA UNIJUÍ v. 10 n. 20 JAN./JUN. 2011 p. 789-794
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INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população e o aumento da
urbanização e da industrialização são fatores que
contribuem para o aumento da incidência de câncer
no Brasil. Costa e Leite (2009) constatam que esta
doença crônico-degenerativa, cujos índices de mortalidade estão cada vez mais elevados, acomete principalmente pessoas com mais de 65 anos de idade
e, em geral, do sexo masculino.
Em relação às representações vinculadas à doença, Bertoldo e Girardon-Perlini (2007) indicam que
a palavra “câncer” é, geralmente, associada à morte, sofrimento e restritos prognósticos de cura. Nesse
mesmo sentido, Brandão et al. (2004) corroboram
dizendo que, juntamente com o diagnóstico de câncer, os pacientes, em sua maioria, pensam estar recebendo sua sentença de morte.
Maruyama et al. (2006) assertam que, dentro da
perspectiva cultural, o câncer é uma das doenças
que mais tem sido associada à punição ou castigo
por hábitos de vida não saudáveis, fazendo com que
as pessoas acometidas pela doença carreguem, além
dos sintomas, uma carga moral. Essas significações
fazem com que as pessoas procurem afastar a ideia
de terem a enfermidade, afastando-as também da
possibilidade de tratamento. Assim, “as mudanças
no corpo, a entrada no sistema de cuidado profissional e o estigma da doença dão um novo significado
à experiência da doença” (p.174).
Rzeznik e Dall’Agnol (2000), ao perceberem que
as modificações ocorridas no paciente oncológico
dão-se a nível bio-psico-social, explicam que a imagem que cada indivíduo desenvolve de si mesmo
(estruturada em experiências diversas) pode ser interferida abruptamente pela vivência do câncer.
Enfatiza-se que, nessa perspectiva, a noção de imagem corporal não se restringe ao corpo de forma
concreta, mas é ampliada às representações do indivíduo sobre esse corpo, abarcando, dessa forma,
sua subjetividade.
Brandão et al. (2004) pontuam que acontecem
alterações na imagem corporal dos indivíduos principalmente em situações de crise, como, por exem-
plo, doenças. Neste sentido, compreende-se que o
adoecer de câncer, em especial no processo de tratamento e inúmeras hospitalizações, influencia o
paciente em sua integralidade, sendo, portanto, essencial que os profissionais que assistem esse indivíduo estejam cientes das conseqüências subjetivas
da situação.
Ainda assim, Bittencourt et al. (2009) evidenciam a falta de artigos relacionados à temática da
imagem corporal em estudos científicos. Dessa forma, entendendo a necessidade de maiores estudos
e atenção ao referido assunto, apresentar-se-á brevemente possíveis relações entre câncer e imagem
corporal, a partir de uma reflexão teórica sobre a
temática. O objetivo principal do estudo é refletir
acerca das implicações entre a vivência do câncer
e as possibilidades de alteração da imagem corporal, explorando a literatura existente.
MÉTODOS
Para a realização da reflexão teórica proposta,
foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica não
sistemática. Esta, conforme Gil (2006), abrange principalmente livros e artigos científicos. Assim, realizou-se um levantamento bibliográfico em artigos
publicados online, utilizando como palavras-chave
de pesquisa “câncer”, “imagem corporal” e “psicologia”. Livros e capítulos de livros, cujas temáticas
remetiam ao assunto em questão, também foram
consultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Bittencourt et al. (2009) apontam Henry Head
como o primeiro autor a teorizar sobre a construção
individual de um modelo ou figura de si mesmo. As
autoras adicionam que essa imagem construída pode
não ser, e quase sempre não é, a mesma que outros
fazem dele. Isso porque o desenvolvimento de uma
figura de si mesmo é um processo absolutamente
subjetivo, para o qual as experiências dos indivíduos
servirão de suporte.
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Ainda, Teixeira (2006) aborda a obra freudiana
(1895) para explicitar que o autor vai de encontro
às convicções dualistas corpo-psiquê, quando inicia
a investigação clínica do corpo doente, afirmando
que os sintomas psíquicos exercem função na subjetividade e se manifestam corporalmente. Frente a
isso, Brandão et al. (2004) dizem que o conceito de
imagem corporal não se restringe ao próprio corpo,
mas abrange a condição de subjetividade do ser
humano. As autoras adicionam, ainda, que a representação de como a pessoa se concebe se dá através dos sentidos, do contato com o meio externo e
com os outros. Dessa forma, é influenciada por fatores culturais e econômicos. Neste ponto, Teixeira
(2006) afirma que as políticas do corpo ditam a equivalência entre estado de saúde e vida, ou seja, a
doença é uma condição de vida que interroga a saúde, trazendo significados de desaventurança, infelicidade e desestabilização do processo vital. Na concepção do autor, esse processo poderia ser visto de
outra maneira, a saber, a doença e a morte inclusas
na noção de vida.
É consenso entre os autores que a imagem corporal não é pronta e definitiva, mas dinâmica, o que
justifica a labilidade dessa imagem influenciada pelos estados emocionais, conflitos psíquicos e contato com o mundo e outras pessoas. Essa imagem
começa a se formar na infância, por meio do relacionamento mãe-bebê/criança, e vai sofrendo transformações conforme o desenvolvimento e a vivência de cada indivíduo (BITTENCOURT et al., 2009).
Brandão et al. (2004) asseguram que a imagem
corporal, na situação de doença, encontra-se significativamente comprometida, devido ao corpo estar
sendo mutilado e invadido por procedimentos interventivos. Costa e Leite (2009) enfatizam o caráter
estressante desses processos, que vão desde a suspeita diagnóstica do câncer até a reabilitação e reajuste psíquico, que só acontecem através de estratégias de enfrentamento.
Tendo em vista que o câncer influencia o paciente em toda a sua integralidade, Carvalho (2002)
faz um levantamento pontuando três problemáticas
presentes nos pacientes oncológicos. São elas: a intrapsíquica, a social e a relacionada à doença (se
refere ao processo de adoecer propriamente dito).
Elas englobam aspectos, respectivamente, de ansiedade, depressão e raiva; isolamento, mudança de
papeis, perda de controle e de autonomia; e fatores
relacionados a mutilações, bem como tratamentos e
seus efeitos colaterais. Frente a isso, a autora afirma que em maior ou menor número e em diferentes
momentos, o paciente apresenta pelo menos um
desses aspectos, o que evidencia a importância de
acompanhamento psicológico.
Percebe-se que as problemáticas que se referem especificamente ao processo de adoecer podem, em maior ou menor nível, desencadear as demais, principalmente quando o tratamento produz
modificações imagéticas observáveis. Nessa situação, a doença concretiza-se visivelmente no corpo
do indivíduo, para ele e para os que o circundam.
Brandão et al. (2004) explicam que, no caso específico do câncer, a adaptação a uma nova imagem corporal pode ser lenta e difícil. Isso porque,
na situação de fragilidade, o indivíduo se remete às
suas percepções infantis, ou seja, à sua formação
de imagem corporal mais regredida. A percepção
de seu corpo influencia diretamente no processo de
saúde-doença, na implicação com o tratamento e
na busca da cura (BITTENCOURT et al., 2009).
Costa e Leite (2009) afirmam que a adaptação a
essa nova imagem é um grande desafio que se impõe ao reajustamento do paciente e de seus familiares ao momento que vivem, visto que o prognóstico
e o tratamento representam uma ameaça à saúde e
à integridade do corpo. Os autores, ainda, trazem o
dado de que atualmente mais de 60% dos pacientes
com câncer são tratados cirurgicamente. Essa intervenção é geradora de conflitos, principalmente
devido às mudanças que desencadeia no cotidiano
do paciente e de sua família e pela forma como expõe as transformações da imagem corporal do enfermo. É visto, portanto, que toda a experiência vem
carregada de significados afetivos e emocionais,
revelando a importância da atenção e intervenção
na autoimagem do paciente, já que essa influencia
todo o processo de adoecimento (BRANDÃO et
al., 2004).
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Ao entrar no campo de tratamento, “o problema” passa a ser uma entidade orgânica, com nome
e local, apropriado pelos profissionais objetivamente. Muitas vezes, só a dimensão concreta é percebida, deixando-se de lado a totalidade da pessoa, justamente o que possibilita a ressignificação da experiência (MARUYAMA et al., 2006).
O psicólogo, como se sabe, apesar de, na instituição hospitalar, trabalhar em contato com as ditas
doenças orgânicas e corporais, buscará perceber as
alterações subjetivas que acompanham o adoecer.
Dessa forma, trabalhará com as representações dos
sujeitos sobre sua situação atual e com a possibilidade de integração das novas vivências à realidade
do paciente. Dentre as mudanças ocorridas, podemse encontrar as estéticas, consequentes dos diversos procedimentos aos quais os pacientes são submetidos. Essas mudanças podem ser temporárias
ou permanentes, porém todas influenciarão na autoimagem do indivíduo. Algumas delas são: cicatrizes cirúrgicas; a perda de uma parte do corpo ou de
um órgão; perda de sensibilidade; perda ou ganho
de peso; queda de cabelo; fadiga; mudanças nas
habilidades corporais; mudanças no funcionamento
sexual (como diminuição do desejo), entre outros.
Como forma de avaliar se a pessoa está tendo
uma percepção patologicamente distorcida de sua
imagem corporal, Bittencourt et al. (2009) lembram
de um instrumento chamado “Taxonomia Diagnóstica”, da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Ele é utilizado pelos profissionais da enfermagem na elaboração do diagnóstico
“Distúrbio na Imagem Corporal”. Esse distúrbio é
definido como a confusão na imagem mental do eu
físico de uma pessoa e é detectado pelo instrumento a partir de características definidoras objetivas e
subjetivas, além de fatores relacionados.
Maruyamaet et al. (2006), Teixeira (2006) e Brandão et al. (2004) concordam que é terapeuticamente eficaz que, como estratégia de enfrentamento, o
paciente oncológico conte a outros sua história e
procure semelhantes para compartilhar os acontecimentos vivenciados. Ao contarem as suas histórias, as pessoas trazem em seus discursos interpretações que ajudam a compreender suas ideias e com-
portamentos singulares. Neste ponto, a experiência
de adoecimento é tida como referência para refletir
e explicar o passado do sujeito, visando dar sentido
a cada um de seus projetos de vida e facilitar a elaboração do luto pelo corpo anterior.
Entende-se que, se essa história for contada a
um profissional, em especial o psicólogo, diversas
questões poderão ser trabalhadas, de forma a integrarem-se à realidade daquele indivíduo. Da mesma forma, uma imagem corporal subjetiva poderá
ser construída através da verbalização de percepções e conflitos, que serão acompanhados por uma
escuta técnica.
Os resultados dessas trocas podem ser justificados pela equipe de saúde, através de uma melhoria
nos relacionamentos estabelecidos entre profissionais e pacientes. Essa mudança é produzida por uma
assistência adequada ao paciente, que tem uma
melhoria em sua qualidade de vida, adaptando-se
de forma mais saudável às mudanças corporais.
Além disso, com o acompanhamento psicológico
adequado, o paciente poderá desenvolver estratégias funcionais de enfrentamento, posicionando-se
como sujeito autônomo frente ao processo que se
desenrola.
CONCLUSÕES
É visto que o câncer influencia a imagem corporal do indivíduo enfermo, seja pelo tratamento, seja
pelas representações culturais e individuais vinculadas à doença. As alterações produzidas, se não
acompanhadas, podem gerar desadaptações que
dificultarão a vivência do processo de adoecimento
para o paciente e sua família.
A atuação do psicólogo junto a pacientes oncológicos é, nesse cenário, bastante importante, visto
que esse profissional é habilitado para escutar esses indivíduos de forma diferenciada. Essa escuta
pressupõe a falta de julgamentos sociais estigmatizantes e de um saber que se impõe à vontade e
opinião do paciente. Dessa forma, uma adequada
assistência ajuda o paciente a vivenciar o processo
de saúde-doença-tratamento de modo consciente,
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facilitando a reflexão necessária para a melhoria na
sua qualidade de vida e a construção de um projeto
de vida que integre a vivência atual do paciente.
No mesmo sentido, entende-se que os diversos
profissionais que acompanham o enfermo devem
estar cientes de que as conseqüências do câncer,
ainda que se inscrevam no corpo, não se restringem
ao concreto e objetivo. Considerando-se tais questões, evidencia-se a importância de discussões mais
amplas sobre o tema abordado, auxiliando, assim,
na preparação dos profissionais da saúde e familiares cuidadores que atuam na assistência dos pacientes oncológicos.
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