UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ENFERMAGEM A DEPENDÊNCIA DO PACIENTE PORTADOR DE TRAUMATISMO CRANIENCEFÁLICO POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO: UM DESAFIO PARA A FAMÍLIA M A R T A S A N T O S M A G A L H Ã ES Belo Horizonte 2003 C O R T EZ M A R T A S A N T O S M A G A L H Ã ES C O R T EZ A DEPENDÊNCIA DO PACIENTE PORTADOR DE TRAUMATISMO CRANIENCEFÁLICO POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO: UM DESAFIO PARA A FAMÍLIA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Orientadora: Profª Drª. Roseni Rosângela de Sena Belo Horizonte Escola de Enfermagem da UFMG 2003 C828d Cortez, Marta Santos Magalhães A dependência do paciente portador de traumatismo craniencefálico por acidente automobilístico: um desafio para a família/Marta Santos Magalhães Cortez. Belo Horizonte, 2003. 114P. ilust. Dissertação.(Mestrado).Enfermagem.Escola de Enfermagem da UFMG. 1.Cuidados domiciliares de saúde 2.Cuidadores/ psicologia 3.Relações familiares 4..Traumatismos cerebrais/reabilitação 5.Acidentes de trânsito I.Título NLM: WY 200 CDU: 616-083 : 649.8 Dissertação defendida e aprovada em 22 de dezembro de 2003, pela banca examinadora constituída pelos professores: Dra. Alda Martins Gonçalves Dra. Inês Assunção de Castro Teixeira Dra. Roseni Rosângela de Sena Dedico este trabalho aos meus amores Lulu, Geraldo, Adriano e Mariana Agradeço a Deus por ter-me permitido viver mais essa experiência em minha vida. Lulu, você partiu antes desta caminhada rumo ao mestrado; senti muito a sua falta, pois com você sempre partilhava minhas inquietações. Mas, tenho certeza de que sua luz, sua presença e os valores que você me ensinou ao longo de minha vida, mostraram-me a importância de termos uma família e de prosseguir na busca da realização de nossos sonhos. Ao meu Amor, Gegê, por tornar minha vida leve e feliz, por sua impaciência que me ensina a ser paciente, por sua palavra amiga em todos os momentos da minha vida, por acreditar que eu sou capaz. E fui. Ao meu filho Adriano, apesar da distância, sei que também confia em mim e mostrou-me que apesar de eu não o ter gerado, sou sua mãe do coração. A minha Mariana, pelo amor, pelo afeto, pela sinceridade. Por ser tão especial e feliz. Por ser a luz do meu viver. Filha, mamãe completou este “para casa”. Acredito na família; ela é o lugar privilegiado onde a vida é transmitida, ambiente ideal para se cultivar o amor entre as pessoas, o fundamento da sociedade, local de segurança, respeito, dignidade. acredito na família. Pe. Mário José Filho AGRADECIMENTOS A Madú, Emília, Amaury, se vocês não me tivessem dado um belo empurrão talvez eu não tivesse produzido este trabalho. À Dra. Roseni, que mesmo sem muito me conhecer, aceitou-me como orientanda e ajudou-me a ver que eu sou capaz. À Nelma que assumiu Mariana como sua filha, e sempre que pôde tentou me ajudar para que a baixinha sentisse menos a minha falta, obrigada pelos incansáveis lanchinhos enquanto eu “melhorava o meu referencial teórico.” À Lili, minha nora, que sempre me deu muita força e me admirou. À minha família de origem, a família Magalhães, especialmente minha prima Iva, que compreendeu por que eu me afastei. Foi só um tempo, estou de volta. Às famílias Cansado, Lara, Daniel, Figueiredo, que estiveram sempre muito presente em minha vida, dividindo todos os momentos. À família UCSI, sem vocês este trabalho não teria cor; a UCSI é o local onde temos a continuidade de nossa família, muito obrigado por acreditarem em mim. À Terezinha Zaidan, se não tivesse sua luz, como seria? Às Colegas da PUCMINAS em especial tia Mércia, tia Denise, Erika, Dr. Luiz Fernando que nunca tiveram preguiça em ler minhas incansáveis reflexões. Ah, ao Márcio, que ensinou ao Gegê como ser marido de mestranda. À família Costa. O destino mudou o caminho deste grupo familiar, mas com garra eles estão vencendo e cuidando da nossa amiga Sandra. Às instituições PUCMINAS e FHEMIG ao Departamento de enfermagem HPS e à escola de enfermagem Pucminas, pela ajuda para que eu pudesse realizar este trabalho. Às colegas de mestrado Bruna, Regina, Mônica Chaves, Mariangela, Renata, como foi boa a nossa convivência! Falta o jantar final. Às cuidadoras de referência e seus familiares, pela disposição em contribuir para o meu trabalho. Aos alunos da PUCMINAS que vibraram comigo o tempo todo, em especial a Mônica Fernandes, que construiu o meu jardim. Gente, com a ajuda de vocês transformei a minha vida. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CTI - Centro de Tratamento Intensivo FHEMIG - Fundação Hospitalar de Minas Gerais HJXXIII - Hospital Jõao XXIII SAME - Serviço de Arquivo Médico e Estatística TCE - Traumatismo craniencefálico UCSI - Unidade de Cuidados Semi-Intensivos UTI - Unidade de Tratamento Intensivo SUMÁRIO Lista de Abreviatura e Siglas Resumo Abstract INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11 1. OBJETIVO ............................................................................................. 1.1 Objetivo geral ....................................................................................... 17 17 1.2 Objetivos específicos .......................................................................... 1.3 Justificativa .......................................................................................... 17 17 2. UM CAMINHAR PELA HISTÓRIA............................................. ............ 2.1 As Unidades de Tratamento Intensivo e as famílias ............................ 19 23 2.2 O paciente portador de TCE e as seqüelas ......................................... 2.3 A família e o cuidar .............................................................................. 27 33 2.4 Domicílio o locus do cuidar .................................................................. 2.5 O cuidador de referência do paciente portador de TCE ...................... 42 44 3. DISCUSSÃO METODOLÓGICA ............................................................ 3.1 Os procedimentos metodológicos ........................................................ 47 49 3.2 O cenário .............................................................................................. 3.2.1 O caminho do paciente pelo cenário ................................................. 50 51 3.3 Sujeitos ................................................................................................ 3.4 Instrumentos ........................................................................................ 52 53 3.5 Coleta dos dados ................................................................................. 3.6 Análise dos dados ................................................................................ 54 55 4. ANÁLISE ................................................................................................ 58 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 91 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... 96 7. ANEXOS ................................................................................................ 100 RESUMO O estudo foi realizado a partir da trajetória vivida por sete mulheres denominadas cuidadoras de referência, parentes de pacientes portadores de traumatismo craniencefálico – TCE, que estiveram internados na Unidade de Cuidado Semi Intensivo (UCSI) de um hospital de Belo Horizonte, referência estadual para o atendimento ao trauma, no período de junho/julho/2003 e receberam alta da unidade apresentando escore entre 9 e 12 na Escala de Coma de Glasgow – ECG, o que representa seqüelas moderadas. O objetivo do trabalho foi analisar as relações dos familiares dos pacientes de TCE, portadores de seqüelas, ante o desafio deles de cuidar desses pacientes desde o momento em que foi recebida a notícia do acidente até o retorno ao domicílio. O estudo define-se como descritivo analítico sustentado na abordagem qualitativa. Os instrumentos para a coleta de dados foram a entrevista com roteiro semi-estruturado e visita ao domicílio. Os resultados revelam que a partir do momento em que recebe a notícia de que aconteceu um acidente com um de seus membros, a família passa por transformações em suas relações. Também apontam para a importância de estarmos compreendendo esta cuidadora de referência, ainda dentro da dinâmica hospitalar, para ajudá-la a criar possibilidades de desenvolver a ação do cuidar quando o paciente retornar ao domicílio, pois ele voltará com dependência física, emocional e social. Introdução 11 ABSTRACT The study was done through the trajectory lived by seven women here called “reference care”, patients relatives. Those patients had had cranium-encephalic (TCE) and they were interned in a Care Unid semi-intensive in a hospital from Belo Horizonte, state reference for attending trauma, in june/july 2003 and they were discharged from the unit in coma scale glasgow (ECG) between 9 and 12 scores, that represents moderate sequels. The goal was of the work ,to analyse the relations from the patients relatives that had sequels, before the challenge of taking care of them, form the moment that they had had received the bad news from the accident till the patients returning home. The study is defined as descriptive analytical carried in the qualitative. The instrument for the assessment of data was interview roadbook semiorganized and visit home. The results show that in the very moment the family receives the news that an accident, had happened with a member of the family, they suffered transformations in their relationship. It also shows us the importance for understanding this reference carer, still inside the dynamic of the hospital, to help her to create possibilities of developing the action of taking care when the patient returns home, because he will return with body, emotional and social dependence. Introdução 12 INTRODUÇÃO A minha preocupação com o tema “a família como cuidadora” surgiu durante o curso de graduação em Enfermagem por entender que a família deve estar inserida em todo o processo do cuidar. Depois de formada, passei a buscar resposta à seguinte pergunta: Como se organiza uma família quando algum de seus membros adoece? Acredito que entender a família como parte do cotidiano de todo ser humano e preocupar-se com o seu bemestar, são formas de oferecer subsídios para que ela enfrente os desafios e as demandas a partir de uma nova situação vivenciada – a doença1. No estágio extracurricular em um Centro de Tratamento Intensivo – CTI –, passei a observar, durante o horário de visitas, as manifestações e o comportamento das pessoas e verifiquei que, no decorrer desse período, os visitantes/familiares mantinham rápido contato com o parente internado e logo se dirigiam ao “encontro das notícias”2, onde o médico plantonista orientavaos a respeito do estado clínico3 do paciente. Às vezes, esses médicos se deparavam com familiares que nada entendiam do quadro clínico do paciente e/ou preferiam se retirar da unidade sem saber notícias sobre ele. De minha parte, percebia como era difícil para aquelas pessoas vivenciar o momento em que seu parente se encontrava confinado a um leito hospitalar, muitas vezes com o 1 2 3 olhar vago, inexpressivo, sem falar, cercado de aparelhos Doença: Falta ou perturbação da saúde, moléstia, mal, enfermidade, tarefa difícil, laboriosa. Ferreira (1997: 605). Notícias: após o horário de visitas os médicos explicam para os familiares o quadro clínico do paciente. Estado clínico: condições de saúde nas quais se encontra o paciente. Introdução 13 desconhecidos e de tubos por todos os lados. A fé, a esperança, o acreditar na melhora deste parente é que sustentava essa etapa da caminhada. Aprendi também, com essa vivência, que a família e as pessoas emocionalmente vinculadas ao paciente têm um papel fundamental em sua vida. “A família revela-se como um dos lugares privilegiados de construção social da realidade, a partir da construção social dos acontecimentos e relações aparentemente mais naturais” (Saraceno, 1997:12). Assim, a partir do momento em que se instaura a doença até a recuperação do indivíduo, a família passa por transformações em seu grupo social. Ao longo da minha experiência no setor de tratamento intensivo, percebia que os visitantes/familiares eram pouco valorizados pela equipe multiprofissional e, muitas vezes, as suas dúvidas e questionamentos não eram considerados, ou adequadamente respondidos. Não percebia apoio efetivo e sistematizado da equipe multiprofissional para com eles. Sentia-me incomodada e muitas vezes inconformada, pois, com o passar dos anos, a postura da equipe multiprofissional não apresentava mudanças significativas que pudessem alterar a situação de forma efetiva. Mais tarde, iniciei minha atuação profissional em um hospital da rede FHEMIG, destinado ao atendimento a pessoas que necessitavam de atenção nas áreas de clínica médica e ortopédica. Acreditava que as relações entre os integrantes da equipe multiprofissional com a família se processassem de forma diferente nessa instituição, considerando que atuava em uma unidade de internação destinada a pessoas que apresentavam alterações clínicas de Introdução 14 menor complexidade, onde os pacientes não se encontravam em estado crítico. Ali também os profissionais ainda não sentiam na família “aquele aliado forte”, que poderia ajudar no tratamento e na recuperação do paciente. Simultaneamente a esse trabalho iniciei atividade em um curso de graduação, como docente, e sempre mantive as discussões sobre a participação efetiva da família na assistência desde a internação até o momento de desenvolver o cuidado no domicílio. Para alimentar a discussão, utilizava como metodologia a reflexão sobre o cotidiano da vida pessoal e leituras de livros que realçassem a prática do cuidar. Senti então a necessidade de trilhar novos caminhos. Passei a atuar em um Hospital Público Estadual da rede FHEMIG, o Pronto Socorro João XXIII, na Unidade de Cuidados Semi-intensivos – UCSI, construindo um novo cotidiano no cuidado a pacientes em situação crítica. A instituição citada destina-se ao atendimento de urgência e emergência na região metropolitana de Belo Horizonte e é um Centro de Referência Estadual para o atendimento ao paciente portador de trauma. Caracteriza-se como hospital de pronto atendimento, de grande porte, mantido pelo Estado através da rede FHEMIG. Iniciei uma nova etapa na profissão. Trabalhar com pacientes críticos, vítimas de politrauma4 acrescentava à minha inquietação mais um componente: a doença inesperada para o próprio acidentado, para a família e para a comunidade, pois o trauma, segundo Utiyama (1994:552), é hoje um grave problema de Saúde Pública, constitui-se na principal causa de morte da população de até 40 anos e é a terceira causa de morte da população geral. Introdução 15 Quando o paciente sobrevive, pode apresentar seqüelas, o que é preocupante no mundo moderno onde está presente a necessidade de participarmos ativamente de todos os processos de vida. Nesse contexto, passei a observar mais a família dos pacientes traumatizados. Em geral, a família é o primeiro grupo de convivência permanente do indivíduo, assim sendo, é um dos grupos sociais que governam as condutas de seus membros. Quando afetada diretamente por qualquer fato que não é inerente à sua estrutura, todo o ambiente se modifica. Se acontece um acidente que afeta um de seus membros, ocorre um transtorno na vida dessas pessoas. Mas o próprio curso da vida faz com que as atenções nesse momento se dirijam para quem está no leito hospitalar e não para quem irá cuidar desse parente, especialmente no domicílio. Vivenciando a experiência de trabalhar na UCSI, analisei dados referentes ao censo do setor, no período de janeiro de 2001 a janeiro de 2002, o que me permitiu visualizar o índice das ocorrências que mais resultaram em internações. O número maior deveu-se a vítimas de acidente de trânsito, portadoras de traumatismo craniencefálico – TCE, com idade entre 18 e 42 anos, sexo masculino e que receberam alta da unidade com seqüelas importantes, ou seja, alto grau de dependência física, até mesmo para as necessidades humanas básicas. Algumas vítimas morriam antes do retorno ao domicílio por complicações clínicas, incluindo-se as infecções oportunistas. Mais uma vez me preocupava: Como poderíamos estar apoiando as famílias 4 Politrauma: mais de uma região do corpo humano sofre lesões concomitantes, intencional ou acidental (Utiyama, 1994:552). Introdução 16 durante o período da internação e, muito especialmente, orientando-as para o retorno ao domicílio? A partir de então, analisando o perfil dos pacientes internados na UCSI do Hospital João XXIII, surgiu a oportunidade de procurar respostas à minha antiga e permanente inquietação: Como se organiza uma família quando um de seus membros adoece? A essa inquietação acrescentei outras perguntas: O que representa para essa família cuidar no domicílio? Como se pode estabelecer com os familiares relações que possibilitem ajudá-los, ainda dentro da dinâmica hospitalar, a organizarem a nova dinâmica familiar? Com essa oportunidade de conhecer melhor o familiar do portador de TCE, ao realizar esta pesquisa pude apontar possibilidades de ajuda aos familiares para o cuidado no domicílio considerando que, pelo fato de ser portador de seqüelas “o paciente pode exercer um impacto devastador sobre sua própria vida e as vidas da sua família” (Mills, 1993:565). Isso ocorre, uma vez que ele passa a depender de alguém em seu cotidiano. O estudo que me propus fazer tem como alicerce o modelo descritivo, analítico, sustentado na abordagem qualitativa, por entender que esse tipo de abordagem é “capaz de incorporar as questões do significado e da intencionalidade como inerentes ao ato, às relações, às estruturas sociais” (Minayo,1998:95). O relatório de pesquisa foi assim estruturado: na introdução colocome como profissional, em seguida discorro sobre a metodologia dentro da qual desenvolveu-se o trabalho. O primeiro capítulo contém aproximação ao tema através da revisão bibliográfica na qual foi descrito todo o processo que Introdução 17 sustentou a análise. No segundo foram descritos o processo metodológico e o cenário que deu origem ao estudo. O terceiro contém a análise dos dados encontrados, na qual são interpretados os discursos dos sujeitos da pesquisa. Esses capítulos e suas respectivas reflexões foram delimitando e permitindo a construção das considerações finais. Deve-se ressaltar, finalmente, que se torna necessário e prioritário conhecer a realidade vivenciada pela família e pelo “cuidador de referência”5 dentro do processo constante de reconstrução do convívio com o portador de seqüelas de TCE, que implica a reorganização do grupo familiar, para que esta nova situação experienciada possa ser vivida de forma a amenizar o sofrimento de todos. 5 Cuidador de referência - utilizei esta nomenclatura para referendar o responsável por cuidar do doente após a alta hospitalar. Um caminhar pela história 19 1. OBJETIVO 1. 1 Objetivo Geral Analisar a situação dos familiares de pacientes portadores de seqüelas de TCE, em especial das cuidadoras de referência, diante do desafio de cuidar no domicílio. 1.2 Objetivos Específicos Analisar o modo como os familiares desse paciente assumirão a situação de dependência (socioeconômica e emocional) do mesmo após a alta para o domicílio; Identificar a repercussão na dinâmica familiar em conviver com um paciente portador de seqüelas de TCE. 1.3 Justificativa O objeto da pesquisa é relevante por permitir compreender o conhecimento que os familiares possuem a respeito das seqüelas que, em geral, acometem o portador de TCE e o modo como eles desenvolvem o cuidado do seu familiar no domicílio, e contribuir para que as famílias possam criar mecanismos a fim de sustentar a nova relação familiar. A pesquisa reúne subsídios para que se possa conhecer melhor o perfil (socioeconômico e emocional) dos familiares com o fim de apóia-lo, não se excetuando as necessidades apresentadas pelos familiares, ainda na dinâmica hospitalar. Espera-se também contribuir fornecendo subsídios, para a Um caminhar pela história 20 reorganização do serviço de saúde, que tenham entre seus objetivos cuidar de pacientes politraumatizados. Sugere-se a criação de um grupo de apoio ao familiar de portadores de seqüelas de TCE, o que possibilitará a diminuição da permanência desse paciente na unidade hospitalar. Com a diminuição do período de internação, pode-se contribuir para a prevenção de infecções hospitalares oportunistas. Espera-se ainda oferecer subsídios para capacitação dos profissionais envolvidos na atenção e para a formulação das políticas e dos modelos de cuidado no domicílio. Um caminhar pela história 21 2. UM CAMINHAR PELA HISTÓRIA O século XX foi marcado por um acelerado progresso técnico científico e pela utilização de novos conhecimentos no campo da saúde. Podem-se destacar grandes momentos de conquistas, que fizeram diferença na nova visão do mundo e da maneira de nascer, morrer e viver nele. Algumas dessas conquistas foram de extrema importância para vários países e permitem reflexões sobre sua aplicabilidade e sobre a maneira como a sociedade se apropriou das tecnologias e as tem utilizado no dia-a-dia. Esse vislumbre tecnológico também aponta as insuficiências e perigos residentes nesses avanços. Fonseca (1999:5) diz que “estas idéias de mudanças, também operadas no sistema econômico, levaram a um rápido crescimento das ciências naturais e da tecnologia”. Capella (2002:19) acrescenta a essa idéia o fato de que a tecnologia interfere no cotidiano, uma vez que “...os avanços científicos do último século têm determinado importantes mudanças nas relações do homem com a natureza, bem como na organização social e espacial da humanidade”. Silva (2002:82) aponta para uma reflexão ética e política voltada para o conhecimento e a utilização das tecnologias, a qual deve ser considerada na análise do desenvolvimento do capital humano, social e cultural na sociedade. Os avanços trazem soluções e acarretam problemas a serem vivenciados pela humanidade, devendo ser considerado que: os “recados” que o século XX deixa para o seguinte, em termos de papel da ciência e da tecnologia, constituem um apelo para mudanças de conduta. Estas passam pela consciência das Um caminhar pela história possibilidades reais de que a humanidade possa 22 se autodestruir; da finitude dos recursos naturais; da cautela e consideração dos aspectos éticos da produção do conhecimento científico e desenvolvimento das tecnologias. Silva (2002:82) A introdução da alta tecnologia na área da saúde e o maior conhecimento científico propiciaram mudanças significativas fazendo surgir novos caminhos a serem percorridos, no campo da promoção da saúde, na prevenção de agravos, tratamento e recuperação “contudo, as mudanças sociais e econômicas criaram novas demandas que já não podiam ser atendidas pelo sistema vigente até o final dos anos 80 ... o desenvolvimento tecnológico acelerou-se” (Mendes, 1999:34). Na área industrial, principalmente na indústria automobilística, a tecnologia mudou a história dos países. Com este acelerado crescimento e modernidade dos veículos, consegue-se salvar mais vidas, desenvolver várias atividades mais rápido e também acompanhar o crescimento demográfico. As mudanças despertaram as atenções também no campo da saúde. Contudo, todas essas evoluções juntamente com o crescimento da indústria automobilística, a falta de manutenção adequada das auto-estradas e a imprudência de alguns motoristas ordenaram de forma diferente a história do país e em especial a história de muitas famílias. No Brasil, os acidentes automobilísticos são um problema de Saúde Pública por sua complexidade, magnitude, vulnerabilidade e transcendência. Esta situação apontara para um percurso no qual a doença crônica passa a ter o seu cenário alterado. Na atualidade existe uma nova epidemia a Um caminhar pela história 23 se enfrentar: a epidemia do trauma6 que é um problema prioritário, constituindo-se em um risco para a população, além de ser responsável por um número importante de mortes e de incapacitações. (...) é a principal causa de mortalidade na população menor de 40 anos de idade, tem enormes implicações na sociedade tanto do ponto de vista econômico como social, principalmente por acometer uma faixa etária jovem da população, tendo como implicações a nível de saúde pública o número de anos de vida perdidos. O Brasil tem uma alta incidência de acidentes de tráfego (Coutinho, 2003:15). Entre os diversos tipos de trauma, o traumatismo craniencefálico (TCE) é o de maior ocorrência, sendo definido como “qualquer lesão traumática que envolve o crânio e/ou seus envoltórios e conteúdo” (Coutinho, 1997:481). O TCE pode deixar incapacitações desde as mais simples às mais complexas, dependendo do tipo de agressão sofrida. As seqüelas dependem também da e qualidade do atendimento pré-hospitalar prestado ao traumatizado desde o momento do acidente até os cuidados hospitalares. A National Head Injury Foundation apresenta a seguinte definição para a lesão craniana traumática: Lesão craniana traumática é uma agressão ao cérebro, não de natureza degenerativa ou congênita, mas causada por uma força física externa, que pode produzir um estado diminuído ou alterado de consciência, que resulta em comprometimento das habilidades cognitivas ou do funcionamento físico. Pode também resultar no distúrbio do funcionamento comportamental ou emocional. Este pode ser temporário ou 6 Trauma: lesão de extensão, intensidade e gravidade variável, que pode ser produzida por agentes diversos (físicos, químicos, psíquicos) (Ferreira, 1997:1707). Um caminhar pela história 24 permanente e provocar comprometimento funcional parcial ou total, ou mau ajustamento psicológico (Winkler, 1994:345). Os eventos decorrentes das tecnologias duras7, muitas vezes mal conduzidas, e o grande crescimento urbano traçam um novo percurso para a vida das famílias que passam a ficar emocionalmente abaladas. Portanto, as atenções pré-hospitalar e hospitalar no atendimento a pacientes traumatizados tiveram de se organizar e sistematizar-se para acompanharem os novos eventos epidemiológicos decorrentes do uso das tecnologias e das organizações das cidades. Os acidentes automobilísticos levaram também ao aumento das internações hospitalares em setores de urgência e emergência, principalmente de pacientes em idade produtiva. Coutinho (1997, 2003) informa-nos que “nos EUA o TCE é a principal causa de morte na população de 1 a 44 anos. No Brasil o TCE atinge a faixa etária produtiva de 15 – 24 anos, sendo o acidente de trânsito responsável por cerca de 60/70% dos casos de TCE grave”. Com a nova organização do sistema pré-hospitalar, as vítimas de acidentes automobilísticos e de outros acidentes como a violência urbana (facada, tiros, tentativa de auto-extermínio, etc.) chegam muito mais rápido ao hospital, controlam-se as iatrogenias na atenção mediata e organizam-se os censos e referências de outros âmbitos de atenção à saúde e à população. Capella (2002:25) afirma que “tais avanços influenciam diretamente no serviço de saúde no que diz respeito à sua organização, modo operacional, assim 7 Tecnologias duras: aquelas ligadas a equipamentos, procedimentos (Cecílio, mar/2003). Um caminhar pela história 25 como nas relações interpessoais entre os profissionais de saúde, e entre estes e a clientela”. A utilização de tecnologias avançadas, a agilidade no atendimento pré-hospitalar e a participação de profissionais com preparo técnico-científico na atenção do paciente acidentado fazem com que as vítimas sejam atendidas mais rapidamente, apresentando como resultado imediato o aumento da taxa de sobrevida. Assim, uma atenção pré-hospitalar de qualidade salva mais vítimas, as quais após o período de internação, retornam ao domicílio, exigindo cuidados da família. 2.1 As Unidades de Tratamento Intensivo e as famílias “aquilo que julgamos já saber é o que, freqüentemente, nos impede de aprender” (Claude Berde). As tecnologias modernas dos centros de traumatologia, principalmente em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), que são áreas de convergência multiprofissional, dentro do sistema de atendimento hospitalar, remetem-nos a um pensamento a respeito do processo de trabalho nessas unidades, considerando que, nessa área “volta-se ao atendimento de pacientes com efetivo ou potencial comprometimento de funções vitais, devido à falha de um ou mais sistemas orgânicos, como conseqüência de doenças, traumatismos ou intoxicações” (Nozawa, 2001:3). A UTI “é o setor do hospital que reúne recursos mais adequados ao tratamento de pacientes em estado grave. Mas não é só isso! Não só pacientes graves são internados na UTI”. (Abrão, 2001:85). Fazendo com que as Um caminhar pela história 26 discussões saiam do campo da natureza técnica e venham para o âmbito da assistência e da arte do cuidar do indivíduo, das famílias, dos grupos e da comunidade, (Silva, 2002:84) relata que as “UTI’s devem acolher pessoas que necessitam de observação constante, pessoas com chance de viver, mas que naquele momento exigem cuidados constantes”. (Domingues 1999:39) destaca que “a UTI centraliza os doentes em estado crítico, na tentativa de melhorar a assistência a eles prestada.” Na UTI há uma dinâmica operacional e um ambiente bastante diferenciados dos que existem em outros setores hospitalares. Essa diferença influi tanto no comportamento da equipe multiprofissional como no modo de assumir e compreender a doença por parte do paciente e de seus familiares. Cabe à equipe dispensar atenção à família, considerando serem os seus integrantes fortes aliados e estarem passando por momentos de transformações em conseqüência de uma doença inesperada. Hoje as equipes multiprofissionais contam com os profissionais psicólogo e assistente social que amenizam esta “dor”, utilizando seus referenciais teóricos e metodológicos na organização da atenção aos pacientes e seus familiares. A função peculiar da enfermagem, por sua vez, é prestar assistência ao indivíduo sadio ou doente, família ou comunidade, no desempenho de atividade para promover, manter ou recuperar a saúde (Almeida, 1999:18). Além dessas atividades, a enfermagem deve estar atenta à questão de gerenciamento, ensino, pesquisa, humanização e relacionamento Um caminhar pela história 27 terapêutico com o paciente em estado crítico8 e à ação do cuidar, pois o cuidado dever ser avaliado em suas diferentes dimensões. O paciente internado em uma UTI está em estado clínico crítico, dependência de aparelhagens (monitores, ventiladores mecânicos,etc), submetido a vários procedimentos invasivos (sondagem vesical, sondagem nasoentérica, várias punções venosas, drenos diversos, etc), ficando impossibilitado às vezes de se comunicar seja por dano cerebral, seja por trauma de face ou uso de tubo orotraqueal. Essa situação agrava-se pelo fato de os pacientes estarem distantes de seus familiares e carentes de sua individualidade e privacidade, demandando cuidados constantes, o que causa conflito, ansiedade e angústia no familiar e no paciente. É importante que se voltem as atenções também para a família, pois ela passa a ser “uma extensão do paciente e cuidar dela também requer cuidar de pessoas queridas, [...] de várias formas, as famílias sofrem muitas das mesmas crises que os pacientes na UCI” (Gallo, 1997:44). Outra reflexão importante é acerca da despersonalização ou descaracterização9 do paciente. Em seu primeiro atendimento pré-hospitalar quase sempre recebe o pseudônimo de vítima que, segundo Ferreira (1997: 1784), “é uma pessoa ferida ou assassinada [...] que sofre qualquer dano arbitrariamente condenada à morte”, quando entra na instituição hospitalar passa a ser paciente “pessoa resignada, conformada, pessoa que padece, que 8 9 Estado crítico – Conjunto de sensações inquietantes e ameaçadoras (Orlando, 2001:75). Descaracterizar – Fazer perder o característico, desfazer as caracterizações (Ferreira, 1997:549). Despersonalizar: mudar de personagem tirar ou reduzir as propriedades que formam a personalidade (Ferreira, 1997:573). Um caminhar pela história 28 está aos cuidados médicos, que espera semanalmente um resultado internado” (Ferreira, 1997:1244). Após a alta, quando retorna ao domicílio, portador de alguma incapacidade, fica sendo o seqüelado “qualquer lesão anatômica ou funcional que permaneça depois de encerrada a evolução clínica de cada doença inclusive de um traumatismo” (Ferreira, 1997:1572). Este misto de mudanças na identidade do paciente, às vezes em curto período de tempo, pode gerar conflitos para os familiares e para o próprio paciente. Além do problema da despersonalização, a família enfrenta a hospitalização, período em que passa a viver a vida hospitalar. Wright (2002:35) relata que “as intervenções na família são mais deficientes em ambientes hospitalares, particularmente em unidades de cuidados críticos”, em conseqüência do estresse que os profissionais estão vivenciando o tempo todo, o que faz com que os olhares não se voltem para o familiar do paciente com a devida atenção. Nas UTIs, existem aparelhagens que exigem muita atenção, “A elevada tecnologia contribui muito para o esquema de cuidados intensivos. Entretanto, também pode contribuir para o processo de desumanização que é possível ocorrer no ambiente” (Gallo, 1997:42). Nesse momento a família poderia ser uma aliada da equipe multiprofissional, pois sendo parte da história de vida do paciente, poderá ajudar na condução do cuidado, contribuindo muito para a recuperação do paciente a partir de sua própria interação com a evolução da doença. Um caminhar pela história 29 2.2 O paciente portador de TCE e as seqüelas Um dilema, um problema, um desafio... As modificações pelas quais passa uma família quando um de seus componentes sofre uma lesão traumática e a possibilidade de o paciente vir a apresentar uma seqüela10, devem ser apreciadas com muita reverência, pois a família defronta com uma realidade complexa, assentada não somente em aspectos emocionais, mas também em fatores sociais e econômicos. A incidência de TCE é preocupante, quando se considera que “a cada ano ocorrem 22 a 25 TCE fatais por 100.000 habitantes e mais de 500.000 lesões suficientemente significativas para exigir hospitalização” (Machado, 2003; Neto, 2002; Mills, 1993; Winkler, 1994). O cérebro do homem guia todos os passos do seu “ser”. Uma lesão craniana pode levar a deficiências em áreas cognitivas, sensitivas e motoras repercutindo no convívio social do portador de traumatismo. O organismo funciona como uma máquina regida pelo cérebro: cada “peça” possui sua função; quando ocorre algum problema na engrenagem, modificando-a muitas vezes de forma brutal, ela pode não voltar a exercer a função anterior, dando lugar às incapacitações. Nesse processo é necessário avaliar quais os níveis de lesões que podem acontecer após um trauma cerebral. Assim, as alterações causadas podem ser identificadas de acordo com a natureza da lesão, isto é, de acordo com o impacto inicial, e podem ser classificadas como “primárias e secundárias” (Brant, 1994:596). 10 Seqüelas: qualquer lesão anatômica ou funcional que permaneça depois de encerrada a evolução clínica de uma doença, inclusive de um traumatismo (Ferreira, 1997:1572). Um caminhar pela história 30 As lesões primárias são aquelas que acontecem diretamente conseqüentes ao impacto do TCE e podem ser: fraturas do crânio (lineares ou cominutivas, com ou sem afundamento ósseo); fístulas liquóricas; contusões e lacerações encefálicas; hemorragias subaracnoideanas; hematomas intraparenquimatosos; hematomas subdurais ou extradurais, lesão axonal difusa (ruptura de axônios na substância branca do encéfalo, no corpo caloso e no tronco encefálico). As lesões secundárias são aquelas que se desenvolvem horas ou dias após o trauma: hematomas extradurais ou subdurais; edema (inchaço) cerebral localizado ou difuso. Estes produzem compressão e ou desvios de estruturas intracranianas levando também a aumento do edema e isquemia secundária no tecido nervoso. No TCE os pacientes podem apresentar lesões graves e dramáticas desde o início. Entretanto, muitas vezes as alterações acontecerão lenta e progressivamente, o que exige observação e cuidados da equipe de saúde multiprofissional que tem papel relevante na qualidade da atenção. Assim, as lesões no TCE podem ser de leves a muito graves, e os danos e possíveis seqüelas dependerão dessa gravidade. Um caminhar pela história 31 Após o primeiro atendimento e posterior avaliação neurológica, com ajuda de exames especiais (tomografia cerebral computadorizada e RX), prossegue-se a atenção que pode exigir intervenção cirúrgica ou conservadora. Geralmente os pacientes necessitam de terapia intensiva. A avaliação diária do “estado de consciência” através da Escala de Coma de Glasgow (ECG)11 é utilizada como instrumento para a avaliação da evolução do portador de TCE. A escala foi introduzida em 1874 (Winkler, 1994:345), constituindo-se em padrão mundial e atual de avaliação do nível de consciência (ANEXO A), instrumento esse, sustentado em três parâmetros independentes: abertura ocular, resposta motora e resposta verbal. Cada parâmetro recebe uma pontuação cujo total situa-se entre os valores de 3 a 15 de escore. Quanto menor o total de pontos mais grave é o grau do coma. O coma é definido “como um estado de consciência caracterizado pela falta de resposta aos estímulos, impossibilidade de despertar e de abrir os olhos, independente de sua duração” (Brandt, 1994:591). São considerados graves os portadores de TCE que apresentam padrão na ECG igual ou inferior a 8 de escore. A avaliação da ECG em períodos regulares permite a identificação de melhora ou piora do quadro neurológico do paciente. É importante ressaltar ainda que, por meio dessa escala surgem as categorias que definem a intensidade do traumatismo em leve (ECG 13-15) seqüelas na proporção de 10%, moderado (ECG 9-12) seqüelas 66% e grave (3-8) seqüelas 100%. Esses dados são “úteis para 11 ECG: criada para avaliar pacientes com trauma de crânio ao chegar no Pronto-Socorro, ganhou popularidade pela facilidade de aplicação e pela objetividade (Ferraz, 2002:335). Um caminhar pela história 32 relacionar os parâmetros de avaliação à terapia e resultado ao longo de um tratamento” (Gallo, 1997:644). Não é pertinente associar ao trauma leve, pequeno ou nenhum problema para o traumatizado; se ele apresentar amnésia pós-traumática, poderá alterar-se significativamente o seu estilo de vida após o trauma. Os mecanismos de trauma também são muito importantes para determinar o nível de lesão como descritos por Gallo (1997:645). ...uma lesão em aceleração ocorre quando um objeto em movimento golpeia a cabeça estacionária, como em uma lesão por um projétil ou por um objeto rombudo. Uma lesão em desaceleração é aquela na qual a cabeça golpeia um objeto relativamente imóvel, como o painel de um automóvel ou o chão. Para se apoiar o diagnóstico do TCE, pode-se utilizar a Glasgow Outcome Scale - GOS (ANEXO B) que mede, os resultados do tratamento realizado. Por ser de fácil aplicação a GOS, permite uma avaliação mais precisa das seqüelas instaladas e do nível de dependência do paciente com lesão. Esta escala auxilia no plano da alta hospitalar, pois define as limitações do portador de trauma. Constitui-se, portanto, em ferramenta de apoio para os profissionais informarem os familiares sobre possíveis incapacitações e assim orientarem quanto à assistência a ser prestada. Os distúrbios da memória e das atividades intelectuais (seqüelas cognitivas e compartimentais) são os mais freqüentes no portador de TCE, causando diminuição na atenção, falta de iniciativa, perda de raciocínio e pensamento abstrato. Em relação à memória, três tipos de amnésia estão Um caminhar pela história 33 freqüentemente associados: amnésia retrógrada (perda parcial ou total da habilidade de recordar eventos que ocorreram durante o período que precedeu a lesão e pode regredir progressivamente); amnésia pós-traumática (é um lapso de tempo entre o acidente e o ponto onde as funções relativas à memória são tidas como restauradas). A duração deste tipo de amnésia indica a gravidade do caso. E a amnésia anteróloga que é a inibição em formar nova memória. Os distúrbios clínicos são causados pelo nível e local da lesão, neuroendócrinos, metabólicos, cardiovasculares, gastrintestinais, respiratórios e hematológicos. É necessário ressaltar que alguns portadores de trauma evoluem para o estado vegetativo12. Nesta situação o paciente acompanha com os olhos e mostra atividade espontânea mínima, não fala nem responde a estimulação vagal. Para a família, “as seqüelas comportamentais são talvez a característica mais devastadora do traumatismo” (Winkler, 1994:351). As alterações na personalidade podem se refletir no dia-a-dia, exigindo que o traumatizado e seqüelado tenha acompanhamento constante. As lesões do lóbulo frontal são as mais comuns e ocasionam distúrbios do comportamento “a irritabilidade e agressividade são manifestações possíveis, assim como as perdas de inibição e julgamento” (Winkler, 1994:351). O processo de modernização do cuidado em saúde, sustentado nos avanços tecnológicos no campo biomédico “tem propiciado prolongamentos no Um caminhar pela história 34 tempo de vida destas pessoas, não necessariamente associado a melhor qualidade de vida e, muitas vezes a um custo muito alto” (Medeiros, 1998:191). Outro dado importante, comprovado em estudos por Coutinho (1997), WinKler (1994) e Mills (1993), revela que a maioria dos TCEs acometem pessoas abaixo dos 30 anos; o acidente de trânsito é responsável por 60% a 70% das incapacitações e ocorre mais freqüentemente em homens, permitindo Machado (1998:31) afirmar que as conseqüências definidas de um TCE dependem tanto da natureza como da intensidade, local e direção do impacto sofrido pelo crânio; o padrão de gravidade do trauma e as seqüelas resultantes podem ser altamente variáveis, dependendo da gravidade do traumatismo, natureza da lesão cerebral e de complicações clínicas. Os déficits traduzem uma disfunção de qualquer nível do sistema nervoso e as seqüelas mentais, chamadas déficit cognitivos, refletem modificações no comportamento e personalidade, alterações da memória. Para um familiar entender que seu parente sofreu um tipo de trauma gravíssimo e que ficará com seqüelas, às vezes se torna muito difícil, devido à imprevisibilidade e à complexidade do evento. A família terá que considerar o novo estilo de vida a ser enfrentado pelo portador de TCE e seqüelado e a sua efetiva participação na vida do mesmo. Ter de cuidar de um paciente / familiar, agora com as condições de vida alteradas, torna-se um desafio, um dilema que expressa contradições no qual este novo viver pode exigir uma nova vida para quem se tornar “o cuidador de referência”. 12 Estado vegetativo: condição clínica caracterizada por completa inconsciência do paciente, Um caminhar pela história 35 2.3 A família e o cuidar “A família ensina a exercer com fidelidade e honestidade os direitos que a cidadania nos concede” (Pe. Mário). Uma parte significante da história da enfermagem mostra que “a participação das famílias sempre a integrou, mas nem sempre teve esta denominação” (Wrihgt, 2002:14). A preocupação com a família já estava presente desde a obra de Nightingale, principalmente nos campos de guerra, onde ela escrevia cartas com os soldados feridos, para mandar notícias aos familiares deles e manter o vínculo familiar que ela acreditava essencial à recuperação dos soldados quando se internavam ou eram acidentados. O cuidado faz parte das necessidades de sobrevivência na vida humana. Sena (2000:548) aponta para o fato de que “o cuidar no domicílio exige muito envolvimento e disponibilidade”. O ser humano precisa de um equilíbrio dinâmico. As necessidades não se manifestam, porém estão latentes e surgem com maior ou menor intensidades. No caso de pacientes portadores de TCE conseqüentemente estão atreladas devido ao comprometimento da lesão cerebral, o que exige muito do cuidador, pois em alguns casos há também um apagamento da memória, que não permite que o paciente fique só nem por um minuto. Contudo, “as transformações sociais e culturais que acontecem nas últimas décadas e a perspectiva de novas mudanças para o próximo século têm nos feito pensar sobre as famílias, no seu processo de viver e nas situações de saúde – doença” (Althof, 1998:320). Para compreender a família e tanto em relação a ele próprio como em relação ao ambiente (Orlando, 2001). Um caminhar pela história 36 ajudá-la a ser mediadora na ação de cuidar, principalmente no domicílio, é necessário, antes de mais nada, tecer algumas considerações referentes à formação da mesma, e a partir desta reflexão, somada à opinião de quem vivencia a situação e à ajuda de alguns autores, construir alguns pressupostos a respeito do processo de cuidar de pessoas portadoras de TCE. A família que passa a conviver com uma situação de alteração do estado de saúde de um de seus integrantes, precisa adotar e construir novos conceitos e modos de vida para que a partir desta experiência ela possa trilhar novos caminhos, principalmente se o “ser” acometido pela ruptura de seu cotidiano de vida e de trabalho volta ao domicílio portando seqüelas e com dependência. O significado etimológico da organização familiar vem a ser: “pessoas aparentadas que vivem em geral na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos” (Ferreira, 1997:755) ou ainda “grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto ou unidas por mesmas convicções ou interesses ou que provêm de um mesmo lugar”, (Houaiss, 2002:1304). (Elsen1994:63), que realiza estudos sobre família, conceitua - a da seguinte forma: A nuclear, composta pelo pai, mãe, filhos, e a extensa ou ramificada, quando diferentes gerações são incluídas. Algumas famílias incluem, entre seus membros, também as pessoas com quem mantêm estreitos laços afetivos, enquanto que outras pessoas definem como família apenas seu círculo de amigos íntimos com os quais não possuem nenhuma consangüinidade. Há ainda referência à família como sendo “uma organização complexa de relações de parentesco, com história formada por etapas Um caminhar pela história 37 evolutivas”, como adotado por Scabini (1998:121). Mesmo considerando a diversidade de definições etnográfica, social, cultural e econômica que a palavra e a concepção de família apresenta, pode-se entender que ela é um ponto de convívio do ser. A sua organização e estrutura permeiam e qualificam experiências dos seus membros, fazendo com que os sofrimentos e as alegrias sejam partilhados de forma única e solidária, comemorando em coletivo os acontecimentos. É no espaço familiar que se estabelecem as relações de carinho, afeto, solidariedade e do cuidado. A família “é o veículo de transmissão de valores, saúde, respeito, responsabilidade” (José Filho, 2002:42), e essas qualidades são fundamentais para o processo de “cura”. Cabe ressaltar que no processo de transformação socioeconômico e cultural “família é quaisquer pessoas que compartilhem da vida íntima e rotineira do paciente” (Lemes, 2001:1120), sendo, portanto, responsável pelo cuidar. É nela que estão centradas as ações para prosseguir o dia-a-dia, pois “todos nós temos um significado idêntico para a família, uma vez que a maioria de nós faz parte de uma unidade familiar” (Elsen, 1994:62). A partir desse pressuposto, a equipe multiprofissional deve projetar e animar a construção do futuro do portador de TCE com seqüelas, estabelecendo o plano de cuidados para o seu retorno ao domicílio. A família precisa se articular e eleger quem será o cuidador de referência para prosseguir o tratamento no domicílio. Embora se saiba que a ação do cuidar recai sobre um componente da família, percebe-se que a mulher é reconhecida como cuidadora, por questões de história. Um caminhar pela história 38 (...) as mulheres parecem ter adquirido um comportamento diferenciado dos homens assemelhado entre elas, nas diferentes épocas devido à maternidade. Quase de forma universal, entre os diversos clãs, tribos e civilizações, ao longo da história, os cuidados com o parto ficavam a cargo das mulheres. ... Entre as práticas de higienizar e de alimentar, foram introduzidos comportamentos de tocar, cheirar e gestos rudimentares de afago. Pode-se concluir que o segundo modo de expressar o cuidado, ou seja, a demonstração de interesse e de afeto, é mais evidente entre as mulheres (Waldow, 1999:18). Assim sendo, autores como Waldow (1999), Gonçalves (1999), Wright (2002), Sena (2000), Winkler (1994), José Filho (2002) e outros realçam a mulher, como parte importante na ação do cuidar, pois “em decorrência de ser reconhecida a filiação pela linha feminina, foi criado um grande respeito pela mulher” (José filho, 2002:16). Winkler (1994:391) destaca que “em qualquer caso, uma grande carga cai sobre as esposas e progenitores, particularmente as mães”, contudo, no decorrer da história, principalmente sob influência do capitalismo, a mulher é obrigada a desenvolver tarefas também fora do domicílio para aumentar a renda familiar; assim ela entra para a história fazendo parte também de um processo social: “no processo de formação histórica do modo de produção capitalista, o cuidado de saúde se dá numa contínua relação entre a mulher cuidadora e o “ser” cuidado, bem como entre o meio ambiente, a família e a sociedade: Esta mulher cuidadora não é um ser isolado, neutro, desligado do processo histórico e social, nem é uma consciência pura em si” (Gonçalves, 1999:45). Um caminhar pela história 39 Nesse contexto, geralmente a mulher acaba assumindo o papel de cuidadora acolhendo seu familiar que necessita de cuidado. Isto posto, a equipe multiprofissional deve possuir uma postura de preocupar-se com essa cuidadora, pois começa um novo capítulo na história desta pessoa e da família, viver a situação de cuidar de um parente gravemente enfermo, internado em um hospital de urgência “entre a vida e a morte”, aguardar sua melhora e depois cuidar do mesmo – portador de seqüelas – no domicílio. Assim ocorrerá mudança importante para todo o grupo familiar, isto é, “alteração na estrutura familiar que ocorre como compensação das perturbações e tem a finalidade de manter a estrutura (ou seja, estabilidade)” (Wright, 2002:49). Assim sendo, “uma entidade viva somente pode perceber, responder, pensar acreditar e agir de acordo com os limites de sua estrutura única como um ser” (Galera, 2002:142).Esta mudança pode ser drástica, exigindo novas atitudes na vivência do “novo estado de coisas antes que os nossos sentidos possam nos contar que isto é novo” (Bateson, 1979:98). Contudo, estas transformações podem ocorrer em área cognitiva, afetiva ou comportamental, mas a mudança em uma dessas áreas apresentará um impacto nas outras e isto para o cuidador pode ser certamente mudança no seu processo de vida. Os familiares dos portadores de trauma passam por um período longo de internação hospitalar. Há uma ruptura entre a situação anteriormente vivida e o momento inesperado: viver a situação do trauma. Um caminhar pela história 40 É pertinente lembrar que a família de um paciente portador de TCE com seqüelas está inserida em um contexto socioeconômico e emocional, e que o trauma do acidente, no período da atenção hospitalar e no domicílio, se refletirá inteiramente, e intensamente na dinâmica familiar. A família cada vez mais tem assumido parte da responsabilidade de cuidar de seus membros e, nesta perspectiva, necessita de apoio de profissionais, quando diz respeito à atenção a saúde, seja a nível hospitalar ou domiciliar (Marcon, 1998:290). O cuidado faz parte das necessidades de sobrevivência na vida humana. Nesse sentido, cabe uma reflexão sobre a perspectiva do cuidar para o familiar de um portador de TCE, pois ele é quem dará continuidade ao cuidado iniciado no hospital. É necessário construir um caminho, sobretudo pautado no conhecimento de quem está vivendo este momento, revestido por profundas transformações na vida das pessoas e de seu entorno. Cuidar sugere que a pessoa deva estar inserida interativamente no processo para que ela compreenda as diversidades e as transformações que ocorrem em sua vida e em sua família. A palavra Cuidar origina-se do latim Cogitare e pode ter vários significados como: imaginar, pensar, tratar, prevenir, acautelar, ter cuidado consigo mesmo (Ferreira, 1997:507).E o cuidar sempre foi desenvolvido em diversas culturas de várias maneiras. Waldow (1999) relata que nas diversas culturas o cuidado era representado de várias formas, envolvendo sempre a questão familiar. Análise 58 Na cultura americano-italiana Na cultura germânica américorepresentava organização, limpeza, ajuda aos outros, obedecendo a regras e pontualidade, proteção aos outros contra danos e contra estranhos, ou alimentação correta. representa o bem-estar, inte- Na cultura gridade familiar, envolvimento americano-japonesa com a família... ”Cuidar sem- representava pre esteve presente na histó- respeito pela família, ria humana, sendo direcio- controle de emoções, nado de acordo com a cultura, preocupação com os o avanço tecnológico e a outros, resistência à necessidade das pessoas”. dor e ao stress. Segundo Almeida (1999) e José Filho (2002), a religião também teve forte influência no exercício do cuidado, justificando, inteiramente as ações das “cuidadoras”, embora não se embasasse necessariamente em conhecimentos científicos.O cristianismo, que institucionalizou o papel feminino no cuidado através das ordens religiosas, e o judaísmo tiveram um papel marcante nesta determinação. Com a ruptura do sistema feudal e a interrupção do modelo de produção industrial, a igreja, que mantinha parte dos monopólios hospitalares, perdeu o domínio da interpretação do saber, e os religiosos foram expulsos dos hospitais. Este período é marcado por um declínio na assistência voltada para as camadas marginalizadas da sociedade. Os serviços de enfermagem passaram a ser exercidos por mulheres consideradas de moral questionável. Boff (1999:34) citando Martin Heidegger (1889-1976), abrilhanta essas reflexões quando nos fala que “do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que sempre o Análise 59 significa dizer que ele se acha em toda atitude e situação de fato”, isto é, ele está na raiz primeira do ser humano antes de qualquer atitude. Nos meados do século XIX, período marcado pela revolução Industrial, com o desenvolvimento econômico embasado no modelo capitalista industrial, o homem é encarado como força de produção e, conseqüentemente, o Estado passa a preocupar-se com a Saúde Pública como instrumento e mecanismo para a reprodução da força de trabalho. Os sistemas de saúde eram, no Brasil, pouco sistematizados, cabendo às mulheres com os “dons” que possuíam e com a intuição, cuidar das pessoas mais necessitadas. Vão-se destacando assim os tons femininos na arte de desenvolver o cuidar. Voltada para a ação do cuidar, surge na Inglaterra, em 1860, a primeira Escola de Enfermagem fundada por Florence Nightingale (Florence fez um pequeno estágio no hospital, em Kaiserswerth, para assim ter suas próprias diretrizes). Nesse período a Enfermagem começa a institucionalizar-se e adquirir status; pautado em novas descobertas científicas, método administrativo e assistencial volta a ser centrada na prática médica. A escola fundada por Florence tinha como objetivo capacitar as alunas para prestar assistência de Enfermagem no âmbito hospitalar, além de realizarem visitas domiciliares. Entretanto, uma das características desta escola foi organizar e estabelecer a educação de enfermagem sustentada na divisão técnica do trabalho, definindo o papel das “nurses” e das “ladies nurses”. As nurses prestavam assistência direta aos doentes enquanto as ladies nurses, procedentes de famílias aristocráticas, realizavam a administração da assistência de enfermagem. Análise 60 Não se pode esquecer que a mulher vem, desde o passado, traçando um papel importante na realização do cuidar, e o mesmo deve ser entendido como um processo social de produção em saúde que se expressa em atividades do cuidado com a vida diária. Boff (1999:96) afirma que “cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acollhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com ele”. Para que no desenvolvimento do cuidado ocorra uma sintonia, é necessário considerar o cuidador em sua totalidade, ele deverá exercer sua ação de cuidador, deixando transparecer todos os seus sentimentos, suas angústias, suas ansiedades. Deverá, também, desnudar-se para compreender o novo momento de vida que estará vivenciando em seu cotidiano. Boff realiza ainda uma reflexão muito preciosa e diz que um evento em nossas vidas não acontece isoladamente, acontece envolvendo várias situações “não há um sujeito histórico único, muitos serão os sujeitos destas mudanças” (Boff, 1999:25). Portanto, a mudança no percurso da vida da cuidadora, que é imposta pela doença, exige uma nova percepção da realidade de como viver e sobreviver nela; isso também refletirá na qualidade de vida do paciente. Sendo assim, o cuidado abrange mais que um momento de atenção, de zelo, de desvelo, representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro, “Cuidar é mais que um ato, é uma atitude” (Boff, 1999:33). O cuidado nada mais é do que um fenômeno que é a base possibilitadora da existência de um ser. Análise 61 2.4 Domicílio, o locus do cuidar A idéia de cuidar no domicílio remete-nos a um pensamento lógico de casa, lugar de onde saímos todos os dias com a intenção de voltar e ser cuidado com o afeto do grupo. Domicílio Cuidar Locus Domicílio: ”residência habitual de uma pessoa, lugar onde a pessoa estabelece sua residência com propósito definido” Houaiss (2002:1074). Lócus: “lugar, posição, local, posto, moradia, útero, madre” (Houaiss 2002:1777). Cuidar: “imaginar, tratar, prevenir, acautelar” (Houaiss, 2002:885). Torna-se interessante a análise desses três significados para verificar que eles se entrelaçam, configurando um cenário ideal para desenvolver a prática do cuidar; cuidar de alguém que necessita desse cuidado. Sena (2000:545) esclarece que o cuidado no domicílio sempre existiu, desde o início da era cristã quando as pessoas doentes já eram tratadas em casa, freqüentemente por uma mulher-mãe, familiar ou pessoas da comunidade. Assim o domicílio sempre foi o espaço do cuidar desde o nascimento até a morte. Lacerda (1996) amplia esse raciocínio quando diz que O domicílio é o local onde está a família e é nela que os seus componentes se desenvolvem física, emocional, Análise 62 mental e espiritualmente. É aí que as primeiras relações sociais se estabelecem e também onde as crises e os conflitos aparecem no momento em que um dos membros desta família adoece. Sendo assim, após um longo período de internação, alguns pacientes não necessitarão mais de permanecer no hospital, receberão alta e voltarão para o domicílio, com uma história diferente, ou seja, alguém desse grupo precisará de maior atenção. Sendo assim, “freqüentemente a família também sofre perdas e carrega o ônus de metas e expectativas existenciais, permanentemente alteradas para o seu membro” (Mills, 1993: 565). As seqüelas apresentadas pelo portador de TCE poderão se tornar crônicas, e a família terá que aprender a conviver com as mesmas. A análise de Medeiros (1998:189) indica que: as doenças crônicas produzem significantes repercussões tanto econômicas como sociais, emocionais e familiares, como resultado de seus efeitos biológicos, afetando a qualidade de vida do paciente como um todo. Embora toda a família também seja afetada pela doença, o cuidado do paciente recai, especialmente, sobre um único membro, que assume a principal responsabilidade de prestar assistência emocional, física, médica e por vezes financeira. Sena (1999:60) aponta para o domicílio como o locus do cuidar refletindo sobre seus benefícios. A autora relata que o cuidado domiciliar configura-se como uma estratégia que propicia a atenção e deve ocorrer de forma segura e humana, permitindo a redução da permanência do paciente no hospital, a prevenção de riscos de iatrogenia, a diminuição de custo, e também Análise 63 possibilitando manter as pessoas, acometidas por uma enfermidade, próximo do convívio familiar. Porém a autora chama atenção para a responsabilidade do setor público – serviços de saúde – com o cuidado no domicílio garantindo a integridade da atenção e apoio à família, pois os cuidadores de familiares na maioria das vezes não recebem preparo adequado para realização dos cuidados e se baseiam em experiências anteriores ou em conhecimentos do senso comum para definir suas ações (Sena, 1999:61). Por isso, será importante ajudar o cuidador de referência a entender essas transformações pelas quais passará, deixando manifestar seus sentimentos, sua fala, suas angústias, seu desejo ou não de cuidar, na perspectiva de que ele possa melhor viver o momento para cuidar de seu parente. 2.5 O cuidador de referência do paciente portador de TCE Se você pudesse fazer um pedido, sendo cuidadora de referência, o que você pediria? Ao buscar subsídios na literatura sobre como cuidar do cuidador de um paciente portador de seqüelas, deparei com bibliografia que dava suporte a este discurso, mas não relacionada ao paciente de TCE. Portanto, busquei, a partir deste estudo e do discurso de mulheres cuidadoras, entender um pouco mais este cuidar. A família deverá enfrentar novas maneiras de se organizar e viver no mundo familiar, ou seja, como pensar, falar e agir de acordo com uma nova Análise 64 maneira, enfrentando uma nova realidade, “superar certos desafios para exercer com precisão o seu papel” (Silva, 2000:307). Esta nova realidade se inicia a partir do momento em que a família recebe a notícia do acidente. Necessariamente, todas as atenções se concentram nesse episódio; e o inconsciente constrói uma subjetividade de não querer acreditar na realidade. Zacarias (1995:19) ajuda a compreender esta situação quando analisa que: No final do Séc. XIX, muita coisa já se sabia sobre o inconsciente. ... muitos processos de pensamento e percepção ocorrem sob o limiar da consciência; que o inconsciente armazena lembranças e percepções inúmeras; que o inconsciente incorpora atividades automáticas criadas com esforço no consciente e, ainda, produzem mitos, histórias, sonhos, símbolos e alucinações. Assim o familiar, ao vivenciar esse momento e deparar com o seu parente entubado, com aparelho respirando por ele, um quadro clínico grave, custa a “cair na real”13. A família passa a viver os conflitos internos aos quais a situação a expõe, viver o cotidiano com este desafio a ser enfrentado; uma nova realidade, o parente enfermo. Afinal, o que será a nova realidade para a família e para a cuidadora de referência? A palavra realidade é utilizada diariamente e em várias situações, em vários contextos diferentes, mas quase nunca paramos para entender o seu 13 Cair na real: gíria brasileira recente, significando um apelo para que nosso interlocutor deixe de sonhar ou de fazer planos mirabolantes e utópicos e volte à realidade, volte a ter “pés no chão” (Duarte Júnior, 1994:7). Análise 65 significado.Sendo assim, “a questão da realidade (a da verdade) passa pela compreensão das diferentes maneiras de o homem se relacionar com o mundo” (Duarte Júnior, 1994:15). Quando o paciente retorna ao domicílio, inicia-se um processo de reconstrução; a realidade agora deverá ser vivida, novas montagens, com os mesmos personagens. A postura dos componentes desse cenário é que irá se alterar. “É preciso agora que se observe mais de perto essa tarefa de reconstrução, já que ela nada mais é do que uma reeducação, ou melhor, uma ressocialização” (Duarte Júnior, 1994:82). O apoio ao cuidador de referência é importante para ajudá-lo a manter o equilíbrio, pois, afinal será ele quem sustentará o cuidado no domicílio. A atitude de cuidar de si mesmo e do outro quem se encontra frágil faz parte de uma ação advinda muitas vezes de escolha pessoal. Todos necessitam do olhar cuidadoso do outro, independentemente da fase de vida em que se está. Essa atitude adquire um maior significado quando o cuidado se refere à atenção a um familiar que se encontra em uma nova situação. Pensar no outro é despertar em si mesmo a atitude de cuidado, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada. O sentido de cuidar – cogitare-cogitatus – mostra o caminho, a cura. O cuidado surge, então, a partir do momento em que alguém tem importância para alguém. Análise 66 3. DISCUSSÃO METODOLÓGICA Considerar a complexidade em cuidar de um familiar portador de seqüelas de TCE e a imprevisibilidade desse novo momento de vida implica conhecer e compreender as mudanças que passam a ocorrer na estrutura familiar e muito marcadamente na vida da cuidadora, pois “o conhecimento se concretiza num processo contínuo de ir e vir do todo para as partes e das partes para o todo” Saupe (1994:35). Minayo (1998) considera que uma metodologia deve fazer uma combinação particular entre teoria e prática em um movimento de atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, que propicia o desvelamento da essência do objeto estudado. Assim, utilizando a pesquisa científica, busquei estabelecer subsídios para conhecer o fenômeno em seu processo de transformação e apoiar o grupo familiar. O presente estudo definiu-se como descritivo analítico, sustentado na abordagem qualitativa, uma vez que esse tipo de abordagem é “capaz de incorporar as questões do significado e da intencionalidade como inerentes ao ato, às relações, às estruturas sociais” (Minayo, 1998:95), permite a aproximação com o fenômeno estudado e possibilita trabalhar com as inquietações do mesmo. ...trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes o que corresponde a um espaço mais Análise 67 profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (Minayo, 1998:21). Esta abordagem também se caracteriza como um “modo de inquisição sistemática, preocupado com a compreensão dos seres humanos consigo mesmo e com seus arredores” (Polit, 1995:270). Considera que os seres humanos estão inseridos em um contexto socioeconômico e emocional que faz parte do seu cotidiano. As categorias da dialética ajudaram a captar a nova realidade e contextualizá-la em um movimento de transformação e de contenção de novas possibilidades de relações, sustentando-se na relação dialetizada que: abarca não somente o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos atores sociais, que lhe atribuem o significado (Minayo, 1998:11). Assim, entender a situação do cuidador sob a perspectiva do processo constante de construção e reconstrução do convívio com o portador de seqüelas de TCE, implica poder ajudar esse cuidador na reorganização do grupo familiar para que esta nova situação experienciada possa ser vivida de forma a amenizar o sofrimento de todos (portadores de TCE com seqüela e seus familiares) e revelar as potencialidades do cuidador de referência e demais integrantes do grupo familiar. 3.1 Os procedimentos metodológicos Análise 68 O primeiro passo efetivo desta pesquisa, posso afirmar que foi quando identifiquei os pacientes internados na UCSI, para conhecer a clientela. Nessa fase verifiquei que um grande número de pacientes internados apresentava TCE. Assim, com a realização deste levantamento de dados referentes aos pacientes portadores de TCE internados na UCSI, no período de janeiro de 2000 a janeiro de 2001, construí o perfil dos portadores de TCE. Os dados secundários foram coletados no livro de censo da unidade e no Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME). Na análise, pude observar que os pacientes internados, na maioria, encontravam-se na faixa etária entre 18 e 42 anos, vítimas de acidente automobilístico, eram do sexo masculino e receberam alta da UCSI com avaliação entre 9 e 12 de escore na ECG. Após a construção desse perfil, caminhei na produção do projeto de pesquisa que me permitiu conhecer os métodos para realizar o estudo, completando com a delimitação do problema, revisão bibliográfica, a intimidade com o cenário do estudo e os atores que o constituem: o portador de TCE, equipe multiprofissional e familiares. Nesse caminho, em maio de 2003, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Comitê de Ética da FHEMIG, iniciei a observação sistematizada para a escolha dos participantes da pesquisa: familiares dos portadores de TCE por acidente que se inseriam nos critérios acima descritos. Isto posto, prossegui tendo em mente o objetivo proposto no projeto de pesquisa: analisar a situação dos familiares de pacientes portadores de seqüelas de TCE em especial das cuidadoras Análise 69 diante do desafio de cuidar no domicílio. Assim, para fins da pesquisa o familiar que assumiu participar deste estudo foi denominado cuidador de referência. Construí a captação e a apreensão da vida da família do cuidador de referência sob a perspectiva do processo constante de reconstrução do convívio com o portador de seqüelas de TCE, escutando as falas dos familiares, para, a partir da compreensão das mesmas, poder ajudá-los na reorganização do grupo familiar, e na vivência da nova situação de forma a amenizar o sofrimento e potencializar as capacidades de todos os envolvidos para prestar cuidado no domicílio. 3.2. O Cenário O cenário selecionado foi o Hospital de Pronto Socorro João XXIII, destinado ao atendimento em urgência e emergência, cujo centro de trauma é referência na região metropolitana de Belo Horizonte. O hospital realiza atendimento diário de, aproximadamente, 457 casos. Possui 258 leitos distribuídos em 12 andares e um ambulatório geral que é dividido em setores: politraumatizado, ortopedia, emergências clínicas, ambulatório feminino, ambulatório masculino, pediatria, otorrino, unidade de pequenos ferimentos e triagem, centro cirúrgico, 18 leitos de tratamento intensivo, 21 leitos de tratamento semi-intensivo (UCSI). A unidade em questão foi a UCSI. A definição do cenário adveio da minha vivência na rede FHEMIG – 18 anos como enfermeira na UCSI, 7 anos como coordenadora do setor – acrescida do fato de trabalhar no horário da tarde quando tenho a oportunidade Análise 70 de conviver com os familiares dos pacientes internados, durante as visitas diárias à unidade e perceber as suas inquietações. Vale ressaltar que a clientela que utiliza os serviços desse hospital é formada pelos que são encaminhados pelo sistema pré-hospitalar e/ou pelos que necessitam de tratamento de urgência e emergência. A internação é normalmente utilizada pela população que não possui plano privado de assistência à saúde ou que por algum motivo não pode ou não quer ser transferida para outro hospital, após o atendimento no setor de politraumatizado. 3.2.1 O caminho do paciente pelo cenário. O portador de TCE, ao dar entrada no hospital, é admitido no ambulatório 1 (politrauma). Após avaliação da equipe multidisciplinar e início do tratamento clínico e/ou cirúrgico, é encaminhado ao setor específico para continuidade do tratamento ou permanece nesse ambulatório de politrauma onde o tratamento é realizado. Também, muitos pacientes de politrauma permanecem dias nesse ambiente superestressante pela inexistência de leito no hospital ou em outros hospitais da rede. O familiar permanece ali, vivendo a angústia de seu parente/paciente e dos outros pacientes, pois, a sala de politrauma (ambutalório1) é uma sala grande onde ocorre a movimentação rápida de toda a equipe multiprofissional, permitindo a visibilidade de todo o ambiente. Para diminuir a angústia da família, a enfermagem coloca “biombos”, sabendo que estes “panos” não eliminam barulhos, apitos das aparelhagens e nem Análise 71 diminuem a correria dos profissionais, constituindo apenas uma simples barreira visual. 3.3 Sujeitos Os sujeitos da pesquisa foram cuidadores de referência de pacientes portadores de TCE que se incluíam nos critérios anteriormente descritos: vítimas de acidente de automóvel, sexo masculino, idade entre 18 e 43 anos, que receberam alta da UCSI com escore de 9 a 11 na ECG. Assim, quando os pacientes se enquadravam nos três primeiros critérios (acidente automobilístico, sexo masculino, idade 18 a 43 anos), eu iniciava o acompanhamento das famílias e do paciente através da avaliação da ECG diariamente. Após sinalização de alta da UCSI pela equipe médica e análise da história clínica, procurava os familiares e discutia sobre a possibilidade da participação deles na pesquisa, deixava que os mesmos pensassem a respeito dessa participação e me dessem a resposta em outra hora. Na oportunidade também pedia aos mesmos que me facilitassem o acesso ao membro da família que iria cuidar do paciente no domicílio, após a alta. Depois desse contato e da indicação do cuidador de referência pela família, era agendada a entrevista, de preferência após a alta do portador de TCE da UCSI, momento que se apresenta como definidor da vivência da expectativa de retornar ao domicílio com seu familiar em uma nova situação de vida. Análise 72 3.4 Instrumentos Para instrumentalizar a coleta de dados, utilizei entrevista individual, gravada, com roteiro semi-estruturado (ANEXO C), definida por Minayo (1994:95) como “uma entrevista que resulta em uma conversa a dois com propósitos bem definidos, através de uma exposição verbal que reforça a linguagem, significando a fala”. Sobre este tipo de entrevista autora ainda a reforça: instrumento privilegiado de coleta de informações para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturadas, de sistemas de valores, normas e símbolos e ao mesmo tempo tem a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas (Minayo, 1998:35). Foram atendidas as exigências da Resolução nº 196/96 do Ministério da Saúde, que regulamenta a pesquisa em seres humanos. O projeto de pesquisa passou pela apreciação do Comitê de Ética da FHEMIG, representada no HJXXIII pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa e também pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais (ANEXO D). Cada entrevistada recebeu uma carta contendo os objetivos da pesquisa e declaração de garantia do sigilo. Eu lia o Termo de Livre Consentimento (ANEXO E) junto com a cuidadora de referência e outro familiar que estivesse na sala 144 (sala destinada à realização da entrevista); após esta leitura e diante do aceite, era preenchido o termo de Livre Consentimento e pedida a assinatura do cuidador e referência. Análise 73 Ainda, como instrumento de auxílio à realização desta pesquisa, utilizei o diário de campo, iniciado no período que antecedeu o estudo e que foi utilizado durante todo o tempo em que transcorreu a pesquisa. Para complementar os dados da pesquisa, foram realizadas observações através de visitas ao domicílio de algumas cuidadoras. Esta etapa ocorreu após o primeiro mês da alta do paciente para o domicílio. As visitas aconteceram para verificar como estava sendo a relação dos familiares com o doente, no domicílio. Foram realizadas três visitas aos domicílios, pois os outros pacientes moravam fora da grande BH e não pude visitá-los, uma visita aconteceu no hospital, pois o paciente ainda se encontrava internado. 3.5 Coleta de dados A coleta de dados ocorreu nos meses de junho e julho/2003, após o horário de visita das 15:00 às 16:00 horas. O local para realização das entrevistas foi a sala 144 da unidade – dependência reservada na própria UCSI. A escolha do horário deveu-se à preocupação em facilitar o trabalho aproveitando a vinda dos familiares ao hospital no horário de visita diária. Para garantir o sigilo do familiar entrevistado, utilizamos pseudônimos com nomes de flores (ANEXO F), escolhi esta nomenclatura por entender que as flores representam suavidade, a exuberância da vida e são um símbolo de fácil compreensão para todas as entrevistadas. Assim eu perguntava a cuidadora de referência o nome de sua flor preferida. Ela escolhia sua flor, e ainda uma segunda opção que poderia ser adotada caso outra Análise 74 cuidadora já tivesse escolhido a mesma denominação. Com a brilhante ajuda dessas cuidadoras compus um jardim “científico” com os sujeitos entrevistados. Para garantir a identificação do paciente utilizei a letra inicial do seu nome. Após cada entrevista, era feita a respectiva transcrição. Por coincidência as quatro primeiras entrevistas foram de cuidadoras de pacientes com idade entre 20 e 23 anos e que eram cuidados pela própria mãe. A partir esta descoberta, decidi acrescentar mais uma característica à escolha do sujeito: uma outra cuidadora de referência que não fosse mãe, para enriquecer mais os dados. Após leitura exaustiva dos relatos, ao perceber que as falas estavam ficando repetitivas (saturação), encerrei as entrevistas e passei a realizar a análise dos dados obtidos. 3.6 Análise dos dados A análise foi inspirada em Minayo (1998:211). A autora explica que um dos objetivos da análise do discurso é a realização de uma reflexão geral sobre as condições de produção e apreensão da significação de textos. Após as transcrições, realizei várias leituras dos discursos para captar a essência dos mesmos. Assim, foram identificadas idéias centrais que, após agrupadas, permitiram a construção das categorias empíricas, que são, segundo Minayo (1998:95), ...construídas com a finalidade operacional, visando o trabalho de campo ou a partir do trabalho de campo, têm a propriedade de conseguir apreender as determinações e as especificidades que se expressam na realidade empírica, a partir das categorias analíticas construídas previamente ao Análise 75 trabalho de campo e buscando relações dialéticas entre ambas. Assim, realizei novas leituras das idéias centrais, gotejando os discursos com o intuito de apreender as estruturas de relevância das idéias centrais, para ampliar a interpretação das mesmas. Após essa interpretação, foram identificadas as subcategorias e os temas, o que permitiu a construção do Quadro nº 1, lembrando que: “os conhecimentos sobre os indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como ela é vivida e tal como ela é definida por seus próprios atores” (Polit, 1995:271). QUADRO Nº 1 O PACIENTE PORTADOR DE TCE DEVIDO A ACIDENTE AUTOMOBILISTICO Percepção dos cuidadores de referência Categorias empíricas 1. Os atores no processo de cuidar 2. Sentimento da família ante o portador de TCE 3. Transformação no processo de vida familiar Subcategorias / temas O cuidador - Recebendo a notícia do acidente - A chegada do familiar ao hospital - Recebendo a notícia sobre o paciente Deus presente no processo de cura. Visão em relação ao paciente - A UTI - Importância do paciente para a família - O portador de TCE e a família traumatizada Transformação pessoal na vida do cuidador - mudança na vida do cuidador de referencia O ato de cuidar no domicílio. - A chegada do paciente ao domicílio - O cuidar nos primeiros dias - O cuidar. - E a vida.... Transformações ocorridas e os novos paradigmas a enfrentar Análise 76 A análise foi organizada tendo como princípio gerador os discursos. Esse tear de idéias das entrevistas, bem como a leitura de autores que estudaram o tema, permitiram-me o retorno aos discursos e a produção da análise que traduz o encontro da especificidade do objeto, pela prova do vivido, com as relações essenciais da vida da cuidadora no contexto da família e nas múltiplas relações de subjetividade dos familiares com o evento do portador de TCE, seqüelado no ambiente familiar. Foi possível buscar, na história cultural, elementos constituintes do próprio fazer histórico da enfermagem exposto na análise. Análise 77 4. ANÁLISE O processo de mudança é um fenômeno fascinante, com uma variedade de idéias sobre como e o que constituiu a mudança no sistema família. Lorraine M. Wright As mudanças pelas quais passará a família de uma pessoa portadora de TCE exigem a adoção de uma visão crítica da nova situação vivenciada, pois novos comportamentos vão se associar ao cotidiano dessa família, os quais irão nortear e serão norteados por novas maneiras: “como pensar, falar e agir de acordo com determinada situação” (Saupeu 1994:31). Isso implica uma mudança muito grande para o grupo familiar. A doença como o TCE “pode exercer um impacto devastador sobre a vida das pessoas injuriadas e de sua família” (Mills, 1993: 565). O cérebro humano é que conduz o nosso dia-a-dia, as nossas vontades, motivações, habilidades cognitivas e sociais, e uma lesão craniana pode deixar seqüelas relacionadas a essas áreas, comprometendo a cotidianidade do portador de TCE e das pessoas que o rodeiam. A família, quando um de seus membros adoece, deve participar ativamente de todo o tratamento; sendo assim ela terá ação efetiva no cuidar. Se ainda na dinâmica hospitalar, no início do tratamento, ela participar desse processo, talvez possa contribuir mais para o tratamento. É fundamental considerar que a família “cada vez mais tem assumido parte da responsabilidade de cuidar de seus membros e, nesta perspectiva, necessita Análise 78 de apoio de profissionais” (Marcon, 1998:290), para dar conta das responsabilidades e da complexidade do cuidado no domicílio. Sem essa rede de apoio o cuidado pode não acontecer de forma efetiva e o familiar pode se tornar vítima oculta desta ação de cuidar. São várias as etapas que a família terá de enfrentar desde o recebimento da notícia do acidente, passando pelos momentos de hospitalização até o retorno ao domicílio e o prosseguimento da vida. Assim a vida que transcorria dentro de um contexto social de viver o dia-a-dia, de repente passa por uma transformação abrupta. O telefone toca, o policial avisa... e chega a notícia do acidente. Para entender um pouco dessa história, analisei os discursos das cuidadoras dos pacientes portadores de TCE com seqüelas moderadas, o que me permitiu compreender o assumir de uma cuidadora de referência e realizar ainda, reflexões a respeito desta nova situação a ser vivida. Para conhecer o perfil dos sujeitos da pesquisa, construí, após as entrevistas, um quadro para melhor visualizar e analisar as situações. Análise QUADRO Nº 2 PERFIL DA CUIDADORA DE REFÊRENCIA DOS PACIENTES PORTADORES DE TCE / HPSJXXIII Belo Horizonte, 2003 NOME GRAU DE PARENTES CO IDADE TIPO DE ATIVIDAD E Auxiliar de enfermage m Funcionária Pública IDADE DO PACIENT E anos E.C.G. (ocasião da alta na UCSI) TIPO DE OCUPAÇÃO DO PACIENTE RENDA FAMILIAR 19 9 Estudante de direito 6 23 10 trabalha com informática 5 ROSA Mãe 43 GIRASSOL Mãe 44 MARGARI DA Mãe 45 Do lar 22 9 Motociclista 4 CRAVO Mãe 44 Lavradora 21 12 Lavrador 1,5 JASMIM Filha 25 Auxiliar administrati vo 61 10 Trabalha em um sítio 1,5 ORQUÍDE A Esposa 28 Bordadeira 32 12 LÍRIO Irmã 31 Bilheteira 33 11 Fonte: salário mínimo vigente em Belo Horizonte 2003 - R$ 240,00 Mecânica de bicicleta Desempregad o 1 1,5 79 O fato de conhecer os sujeitos que fizeram parte da pesquisa abrilhantou esta análise. Os dados mostraram que 100% das cuidadoras de referência deste estudo são mulheres, e exerciam outra função além das tarefas domésticas. Coelho (2003) oferece argumentos para a análise da categoria de gênero, como sendo uma referência central para a compreensão do cuidado em saúde, ao afirmar: A definição de gênero como categoria de análise de fenômenos históricos e sociais foi elaborada pela historiadora norte-americana, Joan Scott, no início da década de 80. Para a autora, gênero é “um elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças anatômicas percebidas entre os sexos. Gênero é uma primeira forma de significar as relações de poder”. Machado (2002:24) corrobora a idéia quando afirma que, no final do Séc. XX, a entrada das mulheres no mercado de trabalho teve um impacto substantivo na construção das identidades e subjetividade femininas; assim, tanto para as mulheres que trabalham em casa como para as que trabalham fora de casa o trabalho aumentou. A faixa etária dos portadores de TCE foi considerada como critério por ser um dado importante no acompanhamento e cuidado hospitalar e no domicílio. Os portadores de TCE que participaram desta pesquisa eram pessoas que estavam em sintonia com o mundo do trabalho, da cotidianidade de uma existência; de repente tiveram de dar um tempo, só que como portadores de TCE não se define esse tempo. Outro dado importante é a avaliação neurológica a partir da ECG. Essa escala é um instrumento utilizado para avaliar a evolução neurológica dos pacientes e as possíveis incapacitações relacionadas ao trauma. Sustenta-se em três parâmetros independentes: abertura ocular, resposta motora e resposta verbal. Cada parâmetro recebe uma pontuação cujo total situa-se entre os valores de 3 a 15 de escore. Quanto menor o total de pontos mais grave é o grau do coma. Essa escala permitiu aproximar do instrumento que seria o ponto chave para a escolha do sujeito desta pesquisa: selecionamos pacientes com 9 a 12 de escore na ECG, por representarem TCE moderado; e iriam para o domicílio portadores de seqüelas e necessitariam de alguém para cuidá-los. Quanto ao tipo de ocupação exercida pelo pacientes é preciso aguardar o tempo, ele é que direcionará a atividade profissional do mesmo interrompida repentinamente. Quanto à renda familiar, é importante destacar que ela foi mencionada, porque alguns gastos extras aparecem com a doença, tais como: alimentação, medicação, fralda, locomoção, mas não apareceu como problema para nenhuma das famílias. Estas mulheres se desdobram e cuidam de seus parentes, colocamse em segundo plano e prosseguem o caminhar... GIRASSOL – Larguei tudo: trabalho, faculdade, e agora, no primeiro momento, no momento que ele tá precisando, então vou dedicar a ele. Estou me virando de todas as formas. Tiro licença é, até eu poder voltar a trabalhar. Se não conseguir licença mais, eu tiro licença sem vencimento. Mas agora ele precisa de mim, vou cuidar dele. MARGARIDA – Larguei o que eu estava fazendo e vim para o hospital com o meu outro filho, mas achei que ele estava morto. Essas mulheres possuem planos, expectativas, mantêm projetos. Mulheres jovens, em plena sintonia com a vida, com idade entre 25 e 45 anos. Mas diante de situação tão complexa elas tiveram de interromper parte de seus planos, e prosseguir na busca pela saúde de seu parente. Quando comecei a conversa com as cuidadoras, percebi a dor, o sofrimento, a esperança, a coragem, a fragilidade e a perseverança que elas relatavam ou manifestavam. Acreditam que tudo “acaba bem”. GIRASSOL – Eu acredito, sinceridade, que ele vai sair desta. Ele pode sair com alguma deficiência, com a auto-estima baixíssima, uma depressão horrorosa, mas eu acredito que ele vai sair desta e vai conseguir voltar a estudar”. (Ele é calouro de direito, iniciando sua busca profissional). Essa perseverança foi observada durante a formulação da análise, entretanto o estado de saúde do filho de Girassol complicou- se, o escore na ECG diminuiu, impossibilitando a volta ao domicílio. Até o final da análise, outubro/2003, ele ainda estava internado e com o acompanhamento hospitalar. Ela não desiste e acredita: ele retornará ao domicílio. A história começa assim: Recebendo a notícia... Receber a notícia de que “alguém” do grupo familiar está acidentado, ir ao local e verificar a cena é desafiador. Assim começam várias histórias que terão diferentes finais. Só temos uma certeza: é a repercussão da epidemia denominada trauma, que passa a exigir a reorganização da atenção pré-hospitalar, hospitalar e domiciliar. Essa notícia aparece como uma “bomba” e se a família não se estruturar poderá ocorrer alteração (permanente ou temporária) nas relações do grupo familiar. GIRASSOL – Eu estava dormindo sozinha, meu marido estava viajando, eram quatro horas da manhã. A polícia me avisou que havia acontecido o acidente com o A. Peguei o carro e fui para o local, pedindo a Deus força. Quando cheguei lá não acreditava que meu filho estava vivo, o carro acabou. Os dois colegas estavam estendidos no chão, passa a mão no cabelo, pensei que meu filho era um deles... após a descrição das roupas pude constatar que o meu filho era o único sobrevivente e que havia sido o transportado pelo resgate. MARGARIDA – Ele tinha ido para o jogo; era domingo, fim de tarde, quando recebemos a notícia que R. havia batido com a moto, que já havia sido encaminhado ao Pronto Socorro pelo resgate. Meu marido foi para o local do acidente, precisa de alguém para rebocar a moto e eu fui para o hospital. CRAVO – Eu tava em casa, ele pegô a moto e foi pegar um dinheiro emprestado para o pai ele havia pago uma dívida neste dia; como o pai estava precisando ele ia novamente pedir o dinheiro, aí chegou a notícia que se deu o acidente. Nós quais morreu de susto, a família toda. LÍRIO – Estamos no AA, eu é que levo, ele é alcoólatra. Estava na hora da reunião, ele tropeçou e caiu, bateu a cabeça no chão, não deu outra, desmaiou na hora, foi horrível, chamado o resgate, levaram ele para o Pronto Socorro. JASMIM – Ele estava passando pela rodovia da Cia. Rio Doce. O senhor falou que dava tempo de passar. Só que uma máquina entrou em movimento houve o acidente, posteriormente ele bateu a cabeça no trilho. ORQUÍDEA – Ficamos sabendo por um amigo, a moto bateu e ele precisava de um hospital em Belo Horizonte, nós somos de Conceição do Mato Dentro. A notícia recebida pelos familiares e amigos passa a exigir de todos uma imediata reorganização das relações no grupo familiar. Assim as cuidadoras falaram sobre o momento em que elas viveram a cena, expressando o seu sentimento. Através da fala dessas mulheres, observa-se o movimento de mudança que ocorreu na vida de cada uma, nas vidas transformadas de maneira abrupta, e que se reflete nos gestos, em cada lágrima em cada olhar. Ao escutar o relato das cuidadoras, às vezes as emoções delas se misturavam com as minhas, tamanha a sinceridade que elas revelaram em suas falas. E elas me perguntavam: por que esta entrevista não acontece antes, pois precisamos de um momento para tentar compreender o que é isto que se passa com as nossas vidas” (Diário de campo, página 26). Apesar dos problemas do mundo, as pessoas estão articuladas e tentam sobreviver mesmo que o momento represente uma catástrofe. Através das falas das entrevistadas e da minha experiência em trabalhar no setor de pessoas em situação crítica, pude refletir a respeito das tecnologias utilizadas nestes grandes centros, deixando muitas vezes esquecida a atenção aos familiares. A chegada do familiar ao hospital. Hospital é um local onde se reúnem recursos para cuidar do ser humano atendendo a todas as suas necessidades e demandas. A enfermidade arranca bruscamente a pessoa do seu meio e de sua família, leva-o a um hospital talvez pela primeira vez e, no caso de acidente, de maneira inesperada. GIRASSOL – Cheguei ao hospital ele estava na sala1, num canto, com um respirador, ainda sujo, foi horrível, eu cheguei perto dele e conversei com ele, dizendo que ele dava conta, o médico chegou a me dizer que ele não estava escutando, conversei assim mesmo, acreditava que ele ia viver. MARGARIDA – Ele estava no RX, só vi o pé brando... pensei que havia morrido. LÍRIO – Cheguei com ele, tudo é muito rápido, eu fiquei fazendo a ficha e ele foi levado para aquela sala... lá é muito triste. Vivenciar este momento do primeiro contato efetivo com o seu parente acidentado, principalmente em um hospital destinado a atenção de urgência e emergência é um acontecimento marcante para uma família. Quando ela chega principalmente em uma sala de politrauma, já se instala um momento de angústia: esta sala sempre está superlotada, pois a demanda ultrapassa a capacidade hospitalar; “o hospital, de fato, tem funcionado como o ‘centro de saúde’, algo como um ‘buraco negro’, que atrai uma grande demanda ‘distorcida’, que acaba sobrecarregando todos os serviços” (Cecílio, 2000:4). O movimento acima da capacidade nos hospitais dificulta a equipe a prestar assistência aos familiares, mas o hospital conta com o profissional assistente social que é a referência para os familiares no que diz respeito às questões sociais. Por ser um local de atendimento de “porta aberta”, muitas vezes o portador de um agravo fica no setor de observação imediata por horas ou dias até conseguir um leito para sua internação no próprio hospital ou sua transferência para uma outra instituição, o que causa maior expectativa no familiar quanto ao prosseguimento da assistência. E o faz esperar ansiosamente pela transferência. Recebendo a notícia sobre o paciente. Receber a notícia não é um bom momento, pois há muitas contradições e incertezas sobre a vida da pessoa nas primeiras horas após o acidente. O trauma craniano representa uma situação de risco de morte e uma imprevisibilidade de controle e, às vezes, de planejamento para as famílias. ROSA – Ele teve um traumatismo craniano gravíssimo, que no princípio, os médicos não estavam acreditando que ele ia sobreviver, sinceramente. Agora que já passou, os médicos chegaram a dizer que não dava 12 horas de vida para ele. Foi complicado, teve SARA, abscesso pulmonar, depois evoluiu para um pneumotórax, em resumo: era gravíssimo, continua grave, mas melhorou em vista do dia que ele entrou no CTI ele sobreviveu de novo. GIRASSOL – No primeiro momento foi colocado que era uma doença gravíssima e que possivelmente poderia vir a óbito e que se caso acontecesse dele viver que é muito difícil, seria todo sequelado. Foi a primeira informação que eu tive. MARGARIDA – Não sei praticamente nada. Falou que é TCE grave. O quadro dele, o diagnóstico, TCE grave, traumatismo craniano encefálico, muito grave. Primeiro a tomografia o médico achou que tinha constatado uma fraturazinha no crânio, mas depois, foi constatado que não. Que era um pequeno coágulo e, graças a Deus, não houve fratura, mas traumatismo cranioencefálico grave. CRAVO – Falou que através dele ter batido, é uma doença muito complicada. E aí no que ele falou, falei: é essa doença é muito complicada, mas, pra Deus não tem nada impossível. JASMIM – O que me assustou muito da doença, nem foi a cirurgia, que eu sei que ele estava nas mãos primeiro de Deus, depois de um grande médico que foi o Dr. Flávio, agora o que me assustou mais foi o coma e assustou não só a mim todo mundo da minha família e todo mundo que conhece meu pai. ORQUÍDEA – Ele teve um traumatismo craniano gravíssimo que no princípio os médicos não estavam mesmo acreditando que ele ia sobreviver. Foi terrível. LÍRIO – O médico disse que era gravíssimo, necessitava de uma cirurgia urgente na cabeça. A expectativa que se cria em torno da notícia do acidente de uma pessoa da família é algo assustador; um misto de querer ouvir e não querer perceber, um conflito interior muito grande. Há sempre um familiar que deseja escutar uma “boa notícia“ nesse momento. São pessoas que representam muito na vida dos grupos. Coutinho (1998) e Coutinho (2003) afirmam que, no Brasil, o TCE atinge principalmente a faixa etária produtiva de 15 - 24 anos, sendo o acidente de trânsito responsável por cerca de 60/70% dos casos de TCE grave. São jovens, com futuro promissor, exemplo claro do filho de Rosa, que se acidentou indo para a faculdade de direito onde estava cursando o 1º ano. Com tantos problemas a família se apega a Deus, à fé, o que é revelado nos discursos a seguir. DEUS presente no processo de cura. ROSA – ...acredito em um milagre. Já houve um milagre por parte de Deus para ele. Eu acredito que ele... é lógico, ele vai ter alguma deficiência, mas nós vamos trabalhar em cima disso. Bem, graças a Deus a gente mora em casa numa casa em que ele tem o quarto dele sozinho. Banheiro a gente tem dois na área e um dentro de casa, dependendo do grau, vamos supor que ele não vai andar, mas eu acho que ele vai andar por que ele tem movimento, tá? Se for preciso, a gente adapta esse banheiro da área dentro do quarto dele. Eu não sei como ele vai ficar, talvez tenha que mudar de cama, alguma coisa assim , e ficar por conta dele. Eu acredito que ele vai sair desta; ele pode sair com alguma deficiência, com a auto-estima baixíssima, uma depressão horrorosa, mas eu acredito que ele vai sair e vai conseguir voltar a estudar. ...tem vizinho bisbilhoteiro. Aqui eles já falaram de amputar a perna dele na realidade amputou os artelhos do membro inferior direito, isso e aquilo ele vai viver como um vegetal e assim por diante, a gente tem que tolerar tudo isso. A minha menina de 11 anos escuta tudo isso; é um terror. Vou conseguir, eu tenho fé em Deus. GIRASSOL – No primeiro momento quando fiquei sabendo, eu coloquei nas mãos de Deus e disse: Deus é maior e ele está mostrando que é maior. ...da melhor maneira possível, todas as pessoas conhecidas, amigos, tão dando o maior apoio, então agradeço a Deus demais por isso, pela vida que ele devolveu para ele, por que ele renasceu de novo, ressuscitou, ele é o exemplo puro de bondade do poder de Deus. Então a família tá assim: todos nós estamos ansiosos que ele volte rápido. É tudo. MARGARIDA – Não sei praticamente nada. Falou que é TCE grave, ... traumatismo craniencefálico grave, muito grave. Primeiro a tomografia o médico achou que tinha constatado uma fraturazinha no crânio, mas depois, foi constatado que não. Que era um pequeno coágulo e, graças a Deus, não houve fratura, mas traumatismo craniencefálico grave. ....parece que Jesus me concedeu um milagre. CRAVO – Falou que através dele ter batido a cabeça muito complicada. E aí no que ele falou, falei: é essa doença é muito complicada, mas pra Deus não tem nada impossível. ...é eu fico pensando assim: se ele ficar com algum problema, o que é que nós deveria fazer, mas eu penso assim. Seja o que Deus quiser. Eu cuido dele com toda a paciência. ...Pensando Deus me dar força, saúde, que possa guentar tudo isso. E Deus dá força os outros irmãos para nós podê trabaiá pra tratar dele. JASMIM – O que me assustou muito da doença, nem foi tanto a cirurgia, que eu sei que ele estava nas mãos primeiro de Deus, depois de um grande médico que foi Dr. Flávio. Agora o que me assustou mais foi o coma, e assustou não só a mim, todo mundo da minha família e todo mundo que conhece meu pai. ...Mas não o é, o pai, ele é uma pessoa assim fundamental. Uma pessoa que nunca aceitou uma mentira sempre ensinou o caminho correto, do bem e...nossa! acho que o nosso amor, primeiro o amor de Deus, depois o nosso amor que tá fazendo tudo funcionar. ORQUÍDEA – Eu estou pensando assim que os familiares dele vão me ajudar, que graças a Deus eu vou ter o apoio deles para me ajudar. LÍRIO – ...Deus vai ajudar. Este subtema “Deus presente no processo de Cura”, aparece na fala de todas as cuidadoras, e deve ser tratado como auxílio ao diagnóstico, por entender que a fé faz parte da vida dessas pessoas, são seus valores, hábitos sociais e familiares. Independentemente da religião (católica, evangélica, batista, etc), estas mulheres acreditam em um “Deus” e apóiam-se nele como auxílio para a vida delas e do paciente que necessita. A religião deve contribuir como suporte terapêutico nesse momento de vida, mas não se pode esquecer da razão. A carta encíclica “Fides et Ratio” (1998:66) contribui com este pensamento citando uma passagem em que Santo Tomás coloca que a fé não teme a razão e sim aperfeiçoa a razão; esta é iluminada pela fé, fica liberta das fraquezas e limitações. Seria bom portanto orientar as famílias sobre a importância de acreditar sem perder a racionalidade. A religião influencia o modo de pensar das pessoas. (Wright, 2002:82) destaca: a avaliação da influência da religião é mais crítica no momento do diagnóstico ou de doença com potencial risco de vida. A avaliação é especialmente relevante quando existe uma crise como morte traumática causada por um acidente automobilístico, violência ou abuso. É um dos pontos de sustentação de um grupo familiar no momento de dor.Citando novamente a encíclica “Fides et Ratio”, nela há também uma passagem em que se coloca “quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo, tanto mais conhece a si mesmo na sua unicidade se tornando cada vez mais premente a questão do sentimento das coisas e da sua própria existência; portanto, o que chega a ser objeto do seu conhecimento, torna-se parte da vida. Sendo assim, lidar com a fragilidade de estar envolvido em situações de doença, exige uma razão muito grande, para não acreditar somente na força de” Um ser maior”. Isso posto, podemos avaliar a importância da espiritualidade, da fé para as cuidadoras, pois a religião é um apoio e a família tenta encontrar através dela “um significado em seu sofrimento e desconforto” (Wright, 2002:85) e aceitar as transformações impostas pela vida. A UTI Quando o paciente é transferido para a UTI no hospital João XXIII, a família começa a reorganizar as idéias, pois eles acreditam na “salvação e milagre do setor”. A “UTI centraliza os doentes em estado crítico, na tentativa de melhorar a assistência a eles prestada”, como descreve Domingues (1999:9). Sendo assim, “a criação da UTI surgiu da necessidade de centralizar recursos humanos e equipamentos, com o objetivo de prestar um atendimento adequado a pacientes graves” (Santos, 2001:1115), mas acreditamos que sua função vai além dessas definições, pautadas em conhecimento e humanização da equipe, não em realizar milagres. ROSA – Esperei muito o CTI, aqui tem tudo. GIRASSOL – Eles nem queriam trazer para o CTI, era muito grave. MARGARIDA – aguardamos o CTI vários dias. É importante destacar que embora as tecnologias apontem para vários caminhos, até mesmo para uma reflexão ética, é através delas que a sociedade se organiza e prossegue o caminhar utilizando as mudanças que advêm das mesmas, as que ajudam hoje a cuidar de pacientes que estão seqüelados e antes morriam por falta de cuidado e conhecimento de uma equipe. Cecílio14 (2003), ao destacar a importância das tecnologias em saúde, descreve três delas: tecnologias, leves, duras e leve-duras. Ainda é predominante no setor saúde e muito especialmente nos serviços de tratamento intensivo o uso das tecnologias duras, e a sustentação de seu valor deve ser enfatizada. No entanto, os dados das entrevistas revelaram a importância e a necessidade de se intensificar o uso das tecnologias leves, as quais podem orientar e sustentar as relações de subjetividade, fundamentais para estabelecer a ação comunicativa não só com o portador de TCE, mas muito especialmente com os familiares. Apesar da tecnologia de ponta, a atenção aos familiares do paciente de TCE ainda deixa a desejar, pois a “enfermeira que trabalha dentro de uma UTI também sofre reflexos desse contexto e pode experimentar uma variedade de situações estressantes relacionados ao estado crítico dos pacientes” (Wrigth, 1999:40). Em meio ao estresse gerado pelo modelo de assistência na UTI, a família fica secundarizada, e o enfermeiro se esquece de que esta pode ser um forte aliado no tratamento. A Importância do paciente para a família Todos nós fazemos parte de uma família, sendo assim, quando um “trauma” acomete um de seus integrantes o grupo fica fragilizado. ROSA – Olha, nós somos em quatro pessoas: ele, a irmã de 11 anos, o pai e eu, a mãe. Todos nós somos importantíssimos, qualquer um é como se fosse um braço, uma perna da família. Ele é muito importante. 14 Tecnologias duras - aquelas ligadas a equipamentos, procedimentos; tecnologias leve-duras: aquelas decorrentes do uso de saberes bem estruturados, como a clínica e a Epidemiologia; tecnologias leves: aquelas relacionais, no espaço intersubjetivo do profissional de saúde e paciente. GIRASSOL – Representa tudo, tudo. Então para nós é tudo. Nós somos quatro. Tenho uma filha de 19 anos que mora em Portugal, em casa somos agora nós três. MARGARIDA – Ele é muito importante, ele é meu segundo filho, embora ele sempre foi o filho mais levado, mais aventureiro. Ele é muito importante para gente. Quantos filhos a senhora tem? Eu tenho cinco e todos moram comigo. CRAVO – Ai, eu acho ele muito importante. Que ele é muito bediente, ele assim sempre cuidou de ajudar o pai. Trabaia, cuida da casa como agora, nós construiu uma casa. Ele largou tudo o dia inteiro, ele tava rebocando, tadinho. Aí ele começou o namoro e tá falando de casá. Oh! filho agora você pára de ajuda nós, por que se tem que fazer pra ocê. Aí, conteceu esse acidente com ele, mas, mesmo assim ele ajuda ainda nós. JASMIN – Nossa! Muito grande! É um suporte, é um apoio, é uma pessoa responsável. LÍRIO – Ele é muito importante é o homem da casa; sou eu, ele e mamãe. É fundamental reconhecer que a família “tem um papel significante no restabelecimento e na manutenção da saúde” (Altoff, 1998:321). É necessário que a equipe multiprofissional de saúde valorize e apóie os familiares, considerando que eles são os mais fortes aliados no período do tratamento, pois o fato de o cuidador acompanhar cada passo, cada mudança no prognóstico do portador de TCE deverá ajudá-lo a entender parte do que se passa. Os depoimentos constantes nesta pesquisa revelam uma série de contradições vivenciadas pelos integrantes da família. São contradições que acontecem no caminhar da doença. Como a família é um grupo, sempre existe um cuidando do outro. Por meio dessas entrevistadas, percebe-se como o grupo se desarticula quando um de seus componentes se desloca por uma causa, como uma enfermidade. A minha experiência permite reconhecer que a evolução do paciente portador do TCE passa por mudanças importantes em todo o seu quadro clínico. Evolução às vezes arrastando-se na defesa da vida. Essas mudanças geram enormes expectativas para a família que com o tempo, passa a compreender a gravidade do parente e a nova realidade a ser vivida; que vai muito além do impacto do acidente e da possibilidade de vida, a instalação da(s) seqüela(s). É nesse momento de profundas e intensas modificações que as famílias passam a conviver com uma nova realidade; as transformações pelas quais passa o portador de TCE e vão lhe configurar um novo estilo de vida. As novas condições do portador de TCE têm repercussões importantes no grupo familiar. Parece ser neste intenso movimento que vai se definindo o papel de cada um dos integrantes da família, incluindo a definição de quem será o cuidador de referência. A mãe é quase sempre a primeira a se destacar para esta tarefa. O portador de TCE e a família traumatizada. Processar este momento, a adversidade do trauma, não é fácil. Vivenciar a nova situação traumática que está acontecendo e a expectativa de mudança na evolução do portador de TCE exige do familiar e do possível cuidador uma postura que, às vezes, não é a desejada. Assim os familiares se expressam muitas vezes como podem, revelando conflitos e muitas expectativas, como expresso nos discursos a seguir. ROSA – Um pesadelo, um pesadelo muito grande, já vai para quantos dias, já perdi a conta... MARGARIDA – Agora, até que ele já voltou a si, já tá consciente, tá conversando mal, mas tá. Ainda não voltou bem a consciência dele, mas, já tá reagindo assim, já conhece, tem hora que lembra de alguma coisa, outra não. Tá muito confuso ainda, inclusive a primeira pergunta que fiz para ele, foi “onde que ele estava” ele falou que ele estava no cemitério. Isso aí abalou a gente, sabe? A gente ficou muito triste com esta resposta dele. E então, mas, a primeira semana dele foi dolorosa. Um dos primeiros dias ... ele ficou sete dias em coma. Ele teve um acidente no domingo depois do jogo. E ficou até na quinta-feira, e ainda coma induzido. Aí, na quinta-feira, o médico falou “comecei a tirar o medicamento sedativo dele”. Só que até no sábado, ainda não tinha voltado a consciência, não tinha acordado. Aí, no sábado, eu já estava desesperada. A partir de domingo parece que Jesus me concedeu um milagre. Cheguei aqui no domingo ele já estava acordado, e assim, voltando a consciência, mais ou menos. Por enquanto ele ainda não tá bem. CRAVO – Ah! Tá uma tristeza. Contanto meu marido veio aqui ele nem aguentô. Ele veio dois dias e nem aguentô assim apaixonado. Lá em casa ninguém come. Eu também, pergunta ela, eu não tenho sono, eu não como. Tenho aquela tristeza. Muito obediente ele, e assim. Nunca me respondeu, e assim: tudo trabaiador, chega aquele tanto assim na hora de jantar, noutro dia eles vai quatro hora pro serviço me abalou demais. Pra mim assim eu tô na escuridão. JASMIM – Está sendo uma coisa assim muito traumatizante. Uma pessoa que nunca teve nada. Antes dele casar com minha mãe, ele sofreu um acidente. Também tava próximo a um caminhão, o pneu tava sendo trocado, estourou, então ele praticamente quase perdeu o pé . Teve que fazê uma plástica. Mas isso há muitos anos e depois disso nunca mais. Uma pessoa que nunca foi internada, nunca teve nada de saúde, nada. Então de uma hora pra outra, imagina, aí acontece uma coisa dessa. Então a gente não sabe, assim, o que, que pode ficar depois. Mas o que incomoda mais é a falta que ele tá fazendo. Você vê, são o quê: quase uns quarenta dias no hospital. ORQUÍDEA – Difícil, difícil para melhor por que ele já está recuperando, então... LÍRIO – É um tormento, eu já cuidava dele, ele é alcoólatra, está freqüentando o AA. Estando atuando neste ambiente de UTI, é muito importante que a equipe multiprofissional mantenha-se em comunicação permanente com a família para que esta possa ter as informações que lhe permitem acompanhar a evolução do estado clínico e das condições vitais do seu familiar e amenizar a difícil tarefa de aguardar uma evolução que depende das condições do indivíduo em responder ao tratamento das afecções cerebrais e de outros órgãos que possam estar acometidos. Depende ainda de prevenir as sequelas. Muitas vezes a evolução é lenta, o que requer o estabelecimento de novas relações a cada momento entre a equipe multiprofissional e a família. Nessa fase, a utilização máxima das tecnologias leves é de fundamental importância. Aqui fica explícito o valor das relações de intersubjetividade com o portador de TCE, os profissionais os familiares. Portanto, é necessário considerar que ...qualquer alteração que tenha ocorrido na evolução clínica do paciente deve ser comunicada ao médico assistente. Lembrese de que ele é seu parceiro e, muitas vezes, o elo entre a equipe da UTI e os familiares. Procedendo desta maneira, você assegura que o médico assistente e os próprios familiares estejam a par da evolução, e cientes de que condutas adequadas estão sendo adotadas (Coelho et al., 2001:79). A família deve ser alertada para o momento da alta do portador de TCE. Deve ser informada sobre o tipo de seqüela e sobre os cuidados requeridos, para que seus membros possam organizar-se para realizá-los no domicílio. Esses cuidados, em alguns casos, a família precisará aprendê-los; contudo, mesmo na dor, ela não abandona o barco. Posiciona-se e segue em frente. É nesta fase que antecede a alta que situações conflituosas aumentam: um misto de olhar sem ver, acreditar sem desacreditar, sonhar sem tirar os pés do chão. São as contradições presentes na história de cada cuidadora, um movimento dinâmico interior para poder viver a vida. Nessa fase, é importante procurar amenizar a situação: “durante as visitas, a equipe (médicos e enfermagem) deve permanecer ‘visível’ ou facilmente alcançável” (Conceição, 2001:83), captando as contradições que se revelam e orientando o familiar sobre as dúvidas que se impõem nesse momento. Mudança na vida do cuidador de referência Assim que o processo se instala – a gravidade do caso, o saber real / o saber imaginário, as contradições –, revela-se para a cuidadora de referência um futuro incerto. A partir das falas dessas entrevistadas podemos captar as mudanças em relação à vida pessoal de cada uma delas. ROSA – Eu acho que paralisou tudo. A minha vida, a dele, a de todo mundo. O pai trabalha fora, sempre viajou. Eu sempre tomei conta de meus dois filhos. Então, agora eu fico dividida.Eu ainda moro em outra cidade, trabalho lá 12horas e folgo 60horas, é a conta de chegar em casa preparar alguma coisa para minha filha comer de qualquer jeito. Eu estou largando tudo para vim ficar com ele. Volto para casa durmo com ela de noite. Eu no momento não tem importância, tenho que cuidar da minha saúde, comer direito, eu tenho que procurar dormir; é pouco mas tenho que procurar dormir porque eu não posso baquear agora . GIRASSOL – Ah! No primeiro momento eu estou olhando ele mesmo e depois eu vou ver. De acordo com as necessidades dele é que eu vou ver como é que vou organizar a minha vida agora, por que a minha anterior acabou. Então não tem como eu viver como eu vivia antes, então, a partir de agora é que vou ver a convivência dele em casa, no tempo que vou dedicar para ver como que vou organizar a minha vida particular. Mais em cima da vida dele ali. Então, ele e as outras coisas, vou organizando para se ajeitar, mas primeiro ele. MARGARIDA – A minha vida parece que vai ficar um pouco parada. Enquanto eu tiver, vou me dedicar a ele. Então na minha vida eu não tô pensando muito não, mais é nele mesmo. CRAVO – Pensando Deus me dar força, saúde, que possa guentar tudo isso. E Deus dá força os outros irmãos pra nós podê trabaiá pra tratar dele. LÍRIO – Meus projetos pessoais vão parar, até a gente vê o que vai dar. Por mais que se não queira, o cuidar de um familiar doente se traduz em mudanças, principalmente, na vida de quem cuida. Conforme os discursos mencionados, as mulheres, após viverem a adversidade do acidente, se tornarão cuidadoras de referência para o paciente e todo o seu grupo familiar. Para elas, a vida neste momento se resume em cuidar. As suas questões pessoais são colocadas em segundo plano. Assim, tão logo acontecer a melhora do seu parente, ela poderá voltar a pensar em si própria. As mudanças que ocorrem na estrutura domiciliar devem resguardar o cuidador para que ele não se torne vítima do seu ato de cuidar, além de suportar o enorme problema. Este cuidador é portador de uma vida pessoal. O ato de tornar-se cuidador de referência produz algum comprometimento da vida pessoal, da vida afetiva e até mesmo das condições financeiras. Mas é oportuno lembrar que, em momento algum, “o ato de cuidar” se torna um impedimento para prosseguir a vida; o que pode acontecer ao longo do tempo é um cansaço. Marcon (1998), citando Goldstein Regnery (1981), afirma que é comum o aparecimento de fadiga, uma vez que normalmente, soma-se ao papel de cuidador uma série de outras atividades que a pessoa precisa continuar desenvolvendo. Isto foi percebido na prática quando visitamos a Margarida e a Girassol um mês após a alta hospitalar; elas já conseguiam realizar o cuidado no domicílio e reestruturar a suas vidas pessoal e em família. Girassol havia retomado parte de suas atividades, que é a Faculdade de Educação, pois se não retornasse poderia perder o semestre letivo. Contudo, temos de apoiar essas cuidadoras porque as novas responsabilidades que elas assumirão, irão ao encontro de outras atividades familiares, profissionais, sociais, conjugais, para que elas não se tornem cuidadoras sobrecarregadas e com possíveis adoecimentos. O ato de cuidar no domicílio, locus do cuidado O domicílio como espaço de cuidar desde o nascimento até a morte. Quando essas cuidadoras começam a pensar no retorno do seu parente/ familiar ao lar, em situação de dependência, elas sabem que vão “dar um tempo” em suas relações pessoais, para cuidar de quem mais precisa. Nesse momento, elas se preparam para o acontecimento esperado, a alta hospitalar. Em casa o seu parente/paciente ficará mais próximo de toda a família, de seus amigos e de seu cotidiano, agora alterado. As cuidadoras entendem a ida para casa como um benefício para seu familiar, e isto deverá ser realmente benéfico para ele, conforme se vê pelos depoimentos: ROSA – No caso, serei eu com certeza, eu vou cuidar dele, depois que tiver ultrapassado todos os recursos hospitalares; do jeito que ele ficar (que eu não sei) espero... acredito em um milagre. Já houve um milagre da parte de Deus para ele. Eu acredito que ele, é lógico, ele vai ter alguma deficiência, mas nós vamos trabalhar em cima disso. GIRASSOL – Ah! No primeiro momento eu estou olhando ele mesmo e depois eu vou ver. De acordo com as necessidades dele é que eu vou ver como é que vou organizar a minha vida agora, porque a minha anterior acabou. Então não tem como eu viver como eu vivia antes, então, a partir de agora é que vou ver a convivência dele em casa, no tempo que vou dedicar para ver como que vou organizar a minha vida particular. Mais em cima da vida dele ali. Então, ele e as outras coisas, vou organizando para se ajeitar, mas primeiro ele. MARGARIDA – Agora, eu pretendo dedicar meu tempo que for preciso para a recuperação dele. Para ajudá-lo, vou arrumar o quartinho para assim ele ficar confortável para atender todas as necessidades que ele tiver na sua enfermidade. CRAVO – È, eu fico pensando assim: se ele ficar com algum problema, o que é que nós deveria fazer. Mas eu penso assim: Seja o que Deus quiser. Eu cuido dele com toda a paciência. Que ele ajudou a criar seus outros irmãos, então eu largo tudo, modo de cuidar dele. Por que vale a pena cuidar dele. JASMIM – Ele vai voltar para o interior, nós estamos pensando em mudar algumas coisas igual por exemplo: o quarto vai ter que ter espaço, então a gente tá pensando em passar para um espaço maior, uma cama de solteiro que é muito difícil cuidar de um paciente na cama de casal , até você dá a volta. Vai ter que mudar alguma coisa lá para recebê-lo. Agora, o que me preocupa, Marta, é a questão do...é essa questão do enfermeiro, do banho. Porque no hospital dá o banho na cama, mas em casa, para mim dar banho, tenho ...até eu virar a pessoa, mesmo que eu coloco um plástico eu penso em tudo, eu fico esquematizando. ORQUÍDEA – Vou cuidar. A partir do momento que você casa com a pessoa, você é mãe dele e ele é sua mãe. Então a gente cuida como se fosse um filho; no caso se fosse eu, ele ia cuidar de mim como no caso eu vou fazer com ele. LÍRIO – Levar para casa, procurar ajuda em um posto de saúde para nos orientar, falta dinheiro ... vamos ter muito cuidado no que ele precisar. O cuidado desenvolvido no domicílio, segundo Sena (2000:545), sempre existiu, desde o início da era cristã quando as pessoas doentes eram tratadas em casa, freqüentemente por uma mulher – mãe, familiar ou pessoas da comunidade. Assim, o domicílio sempre foi o espaço do cuidar, do nascimento até a morte. Dessa forma, após passar pela etapa da hospitalização, é chegada a hora do retorno ao local de origem, o domicílio. Pode-se perceber que este momento é marcado pela preocupação, arrumar o ambiente, arrumar um novo lugar para o “novo” familiar. Outra preocupação que se faz presente é com a organização do tempo, pois, além das tarefas anteriormente vividas, agora a cuidadora acrescenta mais esta que não pode ser realizada de qualquer jeito. O Cuidar, segundo Boff (1999:96), contribui para essa preocupação: “cuidar é mais que um ato é uma atitude, assim”. Cuidar é entrar em sintonia com as coisas auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com ele. Isto contribui para que o cuidado possa ser realizado em sua totalidade. As cuidadoras se anulam quando passam a viver a vida do ser cuidado. Nas entrevistas elas não falam delas. Elas colocam-se claramente à disposição para serem cuidadoras, com todas as suas potencialidades voltadas para o ser cuidado. Contudo, como ser humano, esta “cuidadora” vive em sociedade, estabelece relações com pessoas, em determinados momentos, aparece e destaca a necessidade de cuidar de alguém. Ela se anula, pois “cuidar faz parte das necessidades de sobrevivência da vida Humana” (Capella, 2002:16). A chegada do paciente no domicílio É no domicílio que as primeiras relações se estabelecem, este momento da chegada é muito conflituoso, pois o paciente está voltando a um espaço que é seu, mas que nesse momento ele desconhece. Assim a família pode apresentar necessidade de expressar de alguma forma esta angústia e ansiedade, mas esse momento é de muita felicidade. GIRASSOL – Expectativa muito grande, todos estavam esperando, assim que ele estava de alta né, ele queria ir embora. Aí, todos estavam ansiosos com a chegada dele, a minha preocupação era as escadas para subir para ir ao quarto; ele estava bem mas fraco para andar. Ai, Deus ajudou e cheguei aqui. Foi tranqüilo, um segura de um lado, o outro segura de outro lado, foi pro quarto. Parei de trabalhar, larguei faculdade, estou fazendo Veredas. O estado pagou para nós, eu fiz vestibular e passei, tô no 4º ano, abandonei tudo e fiquei por conta dele. É a primeira vez que ele precisou de mim, até então não tinha adoecido, com 23 anos de idade nunca adoeceu, só doença de criança. MARGARIDA – A chegada foi muito boa, a família fica na expectativa dele voltar para casa, muito bom saber que está em condições de alta, melhorando, conversando, bastante confuso mas conversando, alimentando bem, graças a Deus , muito bom a volta dele para casa. A volta é sempre uma expectativa, é o momento de ver se vai dar certo, em cada família se processa de forma diferente, não podemos trabalhar no contexto único. O cuidar nos primeiros dias. As famílias se organizam, cada um faz o que pode, mas a cuidadora de referência é quem direciona todo o tratamento, assume realmente o cuidar do paciente, desde o banho até a alimentação passando pelas trocas de curativos; elas se cansam, mas não desistem, utilizam o senso comum para desenvolver algumas ações, o seu dia-a-dia. GIRASSOL – Ah! Na primeira semana foi muito difícil para mim. Eu fazia a dieta de hora marcada, então sem ter costume, eu dava a dieta, fazia tudo no liqüidificador, passava pela sonda. Aí, para a dieta ficar mais forte e ele recuperar mais rápido, passava pela seringa, pois podia ficar mais grossa (sopa, vitamina). Aí então era essa correria, fazia de hora marcada para cumprir os horários; a escara que tinha que cuidar, banho, eu fui treinada no hospital, mas fiquei com um medo danado de não dar conta, fiquei apavorada, jamais poderia saber que uma ferida daquele tamanho, não doesse, e hoje, ele diz que não dói. No primeiro momento parece que tá doendo demais, aquela “coisa“ aberta sangrando, levei um susto danado, achei que não ia dar conta de cuidar, o aparelho tem que tirar o macho para lavar e limpar, mas dói em mim. Depois foi tranqüilo, acostumei; tudo foi tranqüilo, a escara está quase fechada. Ele fica no sol, faço curativo com Dersani. Tô usando Dersani até hoje, esta pequenininha. MARGARIDA-– Ah! Um pouco mais preocupante foi a escara da região sacra, já estava melhorando, mas como escara é uma ferida que custa a cicatrizar, ainda está precisando de curativo duas vezes ao dia, mas o resto foi tudo normal. Eu cuidei da escara, eles me encaminharam para o posto de saúde que me orientou a usar Furacin ou Kollagenase pomada, colocar duas vezes por dia, lavar e limpar bem, só isso. Banho ele tomava sozinho, andava, não foi muito difícil, não.. O cuidar... É fundamental entender que, para ser felizes dentro dos hospitais, precisamos ter certeza de que a nossa missão, como seres vivos, é cuidar de alguém, das pessoas, é cuidar da vida. Maria Júlia Respaldadas por este pensamento é que devemos direcionar o nosso olhar para quem cuida, pois é chegada a hora de continuar a caminhada, viver as transformações que ocorreram em tão poucos meses, mas que foram de uma profundidade incalculável. Chegou a hora de cuidar, as mudanças na realidade de vida destas pessoas ensinaram-nas a serem diferentes, viver a transformações, os conflitos já existentes e os que irão surgir; são mulheres maravilhosas, mães, esposa, filha irmão que acreditaram, que continuam vivendo sua história, cuidando em seus domicílios. GIRASSOL – Cuidar em casa requer responsabilidade demais da gente, não só como mãe, mas como cuidadora, a gente tem que ter aquela responsabilidade, o cuidado. Mesmo a gente sendo humilde, o que não pode faltar é higiene; cumprir os horários que são passados para a gente e fazendo modificações que a gente achar necessária para ajudar no tratamento, por que tem hora que a gente precisa fazer, faço muito da minha forma. Me deram a idéia de colocar sustagem na dieta, aí passei usar, tem que ter paciência demais, dedicação, no momento tem que deixar mesmo, se isolar para cuidar daquela pessoa, por que requer muita atenção.Tem que ter esta disponibilidade, paciência mesmo e acima de tudo o amor, não só de mãe, mas amor com o ser humano. MARGARIDA-– A gente cuida com amor... carinho, dando tudo da gente na melhor das intenções para melhorar a situação deles, preocupada, de vez em quando pede orientação no posto, outras vezes utiliza o que a gente sabe, não foi difícil por que ele chegou andando, conversando, tomando banho sozinho, com a mão direita paralisada, mas dava; o rosto também estava paralisado do lado direito, não sei se é seqüela do trauma ou se foi a lesão do tendão da mão. Nos primeiros dias ele ficou com o lado direito do rosto parado, mas já voltou (fez fisioterapia), está quase normal. O olho não fechava direito... aí o médico disse que com o tempo, era ter paciência e esperar, ele fez fisioterapia no hospital Sara. O cuidar exige velo, desvelo, exige deixar de ser para ser por um momento para ser o outro e não podemos esquecer que “do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que sempre significa dizer que ele se acha em toda atitude e situação de fato” (Boff, 1999:34). E isso significa reconhecer na ação de cuidar um novo modo de ser, de fazer, de amar. O cuidado revela a maneira concreta de sermos humanos. E a vida.... E a vida, e a vida o que é diga lá meu irmão ela é a batida de um coração ou uma doce ilusão. Gonzaguinha Assim se passaram alguns meses. Tudo vai se ajeitando. Para estas famílias este é o começo de uma nova vida, com muita mudança interior, mudanças de valores, mudança de postura, aprendendo a lidar com o novo. GIRASSOL – Minha vida por agora que estou começando, depois de quatro meses, estou trabalhando um horário e de licença no outro, pois preciso trabalhar em um vínculo por causa da faculdade, eu dependo, é o estágio... estou começando a me ajeitar.. MARGARIDA – Uma experiência assim muito difícil, uma coisa que a gente não esperava passar por isso na vida, mas ao mesmo tempo é uma experiência que a gente passa a ter a mais na vida, a gente passa a dar mais valor, ser mais amorosa, comunicativa com os filhos, pois a gente sente que está para perder aquela pessoa da família isso não é fácil, isso aí muda muito no sentido da gente, a família sofre. Ele tem um irmão que nem conversava com ele, passou a conversar, sabe? Foi ao hospital visitálo, ficou muito preocupado quando ele estava em coma. Graças a Deus parece que a vida está voltando ao normal só que de uma forma diferente, alguma coisa mudou na vida da gente. Um mês após chegar em casa, parece que as coisas vão se ajeitando, vivi-se o ato de cuidar, muitas verdades são evidenciadas até mesmo a de desacreditar. JASMIM – Nossa vida mudou demais, eu não imaginava que seria assim. As visitas aos domicílios permitiram o reencontro com a família. Foi um momento de muita emoção o encontro da realidade concreta da cuidadora em sua casa em sua vida. Esse reencontro é também o reencontro de uma busca profissional, na qual consigo perceber a responsabilidade que se tem ao estar sendo cuidadora, principalmente vivendo o “real” no domicílio. Na casa da Girassol GIRASSOL – recebe-nos na copa, local bem arejado muito arrumado, excelente receptividade, responde a entrevista muito bem. No meio da entrevista a cena se compõe com um cachorro de nome Bethoven que logo é retirado da sala. Mais tarde o A também fica na copa, troca algumas idéias e nos convida para conhecer o seu quarto que é no andar de cima da casa. Lá ele nos mostra onde toma o sol diariamente, e conta que irá em um baile Sábado, que ele toca violão em uma banda. (no momento estava arrumando o seu cabelo Pank). Na casa da Margarida MARGARIDA – recebe-nos na sala, casa de esquina, dois pavimentos, muito bem arrumada e mobiliada. Ela tem cinco filhos entre 18 e 23 anos, R é o seu segundo filho “casado” há três meses, acidentou-se um mês após ter ido morar com a companheira. Recebeu alta do hospital e veio para a casa da mãe, agora com sua melhora progressiva retornou à sua casa (ele e a companheira), mas sua mãe continua acompanhando ao médico quando necessário. Já anda sozinho de ônibus, segundo ela a memória recente ainda não retornou. Foi marcante rever o cliente e sua cuidadora em seu domicílio, lá onde aconteceram de fato todas as transformações de vida e das suas relações em seu meio cultural e social. Nada é mais como antes, mas as relações familiares ficaram mais fortes mais afetivas. Nem sempre todas as histórias se processam da mesma forma. Rosa está com seu filho no hospital há 6 meses. A esperança de retornar com ele ao domicílio existe, pautada em muita fé, em muito amor. Assim, realizei também esta visita, só que na unidade hospitalar. Pergunto-lhe como sua vida se organizou nesse período. ROSA – Em casa já realizei as mudanças necessárias, o meu quarto transformou-se em uma suíte, pois ele é maior e ficou melhor, pois ele não pode mais ficar sozinho eu vou dormir com ele. A cama, cadeira, estas coisas de hospital quando eu voltar, já está tudo organizado. Minha menina eu coloquei em várias atividades: volei, natação, pois assim ela ocupa o tempo. Meu marido não deu conta, infartou e fez angioplastia com sucesso, mas está com perda de 30% a 40 % da área cardíaca, está afastado, acho que aposenta. Eu perdi 10kg, que regime, continuo trabalhando 12horas e folgo 60horas. Quando folgo venho e fico direto com ele no hospital, nos outros dias revezo com a família e amigos, precisa de alguém, o serviço é muito para as meninas, quatro pacientes dependentes para uma só auxiliar, não dá por isto é que aparecem as escaras, elas não dão conta , é muito serviço. Meu filho está começando a comer, é demorado, mas está aceitando, eu quero ir embora mais segura, ainda tem traqueostomia, escara; queria levá-lo direto para o hospital de fisioterapia e depois para nossa casa. Aguardo ansiosamente, o retorno para o domicílio. Lá as minhas colegas irão me ajudar, pois ele depende muito de mim; banho, curativo, comida, enfim tudo. Eu não perdi a esperança, nem a fé. Ele vai voltar para a nossa casa (com os olhos em lágrimas). Os dados entregues pelas entrevistadas permitiram perceber quão pequena é a contribuição da equipe ainda dentro da dinâmica hospitalar e como falta um trabalho efetivo com as cuidadoras de referência. Outro ponto de destaque é ver como as cuidadoras, nesse período, vêm desenvolvendo o seu ato de cuidar, e vivendo sua vida pessoal . Elas se valem de estratégias oportunas para desenvolver o cuidar, tais como: apoio dos familiares, apoio das instituições de saúde da sua área de referência, centro de saúde, utilizam o senso comum. Existe um rompimento entre o saber/fazer que passa a ser adaptado a cada dia, em cada ato, socializando os demais membros da família; há um rompimento com a vida pessoal, pelo menos por um tempo; há basicamente uma readaptação com o cotidiano. Com o passar dos dias, vão se ajeitando as coisas; comprometimento da vida pessoal. Passam a incorporar à “nova vida”, como ponto chave, não deixar o paciente sozinho, este ser humano já não possui mais sua vida própria. Ao abordar a questão da mudança na vida pessoal, as cuidadoras não a vêem como inoportuna e sim, como um crescimento pessoal, concluindo até que a doença favorece o desenvolvimento e a união familiar. E nesta nova contextualidade elas caminham, na esperança de que a cada dia tudo poderá se transformar, cada uma tem sua história que não está desvinculada de uma situação vivida ou a ser vivenciada ainda. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo permitiu-me compreender em parte o conflito vívido pela cuidadora de referência e por sua família, ao cuidar de um parente que fica portador de seqüelas após um acidente que pode ser automobilístico ou por outras causas. Os momentos são conflituosos, são marcantes na vida dessas cuidadoras. Em conseqüência da experiência proporcionada por esta pesquisa, reconheci que é necessária a criação de um espaço dentro das UTIs, onde a cuidadora possa Ter seu primeiro encontro efetivo com a fatalidade e, após esse contato, possa expor suas angústias e até mesmo suas dificuldades. Nesse espaço inicia-se o acompanhamento das transformações do seu familiar acidentado, portador de TCE. As relações vivenciadas entre a cuidadora de referência e seu familiar provocam, desde as primeiras horas que sucedem o acidente, transformações que são estendidas ao grupo familiar. As mudanças são inesperadas, contudo o grupo familiar e o cuidador se articulam, organizam-se de acordo com esse novo momento que exige a construção de um novo modo de vida em família, diante da necessidade de buscar paradigmas a serem seguidos e vividos, no cuidar de um parente com dependência física, emocional e econômica. Assim, a família e em especial a cuidadora devem ser ouvidas e merecem a atenção da equipe de saúde em suas visitas ao familiar no hospital durante todo o período que antecede a alta para o domicílio. Foi reafirmado que o domicílio é o local onde as relações familiares se estabelecem. Sendo assim, cuidar em casa representa muito para a cuidadora de referência, que passa a desenvolver, além de suas atividades rotineiras, ação do cuidar. Nesse movimento, a cuidadora abre mão de algumas atividades que lhe são caras e às vezes fundamentais. Ao visitar o domicílio como local do cuidado, constatei o carinho com que os cuidados de enfermagem são executados pelas cuidadoras de referência. O cuidado desenvolvido por essas mulheres, colaboradoras nesta pesquisa, está envolvido de expressões de sentimentos que foram manifestadas no zelo para com seu familiar, na vontade de entender o que se passa e se passará, na vontade de defender a vida de seu parente e querer ajudá-lo, com todo empenho, a recuperar sua vida normal; “o que motiva o cuidar, independente de gostar ou não, está relacionado a um sentimento, a um chamado, a uma compulsão para ajudar quem ou aquilo que conforme o julgamento necessita”, (Waldow, 1999:137). Ainda em relação ao cuidar, essas mulheres cuidadoras afirmaram ter de apelar para o próprio bom senso, às vezes, para direcionar suas ações e que puderam contar também com a ajuda do sistema básico de saúde. Em nenhum momento elas referendaram o cuidar de si. Para algumas, o cuidar de um familiar, vítima de traumatismo craciencefálico exige muito mais que tempo, carinho e disponibilidade; exige às vezes abnegação total, a entrega de uma vida. Por isso, como cuidadoras de referência, essas mulheres colocam-se durante todo o tempo em segundo plano, reconhecem que sua vida parou e que, quando der, elas recomeçarão. A mudança na história de vida das cuidadoras é notável e expressa, nas sete entrevistadas, desde a hora em que elas recebem a notícia do acidente, uma ruptura com o passado, um marco entre uma vida antes e outra após o acidente. Mas o que elas não perdem é a fé em Deus, presente em todos os discursos. Apesar de todas as conseqüências que o trauma traz para o grupo familiar e que se refletem diretamente na qualidade de vida do traumatizado e da família, pude aprender que desse momento difícil surgem fatos positivos como a união do grupo, o que pode representar também mudanças de valores para seus integrantes, que, para superar as dificuldades que se apresentam, oferecem suas potencialidades para facilitar a vida e o convívio familiar. Entendi que o TCE que acomete um indivíduo traz para sua família, independentemente de sua constituição e da formação do cuidador, o desafio de viver novas relações. A vida da cuidadora de referência passa por “altos e baixos”. A cuidadora assume o ato de cuidar com toda sua força, um cuidar que transcende cada momento, pois a família possui a felicidade de “mobilizar potencialidades” (Elssen, 1994), o que foi revelado pelas sete cuidadoras de referência e algumas de seus familiares. Identifiquei também que o desenvolvimento do cuidado no domicílio, em pacientes portadores de seqüelas, deve ser tomado como um desafio ao desconhecido, por não se poder presumir quais as lesões que ficarão presentes por toda a vida e como cada ser se comporta diante dessas seqüelas. Sabe-se, apenas, que o cuidar exige muito das cuidadoras e das relações que elas estabelecem na nova dinâmica familiar. Verifiquei que existe uma proposição dos profissionais para estabelecer relações com os familiares dos pacientes portadores de TCE por acidente automobilístico ainda no período de internação. Esse mecanismo deve minimizar as dificuldades e estabelecer apoio às famílias e ao cuidador de referência ao diminuir o “peso nesta caminhada”. A análise dos dados permitiu-me apontar para estas necessidades: criação de um programa de apoio à família dentro da instituição (cuidando do cuidador de referência), com uma equipe multiprofissional para trabalhar as ações necessárias; treinamento do cuidador de referência voltado para a prática, ainda dentro da dinâmica da UCSI (cuidado efetivo); realização de reuniões periódicas, em que o cuidador de referência coloque suas expectativas, angústias, facilidades e dificuldades inerentes à ação do cuidar no domicílio; acompanhamento do cuidador até a alta hospitalar e, se possível, no primeiro mês que estiver no domicílio, devido à complexidade que há no ato de cuidar em sua casa. divulgação maior da rede FHEMIG domiciliar e desenvolvimento de atividades junto a ela. Com toda a certeza este estudo não se esgota aqui. Na dinâmica da transformação, posso acreditar que se hoje eu refizesse este trabalho o encontro com o fenômeno se processaria de forma diferente, pois nenhum momento é como o outro; tudo gira em torno de um momento, mas tudo acontece em momentos diferentes, inclusive para quem pode ter o prazer de realizar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRÃO, A.M. et al. Guia de orientação ao visitante: uma receita simples e eficaz. In: UTI, muito além da técnica. São Paulo: Ateneu, 2001. Cap.3 p. 8592. ALMEIDA M.C.E. Seminars Melani M.R (organizadoras). Considerações sobre a enfermagem enquanto trabalho. In: O trabalho de Enfermagem, São Paulo. Cortez. 1999. P.15-26. ALTHOFF, R.C. et al. Família: o foco de cuidado na Enfermagem. Rev. Texto e Contexto. Florianópolis. V.7. n.2. p.320- 327, mai./ago.1998. BOFF,L. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes.1999.199p. BRANDT, R.A. et al. Traumatismo craniencefálico. In: Conduta no paciente grave. 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ANEXOS Anexos ANEXO A ESCALA DE COMA DE GLASGOW- ECG Abertura dos olhos Pontuação Espontânea 4 Comando verbal 3 Estímulo doloroso 2 Nenhuma 1 Melhor resposta motora Obedece ao comando 6 Localiza estímulo doloroso 5 Retira membro à dor 4 Flexão anormal de decorticação 3 Extensão anormal em descerebração 2 Nenhuma 1 Melhor resposta verbal Orientado 5 Fala confusa 4 Palavras inapropriadas 3 Sons incompreensíveis 2 Nenhuma 1 Total de pontos 3 -15 Fonte - Medicina Intensiva (Knobel, 2002) 101 Anexos Categorias que definem a Intensidade do Traumatismo de crânio. Classificação baseada Escore da Escala de Coma de Glasgow (ECG) CLASSIFICAÇÃO DO TCE Trauma Escala de Coma de Glasgow Freqüência Risco Leve 13 – 15 Pode haver perda da consciência ou amnésia, mas por menos de 30 minutos. Não há fratura do crânio, contusão cerebral, hematoma. 55% Pequeno Moderado 9 – 12 Perda da consciência ou amnésia por mais de 30 minutos, porém por menos de 24 horas. Pode haver uma fratura do crânio 24% Médio Grave 3–8 Perda da consciência e/ou amnésia por mais de 24 horas. Também inclui aqueles com uma contusão cerebral, laceração ou hematoma intracraniano. 21% Alto Fonte - Cuidados Intensivos de Enfermagem: uma Abordagem Holística (GALLO, 1997) 102 Anexos ANEXO B Glasgow Outcome Scale - GOS 1. Morte 2. Estado vegetativo 3. Incapacidade grave Necessita de assistência para AVD e/ou Incapacidade mental grave 4. Incapacidade moderada Independente para AVD dentro e fora de casa Déficit cognitivo, motor ou de linguagem significativa e suficiente para impedir a volta das atividades habituais 5. Boa recuperação Capaz de retomar às atividades normais e manter relacionamento Fonte - Medicina Intensiva (Knobel, 2002) 103 Anexos 104 ANEXO C QUESTIONÁRIO PROJETO DE PESQUISA O FAMILIAR DO PACIENTE PORTADOR DE TCE Nome:............................................. nº .... data da entrevista: ___/___/___ idade: .......... Grau de parentesco: .............. Tipo de atividade que exerce: .......................................... Paciente: ............. Idade: .......... Sexo: ............. Tipo de ocupação: ................................ Data de internação: hospitalar: _____/_____/_____ UCSI .......................................... ECG - à internação hospitalar ................ na UCSI: ............. GOS - na UCSI: ................. Submetido a cirurgia: sim ..... não ...... Tipo: ................................................................... Renda familiar .................. O paciente contribui para a renda familiar: sim ..... não: ...... Possui algum convênio: .................. Perguntas 1. O que você sabe sobre a doença do ................................? 2. Como vocês estão pensando em fazer (articular) agora, com o(a) sr(a) ................... nessa condição de depender de alguém? 3. Como está sendo esse momento para sua família? 4. E você, como responsável pelo(a) sr(a), o que você está pensando para sua vida pessoal (seus projetos). 5. Como vocês estão pensando em se organizar em casa para receber o ( a) sr(a) ....................................... de volta? Anexos ANEXO D COMITÊ DE ÉTICA 105 Anexos 106 Anexos 107 ANEXO E TERMO DE CONSENTIMENTO Belo Horizonte, de de 2003 Prezado familiar, Estou desenvolvendo minha pesquisa de Mestrado em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, cujo tema é “A dependência do paciente portador de traumatismo craniencefálico por acidente automobilístico: um desafio para a família”. O objetivo da pesquisa é analisar o que significa para um familiar cuidar de um paciente portador de TCE, com seqüelas. Dessa forma, solicito a sua colaboração no sentido de responder a uma entrevista semiestruturada, permitindo-me gravar a mesma em fitas magnéticas, o que me possibilitará dar continuidade à investigação. Os registros da entrevista serão tratados de forma sigilosa e anonimamente para fins de produção científica. Cabe ressaltar que o projeto dessa pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da UFMG e ao Núcleo de Ensino e Pesquisa - NEP da rede FHEMIG - Hospital João XXIII. Sua colaboração será muito importante para a realização deste trabalho. Agradeço sua participação e solicito seu “de acordo” nesse documento. Atenciosamente, Marta Santos Magalhães Cortez Alameda Abiurana, 120 - Bairro Dom Cabral - Belo Horizonte/MG CEP: 30535-240 Tel.: ( 031) 33756952. ........................................................................................................................................... Eu, ..................................................................,RG nº................... grau de parentesco:.......... aceito participar das atividades da pesquisa “A dependência do paciente portador de traumatismo craniencefálico por acidente automobilístico: um desafio para a família”, podendo retirar este consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalidade e sem prejuízo para minha pessoa. Estou ciente de que serão feitas entrevistas semi-estruturadas e as mesmas serão gravadas em fitas magnéticas. Os resultados das entrevistas serão tratados sigilosamente. Anexos Belo Horizonte, de de 2003. Assinatura: _______________________________________ 108 Anexos 109 ANEXO F SIGNIFICADO DAS FLORES Por meio da escolha da sua flor preferida as cuidadoras de referência me ajudaram a construir este jardim. Em cada mulher, pude perceber o quanto ela se parecia com a “sua” flor. Mostraram como é maravilhoso poder acreditar, ter fé, lutar e cuidar de quem se ama. ROSA: amizade, carinho Entrevista nº1 Nome: Rosa - Data da entrevista: 02/06/03 Idade: 43 anos Grau de parentesco: mãe Tipo de atividade que exerce: Aux. de Enfermagem Paciente: M. Idade: 19 anos Sexo: masculino - Tipo de ocupação: estudante (Direito). Data de internação: hospitalar 10/04/03 na UCSI 15/04/03. Alta do hospital: até o fim da pesquisa não havia obtido alta. ECG : à internação hospitalar 3, na UCSI 8, à alta da UCSI 9. Anexos 110 GIRASSOL: dignidade, glória, paixão Entrevista nº 2 Nome: Girassol - Data da entrevista: 06/06/03 Idade: 44 anos Grau de parentesco: mãe Tipo de atividade que exerce: funcionária pública (professora de 1ª a 4ª série) Paciente: A. Idade: 23 anos Sexo: masculino Tipo de ocupação: ele trabalha em uma firma (computador). Data de internação: hospitalar19/04/03 UCSI 2/06/03.Alta do hospital: 06/06/03 ECG: à internação hospitalar 3, na UCSI 9, à alta da UCSI 12. Anexos 111 MARGARIDA: inocência, virgindade, sentimentos compartilhados de afeto (as margaridas querem dizer: “você tem tantas virtudes quanto esta planta tem pétalas”). Entrevista nº3 Nome: MARGARIDA - Data da entrevista: 26/06/03 Idade: 45 anos Grau de parentesco: mãe Tipo de atividade que exerce: do lar Paciente: R. Idade: 22 Sexo: masculino Tipo de ocupação: motociclista Data de internação: hospitalar 16/06/03 na UCSI 20/06/03 alta da UCSI 3/07/03 ECG: à internação hospitalar 3; na UCSI 09; GOS na UCSI 13. Anexos 112 CRAVO BRANCO: amor ardente, ingenuidade, talento. Entrevista nº4 Nome: Cravo - Data da entrevista: 26/06/03 Idade: 44 anos Grau de parentesco: mãe Tipo de atividade que exerce: lavradora Paciente: A. O. Idade: 21 anos Sexo: masculino Tipo de ocupação: lavrador Data de internação: hospitalar 11/06/03 na UCSI – 18/06/03 Alta da UCSI: 29/06/03 ECG à internação hospitalar 10; na UCSI10; à alta da UCSI 12. Anexos 113 JASMIM : designação. Entrevista nº5 Nome: Jasmim - Data da entrevista: 09/07/2003 Idade: 25 anos Grau de parentesco: filha Tipo de atividade que exerce: Auxiliar administrativo Paciente: J. A. Idade: 61 anos Sexo: masculino Tipo de ocupação: trabalha em sítio. Data de internação: hospitalar: 29/05/2003 na UCSI 26/06/2003 ECG à internação hospitalar 3; na UCSI 9; alta da UCSI 12; Anexos 114 ORQUÍDEA: beleza, luxúria, perfeição, pureza espiritual Entrevista nº6 Nome: Orquídea - Data da entrevista: 15/0703 Idade: 28 anos Grau de parentesco: esposa Tipo de atividade que exerce: bordadeira. Paciente: V Idade: 32 anos Sexo: masculino Tipo de ocupação: mecânico de bicicleta. Data de internação: hospitalar 20/06/03 - UCSI 28/06/03 Alta da UCSI 10 /07/03 ECG - à internação hospitalar 4; na UCSI 9; à alta UCSI 12; Anexos LÍRIO: casamento, doçura, inocência, majestade, pureza Entrevista nº7 Nome: Lírio - Data da entrevista: 26/07/2003 Idade: 31anos Grau de parentesco: irmã Tipo de atividade que exerce: bilheteira. Paciente: .L Idade: 33 Sexo: M Tipo de ocupação: desempregado Data de internação: hospitalar 13/06/2003 UCSI 26/06/2003 Alta da UCSI 25/07/03 ECG à internação hospitalar 5; na UCSI 10; à alta da UCSI: 11. 115