EXCLUSÃO SOCIAL: um fenômeno inter-relacional: notas preliminares 1 Ana Maria Paim Camardelo 2 Juliane Feix Peruzzo Resumo: Pretende-se, com esta comunicação, iniciar uma reflexão sobre o fenômeno da exclusão social, introduzindo, para tal, elementos conceituais que extrapolam a visão das tradicionais abordagens da economia e das ciências sociais. Parte-se do pressuposto de que a exclusão social é um fenômeno gerado por relações objetivas e subjetivas que são historicamente determinadas pelo modo de estruturação societária. Desta maneira, ir-se-á, ainda que preliminarmente, para além de um conceito enfocado somente em um ou outro ponto de vista. Para desenvolver tal temática trabalhar-se-á aspectos subjetivos que interferem no fenômeno exclusão. Palavras-chave: Exclusão social, pobreza, subjetividade. Abstract: This paper intends to start a reflection on the phenomenon of social exclusion, by introducing conceptual elements that go beyond the traditional issues of economics and social sciences’ approaches. Starting from the presumption that the social exclusion is a phenomenon created by objective and subjective relations which are historically determined as much by the society’s way of structuring. Therefore, a concept that exceeds that one focused on one’s or another’s point of view can be, even preliminarily, reached. In order to develop such theme, subjective aspects that interfere in the exclusion phenomenon will be considered. Key words: Social exclusion, poverty, subjectiveness. 1 2 Doutora. Universidade de Caxias do Sul. E-mail: [email protected] Doutora. Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Refletir sobre a questão da exclusão social neste século, implica em multidimensionar as reflexões, uma vez que não se pode tipificar um fenômeno, a exclusão, que tem na sua origem a existência da desigualdade de classes, como sendo um fenômeno essencialmente relacionado “a falta de” (renda, oportunidades, políticas, etc.) e não tão pouco a uma problemática que diz respeito essencialmente a cada indivíduo social. Desta maneira busca-se problematizar este fenômeno indo-se para além dos aspectos objetivos da exclusão social; para além do reconhecimento de que existem miseráveis, porque exclusão e pobreza sempre acompanharam a história da humanidade; nem tão pouco apontar como novidade que os mais desfavorecidos necessitam de algum tipo de trabalho; mas busca-se, ainda que preliminarmente, decifrar estes fenômenos, na sua dimensão subjetiva, pois, para que seja possível compreender as idéias, noções e concepções dos processos históricos, deve-se lembrar que são os “indivíduos em suas relações recíprocas, que se produzem e reproduzem” junto com a riqueza e a pobreza por eles criada. (Marx, 1996). 2. A EXCLUSÃO SOCIAL A PARTIR DE ASPECTOS DA SUBJETIVIDADE Apesar de o termo exclusão social vir sendo discutido intensamente e já haver inúmeras produções teóricas disso, não há entre os pesquisadores um consenso sobre o termo, acredita-se ser importante analisá-la enquanto temática pertinente à sociedade atual. Para tal, adota-se o conceito trabalhado por Sawaia: “(...) a exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do funcionamento do sistema.” (SAWAIA, 2004, p. 09). Assim, o que se refere à questão objetiva, a discussão sobre exclusão social é concebida como uma das expressões das contradições engendradas pelo e no modo de produção capitalista, considerando-a essencialmente como uma situação de falta de acesso às oportunidades que seriam oferecidas pela sociedade aos sujeitos3. A reestruturação econômica e as mudanças que vêm ocorrendo no mercado de trabalho vêm sendo acompanhadas por uma reorientação intensa e regressiva do sistema de proteção e das políticas sociais. Desse modo, a exclusão social pode implicar na falta de acesso a recursos que dêem conta das necessidades humanas ou, de uma forma mais abrangente, na falta de acesso à cidadania plena, entendendo-se esta como a participação plena na sociedade, em seus diferentes níveis, nos quais esta se organiza e se exprime: político, econômico, social, educacional e cultural. Assim, pode-se considerar o fenômeno da exclusão como sendo dinâmico e multidimensional e que se expressa em diferentes níveis, sendo que na maioria das vezes é cumulativo, ou seja, compreende vários deles ou mesmo todos. Como afirma Atkinson (1998): “O conceito de exclusão social é dinâmico, referindo-se tanto a processos quanto a situações conseqüentes (...). Mais claramente que o conceito de pobreza, compreendido muito freqüentemente como referindo-se exclusivamente à renda, ele também estabelece a natureza multidimensional dos mecanismos através dos quais os indivíduos e grupos são excluídos das trocas sociais, das práticas componentes e dos direitos de integração social e de identidade (...) ele vai mesmo além da participação na vida do trabalho, englobando os campos da educação, saúde e acesso a serviços”. (ATKINSON, 1998, p.109) Com isso posto, a exclusão social é um processo que impossibilita uma parcela da população - que com o atual contexto vem aumentando - de usufruir dos bens, recursos oferecidos pela sociedade, e aqui não se está considerando apenas a privação de bens e serviços essenciais para a satisfação das necessidades básicas, mas também a falta de acesso à segurança, à justiça, ao lazer, aos meios de transporte, à qualidade ambiental, entre outros, o que caracterizaria a falta ao acesso à própria cidadania. E, o aprofundamento deste processo provoca, conseqüentemente, alterações na dinâmica e na estrutura das cidades. Tais aspectos contribuem para demonstrar que os aspectos objetivos, principalmente os econômicos, têm uma importância fundamental na discussão sobre exclusão. Porém, pensá-la apenas pelos seus aspectos objetivos, dando uma: “responsabilização” única à economia, corre-se o risco de deixar de analisá-la como “expressão de contradição no desenvolvimento da sociedade capitalista para ser vista como um estado, uma coisa fixa, como se fosse uma fixação irremediável e fatal. Como se a exclusão fosse resultado único, unilateral da dinâmica da sociedade atual; como se o mesmo processo não gerasse e não pusesse em movimento, ao 3 Para aprofundamento ver: SEN, 2000. mesmo tempo, a interpenetração crítica e a reação da vítima, isto é, a sua participação transformativa no próprio interior da sociedade que exclui, o que representa a sua concreta integração. (MARTINS, 1997. p.17) Desta forma, se faz necessário incorporar nessa análise outros aspectos, no caso deste artigo, incorporamos à discussão, aspectos de ordem subjetiva, que se situam em nível singular - quer individual, quer familiar - e dependem de lacunas e fragilidades experimentadas nas trajetórias pessoais e familiares, de capacidades não desenvolvidas e/ou não valorizadas, de representações/significações negativas, de ter sido podado por outrem o desenvolvimento da sua autonomia, e as identificações construídas, entre outros (SEN, 2000). A construção de subjetividades além de depender do contexto, é necessário entender que cada sujeito lida singularmente de forma diferente com relação às situações vivenciadas de exclusão. Cada sujeito irá operar, pois, de modo singular com os estímulos que recebe e contextos onde vive. A complexidade da questão subjetiva surge de uma extensa trama intersubjetiva, que entrelaça múltiplos contextos que se interconectam dinamicamente, e, na maioria das vezes, tensamente. O sujeito é inserido, a sua revelia, na cultura, na sociedade que o recebe, e desde o primeiro momento é afetado por registros e sentidos que funcionam como um modelo produtor de referência e de possibilidades a serem vividas. Entretanto, não se pode deixar de pontuar que este modelo de subjetivação é constituído historicamente, sendo expressão de processos políticos, econômicos, sociais e culturais, que são filtrados pela imagem incorporada do semelhante que, por sua vez, é produzida no âmbito das relações familiares, constituído principalmente, pelos papéis do pai e da mãe, e, pelas relações sociais, especialmente pelos processos educativos, quando existentes. Do ponto de vista da psicanálise, autores neo-freudianos, especialmente Jacques Lacan, constituíram teorias sobre a origem da atividade de produção de sentido, de ligação, colocando a questão da constituição do sujeito a partir da relação de semelhante e da alteridade com o Outro, esta relação com o Outro se dá primeiramente com a imago do pai que é transmitida pelo desejo mãe, para somente, depois, entrar em cena o papel de outros atores da sociedade. Mas, se sabe, hoje, que embora o sujeito receba sua estrutura psíquica do lugar de Desejo que lhe é dado no “sintoma parental”, sabe-se, também, que a adolescência e nela os processos identificatórios (sociais) podem vir a reconfigurá-la. Explicitando, o ser humano nasce em desamparo (falta a ser) e se constitui (imageticamente) no contato com o Outro, é necessário, pois, que, para tal, sejam exercidas as funções paterna e materna para que a criança (infans) se constitua, enquanto sujeito desejante. A "função materna" (que não necessita necessariamente ser executada pela mãe biológica, como Lacan (1998) chamava: mãe de carne e osso, aquela que representa esse papel) corresponde não só os cuidados com a vida orgânica do bebê, a satisfação de suas necessidades fisiológicas, mas também, com o fundamental envolvimento visual e sensorial da relação mãe-criança, o que permite a introdução da criança no mundo simbólico cultural, na sociedade, através da linguagem. A "função paterna" (tal como dito anteriormente, não necessita ser necessariamente executado pelo pai biológico) é aquela que vem regular essa relação, permitindo que a mãe e a criança se separem e se reconheçam imageticamente como sujeitos distintos. Posteriormente, a “função paterna” vai introduzir, como identificação primordial, a lei, a proibição do desejo incestuoso, dando à criança, então, o acesso ao mundo externo e à realidade imaginária, imagética e consistente, onde representará as relações sociais, onde esta criança tem acesso às normas, as regras, a forma de se viver em sociedade. Dessa forma, apresentou-se resumidamente os três momentos do “Estádio do Espelho” segundo Lacan (1998), pois, são essas as relações básicas primeiras ou seja, com esse processo e que se vão estabelecer as identificações constitutivas do sujeito, organizando as interdições necessárias à vida em sociedade. Do ponto de vista das ciências humanas e sociais pode-se considerar que os signos externos, como os bens de consumo, têm exercido uma forte influência na constituição do que cada um é. Assim, a subjetividade tem assumido uma configuração decididamente perversa, com disfarce estetizante, em nível de ideologia do consumo, em que o olhar do Outro passa a ocupar uma posição estratégica na constituição do sujeito. Os destinos do desejo assumem uma direção marcadamente voyeur ou autocentrada e exibicionista. Há, então, uma auto-exaltação desmesurada da individualidade num mundo de espetáculos. O que se tem procurado é o engrandecimento da própria imagem. Sennett (1988) ao se referir a atualidade, analisa-a como sendo um tempo em que assistimos ao fim da cultura pública e à crescente política da personalidade, o que acrescenta-se aqui que esta personalidade trata-se, preferencialmente, da “personalidade atraente4” que gera um voltar-se para dentro. Afirma, o autor, que desta forma o sujeito “é despojado da expressão de certos poderes criativos que todos os seres humanos possuem potencialmente – poderes de jogo – mas que requerem um ambiente à distância do sujeito para sua realização. Assim sendo, a sociedade intimista faz do indivíduo um ator privado de sua arte” (SENNETT, 1988, p. 323). 4 Termo utilizado por Jean Baudrillard (1991). E o apagamento da linha divisória entre eu e o outro “significa que nada de novo, nada de ‘outro’ jamais adentra o eu” (SENNETT, 1988, p. 394 - 395). Outro autor que corrobora estas reflexões é Bauman (2000), quando define a modernidade contemporânea como: “liquid modernity”, a qual é a face da chegada do capitalismo leve e flutuante, sem âncoras que o enraízem a qualquer porto, cuja subjetividade vem produzindo indivíduos marcados por uma espécie de desenraizamento e conseqüente enfraquecimento dos laços sociais. Ou seja: “liquid modernity”, traz em seu bojo a incerteza, o embaçamento do passado, a falta de perspectiva, a falta de projeção do futuro e, conseqüentemente, a descontinuidade das identidades. Uma vez que, nas sociedades contemporâneas, os projetos tem sido individuais, pontuais, particulares, e cada vez menos coletivos. Filiação e transmissão, enquanto problemáticas centrais do ponto de vista da reprodução social, formam, entretanto, parte dos processos simbólicos de toda e qualquer sociedade. O indivíduo contemporâneo é o indivíduo das múltiplas filiações, o que nos remete a um questionamento: este indivíduo não estaria imerso num “processo de desfiliação constante”? Processo de desfiliação que na concepção de Castel (1998), tem com conseqüência mais evidente a produção social em massa de indivíduos melancólicos, desacreditados do futuro, apáticos, adictos, por uma espécie de efeito de um estado de miséria não só econômica, mas também psíquica. Submetido a um processo de fragilização social e de perda de qualquer referência, inserção ou inscrição social, o sujeito sente-se imerso no desamparo. Os sujeitos passam a sofrer daquilo que Sennett (2006) chama de "o fantasma da inutilidade". A impotência, o tédio, a falta de utilidade se tornam os sintomas da cultura contemporânea. Assim, vive-se, neste início do século XXI, em uma sociedade que cultua a cultura da imagem, do virtual, onde o instantâneo e a busca pela satisfação imediata e contínua dos desejos são os valores predominantes. O imediato tem sido o valor que permeia vários aspectos da cultura e constitui qualidade essencial a qualquer bem a ser consumido. Os sofrimentos como a ansiedade, a angústia, a melancolia e a tristeza, que sinalizam circunstâncias e situações humanas, têm sido aplacados, muitas vezes, pela medicação ou pelo consumo de bens, ou seja pelas ilusões. “Busca-se permanecer no estado de prazer e alegria, ao preço de se eliminar parte da experiência humana. É como se, socialmente, não se reconhecessem mais a dor e a frustração como constitutivos do percurso rumo aos ideais de prazer e alegria. Dor e frustração deixam de ser indicadores dos limites inerentes à experiência daquele sujeito singular. Ou seja, veicula-se a idéia de que essa imagem ideal de pleno prazer está disponível para todos a mínimo esforço e que a não concretização desse modelo decorre de problemas particulares daquele sujeito”. (MAIA e ALBUQUERQUE, 2000, p. 83) Esta é a realidade do mundo contemporâneo, uma cultura onde se impõe o apelo ao prazer imediato e do consumo exarcebado, um prazer que não se resume apenas à ausência de sofrimento, mas que necessita ser intenso, imediato, não-negociável, urgente; onde o discurso social valoriza apenas a posição de plenitude alcançada sem muito esforço, numa tentativa de abolição da falta, do vazio e de qualquer insatisfação, o que Guy Debord (1997) chamou de Sociedade do Espetáculo, criando imensas expectativas irrealistas, fazendo-os perseguir obsessivamente estas metas e entrarem em melancolia ao constatar sua inviabilidade. Se isso ocorre com os não excluídos, o que pensar dos excluídos? Como ficam os pobres, os miseráveis, os excluídos, o que sentem, como constroem sua subjetividade? À luz de tal análise, o papel da informação, no contexto da sociedade capitalista, circunstancialmente chega a perder seu papel legítimo e recompõe-se como um espetáculo mercantil, enfraquecendo e despolitizando a esfera pública, contribuindo para que o capital fortaleça a esfera do mercado e do consumo, com isso, mais fortemente, produzindo, enquanto subjetividade, a figura do sujeito consumidor. Por isso, muitas vezes, a informação não consegue exercer o seu papel legitimo de dotar a opinião pública com interesse formativo, apresentando o realismo da veracidade dos fatos, acessando ao público o poder de decidir o que é melhor para si e/ou para a sociedade. Muitas vezes, criando a figura da “personalidade atraente”, que no nível de identificação imaginária, não passa de uma confusão entre reconhecimento social e participação no consumo, viés que compromete a idéia de cidadania e de direitos. Uma vez que as pessoas compram essa idéia de que a afirmação, o poder vem pelo consumo, se identificam, se reconhecem na imagem do “outro”, passada pela mídia, como parte do seu mundo. Uma estratégia muito eficiente para o consumo, pois a mídia não impõe às pessoas os produtos, apenas reproduz o que o consumidor pensa querer ouvir e ver, confirmando o mundo em que ele vive e mostrando um novo mundo que ainda lhe é segregado, mas que pode acessá-lo através do consumo. Diante destas questões, pode-se considerar que, provavelmente, possa aparecer, especialmente nos sujeitos pobres e excluídos, um sentimento de vergonha, de impotência, pois, perversamente, a sociedade do espetáculo é dos vencedores, dos que possuem. Assim, a condição da miséria é caracterizada por um desamparo devastador. E isto, é fundamental de ser levado em consideração, à medida que a construção da subjetividade do sujeito está intimamente ligada à constituição psíquica do mesmo, e estes elementos postos na sociedade têm uma influência muito forte nesta constituição, à medida que os pais das crianças e elas próprias vivem neste mundo cuja sociabilidade esta também regida pelo consumo e pelo “espetáculo” anteriormente caracterizados. É neste contexto que pode-se situar as mudanças dos papéis sociais de homens e de mulheres Por exemplo,o abandono, muitas vezes simbólico, das crianças, com suas graves conseqüências, por decorrer basicamente da anulação inconsciente dos pais, se dá em qualquer classe social, mas pensando nos sujeitos que sofrem os processos de exclusão, os pais podem, muitas vezes, se ver impedidos de exercerem suas funções pela situação externa adversa as suas reais condições que os priva da possibilidade de darem a seus filhos aqueles cuidados que sabemos ser indispensáveis. Isso faz com que se analise a exclusão social mostrando-se que ela tem efeitos muito mais devastadores do que se costuma admitir. Questiona-se até que ponto está uma larga parcela da população não só excluída dos bens culturais e do consumo, mas diretamente prejudicados no próprio processo de constituir-se como sujeitos; dado que os cuidados específicos, próprios do “sintoma parental” e exercidos pelas funções paterna e materna, muitas vezes lhe são privados. Ademais, vive-se numa sociedade que cada vez mais aumenta a ausência de instituições reguladoras do bem-estar, aumentando cada vez mais o sentimento de desamparo. Desta forma, vive-se uma ampliação do adoecer, ou da agressividade, presentificada nas distintas formas de violência, como uma forma de lidar com o desamparo. O sentimento de vergonha pode gerar a sensação de que não se pertence ao mundo humano, que se perdeu a espinha dorsal. As pessoas podem passar a sentir que perderam a condição de sujeito. 3. CONCLUSÕES Enfrentar sobre o fenômeno da exclusão social, a partir das ponderações feitas, implica em pensar numa sociedade que contemple crescimento econômico com desenvolvimento humano e social. Isto requisita novas formas de conceber as políticas sociais, tendo em vista a configuração dos sujeitos que delas necessitam. Tradicionalmente, para o enfrentamento da exclusão social, as políticas sociais, na maioria das vezes, são acionadas, tanto pelas orientações políticas que permeiam a institucionalidade econômica e social, quanto pelos diferentes agentes sociais que as executam (dentre eles o assistente social), a partir de uma visão focalista e segmentada, mediada, principalmente, pelos fatores de natureza objetiva, com pouca e, por vezes, nenhuma consideração aos fatores subjetivos que dele decorrem, isto pode acarretar uma visão ideológica e parcial da real situação da exclusão social vivenciada pelos sujeitos; portanto, o resultante do acesso às políticas sociais não propicia uma autonomização dos sujeitos atendidos. Tal procedimento pode ser observado em qualquer modelo de sociedade, especialmente na sociedade de mercado, seja de recorte neoliberal ou não, pois a mesma só passa a se interessar efetivamente por este tema, caso o subproduto da miséria, que é a disseminação, dentre outras expressões, da agressividade, vier afetar a vida e os negócios daqueles que são os proprietários dos meios de acumulação. Isto é um ponto de vista perverso: cínico e impostor. Mas, em igual prisma, só que por vezes utilizando-se da impostura do cinismo, os “profissionais da oposição”, eternos “porta-vozes dos vencidos”, também parecem não se interessar, a não ser, eventualmente, como tema artístico–literário, pela dualidade pobreza/exclusão na sua relação objetividade e subjetividade. Pois, se de um lado ela se presta, muito bem, à veiculação institucional e midiática de programas de governos, e isto, se não vier acompanhado de efeitos de realidade é demagogia, por outro lado, a comprovada compaixão dos agentes sociais, não tem passado, muitas vezes, de simulação discursiva. Isto também pode ser considerado perversão, pois se trata da conversão de “bom-mocismo” em cinismo. Ou nos dizeres de Zizek (1992), a existência dos que não têm tido direito ao amparo legal. Parece, assim, não haver dúvida de que a exclusão social, para de fato ser enfrentada deve, primeiramente ser compreendida a partir da sua dupla dimensão: objetividade e subjetividade e para tal, se faz necessário a incorporação de outros paradigmas teóricos que possam contribuir com esta efetividade analítica, para, a partir disto, ser possível construir políticas inclusivas que possam, ainda que nos marcos da sociedade de mercado, garantir que as pessoas possam ter a “liberdade de realizar mais – em sua vida". (SEN, 2000, p.333) Bibliografia ATKINSON, Rob. Combatendo a exclusão social urbana: o papel da participação comunitária na regeneração das cidades européias. Cadernos IPPUR, ano XII, n.1, Rio de Janeiro, UFRJ, jan.-jun. 1998. BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa, Edições 70, 1991. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes, Petrópolis: 1998. DEBORD, Guy. 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