Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 205-208 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Proveniência e intemperismo da área-fonte do Grupo Bauru no Oeste do Estado de Minas Gerais (Brasil) Provenance and source area weathering of Bauru Group of West Minas Gerais State (Brazil) N. H. Secol Mattos1*, A. Batezelli1 Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Estudos geoquímicos e mineralógicos de arenitos e argilitos da Bacia Bauru (Cretáceo Superior), localizada na região Sudeste do Brasil foram realizados visando à determinação da proveniência, tectônica da rocha fonte e o papel de processos como intemperismo, selecionamento e reciclagem sedimentar na assinatura geoquímica da rocha fonte. As amostras têm sua mineralogia principal composta por quartzo, microclínio e hematita e illita, montmorillonita e palygorskita como argilominerais. A cimentação carbonática é um importante aspecto a ser observado nessas rochas. Elementos maiores, vestigiais e terras raras (REE) e as razões elementais foram utilizadas para determinar a composição da rocha fonte, sugerindo que esta estava localizada em ambiente tectônico de margem continental passiva e que os sedimentos foram derivados de rochas félsicas. Os valores do CIA e do CIW indicam intemperismo variando de moderado a intenso na área fonte. O clima atuante durante o intemperismo era árido. A deposição sedimentar na Bacia Bauru reflete a interação de processos eólicos e lacustres. Palavras-chave: Geoquímica, Proveniência, Ambiente tectônico, Intemperismo. Abstract: Geochemical and mineralogical studies of sandstones and mudstones from the Late Cretaceous Bauru Basin of Southeast Brazil were undertaken to determine the provenance, tectonic setting of source rock and the role of weathering, sorting and recycling on the source rock geochemical signature. Samples are mainly composed of quartz, microcline, hematite and illite, montmorillonite and palygorskite as the clay minerals. Carbonate cementation is an important feature of these rocks. Major, trace and rare earth elements and the ratios among them, were used to determine provenance, suggesting source rock was located into a continental passive margin tectonic setting and sediments were derived from felsic source rocks. The CIA and CIW values indicate a moderate to intense weathering in the source area. Predominant climate during weathering were arid. Sedimentary deposition in Bauru Basin reflects an interaction of aeolian and lacustrine processes. Keywords: Geochemistry, Provenance, Tectonic setting, Weathering. 1 Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Caixa Postal 6152, Campinas, São Paulo, Brazil. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução e localização As rochas constituem um dos principais registros de informação referentes às condições pretéritas da superfície terrestre. A análise geoquímica tem assumido cada vez mais papel de importância para os estudos de proveniência e caracterização de sedimentos. O principal objetivo dos estudos de proveniência a partir da análise geoquímica é a reconstrução e interpretação do histórico do aporte sedimentar, desde a erosão da rocha-fonte até o soterramento final dos detritos, e, eventualmente, a dedução da localização geográfica e das características da área-fonte (Nesbitt et al., 1990; Cox et al., 1995). Este trabalho empregou técnicas analíticas como a Fluorescência de Raios X, o ICP-MS e a Difração de Raios X para a realização de uma caracterização geoquímica e mineralógica da área de estudo, e assim identificar as condições tectônicas e climáticas da área-fonte. O intervalo estratigráfico escolhido para este estudo está inserido no contexto da sedimentação da Bacia Bauru, localizado na região do Triângulo Mineiro no Estado de Minas Gerais. 2. Contexto geológico local A Bacia Bauru (Fig. 1) é uma bacia sedimentar intracratônica desenvolvida no interior da Plataforma SulAmericana após a abertura do Oceano Atlântico Sul. Sua gênese é considerada como uma resposta aos processos de subsidência termal, associada com o resfriamento das lavas basálticas da Formação Serra Geral (Cretáceo Inferior) e da reestruturação tectônica ocorrida no Cretáceo Superior (Batezelli, 2010), relacionada aos processos de reativação do embasamento pré-cambriano. O registro sedimentar desta bacia ocupa aproximadamente 330.000 km2 no território brasileiro e apresenta espessura máxima de 300 m. A Bacia Bauru tem idade Santoniana a Maastrichtiana e o preenchimento sedimentar desta bacia pode ser dividido em duas unidades litoestratigráficas, os grupos Bauru e Caiuá. 206 N. Secol Mattos, A. Batezelli / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 205-208 O Grupo Bauru sobrepõe os depósitos eólicos do Grupo Caiuá e consistem em rochas lamito-arenosas na base (Associação de Fácies Lacustre), arenitos na porção intermediária (Associação de Fácies Eólica) e arenitos, conglomerados e paleossolos no topo (Associação de Fácies Aluvial), constituindo tratos de sistema eólicolacustre e aluvial (Batezelli, 2003). Fig. 1. Mapa de localização da Bacia Bauru. Fig. 1. Bauru Basin location map. 3. Amostragem e metodologia Um total de 21 amostras foi coletado em uma seção sedimentar composta com 78 m de espessura, representando as diferentes litologias encontradas. As análises mineralógicas foram realizadas por meio da Difratometria de Raios-X na fração total da rocha e na fração argila (<2 µm) no Laboratório de DRX do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IGUNICAMP) utilizando um difratômetro Bruker 2D Phaser, com radiação KαCu e operado a 40 kV e 50 mA. A fração argila foi analisada em três condições separadas: em condições naturais, saturada com etilenoglicol e aquecida até 500 °C. Elementos maiores foram analisados por meio da Fluorescência de Raios-X em discos de vidro no Laboratório de Geoquímica Analítica do IG-UNICAMP. As análises foram realizadas em um espectrômetro modelo PW2404, da marca Phillips. O instrumento foi calibrado utilizando as amostras certificadas RGM-1, OU-6 e BRP-1. Elementos vestigiais e terras raras (REE) foram analisados por meio do ICP-MS no laboratório de Espectrometria de Massas do IG-UNICAMP. As amostras foram digeridas e analisadas em um aparelho ICP-MS quadrupolar da marca Thermo, modelo XseriesII, calibrado com a amostra certificada BRP-1. 4. Mineralogia da rocha total e da fração argila As amostras coletadas em campo foram classificadas em arenitos ferruginosos, folhelhos, grauvacas, litoarenitos e sublitoarenitos, por meio do diagrama de classificação geoquímica de Herron (1988) e dos dados de DRX. Este diagrama foi desenvolvido para distinguir variações súbitas Proveniência e intemperismo do Grupo Bauru (Brasil) nas classes composicionais de arenitos devida as grandes variações nas razões Fe2O3/K2O e SiO2/Al2O3 entre essas amostras. O enriquecimento de SiO2 sobre Al2O3 indica maior maturidade do arenito, reflexo dos processos intempéricos e de transporte. Maiores concentrações de Al2O3 indicam menor maturidade composicional e formação de argilas. A abundância de K2O reflete a abundância de feldspatos nas amostras e caracterizam a ocorrência de arenitos mais imaturos como arcósios, subarcósios e grauvacas. A concentração de Fe2O3 é derivada da concentração e preservação de minerais ferromagnesianos como micas, illita e magnetita e de seus produtos de alteração. Valores elevados de Al2O3 e de K2O indicam a ocorrência de folhelhos. Amostras que apresentam valores intermediários das razões Fe2O3/K2O e SiO2/Al2O3 são classificados como litoarenitos e sublitoarenitos. Arenitos ferruginosos, litoarenitos e sublitoarenitos são enriquecidos em quartzo e empobrecidas em Al2O3, K2O e TiO2, comparadas com grauvacas e folhelhos. O microclínio corresponde ao segundo mineral mais comum em todas as litologias classificadas, enquanto que a albita ocorre em amostras classificadas como grauvaca e folhelhos. Carbonatos estão presentes em todas as amostras como cimento. Hematita está concentrada principalmente nas amostras classificadas como arenitos ferruginosos, sendo encontrada também em amostras de litoarenito, grauvaca e folhelhos. Os principais minerais de argila identificados são illita, montmorillonita e palygorskita. Illita e montmorillonita estão presentes na maioria das amostras. A ocorrência de palygorskita em amostras classificadas como de litoarenito e sublitoarenito associados com cimentação carbonática e sua ausência em folhelhos e grauvacas indica que a formação deste mineral está relacionada a condições climáticas mais secas na bacia deposicional (Paquet, 1983). 5. Proveniência sedimentar Elementos maiores foram empregados para a discriminação da possível área fonte com relação à tectônica (Roser & Korsch, 1986) e por meio da Análise de Função Discriminante (Roser & Korsch, 1988). A área fonte das amostras do Grupo Bauru localiza-se no campo da margem passiva. Esses arenitos e argilitos foram retrabalhados na bacia sedimentar, resultante de um terreno graníticognáissico moderado a altamente intemperizado. Concentrações de Zr e Hf são maiores nas amostras classificadas como folhelhos e grauvacas, em comparação com litologias areníticas. Para essas amostras também ocorre um maior enriquecimento de elementos terras raras pesados (HREE) com relação aos leves (LREE), relacionados ao enriquecimento em plagioclásios e zircão nessas unidades. Essas diferenças composicionais indicam que o selecionamento sedimentar foi um processo importante na configuração sedimentar da área de estudo. Os elementos traço de transição (TTE), como Cr, Co, Ni, V, Sc e Cu concentram-se mais em rochas máficas e ultramáficas do que em rochas félsicas e seus produtos do 207 intemperismo. As razões Zr/Sc para as amostras analisadas apresentam valores elevados, indicando uma origem félsica para os sedimentos da Bacia Bauru na área de estudo. Os valores de Cr encontrados para as rochas da Bacia Bauru variam de 70,80 a 343,80 µg/g, enquanto que as concentrações de Ni são mais baixas, com um valor médio de 41,01±8,63 µg/g. As razões Cr/Ni apresentam valores que variam de 1,40 a 21,91 e o coeficiente de correlação (r= 0,65) é relativamente baixo, comparados com valores obtidos por Garver et al. (1996) para rochas máficas, descartando a ocorrência de aporte sedimentar máfico ou ultramáfico da área fonte. Razões como Eu/Eu*, (La/Yb)c, La/Sc, Th/Sc, Th/Co, Th/Cr e LREE/HREE são significativamente diferenciadas em rochas fonte máficas e félsicas (Cullers et al., 1988; Cullers, 1994; Cox et al., 1995). Essas razões (Tabela 1) permitem diferenciação de rochas fontes mesmo quando a reciclagem sedimentar é importante. Os valores obtidos para essas razões são correlacionáveis com os valores obtidos por Cullers (1994, 2000) e Cullers et al. (1988) para rochas félsicas. Tabela 1. Razões elementais para as rochas sedimentares da Bacia Bauru na área de estudo em comparação com valores do PAAS (Post-Archean Australian Shale, Taylor & McLennan, 1985), rochas félsicas e rochas máficas. Table 1. Elemental ratios for sedimentary rocks from Bauru Basin at the study area compared to PAAS (Post-Archean Australian Shale, Taylor & McLennan, 1985), felsic and mafic rocks values. (a) (b) (c) Taylor & McLennan (1985) Cullers (1994, 2000), Cullers et al. (1988) Este trabalho Os dados de paleocorrente obtidos para estratificações cruzadas em arenitos indicam que as direções preferenciais do fluxo sedimentar são N e NE (Batezelli et al., 2007; Batezelli, 2010), sugerindo que a Bacia Bauru seria alimentada pelos fluxos sedimentares da Província Alcalina de Goiás (PAGO) e Soerguimento do Alto Paranaíba. Essa hipótese foi evidenciada por dados petrográficos de arenitos da Bacia Bauru apresentados por Batezelli (2003) e Batezelli et al. (2005). 6. Intemperismo da área fonte A composição química das rochas sedimentares é refletida pela sua mineralogia primária, que normalmente esteve sujeita a intensidade de intemperismo químico pré e pós deposicional. A influência dos processos intempéricos nas rochas sedimentares foi avaliada em termos do Índice de Alteração Química (Chemical Alteration Index – CIA), proposto por Nesbitt & Young (1982), e do Índice 208 N. Secol Mattos, A. Batezelli / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 205-208 Químico de Intemperismo (Chemical Index of Weathering – CIW), de Harnois (1988). Os valores de CIA calculados para os argilitos e arenitos da área de estudo variam de 64,83 a 92,3, com uma média de 74,34, o que indica um nível moderado a intenso de intemperismo da rocha fonte. Perfis de alteração derivados de rochas graníticas apresentam valores de CIW variando de 59, correspondente à rocha fresca, a 98, indicando valores máximos de intemperismo. Os valores de CIW calculados para os argilitos e arenitos da Bacia Bauru variam de 84 a 98,2, com uma média de 91,6, indicando que os valores de intemperismo na área fonte variam de moderado a intenso. 7. Conclusões As rochas da Bacia Bauru, na área de estudo, apresentam predominantemente fontes félsicas. Resultados da análise de função discriminante utilizando elementos maiores e os valores obtidos para o CIA indicam a ocorrência de retrabalhamento sedimentar dentro da bacia de deposição. A Bacia Bauru seria alimentada pelos fluxos sedimentares da Província Alcalina de Goiás (PAGO) e Soerguimento do Alto Paranaíba, ambos de idade Neocretácea e com posição paleogeográfica dessas rochas indicando que o clima predominante durante os processos intempéricos era árido. A maturidade composicional de arenitos depositados na Bacia Bauru é possivelmente derivada de constante retrabalhamento sedimentar dentro da bacia sedimentar por meio de fluxos efêmeros ou perenes. Os folhelhos em áreas influenciadas por clima árido são preferencialmente depositados durante tempestades efêmeras em direção a uma depressão. Essa depressão quando alimentada com os fluxos aquosos se torna um ambiente lacustre, de modo que a deposição da Bacia Bauru nessa área de estudo reflete a interação de processos aluviais e lacustres. Interações eólico-lacustre similares as observadas na área de estudo também ocorrem em locais como Bacia Gobi-Mongólia (Grunert et al., 2009) e o Grupo Rotliegend, de idade Permiana, localizado na Holanda (McKie, 2011). Agradecimentos A CAPES pela bolsa de estudo de Mestrado concedida para a primeira autora. Referências Batezelli, A., 2003. Análise da sedimentação cretácea no triângulo mineiro e sua correlação com áreas adjacentes. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista (não publicada), 183 p. Batezelli, A., 2010. Arcabouço tectono-estratigráfico e evolução das Bacias Caiuá e Bauru no Sudeste Brasileiro. 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