O PENSAMENTO NACIONALISTA DO ISEB E A POLÍTICA

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O PENSAMENTO NACIONALISTA DO ISEB E A POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
Rafael Piccinini Machado (Graduando em Relações Internacionais – UFF)
A história do surgimento do Instituto Superior de Estudos Brasileiros relaciona-se a um
período de intensos embates políticos pela definição do futuro de um país que, aos olhos
de muitos, tinha tudo para recebê-lo de braços abertos. Desde 1930, o país passava por
uma fase de acelerado desenvolvimento econômico, tendo como base a industrialização.
Ao mesmo tempo, ensaiava-se a incorporação de uma imensa massa de novos
trabalhadores urbanos ao processo político. O período posterior a Segunda Grande Guerra
foi especialmente fecundo no campo intelectual. Inúmeras visões de Brasil e projetos de
mudança (tanto política quanto econômica) surgiram, em geral conflitantes entre si. São
dois elementos principais – desenvolvimentismo e nacionalismo – que irão marcar o
pensamento do grupo que pretendia “estudar os problemas brasileiros” a fim de entendêlos para, posteriormente, apontar possíveis soluções, funcionando como uma “assessoria
de governo” (Abreu, 2007).
Esse mesmo período foi marcado, no plano internacional, por acontecimentos que
atingiram direta ou indiretamente o Brasil como mostraremos adiante. Tais fatos afetaram
o conduzir de nossa política externa, restringindo o campo de ação da diplomacia
brasileira ou ampliando-o. Como veremos, o pensamento do ISEB e a política externa
brasileira dos governos Jânio Quadros e João Goulart apresentaram características
congruentes.
Pretendemos, primeiramente, mostrar, ainda que de forma breve, o pensamento
nacionalista do ISEB à luz das mudanças internas e condicionantes externos aos quais o
país estava sujeito. Em um segundo momento, apontaremos as visões do ISEB acerca da
inserção internacional do Brasil, comparando-a, em seguida, com os princípios da
Política Externa Independente (PEI), buscando evidenciar pontos congruentes entre os
dois.
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Antecedentes e Criação Institucional
O ISEB surgiu a partir de um grupo de intelectuais dispostos a rediscutir a realidade do
país e as respectivas interpretações dadas a elas. Sua origem “está no Grupo de Itatiaia,
formado por intelectuais e técnicos da administração pública do Rio de Janeiro e de São
Paulo.” (Abreu, 2007). A partir do grupo, cria-se o Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política (Ibesp). A idéia era estudar e debater os problemas políticos,
econômicos e sociais do Brasil, sempre à luz do contexto internacional e, posteriormente,
formular soluções aplicáveis à sociedade, atreladas a um projeto de desenvolvimento
econômico e social. Sob a égide do Ibesp, inicia-se a tentativa de formular um projeto de
desenvolvimento, conquistando espaço entre a opinião pública interessada no tema. Para
tanto, começam a publicar os Cadernos do Nosso Tempo (Schwartzman, 1981).
É somente durante o governo Café Filho que, a partir de reivindicações dos
Ibespianos, cria-se oficialmente um centro de altos estudos, por meio do Ministério da
Educação, “que teria como finalidade analisar a realidade brasileira e, ao mesmo tempo,
exercer papel de assessoria de governo para orientar a política de desenvolvimento.”
(Abreu, 2007). Nomes como Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Cândido Mendes de
Almeida, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck
Sodré formavam o conjunto de importantes intelectuais que trabalharam no instituto. É
preciso destacar a heterogeneidade do pensamento do centro como um todo, pois seus
autores nem sempre concordavam entre si. No entanto, o empenho em desenvolver uma
ideologia “nacional-desenvolvimentista” canalizou os esforços da maior parte de seus
intelectuais, sendo este um elemento em comum que nos permite considerar, no presente
trabalho, o pensamento do grupo como um todo (embora enfatizando alguns trabalhos
mais importantes).
Muitos autores, dentre eles Hélio Jaguaribe, distinguem dois momentos do ISEB
(Toledo, 1997). Em um primeiro, logo após sua criação, o instituto teria tendências
moderadas e se orientaria politicamente para a centro-esquerda. Para Bresser-Pereira: “O
fim do governo JK seria o fim das ilusões que o capitalismo pregou aos isebianos. O fim
do nacional-desenvolvimentismo está relacionado com a percepção de que o
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desenvolvimento veio para poucos e não para toda a nação, como imaginavam os
membros do ISEB.” (Bresser-Pereira, 2004).
Posteriormente, controvérsias internas resultaram na saída de importantes
intelectuais como o próprio Jaguaribe e Guerreiro Ramos. Em um segundo momento,
portanto, a postura política da instituição se radicaliza rumo ao “socialismo populista”
(Toledo, 1997). Em inícios dos anos 1960, abandonando seu caráter reformista e defensor
da ideologia “nacional-desenvolvimentista” dos anos 1950, o instituto passa a defender a
necessidade das Reformas de Base, propostas pelo governo João Goulart (Abreu, 2007).
Essa fase coincide com o período de crescente instabilidade política que se anuncia
durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart, terminando com o golpe de 1º de
abril de 1964. Doze dias depois, o novo regime extinguiria a instituição, vista pelos
golpistas como ligada ao governo Goulart e à defesa das Reformas de Base.
A ideologia “Nacional-Desenvolvimentista”
O principal objetivo do ISEB era o de formular uma ideologia que pudesse orientar o
desenvolvimento autônomo brasileiro. A produção ideológica, como aponta Toledo,
“tratava-se (...) de forjar uma precisa e determinada ideologia: aquela, diziam quase
unanimemente,
exigida
pela Nação a fim
de „tomar consciência‟ de seu
subdesenvolvimento e lutar para a superação desse estágio, mediante um esforço
desenvolvimentista” (Toledo, 1997). Vê-se que, aliada à produção acadêmica, estava uma
vontade de promover mudanças políticas, econômicas e sociais profundas na sociedade
brasileira, defendendo, aquela que seria o motor do desenvolvimento autônomo: a
industrialização. Tal produção ideológica não atrapalharia nem se contrapunha, segundo
os isebianos, à produção científica, sendo mais verdadeira (sob a ótica epistemológica) e
eficaz (do ponto de vista da mudança político-social) quanto mais rigorosa fosse sua
produção teórica e científica a respeito da realidade brasileira. Para de Souza (de Souza,
2009), os isebianos, em sua maioria, não viam na criação de uma nova ideologia uma
forma de dominação.
Ainda sob o Ibesp, desenvolve-se, a partir de Hélio Jaguaribe, uma tese que
marcará o pensamento do instituto durante sua primeira fase. Tal tese via na sociedade
brasileira, naquele momento, uma “frente comum” (Abreu, 2007) formada pela burguesia
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industrial, classe média e proletariado, que se oporia à “burguesia fundiária e mercantil”.
Os primeiros teriam interesses convergentes, pois visavam a expansão do mercado
interno, a melhorias no padrão de vida do povo e à diminuição do total de importações
(Abreu, 2007), algo que só seria alcançado através da industrialização. O segundo grupo
seria a favor da manutenção do status quo, ou seja, do baixo nível de renda da população
e da economia agroexportadora. A convivência com o modelo anterior, que o país
carregaria como uma “herança colonial” impediria a completa hegemonia dos interesses
industriais.
A proposta de uma ideologia “nacional-desenvolvimentista” buscava funcionar
como um fator unificador, um elo entre as classes sociais capaz de manter a “frente
comum” unida em torno do objetivo maior: o desenvolvimento. Vale ressaltar, que, para
quase todos os isebianos, a contradição capital x trabalho, identificável no modelo de
produção capitalista, não se apresentaria no Brasil, pois tal contradição “somente
alcançará seu caráter de dominância, dentro da formação quando esta atingir o estágio
dito desenvolvido” (Toledo, 1997). Dessa forma, os isebianos assumiam que o
desenvolvimento teria de ocorrer sob vias capitalistas, pois só a partir de um sistema
capitalista plenamente desenvolvido no país é que se poderia falar de contradições típicas
deste modelo.
O desenvolvimento era conceitualizado, ainda na primeira “fase” do ISEB, se utilizando
de elementos presentes em Marx, Schumpeter e no estruturalismo latino-americano de
Prébisch e Furtado (Bresser-Pereira, 2004). Para Bresser-Pereira, desenvolvimento “é um
processo de acumulação de capital e de incorporação de progresso técnico através do qual
a renda por habitante, ou, mais precisamente, os padrões de vida da população aumentam
de forma sustentada.” De acordo com Furtado: “O crescimento das economias
subdesenvolvidas é, sobretudo, um processo de assimilação da técnica prevalecente na
época” (Furtado, 2009). Ou seja, a definição “cepalina” clássica de desenvolvimento
considerava, grosso modo, que desenvolvimento era industrialização. O mesmo
pensavam os isebianos. No entanto, iam mais além, acreditando que desenvolvimento era
uma série de transformações, econômicas, sociais, culturais, ideológicas pelas quais
deveria passar a sociedade (Bresser-Pereira, 2004). Assim sendo, para se atingir o
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desenvolvimento, era imprescindível uma “revolução capitalista”, que, por ser capaz de
incorporar novas técnicas produtivas e gerar crescimento sustentado, somente a indústria
poderia promover. Para apoiá-la, a existência de planejamento e liderança estatal se
faziam imperativos. O Estado seria a instituição nacional mais importante e se construiria
juntamente ao desenvolvimento, facilitando-o ao se utilizar de instrumentos (proteção à
indústria – através do processo de substituição de importações) que criassem condições
econômicas propícias à industrialização. Ao lado dele, a presença dos empresários
nacionais se fazia necessária, pois a burguesia industrial seria aquela genuinamente
nacional.
A abordagem do desenvolvimento por parte do ISEB significava também uma
crítica ao modelo agroexportador, que ainda persistia à época. Identificavam nesse
modelo anacrônico, a existência de práticas “semicoloniais”, ainda ligadas às atividades e
à estrutura capitalista mercantil, típica da colônia. O país, ao se tornar independente, teria
alcançado sua independência política formal, mantendo, porém, estruturas econômicas
coloniais – por isso, seria ainda “semicolonial”. Mais além, suas idéias e sua cultura
ainda estariam ligadas à metrópole. (Toledo, 1997). No subdesenvolvimento (ou no
semicolonialismo) não haveria cultura própria, pois ela seria um mero reflexo da cultura
“metropolitana”. Como afirma Roland Corbisier: “Tudo é colonial na colônia” (Toledo,
1997).
O Nacionalismo
Ao nacionalismo, caberia acompanhar o processo de desenvolvimento autônomo. Por
isso, junto à “Revolução Capitalista” defendida pelo ISEB estaria a “Revolução
Nacional” (Bresser-Pereira, 2004). Seria ela a única capaz de superar os conflitos gerados
pela primeira, entre a burguesia nacional e os trabalhadores (ou o conflito capital X
trabalho), uma vez que ele ocorreria devido ao desenvolvimento. Além disso, dada a
existência do imperialismo (sobre o qual falaremos adiante), seria imprescindível a
existência de um forte nacionalismo capaz de forjar um Estado Nacional equivalente
àqueles dos países plenamente desenvolvidos, que estivesse à altura das necessidades
estratégicas brasileiras. O Estado, dotado de ideologia plenamente “nacional”, seria capaz
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de identificar e perseguir seus reais interesses nas questões internacionais, abandonando
também idéias que marcaram o período “semicolonial”.
Uma nação subdesenvolvida, para Vieira Pinto, não possuiria o comando de sua
própria economia, que estaria nas mãos de potências estrangeiras imperialistas. “E, como
não controlava a economia, a nação subdesenvolvida não tinha meios de comandar seu
destino” (Bresser-Pereira, 2004). Daí depreende-se que a nação não seria plenamente
soberana, devendo esta praticar uma política nacionalista e adquirir “essência de nação”.
Neste caminho, caberia à comunidade tomar consciência de si mesma enquanto tal (Pinto,
1958). Por isso, o desenvolvimento significaria soberania e independência econômica
(Abreu, 2007). No plano das relações internacionais, o nacionalismo político daria ao
país uma posição mais autônoma frente aos EUA e às demais grandes potências.
O nacionalismo, portanto, deveria funcionar, aos olhos do instituto, como apoio
ao processo de desenvolvimento, permitindo ao país maior e melhor capacidade decisória
(uma vez que identificaria os reais interesses da nação) e alçando-o a posição de Estado
plenamente soberano, o que permitiria melhor posição internacional frente às potências
estrangeiras.
O ISEB e a inserção internacional do Brasil
Não há, por parte do ISEB, publicações que se debrucem exclusivamente sobre a posição
do Brasil no sistema internacional (Junior, 2005)1. No entanto, ao pensar o Brasil ao
longo de seus trabalhos, pensaram também de que modo o país efetivamente se inseria
nesse sistema e como ele deveria se inserir em seu processo de desenvolvimento.
O período de existência do ISEB foi marcado por importantes transformações
mundiais que se refletiram no Brasil. No cenário estratégico mais amplo, o mundo
assistia à maior difusão de poder desde o imediato pós-Segunda Guerra Mundial. O fim
dos anos 1950 foi marcado pelo salto tecnológico e militar dado pela URSS, assim como
pela ascensão de outros países à posição de potência nuclear. A Europa e o Japão, enfim
reconstruídos tornavam-se, já nos anos 1960, competidores dos EUA em manufaturados,
com tecnologia de ponta em inúmeros setores. Fato marcante foi o surgimento – a partir
1
Exceção feita a alguns números dos “Cadernos do Povo Brasileiro”, tal com o Número 21: “Qual é a
política externa conveniente ao Brasil?” de Vamireh Chacon. (Lovatto, 2010)
6
da descolonização de antigas possessões européias – do Terceiro Mundo que buscaria
criar um esforço comum em prol do desenvolvimento dos Estados recém-independentes,
culminando na criação da UNCTAD em 1964 (Gonçalves, 2010). Importante também foi
a Revolução Cubana que reorientaria a política externa americana para a região,
atingindo diretamente o Brasil.
Identifica-se no pensamento isebiano uma interpretação bastante clara acerca da
inserção internacional brasileira, trabalhada na idéia de dependência da economia
brasileira às economias desenvolvidas. A dependência, no entanto, abrangeria outras
áreas, estando atrelada a uma estrutura de alienação da condição do brasileiro enquanto
tal, englobando o campo cultural e político. Não sendo o “senhor de seu próprio destino”,
o país se encontraria na condição de objeto, e não sujeito da história (Toledo, 1997).
Neste sentido, utilizam-se também da distinção cepalina entre centro (metrópole)
e periferia, uma vez que seríamos dependentes dos países centrais, funcionando, em
nosso estado “semicolonial” como uma economia voltada para a exportação de produtos
primários. Dada a sua condição de dependência, o país não gozaria, portanto, de sua
plena soberania dentro de um sistema de poder. Não possuiria o comando de sua própria
economia, que se encontraria nas mãos de países imperialistas centrais. Por isso, sob uma
condição alienada e dependente, o Brasil não teria a capacidade de seguir uma política
externa semelhante àquelas dos países desenvolvidos. Não seria a capaz de perseguir seus
reais interesses nacionais, até porque haveria dificuldades em se definir quais seriam
esses interesses.
Alguns intelectuais, como Álvaro Vieira Pinto, chegaram a tentar caracterizar o
interesse nacional. Para ele, no processo em que se encontrava o Brasil, o interesse
nacional só poderia ser identificado como o desenvolvimento pleno da nação, pois este
era o interesse geral da sociedade brasileira. Algo muito similar é expresso nas linhas
gerais da PEI ao buscar dar o apoio necessário ao desenvolvimento, como veremos
adiante.
Era, no entanto, visível o caminho trilhado pelo país rumo à superação de sua
situação de subdesenvolvimento e dependência. Para os isebianos, em 1930, ter-se-ia
iniciado um processo de industrialização que capacitaria o Brasil de “uma ampla
infraestrutura que o leva(ria) a transcender o seu status agrário e alcançar categoria de
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economia industrial”(Ramos, 1957). Neste sentido, ao deixar para trás sua posição de
periferia, o país poderia assumir uma posição autônoma e soberana no contexto
internacional, podendo fazer suas próprias escolhas. Por isso, para os teóricos do ISEB,
“o desenvolvimento econômico da nação representaria o fim de todas as suas
dependências ou alienações” (Toledo, 1997).
Na visão dos isebianos o imperialismo poderia se mostrar como um impedimento
ao desenvolvimento nacional, pois era entendido como “a forma habitual de dominação
econômica dos países ricos sobre os pobres.” (Bresser-Pereira, 2004). As nações centrais
teriam interesse em manter os países periféricos em um estado de “próspero
subdesenvolvimento” (Toledo, 1997). A presença de interesses de nações mais poderosas
e já plenamente desenvolvidas poderia retardar o desenvolvimento nacional e ameaçá-lo.
Ao se aliarem às classes conservadoras internas, potências imperialistas poderiam limitar
a capacidade de atuação do governo para produzir mudanças em prol do
desenvolvimento.
Neste sentido, induz-se que a diplomacia brasileira deveria ser ativa e buscar
manobrar no cenário internacional de forma a possibilitar maiores ganhos para levar
adiante o projeto desenvolvimentista nacional. Para tanto, era necessário buscar maior
autonomia no âmbito externo algo extremamente difícil para um país periférico que só
então passava por sua “revolução capitalista”. Faltavam-lhe meios para defender seus
interesses – meios militares, e, sobretudo, econômicos. Para Guerreiro Ramos (Ramos,
1957), o cenário mundial mutante de seu período – a partir do desenvolvimento bélico e
tecnológico da URSS e a ascensão do Terceiro Mundo – possibilitava ao Brasil mais
espaço para definir sua política externa em termos autônomos. Defende, pois, (ao abordar
o tema da segurança nacional) que o Brasil deveria aproximar-se de países com interesses
semelhantes aos seus, de Estados que se encontrassem também em processo de
desenvolvimento:
O Brasil, portanto, nada tem a perder se, aliando-se tácita ou explicitamente a
países de interesses semelhantes aos seus, contribuir para agravar os
desequilíbrios já esboçados no campo mundial e que tendem a diminuir a
unilateralidade dos condicionamentos hegemônicos. (Ramos, 1957)
8
O ISEB e a Política Externa Independente
Muitas das idéias desenvolvidas pela Política Externa Independente (PEI), tanto no
campo teórico quanto no campo prático, nos remetem diretamente ao pensamento do
ISEB. Torna-se desnecessário mencionar que, dada a efervescência política e intelectual
da época, os princípios da PEI correspondiam a muitas das idéias defendidas pelo
instituto; tendo este influenciado a política externa brasileira, se não direta, indiretamente.
A
Política
Externa
Independente
surge
como
resposta
às
aceleradas
transformações que se verificavam tanto no contexto interno quanto no externo
(Vizentini, 2003). Como mencionado, externamente, a consolidação e surgimento de
novos e relevantes atores internacionais conferiram ao país mais opções de articulação
política. Da mesma forma, o cenário interno era marcado por um discurso que defendia o
desenvolvimento nacional através da industrialização e de políticas de caráter
nacionalista. Neste sentido, a PEI buscou aproveitar as condições internacionais
favoráveis para questionar o status quo global (Vizentini, 2003).
Ensaiada ainda no governo do conservador Jânio Quadros, com o embaixador
Afonso Arinos como chanceler, a PEI só ganharia contornos teóricos e práticos sob o
conturbado governo João Goulart. San Tiago Dantas, como Ministro das Relações
Exteriores, dotou a PEI do embasamento teórico necessário e fez dela “um projeto
coerente, articulado e sistemático visando transformar a atuação internacional do Brasil”
(Vizentini, 2003). A política externa brasileira, até então, havia sido apenas um reflexo da
posição internacional do Brasil, ou seja, política externa típica de um país periférico e
dependente. No entanto, graças ao processo de industrialização brasileiro e às mudanças
no contexto internacional, a política externa passou a servir de instrumento aos projetos
nacionais que se estabeleciam: a PEI busca dar suporte ao processo de desenvolvimento e
industrialização que já vinha ocorrendo no Brasil desde 1930.
O desenvolvimento de bases nacionalistas, característico do período, entraria,
inevitavelmente, em choque – como propunham os intelectuais do ISEB –com os
interesses norte-americanos, potência hegemônica do hemisfério ocidental, no qual o
Brasil estava inserido. A PEI, portanto, buscava barganhar com os EUA, utilizando-se de
elementos nacionalistas, mas, sobretudo, da diversificação de parceiros, levando a prática
diplomática brasileira do âmbito regional para o global. Por isso, verifica-se no período a
9
aproximação a outros grandes países desenvolvidos – Europa Ocidental e Japão – e,
principalmente, a prática de uma política multilateral sul-sul, aprofundando laços com
países recém-independentes, com o terceiro-mundo de forma geral e com países
comunistas do leste (Dantas, 1962).
Aliado à diversificação de parcerias, estava a busca de maior autonomia para
levar a cabo uma política externa condizente com os interesses brasileiros, ou seja,
condizente com os interesses do desenvolvimento. Dessa forma, a PEI pregava a
independência brasileira de qualquer bloco político-militar, como evidencia San Tiago
Dantas: “podemos dizer que a posição internacional de nosso país (...) tem evoluído
constantemente para uma atitude de independência com relação a blocos políticomilitares.” (Dantas, 1962). Assim sendo, o Brasil deveria agir da maneira que conviesse
ao seu interesse principal, a depender das circunstâncias.
A partir desta breve discussão acerca da PEI, podemos reconhecer idéias
claramente identificáveis com aquelas do ISEB. Todo o discurso em defesa do
desenvolvimento; a ênfase dada à retórica nacionalista; bem como a busca por maior
autonomia no cenário global através da multilateralização das parcerias e aproximação
com o terceiro-mundo são práticas que estão de acordo com o que pregava o instituto,
anos antes, ainda sob o “primeiro ISEB”. Idéias estas que já estavam presentes entre
aqueles intelectuais desde o tempo do Ibesp:
A grande preocupação do Ibesp com temas relativos à política internacional (...)
parece responder ao clima particularmente agudo da guerra fria no início da
década de 1950, não permanecendo no tempo a não ser no esforço de
aproximação com os novos países africanos, e uma idéia de uma política externa
independente que não deixaria de produzir seus frutos. (Schwartzman,
1981).
A PEI, nos anos em que foi posta em prática (1960-64), sobretudo durante o
governo João Goulart – tido como “esquerdista” –, serviu, internamente, para fomentar a
reação conservadora que culminou no Golpe de 1964, apoiado pelos EUA, que, após a
Revolução Cubana exerciam maior controle sobre a região, reafirmando sua hegemonia
no bloco ocidental. O governo golpista, inicialmente alterou a política externa brasileira
para um realinhamento com os EUA, abandonando os princípios da PEI.
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Considerações Finais
Vê-se, a partir do defendido e praticado pela PEI, aproximações claras ao pensamento
nacional-desenvolvimentista do ISEB. A política externa independente, apesar de uma
experiência de curta duração, deixará um legado que será seguido posteriormente por
presidentes do regime militar e, atualmente, pelo governo do presidente Lula. As idéias
do ISEB vão embasar a retórica nacionalista defendida por essa política, que estava
intimamente associada à tentativa de se criar no Brasil um sistema capitalista
desenvolvido, que permitisse a real melhora das condições de vida da população
brasileira.
O ISEB buscou formular uma ideologia nacional-desenvolvimentista para o
Estado brasileiro em fins dos anos 1950, sob o governo Juscelino Kubitschek.
Indissociável a ela estaria a criação de uma política externa robusta e condizente com as
aspirações e os interesses nacionais – expressamente o interesse do desenvolvimento. A
visão de inserção internacional do Brasil – naquele contexto – para os isebianos indicava
a existência de grande dependência às nações desenvolvidas, dependência que também
era fruto de nossa estrutura econômica, política, social e cultural subdesenvolvida. Viam,
no entanto, a industrialização, o desenvolvimento e a concretização de um projeto
nacional que levasse o país à “revolução burguesa” e à “revolução nacional”, como uma
forma de romper com o subdesenvolvimento e com a dependência, alçando o país ao
mesmo patamar que países já desenvolvidos. Estes seriam plenamente soberanos, pois
teriam os meios de controle de suas economias nacionais, tendo capacidade de definir
suas políticas e estratégias de forma autônoma. O Brasil, na visão isebiana estaria
trilhando esse caminho. Daí a consonância com a Política Externa independente, que,
mais que abrir caminho ao desenvolvimento, visava dotar o Brasil de autonomia e
capacidade de ser, enfim, “senhor de seu próprio destino”.
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