O PENSAMENTO NACIONALISTA DO ISEB E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA Rafael Piccinini Machado (Graduando em Relações Internacionais – UFF) A história do surgimento do Instituto Superior de Estudos Brasileiros relaciona-se a um período de intensos embates políticos pela definição do futuro de um país que, aos olhos de muitos, tinha tudo para recebê-lo de braços abertos. Desde 1930, o país passava por uma fase de acelerado desenvolvimento econômico, tendo como base a industrialização. Ao mesmo tempo, ensaiava-se a incorporação de uma imensa massa de novos trabalhadores urbanos ao processo político. O período posterior a Segunda Grande Guerra foi especialmente fecundo no campo intelectual. Inúmeras visões de Brasil e projetos de mudança (tanto política quanto econômica) surgiram, em geral conflitantes entre si. São dois elementos principais – desenvolvimentismo e nacionalismo – que irão marcar o pensamento do grupo que pretendia “estudar os problemas brasileiros” a fim de entendêlos para, posteriormente, apontar possíveis soluções, funcionando como uma “assessoria de governo” (Abreu, 2007). Esse mesmo período foi marcado, no plano internacional, por acontecimentos que atingiram direta ou indiretamente o Brasil como mostraremos adiante. Tais fatos afetaram o conduzir de nossa política externa, restringindo o campo de ação da diplomacia brasileira ou ampliando-o. Como veremos, o pensamento do ISEB e a política externa brasileira dos governos Jânio Quadros e João Goulart apresentaram características congruentes. Pretendemos, primeiramente, mostrar, ainda que de forma breve, o pensamento nacionalista do ISEB à luz das mudanças internas e condicionantes externos aos quais o país estava sujeito. Em um segundo momento, apontaremos as visões do ISEB acerca da inserção internacional do Brasil, comparando-a, em seguida, com os princípios da Política Externa Independente (PEI), buscando evidenciar pontos congruentes entre os dois. 1 Antecedentes e Criação Institucional O ISEB surgiu a partir de um grupo de intelectuais dispostos a rediscutir a realidade do país e as respectivas interpretações dadas a elas. Sua origem “está no Grupo de Itatiaia, formado por intelectuais e técnicos da administração pública do Rio de Janeiro e de São Paulo.” (Abreu, 2007). A partir do grupo, cria-se o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp). A idéia era estudar e debater os problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil, sempre à luz do contexto internacional e, posteriormente, formular soluções aplicáveis à sociedade, atreladas a um projeto de desenvolvimento econômico e social. Sob a égide do Ibesp, inicia-se a tentativa de formular um projeto de desenvolvimento, conquistando espaço entre a opinião pública interessada no tema. Para tanto, começam a publicar os Cadernos do Nosso Tempo (Schwartzman, 1981). É somente durante o governo Café Filho que, a partir de reivindicações dos Ibespianos, cria-se oficialmente um centro de altos estudos, por meio do Ministério da Educação, “que teria como finalidade analisar a realidade brasileira e, ao mesmo tempo, exercer papel de assessoria de governo para orientar a política de desenvolvimento.” (Abreu, 2007). Nomes como Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Cândido Mendes de Almeida, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré formavam o conjunto de importantes intelectuais que trabalharam no instituto. É preciso destacar a heterogeneidade do pensamento do centro como um todo, pois seus autores nem sempre concordavam entre si. No entanto, o empenho em desenvolver uma ideologia “nacional-desenvolvimentista” canalizou os esforços da maior parte de seus intelectuais, sendo este um elemento em comum que nos permite considerar, no presente trabalho, o pensamento do grupo como um todo (embora enfatizando alguns trabalhos mais importantes). Muitos autores, dentre eles Hélio Jaguaribe, distinguem dois momentos do ISEB (Toledo, 1997). Em um primeiro, logo após sua criação, o instituto teria tendências moderadas e se orientaria politicamente para a centro-esquerda. Para Bresser-Pereira: “O fim do governo JK seria o fim das ilusões que o capitalismo pregou aos isebianos. O fim do nacional-desenvolvimentismo está relacionado com a percepção de que o 2 desenvolvimento veio para poucos e não para toda a nação, como imaginavam os membros do ISEB.” (Bresser-Pereira, 2004). Posteriormente, controvérsias internas resultaram na saída de importantes intelectuais como o próprio Jaguaribe e Guerreiro Ramos. Em um segundo momento, portanto, a postura política da instituição se radicaliza rumo ao “socialismo populista” (Toledo, 1997). Em inícios dos anos 1960, abandonando seu caráter reformista e defensor da ideologia “nacional-desenvolvimentista” dos anos 1950, o instituto passa a defender a necessidade das Reformas de Base, propostas pelo governo João Goulart (Abreu, 2007). Essa fase coincide com o período de crescente instabilidade política que se anuncia durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart, terminando com o golpe de 1º de abril de 1964. Doze dias depois, o novo regime extinguiria a instituição, vista pelos golpistas como ligada ao governo Goulart e à defesa das Reformas de Base. A ideologia “Nacional-Desenvolvimentista” O principal objetivo do ISEB era o de formular uma ideologia que pudesse orientar o desenvolvimento autônomo brasileiro. A produção ideológica, como aponta Toledo, “tratava-se (...) de forjar uma precisa e determinada ideologia: aquela, diziam quase unanimemente, exigida pela Nação a fim de „tomar consciência‟ de seu subdesenvolvimento e lutar para a superação desse estágio, mediante um esforço desenvolvimentista” (Toledo, 1997). Vê-se que, aliada à produção acadêmica, estava uma vontade de promover mudanças políticas, econômicas e sociais profundas na sociedade brasileira, defendendo, aquela que seria o motor do desenvolvimento autônomo: a industrialização. Tal produção ideológica não atrapalharia nem se contrapunha, segundo os isebianos, à produção científica, sendo mais verdadeira (sob a ótica epistemológica) e eficaz (do ponto de vista da mudança político-social) quanto mais rigorosa fosse sua produção teórica e científica a respeito da realidade brasileira. Para de Souza (de Souza, 2009), os isebianos, em sua maioria, não viam na criação de uma nova ideologia uma forma de dominação. Ainda sob o Ibesp, desenvolve-se, a partir de Hélio Jaguaribe, uma tese que marcará o pensamento do instituto durante sua primeira fase. Tal tese via na sociedade brasileira, naquele momento, uma “frente comum” (Abreu, 2007) formada pela burguesia 3 industrial, classe média e proletariado, que se oporia à “burguesia fundiária e mercantil”. Os primeiros teriam interesses convergentes, pois visavam a expansão do mercado interno, a melhorias no padrão de vida do povo e à diminuição do total de importações (Abreu, 2007), algo que só seria alcançado através da industrialização. O segundo grupo seria a favor da manutenção do status quo, ou seja, do baixo nível de renda da população e da economia agroexportadora. A convivência com o modelo anterior, que o país carregaria como uma “herança colonial” impediria a completa hegemonia dos interesses industriais. A proposta de uma ideologia “nacional-desenvolvimentista” buscava funcionar como um fator unificador, um elo entre as classes sociais capaz de manter a “frente comum” unida em torno do objetivo maior: o desenvolvimento. Vale ressaltar, que, para quase todos os isebianos, a contradição capital x trabalho, identificável no modelo de produção capitalista, não se apresentaria no Brasil, pois tal contradição “somente alcançará seu caráter de dominância, dentro da formação quando esta atingir o estágio dito desenvolvido” (Toledo, 1997). Dessa forma, os isebianos assumiam que o desenvolvimento teria de ocorrer sob vias capitalistas, pois só a partir de um sistema capitalista plenamente desenvolvido no país é que se poderia falar de contradições típicas deste modelo. O desenvolvimento era conceitualizado, ainda na primeira “fase” do ISEB, se utilizando de elementos presentes em Marx, Schumpeter e no estruturalismo latino-americano de Prébisch e Furtado (Bresser-Pereira, 2004). Para Bresser-Pereira, desenvolvimento “é um processo de acumulação de capital e de incorporação de progresso técnico através do qual a renda por habitante, ou, mais precisamente, os padrões de vida da população aumentam de forma sustentada.” De acordo com Furtado: “O crescimento das economias subdesenvolvidas é, sobretudo, um processo de assimilação da técnica prevalecente na época” (Furtado, 2009). Ou seja, a definição “cepalina” clássica de desenvolvimento considerava, grosso modo, que desenvolvimento era industrialização. O mesmo pensavam os isebianos. No entanto, iam mais além, acreditando que desenvolvimento era uma série de transformações, econômicas, sociais, culturais, ideológicas pelas quais deveria passar a sociedade (Bresser-Pereira, 2004). Assim sendo, para se atingir o 4 desenvolvimento, era imprescindível uma “revolução capitalista”, que, por ser capaz de incorporar novas técnicas produtivas e gerar crescimento sustentado, somente a indústria poderia promover. Para apoiá-la, a existência de planejamento e liderança estatal se faziam imperativos. O Estado seria a instituição nacional mais importante e se construiria juntamente ao desenvolvimento, facilitando-o ao se utilizar de instrumentos (proteção à indústria – através do processo de substituição de importações) que criassem condições econômicas propícias à industrialização. Ao lado dele, a presença dos empresários nacionais se fazia necessária, pois a burguesia industrial seria aquela genuinamente nacional. A abordagem do desenvolvimento por parte do ISEB significava também uma crítica ao modelo agroexportador, que ainda persistia à época. Identificavam nesse modelo anacrônico, a existência de práticas “semicoloniais”, ainda ligadas às atividades e à estrutura capitalista mercantil, típica da colônia. O país, ao se tornar independente, teria alcançado sua independência política formal, mantendo, porém, estruturas econômicas coloniais – por isso, seria ainda “semicolonial”. Mais além, suas idéias e sua cultura ainda estariam ligadas à metrópole. (Toledo, 1997). No subdesenvolvimento (ou no semicolonialismo) não haveria cultura própria, pois ela seria um mero reflexo da cultura “metropolitana”. Como afirma Roland Corbisier: “Tudo é colonial na colônia” (Toledo, 1997). O Nacionalismo Ao nacionalismo, caberia acompanhar o processo de desenvolvimento autônomo. Por isso, junto à “Revolução Capitalista” defendida pelo ISEB estaria a “Revolução Nacional” (Bresser-Pereira, 2004). Seria ela a única capaz de superar os conflitos gerados pela primeira, entre a burguesia nacional e os trabalhadores (ou o conflito capital X trabalho), uma vez que ele ocorreria devido ao desenvolvimento. Além disso, dada a existência do imperialismo (sobre o qual falaremos adiante), seria imprescindível a existência de um forte nacionalismo capaz de forjar um Estado Nacional equivalente àqueles dos países plenamente desenvolvidos, que estivesse à altura das necessidades estratégicas brasileiras. O Estado, dotado de ideologia plenamente “nacional”, seria capaz 5 de identificar e perseguir seus reais interesses nas questões internacionais, abandonando também idéias que marcaram o período “semicolonial”. Uma nação subdesenvolvida, para Vieira Pinto, não possuiria o comando de sua própria economia, que estaria nas mãos de potências estrangeiras imperialistas. “E, como não controlava a economia, a nação subdesenvolvida não tinha meios de comandar seu destino” (Bresser-Pereira, 2004). Daí depreende-se que a nação não seria plenamente soberana, devendo esta praticar uma política nacionalista e adquirir “essência de nação”. Neste caminho, caberia à comunidade tomar consciência de si mesma enquanto tal (Pinto, 1958). Por isso, o desenvolvimento significaria soberania e independência econômica (Abreu, 2007). No plano das relações internacionais, o nacionalismo político daria ao país uma posição mais autônoma frente aos EUA e às demais grandes potências. O nacionalismo, portanto, deveria funcionar, aos olhos do instituto, como apoio ao processo de desenvolvimento, permitindo ao país maior e melhor capacidade decisória (uma vez que identificaria os reais interesses da nação) e alçando-o a posição de Estado plenamente soberano, o que permitiria melhor posição internacional frente às potências estrangeiras. O ISEB e a inserção internacional do Brasil Não há, por parte do ISEB, publicações que se debrucem exclusivamente sobre a posição do Brasil no sistema internacional (Junior, 2005)1. No entanto, ao pensar o Brasil ao longo de seus trabalhos, pensaram também de que modo o país efetivamente se inseria nesse sistema e como ele deveria se inserir em seu processo de desenvolvimento. O período de existência do ISEB foi marcado por importantes transformações mundiais que se refletiram no Brasil. No cenário estratégico mais amplo, o mundo assistia à maior difusão de poder desde o imediato pós-Segunda Guerra Mundial. O fim dos anos 1950 foi marcado pelo salto tecnológico e militar dado pela URSS, assim como pela ascensão de outros países à posição de potência nuclear. A Europa e o Japão, enfim reconstruídos tornavam-se, já nos anos 1960, competidores dos EUA em manufaturados, com tecnologia de ponta em inúmeros setores. Fato marcante foi o surgimento – a partir 1 Exceção feita a alguns números dos “Cadernos do Povo Brasileiro”, tal com o Número 21: “Qual é a política externa conveniente ao Brasil?” de Vamireh Chacon. (Lovatto, 2010) 6 da descolonização de antigas possessões européias – do Terceiro Mundo que buscaria criar um esforço comum em prol do desenvolvimento dos Estados recém-independentes, culminando na criação da UNCTAD em 1964 (Gonçalves, 2010). Importante também foi a Revolução Cubana que reorientaria a política externa americana para a região, atingindo diretamente o Brasil. Identifica-se no pensamento isebiano uma interpretação bastante clara acerca da inserção internacional brasileira, trabalhada na idéia de dependência da economia brasileira às economias desenvolvidas. A dependência, no entanto, abrangeria outras áreas, estando atrelada a uma estrutura de alienação da condição do brasileiro enquanto tal, englobando o campo cultural e político. Não sendo o “senhor de seu próprio destino”, o país se encontraria na condição de objeto, e não sujeito da história (Toledo, 1997). Neste sentido, utilizam-se também da distinção cepalina entre centro (metrópole) e periferia, uma vez que seríamos dependentes dos países centrais, funcionando, em nosso estado “semicolonial” como uma economia voltada para a exportação de produtos primários. Dada a sua condição de dependência, o país não gozaria, portanto, de sua plena soberania dentro de um sistema de poder. Não possuiria o comando de sua própria economia, que se encontraria nas mãos de países imperialistas centrais. Por isso, sob uma condição alienada e dependente, o Brasil não teria a capacidade de seguir uma política externa semelhante àquelas dos países desenvolvidos. Não seria a capaz de perseguir seus reais interesses nacionais, até porque haveria dificuldades em se definir quais seriam esses interesses. Alguns intelectuais, como Álvaro Vieira Pinto, chegaram a tentar caracterizar o interesse nacional. Para ele, no processo em que se encontrava o Brasil, o interesse nacional só poderia ser identificado como o desenvolvimento pleno da nação, pois este era o interesse geral da sociedade brasileira. Algo muito similar é expresso nas linhas gerais da PEI ao buscar dar o apoio necessário ao desenvolvimento, como veremos adiante. Era, no entanto, visível o caminho trilhado pelo país rumo à superação de sua situação de subdesenvolvimento e dependência. Para os isebianos, em 1930, ter-se-ia iniciado um processo de industrialização que capacitaria o Brasil de “uma ampla infraestrutura que o leva(ria) a transcender o seu status agrário e alcançar categoria de 7 economia industrial”(Ramos, 1957). Neste sentido, ao deixar para trás sua posição de periferia, o país poderia assumir uma posição autônoma e soberana no contexto internacional, podendo fazer suas próprias escolhas. Por isso, para os teóricos do ISEB, “o desenvolvimento econômico da nação representaria o fim de todas as suas dependências ou alienações” (Toledo, 1997). Na visão dos isebianos o imperialismo poderia se mostrar como um impedimento ao desenvolvimento nacional, pois era entendido como “a forma habitual de dominação econômica dos países ricos sobre os pobres.” (Bresser-Pereira, 2004). As nações centrais teriam interesse em manter os países periféricos em um estado de “próspero subdesenvolvimento” (Toledo, 1997). A presença de interesses de nações mais poderosas e já plenamente desenvolvidas poderia retardar o desenvolvimento nacional e ameaçá-lo. Ao se aliarem às classes conservadoras internas, potências imperialistas poderiam limitar a capacidade de atuação do governo para produzir mudanças em prol do desenvolvimento. Neste sentido, induz-se que a diplomacia brasileira deveria ser ativa e buscar manobrar no cenário internacional de forma a possibilitar maiores ganhos para levar adiante o projeto desenvolvimentista nacional. Para tanto, era necessário buscar maior autonomia no âmbito externo algo extremamente difícil para um país periférico que só então passava por sua “revolução capitalista”. Faltavam-lhe meios para defender seus interesses – meios militares, e, sobretudo, econômicos. Para Guerreiro Ramos (Ramos, 1957), o cenário mundial mutante de seu período – a partir do desenvolvimento bélico e tecnológico da URSS e a ascensão do Terceiro Mundo – possibilitava ao Brasil mais espaço para definir sua política externa em termos autônomos. Defende, pois, (ao abordar o tema da segurança nacional) que o Brasil deveria aproximar-se de países com interesses semelhantes aos seus, de Estados que se encontrassem também em processo de desenvolvimento: O Brasil, portanto, nada tem a perder se, aliando-se tácita ou explicitamente a países de interesses semelhantes aos seus, contribuir para agravar os desequilíbrios já esboçados no campo mundial e que tendem a diminuir a unilateralidade dos condicionamentos hegemônicos. (Ramos, 1957) 8 O ISEB e a Política Externa Independente Muitas das idéias desenvolvidas pela Política Externa Independente (PEI), tanto no campo teórico quanto no campo prático, nos remetem diretamente ao pensamento do ISEB. Torna-se desnecessário mencionar que, dada a efervescência política e intelectual da época, os princípios da PEI correspondiam a muitas das idéias defendidas pelo instituto; tendo este influenciado a política externa brasileira, se não direta, indiretamente. A Política Externa Independente surge como resposta às aceleradas transformações que se verificavam tanto no contexto interno quanto no externo (Vizentini, 2003). Como mencionado, externamente, a consolidação e surgimento de novos e relevantes atores internacionais conferiram ao país mais opções de articulação política. Da mesma forma, o cenário interno era marcado por um discurso que defendia o desenvolvimento nacional através da industrialização e de políticas de caráter nacionalista. Neste sentido, a PEI buscou aproveitar as condições internacionais favoráveis para questionar o status quo global (Vizentini, 2003). Ensaiada ainda no governo do conservador Jânio Quadros, com o embaixador Afonso Arinos como chanceler, a PEI só ganharia contornos teóricos e práticos sob o conturbado governo João Goulart. San Tiago Dantas, como Ministro das Relações Exteriores, dotou a PEI do embasamento teórico necessário e fez dela “um projeto coerente, articulado e sistemático visando transformar a atuação internacional do Brasil” (Vizentini, 2003). A política externa brasileira, até então, havia sido apenas um reflexo da posição internacional do Brasil, ou seja, política externa típica de um país periférico e dependente. No entanto, graças ao processo de industrialização brasileiro e às mudanças no contexto internacional, a política externa passou a servir de instrumento aos projetos nacionais que se estabeleciam: a PEI busca dar suporte ao processo de desenvolvimento e industrialização que já vinha ocorrendo no Brasil desde 1930. O desenvolvimento de bases nacionalistas, característico do período, entraria, inevitavelmente, em choque – como propunham os intelectuais do ISEB –com os interesses norte-americanos, potência hegemônica do hemisfério ocidental, no qual o Brasil estava inserido. A PEI, portanto, buscava barganhar com os EUA, utilizando-se de elementos nacionalistas, mas, sobretudo, da diversificação de parceiros, levando a prática diplomática brasileira do âmbito regional para o global. Por isso, verifica-se no período a 9 aproximação a outros grandes países desenvolvidos – Europa Ocidental e Japão – e, principalmente, a prática de uma política multilateral sul-sul, aprofundando laços com países recém-independentes, com o terceiro-mundo de forma geral e com países comunistas do leste (Dantas, 1962). Aliado à diversificação de parcerias, estava a busca de maior autonomia para levar a cabo uma política externa condizente com os interesses brasileiros, ou seja, condizente com os interesses do desenvolvimento. Dessa forma, a PEI pregava a independência brasileira de qualquer bloco político-militar, como evidencia San Tiago Dantas: “podemos dizer que a posição internacional de nosso país (...) tem evoluído constantemente para uma atitude de independência com relação a blocos políticomilitares.” (Dantas, 1962). Assim sendo, o Brasil deveria agir da maneira que conviesse ao seu interesse principal, a depender das circunstâncias. A partir desta breve discussão acerca da PEI, podemos reconhecer idéias claramente identificáveis com aquelas do ISEB. Todo o discurso em defesa do desenvolvimento; a ênfase dada à retórica nacionalista; bem como a busca por maior autonomia no cenário global através da multilateralização das parcerias e aproximação com o terceiro-mundo são práticas que estão de acordo com o que pregava o instituto, anos antes, ainda sob o “primeiro ISEB”. Idéias estas que já estavam presentes entre aqueles intelectuais desde o tempo do Ibesp: A grande preocupação do Ibesp com temas relativos à política internacional (...) parece responder ao clima particularmente agudo da guerra fria no início da década de 1950, não permanecendo no tempo a não ser no esforço de aproximação com os novos países africanos, e uma idéia de uma política externa independente que não deixaria de produzir seus frutos. (Schwartzman, 1981). A PEI, nos anos em que foi posta em prática (1960-64), sobretudo durante o governo João Goulart – tido como “esquerdista” –, serviu, internamente, para fomentar a reação conservadora que culminou no Golpe de 1964, apoiado pelos EUA, que, após a Revolução Cubana exerciam maior controle sobre a região, reafirmando sua hegemonia no bloco ocidental. O governo golpista, inicialmente alterou a política externa brasileira para um realinhamento com os EUA, abandonando os princípios da PEI. 10 Considerações Finais Vê-se, a partir do defendido e praticado pela PEI, aproximações claras ao pensamento nacional-desenvolvimentista do ISEB. A política externa independente, apesar de uma experiência de curta duração, deixará um legado que será seguido posteriormente por presidentes do regime militar e, atualmente, pelo governo do presidente Lula. As idéias do ISEB vão embasar a retórica nacionalista defendida por essa política, que estava intimamente associada à tentativa de se criar no Brasil um sistema capitalista desenvolvido, que permitisse a real melhora das condições de vida da população brasileira. O ISEB buscou formular uma ideologia nacional-desenvolvimentista para o Estado brasileiro em fins dos anos 1950, sob o governo Juscelino Kubitschek. Indissociável a ela estaria a criação de uma política externa robusta e condizente com as aspirações e os interesses nacionais – expressamente o interesse do desenvolvimento. A visão de inserção internacional do Brasil – naquele contexto – para os isebianos indicava a existência de grande dependência às nações desenvolvidas, dependência que também era fruto de nossa estrutura econômica, política, social e cultural subdesenvolvida. Viam, no entanto, a industrialização, o desenvolvimento e a concretização de um projeto nacional que levasse o país à “revolução burguesa” e à “revolução nacional”, como uma forma de romper com o subdesenvolvimento e com a dependência, alçando o país ao mesmo patamar que países já desenvolvidos. Estes seriam plenamente soberanos, pois teriam os meios de controle de suas economias nacionais, tendo capacidade de definir suas políticas e estratégias de forma autônoma. O Brasil, na visão isebiana estaria trilhando esse caminho. Daí a consonância com a Política Externa independente, que, mais que abrir caminho ao desenvolvimento, visava dotar o Brasil de autonomia e capacidade de ser, enfim, “senhor de seu próprio destino”. Bibliografia ABREU, Alzira Alves de. (2007) “Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)”. In FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel A. (Ed). As Esquerdas do Brasil: Nacionalismo e Reformismo Radical. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 411 – 432. 11 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos (2004). O Conceito de Desenvolvimento do ISEB Rediscutido. Publicado em scielo.net [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582004000100002]. Disponibilidade: 15/09/2012. DANTAS, San Tiago. Ed (1962) A Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. DE SOUZA, Edson Rezende. (2009) O ISEB: a inteligentzia brasileira a serviço do nacional-desenvolvimentismo na década de 1950. 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