O passado explicando nosso presente: a formação da economia e da sociedade brasileira Aula 4 – Sociologia Prof. Eduardo 1. Por que o Brasil é racista, desigual e não é de “primeiro mundo”? A aula de hoje será importante para entendermos como vários problemas e questões, tanto políticas quanto econômicas, do país explicam-­‐se em função da história brasileira, desde o tempo em que fomos colônias de Portugal entre os séculos XVI (anos de 1500) e o século XIX (lembrando, nossa independência aconteceu em 1822). Nesta aula, portanto, iremos entender melhor algumas questões centrais para a compreensão da realidade brasileira como: 1. Por que o Brasil é um país em que existe tanto racismo velado (isto é, camuflado) e no qual a população negra e mestiça ocupa, em geral, baixas posições na sociedade e no mercado de trabalho? 2. Por que, se vivemos em um país com proporções continentais (o quinto maior em território no mundo!), há um sério problema de concentração da propriedade de terras agrícolas nas mãos de poucas famílias, fato que torna necessário a existência de um “Movimento de Sem Terras”? 3. Por que, apesar de toda industrialização e urbanização, a economia brasileira ainda é tão dependente da exportação de produtos agrícolas e minerais e não de produtos e serviços tecnologicamente avançados como países de primeiro mundo? Aliás, por que nós não somos um país considerado de “primeiro mundo”? 4.Por que nós temos tanta desigualdade entre classes sociais e entre regiões no país? Durante a aula, vamos compreender melhor a resposta para essas questões ao retratar a forma como as principais atividades econômicas dos tempos coloniais eram organizadas. Ou seja, veremos que a formação da sociedade brasileira é um processo baseado na formação de sua economia, desde o Brasil colônia, e que a formação da economia na época da colônia é base que nos leva a entender o racismo, as desigualdades entre classes e regiões, bem como a concentração das terras e da economia brasileira na exportação de produtos agrícolas. Por fim, vamos entender quando, porque e como se deu o processo de industrialização da economia brasileira já no século XX (a partir dos anos de 1930 e da ascensão de Getúlio Vargas ao poder, mais precisamente). Vamos compreender porque a industrialização brasileira foi importante, porém manteve altos níveis de desigualdade entre as classes e entre regiões e não alcançou o mesmo nível tecnológico obtido em outros países. Vamos começar, então, observando que as atividades econômicas eram organizadas no Brasil colônia a partir do “tripé”: monocultura, latifúndio (grandes propriedades) e escravidão. Esse tripé de estruturação é importantíssimo para compreendermos o racismo, a desigualdade e a concentração de terras na sociedade brasileira. 2. O “tripé” de estruturação da economia no Brasil colônia: monocultura, latifúndio e escravidão Na escola, é comum que o professor de História nos diga que, entre os anos de 1500 até o fim dos anos de 1800 (entre os séculos XVI e XIX, portanto), nós tivemos três ciclos econômicos: a cana de açúcar, a mineração e o café. Ou seja, esses produtos se sucederam como os principais produtos de exportação, sustentando toda a economia do país e marcando os períodos que conhecemos como ciclos econômicos. É importante relembrar esses ciclos, saber onde eles ocorreram1 e algo sobre as características particulares de cada um deles. Mas, talvez, mais importante que isso é saber o que era comum a esses ciclos. E o que era comum a eles é justamente a forma de estruturação, a forma de organização dessas atividades econômicas. Pois, todos esses diferentes ciclos eram estruturados a partir do tripé: monocultura de exportação, latifúndio e escravidão. Esse tripé de estruturação também é conhecido como “modelo de plantation”, ou seja, o modelo de organização econômica das colônias de exploração, isto é, as colônias que, assim como o Brasil, eram vistas apenas como lugares de exploração econômica para o enriquecimento das metrópoles (países colonizadores). Antes de mais nada, é importante entendermos cada termo desse tripé. 1. Monocultura de exportação quer dizer a cultura ou o cultivo de um único produto não para a comercialização interna, dentro do próprio país, mas sim para sua exportação, para sua venda ao mercado externo. 2. Latifúndio são as grandes propriedades em que se davam o plantio da cana e, posteriormente, do café. O contrário de latifúndios são os minifúndios que caracterizaram a colonização de somente uma região do país: o sul. 3. Escravidão mão-­‐de-­‐obra não-­‐livre e não-­‐assalariada, tratada como um “instrumento de trabalho”, trazida da África e empregada na cana, na mineração e no café. Se essas três principais atividades econômicas se organizavam a partir desse tripé, isto quer dizer que a sociedade brasileira também foi organizada a partir desses três fatores: escravidão, latifúndio e monocultura de exportação. Quais foram as consequências disso? Bem, a primeira consequência dos três séculos de escravidão que temos na história do país (o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão!) é clara: o racismo. O racismo no Brasil não é aberto, dificilmente alguém vai admitir que é racista, porém o racismo é visível nos fatos mais discretos como, por exemplo, o modo como pessoas negras e mestiças são recebidas, como são olhadas e como são tratadas em certos ambientes (como lojas, shoppings, etc.) Outra consequência é que a desigualdade entre brancos e negros é altíssima e comprovada em situações variadas. Exemplo: mesmo entre negros e brancos de mesmo nível educacional, a média salarial dos brancos é melhor. Por que seria isso? Os três 1 A cana de açúcar difundiu-­‐se dos anos de 1550 até o fim dos anos 1600, na região litorânea do Nordeste, principalmente em Pernambuco. A mineração foi a atividade central da economia brasileira na segunda metade do século XVIII (isto é, a partir de 1750), concentrando-­‐se em Minas Gerais, em cidades como Diamantina e Ouro Preto. O café foi o último desses ciclos, tendo se desenvolvido principalmente no Rio de Janeiro e no oeste do estado de São Paulo na segunda metade dos anos de 1800 (século XIX). séculos de escravidão de negros e mestiços no país fizeram a população brasileira incorporar profundamente ideias preconceituosas. Muitas vezes, sem que se perceba, as pessoas julgam automaticamente negros e mestiços como “mais preguiçosos”, “menos inteligentes” etc. Algumas vezes, presenciamos até mesmo pessoas de pele escura com certas ideias preconceituosas em relação a negros e mestiços! A escravidão também causou a demora no surgimento de um mercado consumidor mais amplo no país. Como os escravos não recebiam salários, eles obviamente não podiam se converter em “consumidores”, sem consumidores, ou seja, sem assalariados que pudessem comprar, não havia incentivo para o surgimento de indústrias. Neste sentido, o desenvolvimento da economia brasileira foi atrasado pela escravidão. Para este fator, isto é, para o atraso da economia brasileira, também contribuiu a organização da atividade econômica como monocultura de exportação. Pois, além de não ter um mercado consumidor, a economia brasileira limitava-­‐se somente à exportação de poucos produtos agrícolas ou de mineração. Então, como roupas, móveis, alimentos e outros produtos necessários à vida cotidiana eram conseguidos? Eles eram conseguidos através da importação, ou seja, através da compra de produtos de outros países, principalmente da Inglaterra que foi o grande poder industrial do mundo antes dos EUA e da China. Resultado disso: a riqueza produzida no Brasil, obtida através da exportação, era, em grande parte, gasta fora do país já que nós precisávamos importar quase tudo, uma vez que nossa economia era limitada às monoculturas de exportação. Até hoje, o peso de itens agrícolas e minerais, como soja e minério de ferro, é altíssimo em nossa pauta de exportações. Nossas necessidades de importação diminuíram com a industrialização, mas ainda assim os produtos mais avançados tecnologicamente são, em geral, importados. As monoculturas também explicam as desigualdades entre regiões. A cada ciclo econômico, tínhamos uma região, que concentrava o “produto da vez”, como rica e privilegiada e as demais como pobres e dependentes dessa região. No ciclo da cana, o nordeste foi a região mais rica do país. Já no ciclo do café, o sudeste tornou-­‐se a mais rica e o nordeste e o norte decaíram para as posições de regiões mais pobres. Por fim, temos o problema da concentração das terras nas mãos de poucas famílias. Para retirar o maior lucro possível da monocultura de exportação, os produtores organizavam essas monoculturas em grandes propriedades de terra, ou seja, nos chamados latifúndios. Pouca gente com muita terra, muita gente com pouca. A consequência desses latifúndios é certamente a desigualdade entre os grandes proprietários de terra e o resto da população, dividida em escravos ou pequenos comerciantes e funcionários dos senhores das terras. A desigualdade social é, portanto, um problema que acompanha a história do país desde seu início: ela não tem nada de novo e sua base, na história do país, foi a concentração das terras nas mãos de poucas famílias que eram também as donas do poder político, no sistema que, mais tarde, ficou conhecido como coronelismo. Portanto, o latifúndio, a escravidão e a monocultura de exportação explicam porque o Brasil não se desenvolveu historicamente como um país de “primeiro mundo”: em outras palavra, essa forma de organização das atividades econômicas explica porque o país é racista, tem concentração de terras em poucas famílias, economia dependente de produtos agrícolas e minerais, bem como desigualdade entre classes e regiões. Vejamos agora como ocorreu a industrialização do país. 3. A industrialização através da substituição de importações As primeiras décadas do século XX (anos de 1900) foram um período extremamente conturbado nas regiões que compravam as exportações brasileiras, isto é, fundamentalmente, EUA e Europa. Duas guerras do mundo e uma grande crise econômica fez com que essas regiões diminuíssem tanto a compra de exportações brasileiras quanto a produção de artigos industrializados comprados pelo país. Isto levou os grandes produtores de café (a classe mais rica do Brasil à época) à seguinte decisão: eles passaram a investir suas riquezas e capitais não mais no café, mas em indústrias para produção de calçados, roupas e alimentos. Foi assim que se iniciou a industrialização brasileira, concentrada inicialmente em São Paulo, já que os grandes cafeicultores eram, em geral, paulistas. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder em 1930, a industrialização ganhou novo impulso através da criação de empresas estatais em setores estratégicos. Posteriormente, após o fim da II Guerra Mundial, o país continuou impulsionando sua industrialização a partir da “substituição de importações”, ou seja, através do protecionismo ao nosso mercado consumidor, colocando-­‐se impostos aos produtos importados para estimular a produção industrial nacional. A industrialização brasileira mudou a cara do país. Tivemos alto crescimento da população, crescimento das cidades, migração do campo a essas cidades em crescimento, menor necessidade de importações etc. Contudo, essa industrialização, baseada na criação de empresas estatais e na substituição das importações, tinha limites. Em primeiro lugar, ela manteve altos níveis de desigualdade entre as classes empresárias e as classes trabalhadoras. Em segundo lugar, ela gerou dependência tecnológica dos países centrais do sistema capitalista, ou seja, não se desenvolveram no Brasil empresas de tecnologia de ponta. Deste ponto de vista o Brasil é hoje um país urbano, industrializado, com uma economia diversificada, porém permanece com altos níveis de desigualdade entre classes e regiões, racismo, concentração de terras nas mãos de poucas famílias, dependência tecnológica e concentração nas exportações de produtos agrícolas. Apesar dessas contradições, na última década, a economia brasileira teve grande crescimento com um certo nível de distribuição de renda através de programas como o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo e a expansão do crédito para a compra de casas, computadores etc. Esse crescimento com distribuição de renda aumentou o mercado consumidor brasileiro, ou seja, o número de pessoas que podem consumir bens. Isto atraiu a atenção e o investimento de muitas empresas ao Brasil, criando-­‐se a expectativa de que o país será uma das economias com maiores taxas de crescimento no futuro. Por isso, o país passou a ser chamado de “emergente”, ou seja, de um país com histórico de subdesenvolvimento mas que se encontra em um momento economicamente promissor, podendo vir a alcançar, no futuro, os países de economia mais desenvolvida. O Brasil é o único país emergente? Não, ele está ao lado de Rússia, Índia, China e África do Sul, formando a sigla BRICS. Resta saber se o futuro brasileiro será mesmo tão promissor quanto o que se espera dos BRICS e se apenas nossa capacidade de consumir vai melhorar ou se os serviços públicos, como educação, saúde e segurança também vão acompanhar essas mudanças econômicas.