CERÂMICAS PIEZOELÉTRICAS As cerâmicas compõem uma grande variedade de materiais policristalinos, dentre eles, as cerâmicas eletrônicas, e dentre estas, as cerâmicas piezoelétricas. A cerâmica é um sólido com características isotrópicas e é formada por cristalitos orientados de maneira aleatória. Um monocristal ou cristalito, no caso das cerâmicas, tem uma composição química definida, e é constituído de íons que são forçados a ocupar posições especificas, formando a estrutura ou rede do material. A menor unidade de repetição é chamada de célula, isto é, é o menor grupo de átomos dentro do cristal cuja repetição no espaço gera todo o cristal. É a simetria a célula unitária que determina se é ou não possível ocorrer piezoeletricidade em um cristal. A piezoeletricidade é um efeito reversível e exige a ausência de um centro de simetria no cristal para produzir um vetor de polarização elétrica (não-simétrico) como resultado de uma deformação mecânica, ou para produzir a deformação sob a aplicação de um campo elétrico. Dependendo da simetria apresentada pela célula unitária, os cristais são normalmente classificados em 7 sistemas: triclínico (o menos simétrico), monoclínico, ortorômbico, tetragonal, trigonal (romboédrico), hexagonal e cúbico. Estes sistemas são divididos em 32 classes ou grupos de ponto. Destes 32 grupos, 12 apresentam centro-simetria e não podem ser piezoelétricos. Os outros 20 grupos podem apresentar piezoeletricidade. Destes 20 grupos, 10 são chamados polares, pois apresentam polarização espontânea e também são piroelétricos: a polarização varia com a temperatura. As 10 classes de cristais polares, pela notação de Hermann e Maugin (IEEE Standard, 1978), são: 1, 2, m, 2mm, 4, 4mm, 3, 3m, 6 e 6mm. Um subgrupo de cristais piroelétricos forma a categoria dos materiais ferroelétricos. Um cristal ferroelétrico apresenta dipolos espontâneos que podem ser alinhados na direção de um campo elétrico aplicado externamente. Três classes de cristais contêm a maioria dos compostos ferroelétricos que são importantes como cerâmicas piezoelétricas: a) no sistema tetragonal, classe 4mm; b) no sistema romboédrico, classe 3m; c) no sistema ortorômbico, classe 2mm. Nos cristalitos ferroelétricos os dipolos espontâneos agrupam-se em domínios ferroelétricos, ou seja, regiões do material em que os dipolos de células unitárias adjacentes têm a mesma direção. Assim, o domínio ferroelétrico é uma região do cristal que exibe polarização espontânea uniforme. Na cerâmica ferroelétrica, os domínios estão distribuídos aleatoriamente, de maneira que o momento de dipolo resultante é desprezível, e a piezoeletricidade, muito fraca, não é detectável, até que a mesma seja polarizada, ou seja, até que os domínios sejam reorientados numa mesma direção preferencial. As cerâmicas ferroelétricas têm altas constantes dielétrica e piezoelétrica, perdas dielétricas baixas, resistividade elétrica alta, são pouco sensíveis à umidade e possuem acoplamento mecânico alto. A característica mais importante das cerâmicas ferroelétricas é seu “loop” de histerese, isto é, o “loop” de polarização versus campo elétrico. O “loop” de histerese (Figura 3.1) descreve o chaveamento de polarização nãolinear como uma função do campo elétrico aplicado. Figura 3.1 - “Loop” típico de histerese de polarização (P) versus campo elétrico aplicado (E) de material ferroelétrico. PR é a polarização permanente e EC é o campo elétrico coercitivo. O primeiro ¼ inicial do “loop” mostra que a cerâmica ferroelétrica despolarizada (P = 0) é submetida a um campo elétrico e guarda na “memória” ou seja mantem o campo aplicado, mesmo após sua retirada, efeito chamado de polarização permanente ou polarização de saturação permanente PR. A polarização consiste na aplicação de campo elétrico (constante, geralmente uniforme) alto o suficiente (maior que o campo elétrico coercitivo EC) para reverter os momentos elétricos de regiões espontaneamente polarizadas na cerâmica ferroelétrica. No cristal piezoelétrico, a aplicação de tensão mecânica T, além de causar uma deformação S, provoca um deslocamento de carga elétrica, criando um campo elétrico E. A aplicação de um campo elétrico (E) num sólido piezoelétrico causa um deslocamento dielétrico (D) e submete o sólido a uma deformação mecânica (S). As propriedades de uma cerâmica piezoelétrica são definidas pelos coeficientes piezoelétricos e, dielétricos e elásticos c. Todos são função do estado de polarização. São também dependentes da amplitude do campo elétrico de excitação ou da tensão mecânica aplicados à cerâmica isto porque a linearidade e a reversibilidade do comportamento piezoelétrico podem desaparecer quando os limites característicos do material são excedidos. Tensão mecânica além de um limite e campo elétrico reverso podem despolarizar a cerâmica . Cerâmicas ferroelétricas polarizadas submetidas a uma faixa limitada de sinal de entrada (campo elétrico de excitação ou tensão mecânica), apresentarão linearidade entre os componentes de campo elétrico e deslocamento dielétrico, e, entre os componentes de deformação e tensão, exatamente como no comportamento dos monocristais. Para cada composição de cerâmica, o campo de excitação máximo permitido numa aplicação é determinado pela dependência da amplitude da constante dielétrica e de seu fator de perda associado. O campo elétrico de excitação da cerâmica, gerado por uma tensão alternada, faz com que a carga armazenada no dielétrico tenha uma componente real (em fase) e uma imaginária (defasada), causada pela fuga resistiva ou pela absorção dielétrica. MODOS DE VIBRAÇÃO DE CERÂMICAS PIEZOELÉTRICAS A indústria de cerâmicas piezoelétricas usa os eixos ortogonais cristalográficos originais para descrever o modo de operação da cerâmica, onde o eixo 1 corresponde ao eixo x, o eixo 2 ao eixo y e o eixo 3 ao eixo z. Normalmente, a cerâmica é polarizada na direção do eixo 3. Quando a cerâmica é excitada para vibrar num modo principal, parte da energia é acoplada aos outros modos. Para discos cerâmicos, o modo espessura é o mais usado e outro modo de vibração envolvido é o radial Figura 3.5 - Modos principais de vibração de um disco fino de cerâmica piezoelétrica com eletrodos depositados nas faces planas, e polarizada na direção da espessura. (a) Modo Radial ou Planar, Constante de Freqüência NP = diâmetro x freqüência; (b) Modo Espessura, Constante de Freqüência NE = espessura x freqüência. Na maioria das vezes em que se analisa o comportamento vibracional de um disco de cerâmica piezoelétrica, polarizada ao longo do eixo z, utiliza-se a análise uni-dimensional, ou seja, assume-se que o comportamento do disco é semelhante ao de um pistão plano em movimento: quando uma diferença de tensão elétrica é aplicada entre os eletrodos das faces do disco, a cerâmica muda de espessura (aumenta ou diminui) e as faces permanecem planas (teoria unidimensional). Simulaçôes teóricas e medidas experimentais têm mostrado que podem ocorrer vários modos de vibração, além do modo previsto pela teoria unidimensional, e que nenhum modo é semelhante ao do movimento de um pistão plano. Quanto maior a relação diâmetro/espessura (D/E) do disco cerâmico, maior a separação entre os modos radial ou planar e o de espessura, e maior a semelhança de seu comportamento vibracional ao de um pistão plano (GUO & CAWLEY, 1991; LANCELEUR et al., 1992). A figura 3.6 mostra os efeitos da polarização de uma cerâmica em uma determinada direção. Figura 3.6 - Polarização de um elemento cerâmico piezoelétrico. (a) Orientação aleatória dos domínios polares antes da polarização; (b) Aplicação do campo elétrico DC de polarização; (c) Orientação dos domínios após a polarização e retirada do campo elétrico. FREQÜÊNCIAS DE RESSONÂNCIA, ANTI-RESSONÂNCIA E COEFICIENTE DE ACOPLAMENTO ELETROMECÂNICO O estado de ressonância de uma estrutura piezoelétrica depende das características intrínsecas do material e das condições de contorno mecânicas e elétricas a que a estrutura esteja submetida. Considerando um disco de cerâmica vibrando livre (sem restrições de movimento) e no ar (sem amortecimento), as condições de contorno mecânicas são nulas. Dependendo das condições de contorno elétricas a que o disco esteja submetido, ocorrem dois tipos de fenômeno: 1) Freqüências de ressonância, são aquelas associadas aos valores mínimos de impedância da cerâmica sob condição de curto-circuito; 2) Freqüências de anti-ressonância, são aquelas associadas aos valores máximos de impedância da cerâmica sob condição de circuito-aberto. Naillon et al. (1983) desenvolveram, a partir do sistema de equações matriciais constitutivas da piezoeletricidade, o equacionamento dos dois tipos de ressonância estabelecidos numa estrutura piezoelétrica sob condições de contorno mecânicas nulas e submetida a excitação por potencial elétrico (curto-circuito) ou por carga (circuito aberto). Os modos de vibração representam os modos ativos piezoelétricos, isto é, os modos que podem ser excitados por um campo elétrico aplicado através dos eletrodos da cerâmica. Cada modo tem freqüências de ressonância e antiressonância associadas e a separação entre essas freqüências é proporcional ao valor do acoplamento eletromecânico do modo. O coeficiente de acoplamento eletromecânico, k, é um número adimensional que relaciona a energia convertida de saída com a energia total de entrada, ou seja, é uma indicação direta da intensidade do efeito eletromecânico. Seu valor depende do grau de polarização da cerâmica. Para o efeito piezoelétrico direto: Para o efeito piezoelétrico inverso: onde: EEEM = Energia Elétrica convertida em Energia Mecânica; EMEE = Energia Mecânica convertida em Energia Elétrica. A diferença entre as energias de entrada e de saída é armazenada dielétrica ou elasticamente, ou dissipada termicamente. Como a conversão de energia é sempre incompleta, k < 1. o coeficiente efetivo de acoplamento eletromecânico (Kunkel et al., 1990) de um dado modo de vibração pode ser determinado por: onde fr = freqüência de ressonância; far = freqüência de anti-ressonância. A maioria dos modos piezoelétricos possui acoplamento fraco (kef < 0,2). Um modo fraco situado entre as freqüências de um modo forte, apresentam fr e far trocados, isto é, fr > far, dificultando a identificação dos pares de freqüências. Já os modos mecânicos que eventualmente resultem de uma análise modal da cerâmica, podem ser facilmente identificados, pois sendo desacoplados das condições de contorno elétricas, apresentam modos de vibração idênticos (KUNKEL et al., 1990). A ressonância (figura 3.7) é associada à freqüência em que o valor da impedância é mínimo (ou da admitância máximo) e a anti-ressonância ao próximo valor de freqüência em que a impedância é máxima (ou em que a admitância é mínima). Os modos fortemente acoplados (kef > 0,5) possuem fr e far bastante separadas. Quanto maior o coeficiente de acoplamento de um dado modo vibracional, mais significativa é a participação desse modo, comparada à participação dos outros modos, na maneira do disco piezoelétrico vibrar. Figura 3.7 - Módulo da impedância da cerâmica piezoelétrica em função da Freqüência de vibração. A freqüência de ressonância ocorre para o mínimo da impedância e a de anti-ressonância ocorre no ponto de máximo da mesma.