sociedade de patologia do tocantins

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V. 3, n. 01, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
CASE REPORT
RELATO DE CASO: SUSPEITA DE SÍNDROME
NEFRÓTICA, ABORDAGEM INICIAL EM ATENÇÃO
BÁSICA
Victor Eduardo Almeida Costa1, Pablo Henrique Coelho Bringel2, Danilo Eduardo Queiroz Frederico3,
José Daniel e Silva Filho 4 e Virgílio Ribeiro Guedes5
RESUMO
O diabetes mellitus e a hipertensão são entidades clínicas silenciosas, mas
acarretam lesões a longo prazo acometendo órgãos alvo 5. O caso clínico em questão
trata-se de uma suposta síndrome nefrótica associada a quadro incipiente de nefropatia
diabética
em
uma
paciente
obesa,
diabética
descompensada
e
hipertensa
descompensada. O caso em questão foi observado e conduzido na unidade de
atendimento primário em serviço conveniado com a Universidade Federal do Tocantins
para Módulo de Internato Rural. A elaboração do caso clínico se fez a partir do
consentimento livre e esclarecido pela paciente e por meio de análise sistemática do
prontuário da mesma, bem como exames realizados no serviço em questão. A terapia
empírica foi instituída visando salvaguardar a função renal remanescente 6. Após
propedêutica inicial a paciente foi encaminhada ao serviço terciário para avaliação
especializada e instituição de propedêutica específica.
Palavras-chave: síndrome nefrótica, hipertensão, diabetes, atenção primária.
1.Graduando de medicina da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Contato:
[email protected]. Endereço: Quadra 704 Sul, alameda 09, lote 01, Residencial Boulevard,
apartamento 202C, Palmas-TO, CEP 77.022-338.
2. Graduando de medicina da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Contato:
[email protected]. Endereço: Rua C, Casa 2, Residencial Vinhais, São Luís-MA, CEP 65.071062.
3.Graduando de medicina da Fundação Universidade Federal do Tocantins.
4. Médico da Unidade de Saúde da Família do município de Fátima-TO e médico do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência do estado do Tocantins.
5. Mestre em Ciências da Saúde, médico patologista, orientador e professor da Universidade Federal do
Tocantins.
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SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
CASE REPORT: SUSPECTED NEFROTIC SINDROME, EARLY CARE IN
BASIC ATENCION
ABSTRACT
Diabetes mellitus and hypertension are silent clinical entities, but lead to longterm injuries affecting target organs5. The clinical case in question it is a supposed
nephrotic syndrome associated with incipient picture of diabetic nephropathy in an
obese patient, diabetic and hypertensive decompensated . Case in point was observed
and conducted in primary care unit in linked service with the Federal University of
Tocantins for Rural Internship module . The preparation of the case is made from
informed consent by the patient and by systematically analyzing the records of the
same, as well as examinations in the service concerned. Empirical therapy was instituted
targeting safeguard remanescent renal function 6. After initial workup the patient was
referred to a tertiary center for specialized evaluation and workup specific institution .
Key-words: nefrotic sindrome; hypertension; diabetes; primary care.
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anterior e perfil, ultrassonografia de rins
INTRODUÇÃO
e vias urinárias e ecocardiograma1,4.
A síndrome nefrótica é um
conjunto de sinais e sintomas que
Porém,
avaliação
etiológica
caracterizam uma patologia renal que
primária dessa síndrome só poderá ser
cursa
com
confirmada por meio de biópsia renal.
uma
Em geral, a conduta indicada em casos
proteinúria de 24 horas maior que
de síndrome nefrótica é a adoção de
3,5g/dia
leva
medidas não farmacológicas, como
uma
dieta
caracteristicamente
proteinúria
no
maciça,
ou
adulto,
o
consequentemente
hipoproteinemia,
seja,
que
a
hipoalbuminemia,
hipossódica,
hipolipídica
e
hipoprotéica; e farmacológicas, como:
edema e hiperlipidemia com lipidúria¹.
uso
de
corticóide,
anti-helmíntico,
A Nefropatia Diabética (ND) é
estatinas e/ou fibratos para provável
uma importante causa de síndrome
dislipidemia, e furosemida, em casos de
nefrótica e, por esse motivo, preconiza-
anasarca, além de tratar os fatores de
se a realização de rastreio anual de ND
risco6.
através da microalbuminúria de 24
O
objetivo
deste
estudo
é
horas para pacientes com Diabetes
apresentar os obstáculos vivenciados na
Mellitus (DM) tipo I com mais de 5
atenção básica frente a uma suspeita de
anos de doença ou maiores de 12 anos,
síndrome nefrótica, evidenciando as
assim como para pacientes com DM
dificuldades,
faltas,
tipo II, a partir do diagnóstico.
possibilidades
no
Além disso, para a investigação
etiológica
dessa
necessários
os
hemograma,
síndrome,
seguintes
plaquetas,
diagnóstico
e
e
condução do caso nestas situações.
são
exames:
provas
falhas
RELATO DO CASO
de
Paciente,
56
anos,
sexo
coagulação, creatinina, glicose, exame
feminino, cor branca, natural de Balsas -
comum de urina, anti-HIV, HBsAg,
MA, procedente de Fátima - TO, obesa,
anti-HCV, VDRL, complementos (C3 e
portadora
C4), urina de 24 horas, crioglobulinas,
sistêmica há aproximadamente 20 anos
eletroforese de proteínas no sangue e na
e
urina, relação kappa/lambda no sangue
aproximadamente 14 anos, apresentou-
e na urina, fator antinuclear, anti-
se para consulta na Unidade de Saúde
DNAds, radiografia de tórax póstero-
da Família em Fátima - TO em agosto
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diabetes
de
hipertensão
mellitus
tipo
arterial
II
há
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de 2015, com quadro de oligúria, edema
paciente não manteve o tratamento e
de membros inferiores (Figura 1 e 2) e
continuou obtendo níveis glicêmicos
peripalpebral, abdômen com sinal de
alterados.
semicírculo
de
Skoda
e
Piparote
Nos
últimos
dois
anos,
positivo, sugestivos de ascite grave, dor
apresentou também quadros repetitivos
lombar
pressão
de infecção de urina recorrente, com dor
arterial(PA) 240:170, glicemia capilar
lombar e aumento progressivo dos
(GC) em jejum acima de 400mg/dl e
níveis de uréia, sem aumento da
queixa de urina espumosa.
creatinina.
bilateralmente,
Negou
sintomas,
Diante do quadro, solicitaram-se
comorbidades, infecções recentes de
os seguintes exames (com urgência),
vias aéreas superiores, cirurgias prévias
com os respectivos resultados:
e
referia
outros
uso
contínuo,
porém
1. Exame simples de urina:
inadequado de Losartana 50 mg ao dia,
com
Anlodipino
dia,
(++++/4+, maior que 500
dia,
mg/dl),
10
mg
Hidroclorotiazida
Metformina
25
1700
ao
mg
mg
ao
ao
dia
e
uma
hematúria
intensa
(+/4+),
piúria e cilindros granulosos;
Glibencamida 15 mg ao dia.
Durante
proteinúria
2. Uréia: 63mg/dl;
revisão
de
3. Creatinina e Clearance de
prontuários, observou-se que a PA e
Creatinina: 1,2mg/dl e 50,5
glicemia de jejum se mantiveram, em
(CKD-EPI)ou
geral, elevadas desde o diagnóstico de
(Cockcroft) respectivamente;
hipertensão e diabetes, respectivamente,
e
oscilando ocasionalmente com períodos
103.3
4. Lipidograma: com colesterol
de controle, sem prejuízo da função
total
renal.
resultado dos valores das
Durante
sem
subclasses, devido à falta de
utilizados diferentes esquemas de anti-
reagentes no laboratório de
hipertensivos e hipoglicemiantes orais,
referência.
otimização
tempo,
274mg/dl,
foram
com
esse
de
das
doses.
Há
aproximadamente cinco anos, houve
Além de solicitar exames, foi
indicação e início do tratamento da
solicitado que a paciente retornasse o
diabetes com insulina NPH, porém a
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mais
brevemente
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
possível
com
o
Figura 1: Membro inferior direito com
resultado dos exames.
edema de ++++/4+, com cacifo positivo
Em consulta de retorno, com os
em região pré-tibial.
resultados laboratoriais citados, foram
prescritas as seguintes medicações:
Levofloxacino 500mg /dia por sete dias,
Prednisona 60mg/dia para uso até
avaliação do nefrologista, Furosemida
80mg/dia,
Losartana
100mg/dia,
Anlodipino 10mg/dia, Espironolactona
25mg/dia,
Insulina
NPH
0,5
unidades/kg/dia, Sinvastatina 40mg/dia,
Omeprazol
20mg/dia,
Albendazol
400mg em dose única e mantida
Figura 2: Membro inferior esquerdo,
Metformina 1700mg/dia até avaliação
com edema de ++++/4+, com cacifo
pelo nefrologista.
positivo em região maleolar medial.
Além disso, a paciente foi
encaminhada com urgência ao serviço
DISCUSSÃO
de nefrologia do Hospital Geral de
A síndrome nefrótica é um
Palmas (HGP) e foram solicitados
novos
exames
imagem,
para
laboratoriais
e
conjunto de sinais e sintomas que
de
caracterizam uma patologia renal que
acompanhamento
cursa com proteinúria maciça, edema,
ambulatorial.
hipoalbuminemia e dislipidemia.
A
apresentou
paciente
em
questão
quadro
clínico
típico,
entretanto não foi possível fechar o
diagnóstico
sindrômico
pela
impossibilidade de caracterização da
proteinúria.
Associado
a
este
quadro,
apresentou ainda quadro de emergência
hipertensiva² e descontrole glicêmico. O
fator que mais chama atenção no caso
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são os elevados níveis de pressão
e retinopatia diabética no momento do
arterial apresentados nos últimos anos e
diagnóstico, assim como não fora
principalmente
meses,
submetida ao rastreamento anual5. Tal
chegando a apresentar PA de 280 por
falha pode inclusive representar a
170 mmHg.
dificuldade de se realizar alguns exames
dos
Dentre
etiológicos
pacientes
últimos
os
mais
com
diagnósticos
prevalentes
síndrome
pelo SUS fora do município.
em
O diagnóstico não pode ser
nefrótica,
realizado a nível primário por falta de
encontram-se a Nefropatia Diabética e a
estrutura
Glomeruloesclerose Segmentar e Focal
entretanto, frente a um quadro clínico
(GESF), que também tem com fator
bem sugestivo, associado a fatores de
predisponente a diabetes.
risco
A
inferida
nefropatia
pelo
diabética
exame
demonstrando proteinúria
de
fora
do
com
laboratório
importante
epidemiológica,foi
urina
municipal,
correlação
realizado
uma
abordagem voltada para a provável
6.
nefropatia
Outro grande fator que pode ter
diabética,
salvaguardar
a
visando
função
renal
contribuído para o quadro apresentado é
remanescente
o
o
nefroprotetor)6. O exame de urina aliado
diagnóstico, por volta dos 30 anos, e
à clínica foi o parâmetro definidor do
início do tratamento anti-hipertensivo,
quadro da paciente por revelar a
aos 37 anos. Além disso, a paciente,
presença
mesmo em uso de medicações, não
hematúria e proteinúria1,4. Os exames
apresentou níveis pressóricos dentro da
complementares que fazem parte do
meta planejada: até 130 por 80 mmHg,
protocolo
o que parece ser uma consequência do
glomerulopatias não fora solicitado
uso inadequado das medicações ou uma
completamente
hipertensão refratária que ainda não foi
impossibilidade
diagnosticada2,3.
mesmos no serviço em questão.
intervalo
prolongado
entre
de
para
(tratamento
cilindros
celulares,
investigação
devido
de
conseguir
das
à
os
Ainda é possível observar, na
Por esse motivo, a paciente fora
história clínica, uma falha na condução
avaliada e manejada quanto ao quadro
do caso que pode ter contribuído com
agudo em serviço de atenção primária e
sua evolução: a paciente não foi
logo foi encaminhada para serviço de
submetida ao rastreamento de nefropatia
atenção terciária, para investigação de
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glomerulopatias através dos exames
dos exames para investigação das
complementares apropriados e para
glomerulopatias,
realização da biópsia.
hemograma,
tais
plaquetas,
como:
provas
de
A terapêutica teve como objetivo
coagulação, creatinina, glicose, exame
o tratamento para síndrome nefrótica,
comum de urina, anti-HIV, HBsAg,
conseqüente
Nefropatia
anti-HCV, VDRL, complementos (C3 e
Diabética e GESF, sendo indicadas
C4), urina de 24 horas, crioglobulinas,
medidas não farmacológicas, como a
eletroforese de proteínas no sangue e na
redução do sódio alimentar, redução de
urina, relação kappa/lambda no sangue
alimentos ricos em lipídeos, redução do
e na urina, fator antinuclear e anti-
consumo excessivo de proteína6 e
DNAds¹.
a
provável
redução de alimentos com elevado
Os exames de imagem a serem
índice glicêmico3; além de uso das
solicitados
seguintes medicações e doses diárias:
radiografia de tórax póstero-anterior e
prednisona 60mg, losartana 100mg,
perfil além de ultrassonografia de rins e
furosemida
vias urinárias
80mg,
espironolactona
prioritariamente
e
são:
ecocardiograma4.A
25mg, anlodipino 10mg, insulina NPH
avaliação etiológica primária deverá ser
0,5UI por quilo, metformina 1700mg,
realizada por meio de biópsia renal no
sinvastatina 40mg, Omeprazol 20mg e
serviço terciário em questão.
albendazol 400mg em dose única. Por
Os critérios de resposta ao
outro lado, critica-se a conduta pelo fato
tratamento não foram avaliados, visto
de que a prednisona poderia ter sido
que a paciente não retornou até o
empregada em sua dose máxima de
momento para reavaliação e contra
80mg
dia4,
por
e
referência. A paciente deverá seguir em
sido
acompanhamento no serviço de atenção
usadas na proporção de 40mg para
primária com objetivo de manutenção
100mg,
do tratamento preconizado pelo serviço
espironolactona
a
furosemida
deveriam
respectivamente,
ter
e
a
metformina deveria ter sido suspensa6.
de nefrologia, avaliação das seqüelas
a
em órgãos alvo5 e otimização do
paciente foi encaminhada ao serviço de
tratamento para hipertensão arterial e
atenção terciária
diabetes tipo II.
Após
estabilização
com
inicial
objetivo de
avaliação global, mas prioritária pelo
serviço de nefrologia, com solicitação
15
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16
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