HISTÓRIA 2) IDENTIDADES E FRONTEIRAS NAS MARGENS DO TOCANTINS Maria de Fátima Oliveira∗ Embora a idéia predominante seja a de que as populações ribeirinhas do Tocantins viviam isoladas devido às dificuldades de comunicação, na verdade o contato sempre existiu − tanto entre as cidades da região quanto com Belém, capital do Pará. É inegável que a lentidão dos meios de comunicação, tanto fluviais como terrestres, não favoreciam os contatos, mas apesar das longas distâncias, da morosidade dos transportes e do ralo povoamento, os ribeirinhos trocavam mercadorias e experiências, e os barqueiros do rio Tocantins eram, de certo modo, mensageiros do rio. Esse ritmo de tempo lento vivido pelos ribeirinhos desde o século XVIII até meados do XX, vai se modificando por rupturas mais bruscas como, a chegada dos aviões e dos barcos a motor (a partir da década de 1930); a abertura da rodovia Belém-Brasília (1960); a construção da nova capital com a criação do Estado do Tocantins (1988); e por último, a construção de hidrelétricas. O estudo enfoca duas cidades ribeirinhas − Porto Nacional e Pedro Afonso − no Estado do Tocantins, procurando compreender o processo de construção/fragmentação e reconstrução identitária em resposta às transformações ocorridas na região. Porto Nacional, cidade localizada a 60 km da capital do Estado do Tocantins (Palmas), destacou-se nas áreas educacional/intelectual, comercial, política, médica e religiosa desde o final do século XIX, e foi o núcleo urbano mais dinâmico do antigo norte de Goiás. Embora o surgimento de Porto Real esteja intimamente ligado a dois núcleos mineratórios, seu desenvolvimento se deveu à posição estratégica beira-rio Tocantins, o meio de comunicação mais viável para a região, consolidando-se como centro comercial da região pela atividade da navegação. Recebeu os epítetos de Capital Cultural do Sertão, Rainha do Norte e Princesa do Tocantins. Alguns aspectos relevantes que contribuíram para a construção do imaginário de capital cultural foram o estabelecimento e atuação da ordem religiosa dominicana, a presença de um médico e a fundação de periódicos na cidade. Esse imaginário permaneceu na mentalidade coletiva, foi passado de geração a geração e foi aceito como verdade inquestionável. Doutora UFG/ Professora Efetiva do Curso de História da Unidade Universitária de Ciências Sócio Econômicas e Humanas (UnUCSEH) UEG. 1 Pedro Afonso é uma cidade duplamente ribeirinha, situada à margem direita do rio Tocantins, no ponto de sua confluência com o rio Sono, localizada a 173 km ao norte de Palmas. A origem de Pedro Afonso está ligada à fundação de um aldeamento indígena, sob a direção do missionário capuchinho italiano frei Rafael de Taggia, em 1847. Entre o final do século XIX e início do XX, a cidade de Pedro Afonso foi influenciada pela expansão da exploração da borracha na região norte, tornando-se ponto importante de ligação entre o nordeste e o norte e um local onde as mercadorias eram acumuladas para o transporte pelo rio Tocantins, até Belém. Ao mesmo tempo em que a corrida da borracha provocou aumento da população, intensificou o comércio e também os problemas: a chegada de forasteiros gananciosos, a instabilidade e divergências políticas locais aumentaram a violência na cidade. De acordo com Audrin, “O caso de Pedro Afonso teria certamente interessado o célebre autor dos Sertões” (Audrin, 1946, p. 241). As rivalidades políticas e comerciais contribuíram para um longo período de violência na cidade. O estudo sobre as duas cidades evidenciou que elas apresentam semelhanças entre si, principalmente pela sua condição de cidades ribeirinhas, mas também diferenças, devido ao processo histórico próprio de cada uma. Referências AUDRIN, J. Maria. Entre Sertanejos e Índios do Norte. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1946. AZEVEDO, Francisco F. dos Santos. (org.) Annuario Historico, Geographico e Descriptivo do Estado de Goyaz, para 1910. Uberaba: Ed. Proprietária, 1910. BERTHET, Laurent Michel. Uma Viagem de Missão (1883). In: Memórias Goianas I. Goiânia: UCG, 1982. BRANDÃO, A. J. Costa. Almanach da Província de Goiás para o ano de 1886. Goiânia: UFG, 1978. BRASILIENSE, Eli. Uma sombra no Fundo do Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. HALL, Stuart. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A, 1997 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. V. XXXVI. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MARANHÃO, Othon. Setrentrião Goiano. Goiânia: Piratininga, 1978. MATTOS, Maria Virgínia Bastos de. História de Marabá. Marabá: Grafil, 1996. MENESES, Ulpiano Bezerra de. Morfologia das Cidades Brasileiras. Introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. In: Revista USP, São Paulo, junho/agosto1996. MIRANDA, Ana Brito. História de Pedro Afonso. Goiânia: Oriente, 1973. PATERNOSTRO, Júlio. Viagem ao Tocantins. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. POHL, Emanuel Johann. Viagem ao Interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: USP, 1976. VALVERDE, Orlando; DIAS, Catharina V. A Rodovia Belém-Brasília: estudo de geografia regional. Rio de Janeiro: IBGE, 1967. 2