Salvando espécies - IB-USP

Propaganda
Mundo das Aves
Salvando espécies
Em toda a história da humanidade, nunca tantas espécies animais estiveram ameaçadas
de desaparecer. São centenas, tanto de aves quanto de outros animais, levadas a altos
graus de ameaça por causa da atividade humana. Em muitos casos, a única solução possível é a criação em cativeiro com posterior reintrodução. Isso vem sendo feito no Brasil,
líder mundial em espécies ameaçadas de extinção, por meio de iniciativas pontuais que
tentam salvar algumas das nossas aves mais raras
ZakVTA / Flickr
Oiseaux Hobby
Por LUÍS FÁBIO SILVEIRA
naturais, mas, sim, exclusivamente pela atividade
humana e em intervalo de
tempo absurdamente curto em comparação com as
precedentes.
Elos perdidos
Nene, do Havaí, e Condor-da-Califórnia: depois de quase extintos, foram recuperados em cativeiro
A
extinção é um fenômeno natural conhecido
há séculos pelos biólogos. De certa maneira,
podemos dizer que o destino de toda espécie, incluindo a nossa, é a extinção. Sob esse
ponto de vista, a luta para salvar uma espécie
pode parecer algo fútil. Então, por que tanto esforço para salvar uma espécie?
Ondas de extinção
De acordo com o registro fóssil, são conhecidas cinco grandes “ondas” de extinção
em massa. Cada qual durou alguns milênios e
varreu grande parte da vida em nosso planeta.
Há milhões de anos, a última delas exterminou
entre outros animais grande parte dos dinossauros (sobreviveram as aves, que nada mais
60
são que um grupelho de dinossauros) e abriu
caminho para a evolução dos mamíferos. E aqui
estamos nós.
O maior extermínio
Em decorrência de várias ações humanas sobre o meio ambiente, passamos por
uma situação sem precedentes na história.
Milhares de espécies de animais e vegetais
tiveram suas populações diminuídas a ponto
de terem a sobrevivência grandemente comprometida.
Diz-se que estamos começando a presenciar a sexta grande onda de extinção
em massa. E que, diferentemente das cinco anteriores, essa não ocorre por causas
Cada ser vivo desempenha um papel muito bem
definido em seu ecossistema. Esse papel resulta de
um processo evolutivo lento,
dinâmico e contínuo, com
milhares de anos de duração,
envolvendo todas as espécies de cada hábitat.
O raciocínio lógico permite deduzir que a perda de
uma espécie, seja qual for,
vem a causar efeito negativo nas demais do mesmo
ecossistema, forçando-as a
se adaptar à perda do “elo”
da corrente. A espécie que
não se adapta às mudanças
tende ao desaparecimento
aos poucos, permitindo que
as demais se ajustem gradativamente. Quanto mais
repentinamente ocorrer a
perda, mais acentuadas serão as consequências negativas para as demais
espécies.
Liderança na extinção
O Brasil é o país líder em biodiversidade,
com o maior número mundial de espécies de
muitos grupos animais, incluindo aves. Por outro
lado, o Brasil também é detentor de um recorde
nada brilhante, com o título de país que mais
abriga espécies de aves ameaçadas de extinção. É um cenário que cruza alta biodiversidade com alto número de espécies ameaçadas,
medida clara de como nos relacionamos com o
nosso meio ambiente e da necessidade de nos
dedicarmos ao salvamento de espécies, tema
do ensaio deste mês.
CÃes & Cia • 392
Canal Azul TV
Luís Fábio Silveira
Robson Silva e Silva
Bicudo, Mutum-de-Alagoas e Ararinha-Azul: a salvação poderá vir com a ajuda dos criadores
Unidades de conservação
A destruição e a descaracterização dos
hábitats e a caça predatória são os principais
fatores de diminuição das populações e de extermínio de espécies inteiras em pouco tempo.
Unidades de conservação são criadas para
frear a destruição, com a finalidade de dar rígida proteção aos animais remanescentes no
ambiente natural. Mas, mesmo assim, algumas
espécies acabam eventualmente entrando em
risco iminente de extinção.
Ao deparar com situação tão grave, cabe à
destruidora mão humana agir em sentido contrário, ou seja, ajudar na recuperação e preservação de espécies altamente ameaçadas para
que possam retornar ao ambiente delas quando
os requisitos para tal tiverem sido cumpridos.
Sucesso na recuperação
Ted / Flickr
Há vários exemplos de programas de recuperação que assumiram papel fundamental no
salvamento de espécies. Populações inteiras
Ararajuba: criadouros a salvaram da extinção e é até
encontrada à venda em pet shops
CÃes & Cia • 392
foram retiradas da Natureza e mantidas em cativeiro. Nessas condições, foi possível reproduzi-las em quantidade suficiente para ser feita a
reintrodução em seus hábitats.
Para ficar só nas aves, podemos citar os
casos do Condor-da-Califórnia (Gymnogyps californianus), em que todos os indivíduos foram
retirados da Natureza e mantidos em zoológicos
e com criadores, e do Nene (Branta sandvicensis), endêmico do Havaí, que, depois de chegar
à beira da extinção (sobravam apenas 30 aves
em 1952), hoje pode ser comprado em qualquer bom pet shop, mesmo no Brasil.
Criadores: aliados
Entre as 160 aves consideradas oficialmente ameaçadas de extinção no Brasil, muitas só
poderão ser salvas se um programa de criação
em cativeiro for implementado, visando à reprodução em massa e à posterior reintrodução.
Exemplos desses casos são o Bicudo (Sporophila maximiliani), a Ararinha-Azul (Cyanopsitta spixii) e o Mutum-de-Alagoas (Pauxi mitu),
sendo que os dois últimos estão extintos no ambiente natural - só há sobreviventes em cativeiro.
Em casos como esses, a criação em cativeiro é a única esperança. Foram os criadores,
e não os zoológicos, que tiveram papel fundamental no salvamento das aves brasileiras
citadas, cada qual especializado em apenas
algumas espécies. São eles que, em qualquer
das categorias que se enquadrem, têm oferecido mais condições de estrutura e de recursos financeiros, tornando-se aliados indissociáveis da conservação. Além de manter as
espécies ameaçadas, desenvolveram técnicas
para a sua reprodução e geraram excedentes
que podem ser utilizados em programas de
reintrodução.
Outro bom exemplo é o da brasileiríssima
Ararajuba (Guaruba guarouba), encontrada
hoje à venda em pet shops e salva da extinção
em cativeiro, embora sua situação na Natureza
ainda inspire cuidados. É um excelente caso em
que os criadores comerciais, com possibilidade
de revender filhotes, contribuíram para salvar da
extinção uma espécie ameaçada e encontrada
somente no Brasil.
Combate à ação predatória
Concomitantemente à criação em cativeiro,
com domínio do manejo e da reprodução, de preferência em escala tal que o plantel aumente de
forma exponencial, o salvamento passa pela vistoria dos locais onde a espécie ocorria na Natureza. É preciso zelar pelo estado de conservação
desses locais, pela sua proteção e, principalmente, pela neutralização dos fatores responsáveis
pelo estado crítico da espécie a ser introduzida.
Nunca é tarde para lembrar que de nada
adianta dispor de centenas de aves em cativeiro, com toda a variabilidade genética possível,
e ter encontrado áreas para a reintrodução, se
não foram neutralizadas as causas da extinção
local, sejam elas caçadores, traficantes ou degradação ambiental. E, claro, o investimento
deve ser feito, em boa parte, no monitoramento
pós-soltura das aves, para que a reintrodução
atinja seus objetivos.
O caminho para o salvamento de uma espécie é longo e, frequentemente, muito caro.
Envolve diferentes pessoas e instituições em
projetos que podem durar décadas. Muito mais
barato e efetivo é a criação de unidades de conservação que realmente façam jus ao nome, em
conjunto com a proteção das aves contra caçadores e traficantes.
Essa proteção deve ser feita primariamente
nas áreas de captura das aves, muito bem conhecidas por nossos agentes ambientais, embora a
grande parte das apreensões ocorra só quando
as aves chegam aos grandes centros e muito pouco pode ser feito, resultando em taxa de
mortalidade altíssima nos centros de triagem de
animais silvestres custeados pelo Estado.
Luís Fábio Silveira é doutor em Zoologia e curador das
coleções ornitológicas do Museu de Zoologia da USP;
membro do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos
(CBRO); pesquisador associado da World Pheasant Association (UK); autor de doze livros sobre aves, com dezenas de
artigos científicos publicados.
61
Download