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A ERA DAS
1
REVOLUÇÕES
1789-1848
Eric J. Hobsbawm
1
Fichamento da obra elaborado por Francisco Gomes, Juliana Manara, Tércia Barreira, Túlio Sene e
Victor Young.
1
Sumário
Parte I
EVOLUÇÃO
1.
O Mundo na década de 1780 ......................................................................................4
2.
A Revolução Industrial ..............................................................................................6
3.
A Revolução Francesa ................................................................................................9
4.
A Guerra .....................................................................................................................12
5.
A Paz ..........................................................................................................................15
6.
As Revoluções............................................................................................................17
7.
O Nacionalismo ..........................................................................................................21
Parte II
RESULTADOS
8.
A Terra .......................................................................................................................25
9.
Rumo a um Mundo Industrial ....................................................................................27
10. A Carreira Aberta ao Talento .....................................................................................28
11. Os Trabalhadores Pobres............................................................................................30
12. A Ideologia Religiosa .................................................................................................32
13. A Ideologia Secular ....................................................................................................34
14. As Artes .....................................................................................................................37
15. A Ciência ...................................................................................................................40
16. Conclusão: Rumo a 1848 ...........................................................................................42
2
Parte I
EVOLUÇÃO
3
► Fichamento dos capítulos 1 a 3 por Victor Young
Capítulo 1
O MUNDO NA DÉCADA DE 1780
I
Conforme o próprio Hobsbawm, “o mundo na década de 1780...era ao mesmo
tempo menor e muito maior que o nosso.” Menor, por um lado, no que diz respeito ao
mundo conhecido, ao tamanho da população e até à própria estatura do europeu daquela
época. Por outro, maior ao considerar-se a velocidade das comunicações, dos
transportes e da divulgação de notícias.
Mesmo os ocidentais mais viajados, durante o período de expansão européia,
como Humboldt, conheciam apenas partes do mundo habitado. Havia ainda muitas
regiões inexploradas. Com exceção dos oceanos, que já tinham sua superfície mapeada
de modo muito próximo ao que se configura atualmente, neste capítulo, o autor alega
que a Europa por volta de 1780 era conhecida com alguma precisão, a América Latina
muito grosseiramente e a Ásia e África quase que totalmente desconhecidas.
No quesito demográfico, o mundo, apesar da imprecisão das estimativas, tinha
apenas um terço da população em relação ao período em que este livro foi publicado
(1977). A Ásia tinha a maior concentração, com 2 habitantes em cada 3, em seguida
vinha a Europa, com 1 em cada 5, a África, com 1 em cada 10, e a América e Oceania
com 1 em cada 33. Além deste fato, deve-se considerar que a população estava mais
esparsamente distribuída e que o povoamento de determinadas áreas vinculava-se ao
clima, que limitaria a colonização extensas regiões em virtude de fatores como o frio
intenso ou a proliferação de doenças em áreas muito úmidas.
Hobsbawm considera que a humanidade também era menor ao referir-se ao peso
e à altura – não mais que 1,5 metro – da maioria dos europeus daquele período. Sua
constituição física seria, nas palavras do autor, muito pobre, porém tão resistente quanto
o homem atual.
Quanto aos meios de comunicação, o mundo nestes tempos parecia maior.
Apesar dos avanços em relação à Idade Média, com relativo aumento da velocidade e da
regularidade na interligação entre dois pontos distantes, em virtude da melhoria de
estradas e da utilização de diligências postais, o transporte de passageiros e mercadorias
por terra ainda era vagaroso e caro. A exceção seria o transporte marítimo que
possibilitava ligar capitais distantes mais rapidamente do que estas e o campo.
As notícias eram também escassas. Havia poucos jornais, a maioria da
população não sabia ler, logo, as informações vinham por meio de viajantes ou canais
oficiais como o Estado e a Igreja.
II
“O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê-lo sem
assimilar este fato fundamental”, alega Hobsbawm. De 70% a 97% da população
européia no período é rural. Havia poucas cidades grandes como Londres e Paris, em
que existia concentração demográfica considerável. A população urbana estava
espalhada numa multidão de cidades pequenas de província.
Nestas cidades, seus habitantes diferenciavam-se física e culturalmente daqueles
que viviam no campo. Eram geralmente mais altos, vestiam-se de modo diferenciado,
tinham maior grau de instrução e geralmente desprezavam seus conterrâneos do campo.
Esta classe urbana - sem considerar aqueles que eram explorados nas fábricas ou dentro
4
de casa – constituía-se, em sua maioria, de proprietários de terra, negociantes de
produtos agrícolas, usurários, burocratas do governo, nobres, eclesiásticos, que viviam
em função da produção do campo, monopolizando o mercado local e comportando-se
de modo provinciano em relação ao resto do mundo que os cercava.
III
Em 1789, a questão agrária e a relação entre aqueles que cultivavam a terra e
aqueles que enriqueciam com o seu cultivo era o problema fundamental. Havia duas
partes, aqueles que produziam a riqueza e aqueles que a acumulavam. No complexo
econômico cujo centro ficava na Europa Ocidental tais relações podem ser divididas em
três partes.
Nas colônias além-mar do oeste, onde o trabalho ou era forçado para o indígena
ou utilizava-se o escravo africano - com rara exceção no norte dos EUA. O cultivador
típico não tinha , portanto, liberdade, a propriedade era extensa e pertencente a um
senhor em um regime quase feudal com sua produção voltada para a Europa. Neste
período distingue-se a ascensão do algodão – que fornecia matéria prima para nascente
indústria inglesa – e a decadência da produção açucareira.
A leste da Europa Ocidental, área que se situa ao longo do rio Elba até a cidade
de Trieste, e inclui nesta análise o sul da Itália e a sul da Espanha, havia ainda, de um
modo geral, a servidão como forma de produção agrária. O senhor típico destas regiões
era o nobre proprietário de vastas propriedades, explorador de enormes fazendas
produtoras de alimentos e matérias primas para o ocidente. Esta também pode ser
considerada uma região de “economia dependente” de forma análoga às colônias alémmar.
Abaixo dos grandes senhores havia ainda uma classe de cavalheiros rurais de
tamanhos e recursos variados que da mesma forma também exploravam os camponeses.
IV
No resto da Europa, a estrutura agrária era socialmente parecida com os dois
casos anteriores, porém muito da condição de servo havia se esvaído neste período,
fazendo que a produção se realizasse por meio de alugueis e outros rendimentos
monetários.
Na maioria dos países, a ordem feudal implícita estava ainda muito arraigada,
embora obsoleta em termos econômicos. Sua superação fazia com que muitos nobres
perdessem parte de seus rendimentos devido ao constante aumento de preços.
Procuravam dessa forma compensar perdas, ocupando os rendosos cargos públicos que
antes eram, em grande parte, ocupados por plebeus.
A produção, por outro lado, continuava ineficiente e vinculada aos itens
tradicionais, apesar de terem existindo exceções na Inglaterra e algumas regiões da
Itália e Holanda, onde já se vislumbravam tendências à agricultura capitalista. Existia o
incentivo à produção rural, já que a população e, conseqüentemente, a demanda haviam
aumentado. A progresso técnico, entretanto, demorava a ocorrer.
V
Enquanto a agricultura não avançava, o mundo do comércio, das manufaturas e
das ciências se expandia. Os comerciantes enriqueciam à medida que as trocas se
avolumavam e no setor fabril a divisão e a especialização do trabalho davam seus
primeiros passos rumo ao modo de produção industrial. A Grã-bretanha, nesse período,
foi a primeira a beneficiar-se do progresso econômico promovido pelas manufaturas.
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Nesta mesma época, o “iluminismo” florescia e, voltado não só para as questões
político sociais, alimentava por meio de seus pensadores a convicção no progresso do
conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza. A
ciência, neste sentido, contribuía para a solução dos problemas produtivos. As classes
sociais que avançaram economicamente eram desse modo as mais progressistas e
estavam evidentemente envolvidas nesta maneira de ver mundo. Um individualismo
secular, racionalista e progressista dominava o pensamento “esclarecido”. Acreditava-se
mais na capacidade do homem como indutor de seu próprio destino do que nos antigos e
irracionais privilégios de nascimento que eram o sustentáculo do Antigo Regime.
As idéias do iluminismo e as novas forças econômicas e sociais implicavam a
abolição da ordem política e social vigente na maior parte da Europa, no entanto, seria
demais esperar que as velhas monarquias se extinguissem voluntariamente. Até por que
muitas delas ainda tinham o apoio dos iluministas mais moderados.
VI
Com exceção da Grã-Bretanha, as monarquias absolutas reinavam em todos os
Estados europeus. Os monarcas comandavam hierarquias de nobres proprietários
apoiados pela organização tradicional e a ortodoxia das igrejas.
Com as rivalidades internacionais, as tendências anárquicas de muitos nobres e o
crescente aumento do poderio inglês, a maioria dos monarcas tentou uma modernização
iluminista. As reformas, porém, resultavam mais numa nova busca pela melhora da
condição de poder e riqueza do soberano do em modificações sociais relevantes.
Aquelas que tinham um caráter mais sério acabaram fracassando em grande parte
devido a irredutibilidade daqueles que usufruíam os privilégios da nobreza.
A classe média burguesa esperava que o monarca fosse capaz de quebrar a
resistência ao progresso, contudo, o rei não conseguia desatrelar-se da hierarquia dos
nobres proprietários, à qual, afinal de contas, pertencia, representava e incorporava.
O que de fato viria a abolir as relações agrárias feudais que ainda persistiam
seria a Revolução Francesa, e o que tornou o Velho Regime mais vulnerável a ela foram
os movimentos autônomos das colônias ou províncias mais remotas, a dura resistência
dos nobres privilegiados e a constante pressão dos inimigos externos.
VII
O completo domínio político e militar do mundo pela Europa viria a ser produto
da era da dupla revolução, a social francesa e a industrial inglesa. Assim, a rápida e
crescente expansão do empreendimento capitalista europeu já, na década de 1780,
minava a ordem social de outras civilizações: a chinesa e outras do Extremo Oriente, as
islâmicas, a indiana e as da África. A dupla revolução que estava para acontecer estava
a ponto de tornar irresistível a expansão européia que dominaria todo o cenário
internacional no século seguinte.
Capítulo 2
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
I
As repercussões da revolução industrial não se fizeram sentir de uma maneira
tão óbvia até pelo menos 1830. Isto é o que se observa dentro dos movimentos literários
que se manifestavam até então. E é somente a partir da década de 1840 que o
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proletariado recém constituído e o comunismo conseguiram abrir caminho pelo
continente. O que significa a frase “a revolução industrial explodiu?” Significa que a
certa altura da década de 1780 as sociedades humanas tornaram-se capazes de
multiplicar homens, mercadorias e serviços de uma forma rápida, constante e, até o
momento presente, ilimitada. Os economistas a denominam de “partida para o
crescimento auto-sustentável”. Na Grã-bretanha a “partida” iniciou-se a partir de 1780 e
pode se dizer com certa acuidade que terminou com a construção das ferrovias e da
indústria pesada na década de 1840.
A revolução industrial foi provavelmente o acontecimento mais importante na
história do mundo desde a invenção da agricultura. Ela não aconteceu na Grã-bretanha
em virtude de uma superioridade técnica ou intelectual por parte dos britânicos, mas
devido às condições adequadas visivelmente presentes neste país, onde mais de um
século se passara desde que o primeiro rei tinha sido julgado formalmente e executado
pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido
aceitos como os supremos objetivos da política governamental. Além disso a solução
para a questão agrária – motivo ainda de muitos conflitos no continente europeu - já
tinha sido encontrada através do cultivo por arrendatários e pelos Decretos das Cercas
(Enclosures Acts). A agricultura, portanto, cumpria a função de fornecer excedentes
produtivos para alimentar a população expulsa para as cidades, fornecer mão de obra
para as indústrias e, por fim, promover o acúmulo de capital a ser utilizado nos setores
mais modernos da economia.
Politicamente o Estado também estava engatado no lucro. Tudo que os
industriais precisavam para serem aceitos entre os governantes era bastante dinheiro.
Uma frota mercante, facilidades portuárias e a melhoria de estradas e vias navegáveis
eram então construídas.
Por outro lado, a revolução industrial pioneira não se desenvolveu de modo a
produzir a custos tão baixos que criassem sua própria demanda. Nesta época os homens
de negócios ainda vinculavam-se ao paradigma comercial que esperava um mercado
consumidor monopolizado por uma única nação produtora. A indústria buscava então
mercados já existentes para posteriormente investirem na sua expansão.
O sucesso britânico levou outros países a imitarem seu modelo e aderirem à
industrialização, importando mesmo máquinas, técnicos e capital britânicos. No entanto
permanecia a Grã-bretanha sob condições capitalistas em uma conjuntura econômica
que permitia conquistar mercados de seus competidores, lançando-se à indústria
algodoeira e à expansão colonial.
II
A indústria algodoeira desenvolveu-se com o comércio ultramarino. Aquela foi
aos poucos substituindo o produto importado das Índias Orientais, e posteriormente,
expandindo-se para o mercado ultramar. Entre 1750 e 1769, a exportação britânica de
tecidos aumentou mais de dez vezes. Com o apoio do governo nacional, esta indústria
consolidou monopólios de comércio, como na Índia e na América Latina, que poderiam
descrever a revolução industrial como uma vitória do mercado exportador sobre o
doméstico.
A expansão era facilitada pela introdução de inovações tecnológicas
relativamente baratas e que podia ser facilmente financiadas através dos lucros
correntes, pois a combinação de vastas conquistas de mercado com uma inflação dos
preços produzia lucros fantásticos. Além disso, o fornecimento de algodão que vinha do
exterior podia ser expandido nas plantações escravagistas, desatadas da lenta agricultura
européia vinculada aos interesses agrários há muito estabelecidos.
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A tecelagem durante o desenvolvimento da indústria de tecidos foi sendo
progressivamente mecanizada.
III
Até a década de 1830, o algodão era a única indústria em que predominava a
fábrica. A produção de outros ramos têxteis teve desenvolvimento lento até antes de
1840, e em outras manufaturas este foi desprezível. Em princípios de 1840, ocorreu a
primeira crise geral do capitalismo com sérias conseqüências sociais. A miséria e o
descontentamento da nova economia estimularam os movimentos cartistas, ludistas,
produzindo também as revoluções de 1848 no continente. Tais movimentos tinham
ainda a simpatia de fazendeiros e da pequena burguesia.
A crise econômica ocorria devido a três falhas: o ciclo comercial de boom e
depressão, a tendência de queda nas taxas de lucro e a escassez de oportunidades de
investimento. A primeira não era considerada séria. Não se acreditava que ela refletisse
quaisquer dificuldades fundamentais do sistema. A segunda era provocada pela
competição acirrada entre os produtores de tecido que baixava o preço de seus produtos,
mas não de seus custos. Neste caso, chegaram os empresários até a formar oposição às
Leis do Trigo que protegia aos agricultores locais das importações do cereal. Esperavam
diminuir o custo de vida para que os salários pudessem ser reduzidos. Pressionada por
custos e necessidades de maior produtividade para compensar a perda de margem com
vendas maiores que mantivessem o lucro total os industriais investiram na mecanização,
obtendo sucesso variável. A solução para a terceira falha – a necessidade de
rentabilidade para o investimento de capital – seria a construção da indústria básica de
bens de produção.
IV
Nenhuma economia industrial pode desenvolver-se além de um certo ponto se
não possui uma adequada capacidade para produção de bens de capital. A princípio,
para investir neste tipo de negócio eram necessários pesados investimentos com retorno
a prazos muito longos. Somente com a introdução das estradas de ferro – no inicio nas
minas de carvão – é que tais inversões tornar-se-iam justificáveis. O imenso apetite das
ferrovias, largamente difundidas pelo mundo, por ferro, aço, carvão, maquinaria pesada,
mão-de-obra e investimentos de capital propiciava justamente a demanda maciça
necessária para o desenvolvimento da grande indústria de bens de capital.
Nesta época (1830-50) a produção de ferro e carvão na Grã-bretanha triplicou.
Em 1830 havia apenas algumas dezenas de quilômetros de ferrovias em todo mundo.
Em 1840 havia 7 mil quilômetros e em 1850 mais de 37 mil.
A expansão das ferrovias não se revelou um investimento rentável, no entanto,
atraiu o excesso de capital acumulado pela primeira fase industrial algodoeira, deixando
para um segundo plano outros tipos de aplicação como os empréstimos externos
(também pouco rentáveis ou mesmo inseguros).
V
A revolução industrial, durante o seu curso, conformou uma série adaptações na
economia e sociedade inglesas. Houve nesse período um brusco declínio da população
rural e um conseqüente aumento da concentração urbana. Para que esta pudesse ocorrer,
houve obviamente uma melhora na produção agrícola doméstica que, com um ganho de
produtividade, possibilitou o fornecimento de alimentos nas cidades agora mais
populosas. Esta transformação se deu com a liquidação do cultivo comunal da Idade
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Média em campo aberto – Decreto da Cercas – transformando a área rural em grandes
propriedades com um número moderado de arrendatários e trabalhadores contratados.
O inchaço das cidades, por outro lado, era desejado pela economia industrial, já
que fornecia mão-de-obra abundante para o trabalho nas fábricas. O capital para que
estas funcionassem não era escasso na Grã-bretanha, mas demandava dos primeiros
industriais um esforço maior para sua acumulação gradual, considerando que aqueles
que poderiam investir - mercadores, armadores, financistas, etc - relutavam em aplicar
seus recursos nas novas indústrias. Não havia neste período dificuldades quanto à
técnica comercial e financeira pública ou privada, assim como, por volta do século
XVIII, a política governamental estava comprometida com a supremacia dos negócios.
Deste modo bastante empírico, não planejado e acidental construiu-se a primeira
economia industrial de vulto.
Capítulo 3
A REVOLUÇÃO FRANCESA
I
Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a
influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas
fundamentalmente pela Revolução Francesa. A França forneceu o vocabulário e os
temas da política liberal, radical-democrática e nacionalista para a maior parte do
mundo. Suas conseqüências foram profundas: ela se deu no mais populoso, poderoso e
tradicional Estado absolutista europeu (com exceção da Rússia); foi uma revolução
social de massa; e sua influência ecumênica espalhou-se por diversas partes do mundo,
tendo sido incorporada posteriormente pelo socialismo e comunismo contemporâneos.
O final do século XVIII foi uma época de crise para os velhos regimes da
Europa, em que ocorreram revoltas e movimentos de emancipação nas colônias. Na
França, não era diferente. Internamente as novas forças ascendentes já conflitavam com
os interesses da velha aristocracia. Reformas políticas e econômicas que
reacomodassem as forças internas não surtiram efeito ante a “reação feudal”: nobres que
não admitiam modificações com relação aos antigos privilégios da hierarquia
aristocrática. Além de tudo o Estado francês passava por dificuldades financeiras que o
tornavam ainda mais fragilizado.
Os nobres usufruíam privilégios fiscais, recebiam apoio financeiro do Estado e
ainda, em muitos casos invadiam os postos oficiais da coroa, anteriormente ocupados
pela classe média. O campesinato, também neste período, era pressionado. A nobreza,
ao perder muito de sua renda em meio aos aumentos sucessivos de preço e
impossibilitada de trabalhar pelo costume monárquico, explorava com mais afinco
direitos feudais que eram requeridos aos camponeses como taxas, tributos e serviços.
Tanto a classe média como o campesinato viam-se insatisfeitos na situação em que se
encontravam.
O apoio dado aos americanos na guerra de independência contra a Grã-bretanha
levou o Estado francês a bancarrota final. Convocada a Assembléia dos Estados Gerais,
a aristocracia não tinha intenção de pagar a conta e, com esta oportunidade, estava
decidida a conseguir maior poder dentro do Estado. Subestimaram, no entanto, a
profunda crise sócio-política em que se encontrava o país, assim como as intenções do
Terceiro Estado (representantes daqueles que não eram da nem da nobreza nem do clero
– este o “Primeiro Estado”). Estes representantes que se constituíam na sua maioria de
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uma burguesia de ideais iluministas tinham a intenção de estabelecer um
constitucionalismo, em um Estado secular com liberdades civis e garantias para a
empresa privada em um governo de contribuintes e proprietários, onde a fonte de toda
soberania residiria no povo e não no direito divino.
A revolução eclodiu quando foi convocada pelo Terceiro Estado a Assembléia
Nacional que tinha por objetivo reformar a constituição. O Terceiro Estado teve sucesso
contra a resistência unificadora do rei e das ordens privilegiadas, pois representava não
somente uma minoria instruída, mas também os campesinato e os trabalhadores pobres
da cidade.
O que transformou a agitação reformista em uma revolução foi a profunda crise
socioeconômica que se instaurara na França. Uma má safra em 1788 e 89, seguida de
um inverno rigoroso provocou o empobrecimento e o aumento de preços. Com a queda
no poder de compra a produção industrial também diminuía aumentando o desemprego
nas cidades. As novas perspectivas políticas emanadas da convocação dos Estados
Gerais e da posterior Assembléia Nacional renovava as esperanças da população em
desespero.
O movimento de contra-revolução mobilizou contra si as massas de Paris,
causando convulsão no campo e nas cidades provincianas. Em pouco tempo toda
estrutura do Estado monárquico ruira. Os privilégios feudais foram abolidos e foi
promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Repetidas vezes veremos moderados reformadores da classe média mobilizando
as massas contra a resistência à revolução e em outros momentos as massas indo além
daquilo que estes desejavam, isto é longe dos objetivos e comodidades burgueses. No
decorrer desta e de outras revoluções burguesas subseqüentes o que se verá é uma classe
média burguesa indo em direção ao conservadorismo, ou seja, rumo a um acordo com o
rei e a aristocracia, em virtude do medo do radicalismo inconseqüente ao estilo
jacobino.
O movimento dos sansculottes, trabalhadores pobres, pequenos artesãos, lojistas,
artífices, pequenos empresários etc, era organizado, mas também não ofereceu uma
alternativa real ao radicalismo. Seu ideal, um passado dourado de aldeões e pequenos
artesãos ou um futuro dourado de pequenos fazendeiros e artífices não perturbados por
banqueiros e milionários, era irrealizável.
II
Entre 1789 e 1791, a burguesia moderada tomava na agora chamada Assembléia
Constituinte as providências para a reforma da França. A maioria dos empreendimentos
institucionais duradouros da revolução data deste período. Entretanto, sua política em
relação aos camponeses era o cerco das terras comuns e o incentivo aos empresários
rurais; para a classe trabalhadora, a interdição dos sindicatos; para os pequenos artesãos,
a abolição dos grêmios e corporações.
A constituição de 1791 rechaçou a democracia excessiva através de uma
monarquia constitucional baseada num direito de voto censitário dos “cidadãos ativos”,
reconhecidamente bastante amplo. Por outro lado, a corte ainda conspirava contra a
revolução, a tentativa de estabelecer uma Constituição Civil do Clero colocou o povo e
os religiosos na oposição ao governo e a incontrolada economia de livre empresa
acentuou as flutuações nos preços dos alimentos e colocou novamente os pobres em
polvorosa. Todos estes fatores somados à tentativa de fuga do rei e a eclosão da guerra
contra a revolução – esta movida por outras monarquias absolutas temerosas das
conseqüências que ela teria em seus respectivos territórios – ocasionaram uma nova
revolução.
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A guerra foi declarada em abril de 1792 e em agosto-setembro, a monarquia foi
derrubada, a República estabelecida e uma nova era da história humana proclamada
com a instituição do Ano I do calendário revolucionário. Em seguida foram convocadas
as eleições para a Convenção Nacional, o rei foi preso e a população foi conclamada
para a resistência aos invasores.
A expansão da guerra, principalmente quando ela ia mal, só fortaleceu a
esquerda, já que eram os girondinos que a tinham incentivado em virtude de interesses
políticos e econômicos. A Gironda, levada a ataques mal calculados contra a esquerda
que logo se transformaria em uma revolta Provinciana que a enfraqueceria, permitiu que
os sansculottes a derrubassem em um rápido golpe em junho de 1793. Tinha chegado a
República Jacobina.
III
A República do Ano II enfrentou com sucesso as investidas dos invasores e
restabeleceu certa tranqüilidade na questão O econômica. O regime era uma aliança
entre a classe média e as massas trabalhadoras. Para esses homens como de fato para a
maioria da Convenção Nacional que no fundo deteve o controle durante todo este
período, a escolha era simples: ou o Terror, ou a destruição da revolução, a
desintegração do Estado nacional e provavelmente o desaparecimento do país.
O centro do governo se refletiu no reconstruído Comitê de Salvação Pública, que
rapidamente se transformou no efetivo ministério da guerra, que perdeu Danton e
ganhou Robespierre. Este tinha o apoio dos moderados por eliminar a corrupção, o que
se apresentava afinal de contas no interesse do esforço de guerra.
No período jacobino,uma nova constituição foi proclamada. Dava ao povo o
sufrágio universal, direito de insurreição, trabalho ou subsistência e declarava que a
felicidade de todos era o objetivo do governo. Os jacobinos aboliram todos os direitos
feudais sem indenização e aboliram a escravidão nas colônias. A transformação
capitalista da agricultura foi desestimulada, o que atrasou o avanço capitalista na
França.
As necessidades econômicas da guerra afastaram o apoio popular dos jacobinos.
Por volta de 1794, tanto a direita quanto a esquerda tinham ido para a guilhotina, e os
seguidores de Robespierre estavam isolados. Somente a crise da guerra os mantinha no
poder. Quando esta parecia não oferecer mais ameaças ao país a Convenção derrubou
Robespierre e este e seus colaboradores foram executados.
IV
O Diretório, que se estabeleceu após a República Jacobina, era fraco e tinha
grandes dificuldades para alcançar a estabilidade política e o avanço econômico nas
bases do programa liberal de 1789-91. Sua grande fraqueza era a de que eles não
desfrutavam de nenhum apoio político. Cada vez mais tinham que depender do apoio do
exército para dispersar a oposição articulava conspirações e golpes. O exército
revolucionário, como o mais formidável rebento da República Jacobina daria novo
impulso às necessidades de desenvolvimento da França.
Seu líder supremo, Napoleão Bonaparte, após bem sucedida carreira militar,
chegaria o poder em 1799. Tornou-se posteriomente primeiro cônsul, depois cônsul
vitalício e Imperador. Em poucos anos a França tinha um Código Civil, uma concordata
com a Igreja e um Banco Nacional. A hierarquia dos funcionários públicos, das cortes,
das universidades e escolas, assim como as grandes carreiras do exército, da educação e
do direito também foram obras suas.
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Sua ascensão pessoal, que se inicia no baixo escalão do exército francês até o
comando de um continente, deu à ambição um nome pessoal no momento em que a
dupla revolução tinha aberto o mundo aos homens de vontade.
Ele trouxe estabilidade e prosperidade para todos e destruíra apenas uma coisa: a
Revolução Jacobina, o sonho de igualdade, liberdade e fraternidade, do povo se
erguendo na sua grandiosidade para derrubar a opressão. Este foi um mito mais
poderoso do que o dele, pois, após a sua queda, foi isto e não a sua memória que
inspirou as revoluções do século XIX.
► Fichamento dos capítulos 4 a 6 por Tércia Barreira
Capítulo 4
A GUERRA
I
De 1792 a 1815 houve guerra quase que ininterrupta na Europa, em combinação
ou simultaneamente com outras guerras fora do continente: nas Índias Ocidentais e nos
Estados Unidos. Em conseqüência de vitórias ou derrotas dessas guerras, transforma-se
o mapa do mundo. Quais foram as conseqüências do processo bélico efetivo, da
mobilização e das operações militares, das medidas políticas e econômicas resultam
delas?
Durante aqueles 20 anos entravam em confronto os poderes e os sistemas,
consideremos a França como Estado e a França como Revolução. Ao final do reinado
de Napoleão, o elemento conquista e exploração imperial prevalecia sobre o elemento
libertação, sempre que as tropas francesas derrotavam ocupavam ou anexavam algum
país, e assim a guerra internacional ficava muito menos mesclada com a guerra civil
internacional.
Socialmente falando, os beligerantes estavam desigualmente divididos.
Excetuando a própria França, apenas os EUA (de origens e simpatias revolucionárias
para com a Declaração dos Direitos do Homem) inclinavam-se ideologicamente para o
lado francês, fazendo uma guerra (1812-14) contra um inimigo comum, os britânicos.
Entretanto, os EUA permaneceram na maioria das vezes neutros e seu conflito com os
britânicos não exige qualquer explicação ideológica. No resto, os aliados ideológicos da
França eram partidos e correntes de opinião dentro de outros Estados e não poderes
estatais.
De maneira bastante ampla, praticamente todas as pessoas instruídas, intelectuais
e de talento simpatizavam com a Revolução, mas faltava apoio político ou militar.
Na Grã-Bretanha, o jacobinismo teria sido, indubitavelmente, um fenômeno de
importância política maior, até mesmo depois do Terror, se não tivesse se chocado com
o preconceito antifrancês do nacionalismo popular inglês, com o desprezo pelos
famintos continentais (as charges da época retratávamos franceses como magros como
palitos de fósforos) e com a hostilidade inglesa. O jacobinismo britânico foi o único por
ser primordialmente um fenômeno de artesãos ou da classe operária. Na Península
Ibérica, nos domínios de Habsburgo, na Alemanha Central e Oriental, na Escandinávia,
nos Bálcans e na Rússia, o filo-jacobinismo era uma força insignificante. Atraía alguns
jovens ardentes, alguns intelectuais iluministas e mais uns poucos, mas a ausência de
qualquer apoio de vulto para suas opiniões entre as classes média e alta e seu isolamento
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do fanático campesinato analfabeto fez com que o jacobinismo fosse facilmente
suprimível.
A França fornecia um modelo do único tipo de profunda reforma interna, o que
influencia bastante a constituição da Reforma da Polônia, em 1791. Na Irlanda, o
descontentamento agrário e nacional deu ao “jacobinismo” uma força política muito
além da ideologia maçônica e livre-pensadora dos líderes dos “Irlandeses Unidos”. Os
irlandeses estavam preparados para saudar a invasão de seu país eminentemente
católico, não porque simpatizavam com Robespierre, mas porque odiavam os ingleses e
buscavam aliados contra eles. Na Suíça, o elemento esquerdista e a atração da França
foram sempre fortes. Na Alemanha Ocidental e na Itália isso não aconteceu.
Mas se os franceses contavam com o apoio das forças revolucionárias do
exterior, os antifranceses também o desfrutavam, pelos movimentos de resistência
popular contra a conquista francesa, como movimento sócio-revolucionário, ainda que
esses camponeses o expressassem em termos de um militante conservadorismo baseado
na Igreja e no Rei. É significativo que a tática militar que em nosso século se tornou
identificada com a guerra revolucionária, a guerrilha, fosse entre 1792 e 1815 um
recurso quase exclusivo do lado antifrancês.
O conflito fundamental que dominara as relações internacionais européias
durante quase um século era entre a França e a Grã-Bretanha. Do ponto de vista
britânico era um conflito quase que totalmente econômico, pois desejavam eliminar seu
principal competidor para alcançar o predomínio comercial nos mercados europeus e o
controle total dos mercados ultramarinos. Na Europa, esse objetivo não implicava em
ambições territoriais. Em relação aos outros continentes, isso implicava na total
destruição dos impérios coloniais de outros povos e consideráveis anexações para os
britânicos. Ou seja, todos os Estados coloniais, comerciais e marítimos eram vistos pela
França como aliados em potencial. De maneira mais ambiciosa, a burguesia francesa
esperava compensar a superioridade econômica britânica somente através de seus
próprios recursos políticos e militares.
Em todo o sistema permanente de Estados em tensão e rivalidade uns contra os
outros, a inimizade de A implica a simpatia dos anti-A. Levando em conta as divisões
do lado antifrancês e o potencial de aliados que os franceses poderiam atrair, no papel as
coalizões antifrancesas eram muito mais fortes (pelo menos no início). Contudo, a
história militar das guerras é uma história de quase ininterrupta e sufocante vitória
francesa, em razão da Revolução Francesa. No que tange à organização improvisada,
mobilidade, flexibilidade e coragem ofensiva e moral de luta, os franceses não tinham
rivais.
II
A relativa monotonia do sucesso francês torna desnecessário discutir as
operações militares de guerra terrestre com grandes detalhes.
A Áustria foi derrotada na batalha de Austerlitz, em 1805, e a paz lhe foi
imposta. A Rússia, embora derrotada em Austerlitz, espancada em Eylau (1807) e
derrotada novamente em Friedland (1807) permaneceu intacta como potência militar. O
Tratado de Tilsit (1807) tratava-a com justificável respeito, embora estabelecendo a
hegemonia francesa sobre o resto do continente, à exceção da Escandinávia e dos
Bálcans turcos.
Napoleão cria o Sistema Continental (1806), que implicava em um bloqueio
econômico à Grã-Bretanha, mas tem dificuldades de impo-lo à Rússia, abalando o
Tratado de Tilsit, que leva ao rompimento com a Rússia, sendo invadida e Moscou
tomada. O método do exército francês fracassou totalmente nos amplos, pobres e vazios
13
espaços da Polônia e da Rússia. A falta do suprimento adequado ao exército foi o
principal responsável por esse fracasso. De 610 mil homens, apenas 100 mil retornaram.
Um novo exército francês (imaturo) foi derrotado em Leipzig, em 1813, e os aliados
avançaram sobre a França. Paris foi ocupada e o Imperador renunciou em 6 de abril de
1814, tentando restaurar seu poder em 1815, mas é liquidado (em junho de 1815) na
batalha de Waterloo.
III
No decorrer dessas décadas de guerra, as fronteiras políticas da Europa foram
redesenhadas várias vezes.
A Revolução Francesa pôs fim à Idade Média. Sobreviventes formais de uma era
anterior, tais como o Sagrado Império Romano e a maioria das cidades-Estados e
cidades-impérios, desapareceram. O império morreu em 1806. Somente os Estados
papais da Itália central sobreviveram até 1870. A revolução social era possível, as
nações existiam independentemente dos Estados, os povos independentemente de seus
governantes e até mesmo os pobres existiam independentemente das classes
governantes. Os 234 territórios do Sagrado Império Romano reduziram-se a 40. Visto
que a maioria dessas mudanças beneficiou Estados monárquicos, a derrota de Napoleão
simplesmente as perpetuou.
Mas as mudanças de fronteiras, leis e instituições governamentais não foram
nada comparadas com um terceiro efeito destas décadas de guerra revolucionária: a
profunda transformação da atmosfera política.
IV
Em relação às perdas humanas resultantes desse período, forma relativamente
baixas: um milhão de mortos nas guerras de todo período, um índice favorável se
comparado às perdas isoladas de qualquer um dos principais países beligerantes nos
quatro anos e meio da Primeira Guerra Mundial ou mesmo aos aproximadamente 600
mil mortos na Guerra Civil Americana de 1861-5. Ainda em 1865, na Espanha, uma
epidemia de cólera, segundo estimativas, fez 236.744 vítimas. Entre 1800-15, Napoleão
recrutou 7% da população francesa, contra 21% durante o período bem mais curto da
Primeira Guerra. Ainda assim, em números absolutos, a quantidade era considerada
grande. As exigências econômicas da guerra e a guerra econômica tinham
conseqüências muito maiores.
As guerras revolucionárias e napoleônicas eram excessivamente caras. Para se
pagar esses custos, o método tradicional era uma combinação de inflação monetária,
empréstimos e um mínimo de tributações especial. As extraordinárias exigências e
condições financeiras das guerras transformaram tudo: familiarizaram o mundo com o
papel-moeda não conversível. Cada crise financeira sucessiva fazia com que fossem
impressas em maior quantidade e se desvalorizassem mais vertiginosamente, ajudadas
pela crescente falta de confiança do público.
Entre 1794 e 1804 a Grã-Bretanha emprestou 80 milhões de libras com a
finalidade de dar subsídio aos aliados militares. Os principais beneficiários diretos eram
as casas financeiras internacionais – britânicas ou estrangeiras, que operavam cada vez
mais através de Londres, que se tornou o centro internacional das finanças – como a
Casa dos Rothschild e dos Baring, intermediárias dessas transações. A indústria de
guerra, embora a curto prazo desviando homens e materiais do mercado civil, pode a
longo prazo estimular desenvolvimentos que em período de paz teriam negligenciado.
Entre as inovações tecnológicas criadas desta forma pelas guerras napoleônicas e
revolucionárias estavam a indústria do açúcar de beterraba e de enlatados.
14
O fardo francês foi devido não tanto à guerra, pois estava planejada para se
pagar a si mesma e ainda saqueava e confiscava territórios estrangeiros, recrutando
homens, dinheiro e material. Sua quebra econômica deveu-se à década da revolução, da
guerra civil e do caos.
O fardo britânico deveu-se ao custo de suportar não só o próprio esforço de
guerra do país, mas também de outros Estados (através dos subsídios aos aliados
continentais). Em termos monetários, os britânicos carregaram o fardo mais pesado
durante a guerra: três ou quatro vezes mais do que o fardo francês.
Seu “custo” em quebra de negócios e desvio de recursos etc., era medido
comparativamente a seu “lucro”, expresso na posição relativa dos competidores
beligerantes após a guerra. Por esses padrões, é óbvio que as guerras entre 1793-1815 se
pagaram.
Capítulo 5
A PAZ
I
Após mais de vinte anos de guerras e revoluções quase ininterruptas, os reis e os
estadistas não eram mais sábios nem pacíficos que antes, mas estavam mais assustados.
Exceto pela guerra da Criméia não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que
duas grandes potências entre 1815 e 1914. Mas a cena internacional estava longe de ser
tranqüila, havendo muitas ocasiões para conflitos. Os movimentos revolucionários
destruíram repetidas vezes a estabilidade internacional na década de 1820 (aqui houve a
tardia Revolução de Portugal, a favor do liberalismo, e movimentos revolucionários no
sul da Europa, Bálcans e América Latina), 1830 (Europa Ocidental, especialmente
Bélgica) e nas vésperas da Revolução de 1848.
O apaziguamento da Europa após as Guerras Napoleônicas não foi mais justo
nem moral do que qualquer outro, mas dado o propósito antiliberal e antinacional de
seus organizadores, foi realista e sensato. Não sendo feita qualquer tentativa para se tirar
partido da vitória total sobre os franceses, que não deviam ser provocados para não
sofrerem um novo ataque de jacobinismo. E, por volta de 1818, a França era readmitida
no “Concerto Europeu”. Os Bourbons (Luís XVIII) foram reconduzidos ao poder,
fazendo certas concessões, como aceitar a Constituição. O mapa da Europa foi
redelineado:
Grã-Bretanha: reteve Malta, as Ilhas Jônicas e a Heligolândia, manteve a Sicília
sob cuidadosa vigilância e transferiu a Noruega do domínio dinamarquês para o sueco.
Rússia (exercia uma hegemonia “remota” sobre todos os principados absolutos a
leste da França): teve aquisição da Finlândia (às custas da Suécia), da Bessarábia (às
custas da Turquia) e da maior parte da Polônia – o resto da Polônia foi distribuído entre
a Prússia e a Áustria, que não eram grandes potências, mas tinham boa atuação como
estabilizadores europeus.
Estadistas de 1815 trataram de elaborar um mecanismo para manutenção da paz,
por meio de congressos regulares (só foram mantidos de 1818-22). Esse sistema de
congressos ruiu, pois não sobreviveu à fome de 1816-17 e depressões nos negócios, nos
anos imediatamente posteriores às guerras napoleônicas.
Após a volta da estabilidade, em 1820, percebia-se as divergências entre os
interesses das potências. Logo, de 1820-22 voltam os ataques de intranqüilidade e
insurreição. Apenas a Áustria continuava diplomática e pregava pela ordem social. As
15
três monarquias da “Sagrada Aliança” e a França entraram em acordo a respeito da
Alemanha, da Itália e da Espanha.
A França exercia a função de “policial internacional” na Espanha (1823) e
queria aumentar o campo de suas atividades militares e diplomáticas, particularmente na
Espanha, Bélgica e Itália, onde tinha grandes investimentos estrangeiros.
A Grã-Bretanha fica de fora dos conflitos, pois Canning era mais flexível que o
rígido Castlereagh e percebeu que os britânicos não simpatizavam mais pelo
absolutismo (as reformas na Europa teriam caráter absolutista). Além disso, sentiu que a
França, principalmente, se dirigia à América Latina, então os ingleses apóiam a
independência dos Estados latino-americanos (como fizeram com os Estados Unidos na
Doutrina Monroe, em 1823).
A Grécia consegue sua independência em 1829 com ajuda da Rússia e GrãBretanha. O dano internacional foi minimizado com a transformação do país em reino,
pois não seria um mero satélite russo, sob comando de um dos muitos pequenos
príncipes disponíveis.
Entretanto, as revoluções de 1830 destruíram-nos completamente, pois afetaram
os pequenos Estados e a França. Enquanto isso, a “Questão Oriental” (o problema do
que fazer em relação à desintegração da Turquia) transformou os Bálcans e o Oriente
em um campo de batalha das potências, principalmente a Rússia e a Grã-Bretanha. A
“Questão Oriental” perturbou o equilíbrio das forças porque tudo conspirava para
fortalecer os russos, cujo principal objetivo diplomático era conquistar o controle dos
estreitos entre a Europa e a Ásia Menor, que condicionavam seu acesso ao
Mediterrâneo.
Para a Índia, a política óbvia era escorar a Turquia a todo custo contra a
expansão russa (ainda beneficiaria seu comércio no Oriente), mas precisaria do apoio
direto, diplomático e militar da Grã-Bretanha, para evitar o firme aumento da influência
russa e o colapso da Turquia, sujeita a seus muitos problemas. Isto fez da “Questão
Oriental” o mais explosivo problema em assuntos internacionais após as guerras
napoleônicas, capaz de levar a uma guerra generalizada em 1854-6. Os fatos que
favoreciam à Rússia a levaram à acomodação. Mas para o czar, Constantinopla não
valia o esforço de uma grande guerra, assim na década de 1820, a guerra grega
encaixava-se na política de divisão e de ocupação.
A Rússia negociou um tratado extraordinariamente favorável em 1833, com uma
Turquia pressionada, que estava ciente da necessidade de um protetor poderoso. A GrãBretanha sentiu-se insultada e os anos da década de 1830 viram a gênese de uma
russofobia em massa, que criou a imagem da Rússia como espécie de inimigo
hereditário da Grã-Bretanha (essa relação só começou a se deteriorar após as guerras
napoleônicas). Em face da pressão britânica, os russos bateram em retirada e na década
de 1840 voltaram a propor a partilha da Turquia. Exceto pelo episódio da Criméia, não
houve guerra pela Turquia em todo o século XIX.
Assim fica claro que neste período o material inflamável das relações
internacionais não era explosivo o bastante para deflagrar uma guerra de grandes
proporções. Só a França era uma potência “insatisfeita” e tinha capacidade de romper a
estável ordem social. Mas as implicações de um tamanho salto em direção a uma guerra
revolucionária assustava os governos franceses liberais-moderados tanto quanto a
Metternich. Nenhum governo francês entre 1815 e 1848, colocaria em jogo a paz geral
em função de seus próprios interesses estatais.
O ponto de vista inglês era de que um mundo aberto ao comércio britânico e a
uma proteção pela marinha britânica contra intrusos mal recebidos era explorado de
forma mais barata e sem os custos administrativos de uma ocupação. A exceção seria a
16
Índia, que tinha que ser mantida a qualquer custo, pois seu mercado era de importância
crescente. Ela foi a chave para a abertura do Extremo Oriente, para o tráfico de drogas e
outras atividades lucrativas.
A China foi aberta na Guerra do Ópio de 1839-42. Consequentemente, entre
1814 e 1849, o tamanho do império britânico na Índia cresceu muito, como resultado de
uma série de guerras contra os maratas, os nepaleses, os birmaneses, os rajputs, os
afeganes, os sindis e os sikhs, e a rede de influência britânica foi estendida mais para
perto do Oriente Médio.
Enquanto isso, os EUA conquistaram todo seu lado oeste ao sul da fronteira de
Oregon (através da insurreição e da guerra contra os mexicanos). Já os franceses
precisaram se limitarem à Argélia, que invadiram em 1830 e em 1847 tinham
conseguido liquidar sua resistência.
Em 1834 os ingleses aboliram a escravidão em suas colônias, pois a economia
não girava mais em torno do comércio de homens e de açúcar, mas de algodão.
Importaram, então, trabalhadores da Ásia.
Capítulo 6
AS REVOLUÇÕES
I
Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e
1848. A primeira ocorreu em 1820-4, na Europa, basicamente no Mediterrâneo, na
Espanha (1820), Nápoles (1820) e a Grécia (1821). Fora a grega, todas essas
insurreições foram sufocadas.
A Revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação da América Latina,
que tinha sido derrotado após um esforço inicial, ocasionado pela conquista da Espanha
por Napoleão em 1808. Os três grandes libertadores da América espanhola, Simon
Bolívar (estabeleceu a independência da “Grande Colômbia”, que incluía as atuais
repúblicas da Colômbia, da Venezuela e do Equador), San Martin (independência da
Argentina exceto pelas áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia) e
Bernardo O’Higgins (independência do Chile). San Martin ainda libertou o vice-reino
do Peru. Por volta de 1822, a América espanhola estava livre.
Enquanto isso, o general espanhol, Iturbide, enviado para lutar contra as
guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México, tomou partido dos guerrilheiros
sob impacto da Revolução Espanhola e, em 1821, estabeleceu definitivamente a
independência mexicana.
Em 1822, o Brasil separou-se pacificamente de Portugal sob o comando do
regente deixado pela família real portuguesa em seu retorno à Europa, após o exílio
napoleônico.
A segunda onda revolucionária ocorreu em 1829-34, afetando toda a Europa a
oeste da Rússia e o continente norte-americano. Na Europa, a derrubada dos Bourbon,
na França, estimulou várias outras insurreições. Até mesmo a Grã-Bretanha foi afetada,
graças a Irlanda que garantiu a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da agitação
reformista. O Ato de Reforma de 1832 corresponde à Revolução de Julho de 1830 na
França (Carlos X, sucessor de Luís XVIII foi obrigado a abdicar do poder). Este período
é provavelmente o único na história moderna em que acontecimentos políticos na GrãBretanha correram paralelamente aos do continente europeu. A restrição dos partidos
17
Tory (conservador) e Whig (liberal) impede o desenvolvimento de uma situação
revolucionária em 1831-2.
A onda revolucionária de 1830 foi, portanto, muito mais séria que a de 1820,
pois marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental.
A classe governante nos próximos 50 anos seria a “grande burguesia” (banqueiros,
grandes industriais e alguns altos funcionários civis). Surge, na França e Grã-Bretanha,
a classe operária como força política autoconsciente e independente. Seu sistema
político (na Grã-Bretanha, França e Bélgica) era fundamentalmente o mesmo:
instituições liberais protegidas contra a democracia por qualificações educacionais ou de
propriedade para os eleitores sob uma monarquia constitucional. Nos EUA, entretanto, a
democracia jacksoniana (Andrew Jackson) vai além, com a derrota dos proprietários
oligarcas antidemocratas (que correspondia ao que triunfava na Europa Ocidental) pela
ilimitada democracia política colocada no poder por votos dos homens das fronteiras,
dos pequenos fazendeiros e dos pobres das cidades (exceto os escravos do sul)
1830 é um ano de importância política, ideológica, econômica, artística, social e
de migrações por conta da industrialização e urbanização. E na Grã-Bretanha e na
Europa Ocidental em geral, este ano determina o início daquelas décadas de crise no
desenvolvimento da nova sociedade, que se concluem com a derrota das revoluções de
1848 e com o gigantesco salto econômico depois de 1851.
A terceira onda revolucionária é a maior de todas, a de 1848. Quase que
simultaneamente a revolução explode (e vence temporariamente) na França, na Itália,
nos Estados alemães, na maior parte do império dos Habsburgo e na Suíça (1847). O
que em 1789 fora o levante de uma só nação era agora, “a primavera dos povos” de todo
um continente.
II
As revoluções do período pós-napoleônico foram intencionais e planejadas, pois
os sistemas políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez
mais inadequados. Os modelos políticos criados pela Revolução de 1789 serviram para
dar um objetivo específico ao descontentamento, transformando a intranqüilidade em
subversão. Esses modelos correspondiam a três principais tendências da oposição
depois de 1815:
 Liberal moderado (classe média superior e aristocracia liberal),
inspirado na Revolução de 1789-91, o ideal político era de monarquia
constitucional semibritânica com um sistema parlamentar oligárquico de
qualificação por propriedade que a Constituição de 1791 introduziu;
 Democrata radical (classe média inferior, novos industriais, intelectuais
e pequena nobreza descontente), inspirou-se na Revolução de 1792-3,
sendo seu ideal político uma república democrática inclinada para o bemestar social e alguma animosidade em relação aos ricos, correspondendo
à constituição jacobina ideal de 1793;
 Socialista (“trabalhadores pobres” e novas classes operárias industriais),
a inspiração foi a revolução do Ano II e as insurreições póstermidorianas, sobretudo a Conspiração dos Iguais de Babeuf,
significativo levante de jacobinos extremados e de primeiros comunistas,
que marca o nascimento da moderna tradição comunista na política. Era
o filho do sansculotismo (herdando principalmente o violento ódio pelas
classes médias e ricos) e da ala esquerda do robespierrismo.
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Politicamente, o modelo revolucionário babovista seguia a tradição de
Robespierre e Saint-Just.
Os grupos sociais que lutaram a favor da democracia radical eram um conjunto
variado e confuso, difícil de ser rotulado. Elementos do que em 1792-3 teriam sido
chamados de girondismo, jacobinismo e até mesmo sansculotismo achavam-se nele
combinados. Embora, talvez, o jacobinismo da Constituição de 1793 o representasse
melhor.
Do ponto de vista dos governantes absolutistas, todos esses movimentos eram
igualmente subvertores da estabilidade e da boa ordem. Mas na verdade, os movimentos
de oposição tinham pouco em comum, além do seu ódio pelos regimes de 1815 e a
tradicional frente comum de que todos se opunham, por qualquer razão, à monarquia
absolutista, à Igreja e à aristocracia. A história do período que vai de 1815 a 1848 é a
história da desintegração dessa frente unida.
III
Durante o período da Restauração (1815-30), ainda não havia na política
socialistas ou revolucionários conscientes da classe operária (exceto na Grã-Bretanha,
onde uma tendência proletária independente na política e na ideologia surgiu sob a
égide do “cooperativismo” de Robert Owen, por volta de 1830. O programa clássico
que buscava a classe trabalhadora britânica era o de uma simples reforma parlamentar
conforme expressa nos “Seis Pontos”, da Carta do Povo: 1) sufrágio masculino; 2)
votação secreta; 3) distritos eleitorais iguais; 4) pagamento dos membros do
Parlamento; 5) Parlamentos anuais; 6) abolição da condição de proprietário para os
candidatos.
Na Grã-Bretanha e nos EUA já estava estabelecida uma forma regular de
política de massa. No resto da Europa as perspectivas políticas pareciam muito
semelhantes, a frente unida do absolutismo praticamente eliminava a possibilidade de
uma reforma pacífica. Todos tendiam a adotar o mesmo tipo de organização
revolucionária ou até a mesma organização: a secreta irmandade insurrecional
(derivadas ou copiadas do modelo maçônico) que florescem no final do período
napoleônico. Exs: carbonari (italiana), dezembristas (russa).
As insurreições obtiveram sucesso completo, mas temporariamente, em alguns
estados italianos e especialmente na Espanha, onde a insurreição “pura” descobriu sua
fórmula mais eficiente, o pronunciamento militar. As sociedades secretas atraíam muito
fortemente os militares.
As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente, gerando dois principais
resultados:
1°) A política de massa e a revolução de massa (com base no modelo de 1789)
mais uma vez tornaram-se possíveis e a dependência exclusiva das irmandades secretas,
menos necessárias. Os Bourbon foram derrubados em Paris pela combinação da crise da
política da monarquia Restaurada e da intranqüilidade popular devido à depressão
econômica;
2°) “O povo” e os “trabalhadores pobres” podiam ser cada vez mais
identificados com o novo proletariado industrial como “a classe operária”. Portanto,
passa a existir um movimento revolucionário proletário-socialista.
Além disso, as revoluções separaram os moderados dos radicais e criaram uma
nova situação internacional, dividindo a Europa em duas grandes regiões: a oeste de
Reno, o liberalismo moderado triunfou na França, na Grã-Bretanha e na Bélgica (os
liberal-moderados saíram da oposição à Restauração para assumirem o governo e logo
19
que assumiram, por esforços dos radicais, imediatamente os traíram) e a leste do Reno
as revoluções sociais foram reprimidas. Todavia, os problemas da revolução eram
semelhantes a leste e a oeste, embora não do mesmo tipo, provocando grande tensão
entre os moderados e os radicais.
Na Grã-Bretanha, os radicais, os republicanos e os novos movimentos
proletários saíram, portanto, da aliança com os liberais. Os moderados (proprietários
liberais e outros membros da classe média) depositavam suas esperanças no reformismo
de governos influenciáveis (raros) e no apoio diplomático das novas potências liberais.
O desapontamento dos radicais com o fracasso francês em serem libertadores
internacionais, junto com o crescente nacionalismo na década de 1830 e a nova
consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o
internacionalismo unificado, dando espaço para uma reação nacionalista.
IV
Em 1830, os EUA começou a ser o país dos sonhos do europeu pobre, que se
justificavam dizendo que “lá não havia um rei”.
Na Grã-Bretanha, o fracasso do movimento socialista em desenvolver uma
estratégia política e uma liderança eficazes, associado às ofensivas dos empregadores e
do governo, reduziu os socialistas a grupos educacionais e propagandísticos ou a
pioneiros de algo mais modesto: a cooperação de consumidores, sob a forma de
cooperativa de compras (iniciada em Rochdale, Lancashire, em 1844).
Enquanto isso, na França, não existe qualquer movimento de massa dos
trabalhadores pobres que se comparasse. Por outro lado, possuía a poderosa tradição do
jacobinismo e do babovismo da esquerda, altamente desenvolvido politicamente e que
em grande parte se tornaria comunista depois de 1830. Seu líder mais notável foi
Auguste Blanqui (1805-1881), discípulo de Buonarroti. O blanquismo era como o
carbonarismo, o movimento de uma elite que planejava suas insurreições de certa forma
do vazio e que portanto, frequentemente fracassava, como na tentativa de levante de
1839. Pouco oferecia ao socialismo, mas insuflou no moderno movimento
revolucionário socialista, a convicção de que seu objetivo tinha que ser a tomada do
poder político, seguido da “ditadura do proletariado” (termo blanquista).
V
No resto da Europa revolucionária (eslavos e romenos na Hungria, ucranianos na
Polônia Oriental e eslavos em partes da Áustria), as massas eram o campesinato.
Enquanto o grosso do campesinato continuasse afundado na ignorância e na passividade
política, seu apoio às revoluções era menos imediato do que poderia ser, mas não menos
explosivo. (Ex.: a insurreição dos sérvios na Galícia, em 1846, a maior revolta
camponesa desde a Revolução Francesa).
Logo, os radicais precisavam atrair os camponeses para seu lado ou os
reacionários o fariam (os reis legítimos, os imperadores e as igrejas tinham a vantagem
tática de que os camponeses tradicionalistas confiavam mais neles do que nos senhores
de terra; os monarcas estavam dispostos a jogar os camponeses contra a pequena
nobreza). Então, nesses países, os radicais se dividiram em dois grupos:
 democratas, que acreditavam na coexistência pacífica entre a nobreza e
o campesinato nacional;
 extrema esquerda, que acreditavam na luta revolucionária de massas
contra os governantes estrangeiros e os exploradores domésticos.
20
VI
Embora divididos por diferenças das condições locais, nacionalidades e classes,
os movimentos revolucionários de 1830-48 continuaram tendo muito em comum:
organizações minoritárias de conspiradores da classe média e intelectuais e mantiveram
um padrão comum de procedimento político, de idéias estratégicas e táticas. As
organizações ilegais são naturalmente menores que as legais e sua composição social
não é representativa.
Chegaria o momento em que os antigos aliados contra o rei, a aristocracia e o
privilégio se voltariam uns contra os outros e o conflito fundamental seria entre os
burgueses e os trabalhadores. Na Grã-Bretanha, esse momento chegou com o cartismo.
Mais do que um panorama comum, a esquerda européia partilhava de uma visão
comum sobre como seria a revolução baseada em 1789, com retoques de 1830. De um
modo geral, pode-se dizer também que quanto mais de esquerda fosse o político, mais
provável seria que defenderia o princípio (jacobino) de centralização de um executivo
forte contra os princípios (girondinos) do federalismo, descentralização ou divisão dos
poderes.
A causa de todas as nações era a mesma. Os preconceitos nacionais
desapareceriam em um mundo de fraternidade (“Democratas Fraternos”). As tentativas
de se organizar associações revolucionárias internacionais nunca cessaram, desde a
Jovem Europa de Mazzini até a Associação Democrática para a Unificação de Todos
os Países (1847). Entre os movimentos sócio-revolucionários, que aceitavam cada vez
mais a orientação proletária, o internacionalismo aumentou sua força (A Internacional).
Nos centros de refúgio, os emigrantes se organizavam, debatiam, discutiam,
freqüentavam-se e denunciavam-se uns aos outros e planejavam a libertação de seus e
de outros países. Principalmente os poloneses, que tornaram-se corpos internacionais de
militância revolucionária. Um nome importante foi o de Harro Harring (segundo ele da
Dinamarca), que lutou como membro da Jovem Alemanha, da Jovem Itália e da Jovem
Escandinávia. Nem sempre se admiravam ou se aprovavam mutuamente, mas se
conheciam e sabiam que seu destino era o mesmo. Juntos, preparam-se e esperaram a
revolução européia que veio (e fracassou) em 1848.
► Fichamento dos capítulos 7 a 9 por Juliana Manara
Capítulo 7
O NACIONALISMO
I
Após 1830, movimentos em favor da revolução, influenciados pela Revolução
Francesa, se dividem por toda Europa e são caracterizados por movimentos
nacionalistas conscientes: movimentos “jovens” (Jovem Alemanha, Jovem Itália, Jovem
Suíça...).
Esses movimentos pretendiam a fraternidade de todos e justificavam suas
preocupações primordiais com suas nações; os povos sofridos seriam conduzidos à
liberdade.
Forças poderosas, resultado da Revolução Dupla, deram características ao
nacionalismo, como:
21
 Descontentamento dos proprietários menores ou a pequena nobreza inferior;
 Surgimento de uma classe média inferior com grande parte de intelectuais
profissionais;
 Oposição ao absolutismo, à dominação estrangeira e aspiração a mais
empregos.
Classes empresariais deste período foram menos nacionalistas, pois preferiam os
grandes mercados abertos a pequenos mercados de uma futura nação independente. Em
alguns casos como na Bélgica, os interesses empresariais eram fortes, pois a pioneira
comunidade industrial era desafortunada sob domínio de uma poderosa comunidade
mercantil holandesa.
O grande proponente do nacionalismo de classe média, neste estágio, foi a
categoria de profissionais intelectuais, ou seja, as classes educadas. (Os empresariais
também faziam parte dessa classe). Fez-se a guerra do nacionalismo ao longo da linha
que demarcava o progresso educacional em áreas ocupadas por uma pequena elite. Um
progresso surpreendente, pois embora houvesse poucas pessoas “instruídas”, o número
de pessoas com acesso à escolaridade e à universidade aumentava conforme os anos,
dando-lhes nova consciência de si mesmos como grupo social.
Embora pequenas elites possam se comunicar em línguas estrangeiras, a língua
nacional se impõe uma vez que o número de pessoas com acesso à educação se torna
elevado. Livros didáticos e jornais são impressos pela 1ª vez na língua nacional, que
também é usada para fins oficiais dando um marco forte à evolução nacional.
Lembramos aqui que, com a exceção dos alemães, holandeses, escandinavos,
suíços e norte-americanos, não se pode dizer que outros povos fossem alfabetizados em
1840. Até mesmo Grã-Bretanha, França e Bélgica tinham por volta de 40% a 50% de
analfabetismo. E o analfabetismo também não correspondia um obstáculo à consciência
política, porém não há provas que o nacionalismo tenha sido uma poderosa força de
massa com exceção a esses últimos países citados que já foram transformados pela
revolução dupla.
Para as massas em geral, o teste de nacionalidade ainda era a religião (espanhóis
católicos, russos ortodoxos...). Mesmo com alguns confrontos, para essa massa ainda
era raro o sentimento de nacionalidade. Eles mesmos não falavam a língua literária
nacional e sim dialetos incompreensíveis.
Foi o desenraizamento dos povos que destruiria o profundo e antigo
tradicionalismo local. Migrações e emigrações eram incomuns e em sua maioria
aconteciam por obrigações militares ou pela fome, mas a partir da década de 1820 esse
processo de deslocamento aumenta notavelmente e o índice mais conveniente seria a
migração para os EUA. Fora as Ilhas Britânicas, a única nação migratória era a
Alemanha que enviava seus filhos como colonos rurais para Europa Oriental ou como
artesãos para toda Europa.
II
Fora do mundo burguês houve movimentos de revolta popular contra o domínio
estrangeiro (o domínio de uma religião diferente ao invés de uma nacionalidade
diferente), o que antecipa os movimentos nacionais. Líderes ou governantes estrangeiros
também eram recebidos com resistência pelo povo, embora não haja relação alguma
com movimentos nacionalistas posteriores. Exemplificando essas revoltas populares
podemos citar os indianos contra a influência britânica e as derrotas dos sérvios em
Kosovo contra os turcos (contra uma administração do império turco).
22
Foi somente na luta grega pela independência (1821-30) que se fundiram as
idéias do nacionalismo e da Revolução Francesa e não foi à toa que a Grécia se tornou o
mito inspirador para os nacionalistas e liberais de todo o mundo. Foi somente na Grécia
que todo um povo se rebelou contra um opressor e pôde ser identificada com a causa da
esquerda européia, e que essa foi uma considerável ajuda para independência grega.
Fora da Europa é difícil falar de nacionalismo. Nada que se pareça com
nacionalismo pode ser descoberto em outras regiões, pois não havia condições sociais
para isto. As forcas que viriam mais tarde produzir o nacionalismo estavam nesse
estagio em oposição à aliança da tradição, da religião e da pobreza das massas que
produziu a mais poderosa resistência ao abuso dos conquistadores e exploradores
ocidentais. Por exemplo, na Ásia os elementos de uma burguesia se formavam à sombra
dos exploradores estrangeiros. Portanto o nacionalismo asiático foi produto da
influência e conquista ocidental.
Já as muitas repúblicas latino-americanas substituíram velhos impérios
espanhóis e portugueses. O Brasil se tornou uma monarquia independente. Suas
fronteiras refletiam a distribuição das propriedades dos nobres que apoiavam rebeliões
locais e começavam a adquirir interesses políticos estáveis e aspirações territoriais. As
revoluções latino-americanas(países de língua espanhola) foram obra de pequenos
grupos de aristocratas, soldados e elites afrancesadas “evoluídas”.
23
Parte II
RESULTADOS
24
Capítulo 8
A TERRA
I
Dentre 1789-1848 o que acontecia com a terra influenciava a vida dos seres
humanos. Com a revolução dupla o impacto sobre o aluguel da terra e a agricultura foi o
mais catastrófico fenômeno da época. A terra era considerada a única fonte de riqueza e
após revolução seria a conseqüência necessária da sociedade burguesa e do
desenvolvimento econômico. A terra tinha, a qualquer custo, de estar em condições
adequadas para que o solo pudesse ser arado por forças de empresas privadas em busca
de lucro. Para isso:
1 - A terra tinha que ser privada, transformada em mercadoria e livremente
negociada por seus proprietários.
2 - Seus proprietários deveriam desenvolver seus recursos produtivos para o
mercado estimulados por seus interesses e lucros.
3 - A grande massa da população rural deveria ser transformada em trabalhadores
assalariados com liberdade de movimento, para o setor não agrícola da economia.
É importante ressaltar que alguns economistas mais radicais estariam
conscientes de uma quarta difícil mudança. Acreditavam que diante da mobilidade dos
fatores de produção, a terra, “um monopólio natural”, não se encaixava muito bem, pois
o tamanho da terra era limitado e com diferenças na fertilidade e acesso, fazendo com
que proprietários de partes mais férteis se privilegiassem. Uma maneira de combater
essa situação seria uma tributação por meio de leis contra a concentração de terra ou sua
nacionalização.
Esses, então, eram os problemas de terra em uma sociedade burguesa em
processo de instauração. Para seu funcionamento havia também dois outros obstáculos:
Os proprietários de terra pré-capitalistas e o campesinato tradicional. Ambos exigiam de
uma combinação nas ações políticas e econômicas.
Visto que o primeiro objetivo da terra era transformá-la em mercadoria, o
proprietário com incompetência econômica poderia sofrer penalidade e permitir que
compradores mais competentes assumissem a situação. Em países com terras
eclesiásticas teria que ser aberto ao mercado e à exploração racional. Não poderia haver
duvidas que os compradores das terras divididas, os novos proprietários, seriam
empresários fortes e sóbrios; e assim seria atingido o segundo objetivo da revolução
agrária. E por último, para uma completa mudança, as forças de trabalho “livre”,
constituídas daqueles que não conseguiram se tornar burgueses.
II
Na França a abolição do feudalismo foi obra da Revolução. A pressão
camponesa e os jacobinos levaram a reforma agrária muito além do que os capitalistas
desenvolvimentistas teriam desejado. A França não se tornou nem um país de senhores
de terra e trabalhadores agrícolas e nem de fazendeiros comerciais, mas em grande parte
de proprietários camponeses que se tornaram principal amparo dos regimes políticos
que não ameaçaram tomar suas terras.
25
Já na maior parte da Europa latina, Países Baixos, Suíça e Alemanha Ocidental a
abolição do feudalismo foi obra do exército francês ou liberal que proclamavam, em
nome da nação, a abolição dos dízimos e direitos senhoriais. Com a volta dos Bourbon
depois de abortada revolução napolitana em 1798-9. As reformas não se completaram,
mas continuaram com a revolução legal em áreas como Alemanha Oriental, Croácia,
Eslovênia e só voltaram sob administração francesa em 1805.
Entretanto, a Revolução Francesa não foi a única força que impulsionava por
uma revolução agrária. O puro argumento econômico em favor de utilização racional da
terra já impressionava os servidores civis assim como a ganância da nobreza, que
transformava a emancipação da terra em um instrumento de expropriação camponesa.
Os passos legais, então, para o sistema burguês de propriedades de terra aconteceram
entre 1789 e 1812. Cada avanço da teoria liberalista daria mais um passo para a prática.
III
O antigo sistema tradicional, embora opressor e ineficaz, era um sistema de
certeza social e uma determinada segurança econômica. A revolução para o camponês
não lhe deu nada exceto direitos legais. Para o camponês pobre pareceu uma troca
desfavorável. Foram retirados recursos que eles acreditavam ter direito.
Com o mercado livre de terras significaria que eles provavelmente teriam que
vender sua terra, e uma classe rural de proprietários os explorariam no lugar dos
senhores. A introdução do liberalismo na terra destruiu, então, a estrutura social em que
sempre habitaram.
Nada mais natural que o camponês pobre lutasse pelo que pudesse e assim lutou
em nome de um velho ideal consuetudinário de uma sociedade mais justa e estável, isto
é, em nome da Igreja e do rei legítimo.
IV
Em grandes partes da Europa a revolução legal veio como algo imposto de fora
como um terremoto artificial. Isto se tornou ainda mais óbvio em lugares onde ela foi
imposta a uma economia totalmente não burguesa como na África e na Ásia (domínio
inglês na Índia, por exemplo).
Na América Latina foi feita a tentativa de aplicação da lei liberal sobre a terra.
Os governos independentes, entretanto, procederam à liberalização nos moldes da
Revolução Francesa e doutrina de Bentham (bem estar do indivíduo), que os
inspiravam.
A libertação das terras dos nobres pode ter levado a alguma redistribuição e
dispersão das propriedades, embora o grande fundo continuasse sendo a unidade
dominante da propriedade de terra na maioria das repúblicas. Os ataques contra as
propriedades comunais continuaram ineficientes. A liberalização da economia
continuou artificial. Os parlamentos, eleições e leis territoriais pouco mudaram o
continente.
V
A revolução da propriedade de terras foi o aspecto político do rompimento da
tradicional sociedade agrária. Uma invasão para uma nova economia rural e pelo
mercado mundial. Uma transformação imperfeita medida pela modesta taxa de
emigração. A agricultura local era fortemente protegida da competição internacional ou
interprovincial.
O novo método agrícola, fora das áreas de agricultura capitalista bem-sucedida,
era lento, por isso não faziam efeitos na competição industrial sobre aldeias ou ofícios
26
domésticos, embora o açúcar de beterraba, o milho e a batata já faziam grandes avanços
na Inglaterra.
Era necessária, então, uma conjuntura econômica com a proximidade imediata
de uma economia industrial e a inibição do desenvolvimento normal para um verdadeiro
cataclismo em uma sociedade agrária por meio puramente econômicos.
Capítulo 9
RUMO A UM MUNDO INDUSTRIAL
I
Em 1848 somente a economia inglesa estava efetivamente industrializada. Boa
parte de países da Europa Ocidental, Oriental e dos Estados Unidos já haviam se
encontrado na “soleira” da revolução industrial. Excluindo a Grã-Bretanha e algumas
outras partes, o mundo social e econômico de 1840 pode ser visto similarmente a 1788.
A maioria das pessoas em todo mundo não britânico era em grande maioria de
camponeses e controlados pelo ritmo de boas ou más colheitas que influenciavam,
gerando também variações nos ritmos do setor industrial e não industrial.
A crise econômica que atingiu grande parte da Europa em 1846-48 foi uma
depressão totalmente agrária. Não atingiu a Grã-Bretanha, que em 1848 estava sofrendo
a primeira depressão cíclica da grande era de expansão vitoriana. Uma revolução
continental não seria possível sem um correspondente movimento britânico. A
disparidade entre o desenvolvimento britânico e o continental tornaria inevitável que o
continente se insurgisse sozinho. Mudanças fundamentais estavam acontecendo:
 A população mundial começa a se multiplicar e resultado desse
aumento demográfico um estimulo a economia.
 Nas comunicações. Aumentam as ferrovias (que já eram usadas na
Grã-Bretanha, EUA, Bélgica, Alemanha e França), multiplicava o número de
estradas, melhorando o serviço das carruagens e postais. As pontes que se
curvam sobre os rios e seus veleiros.
 O volume do comércio e emigrações. O comércio internacional no
mundo ocidental triplicou.
II
Com exceção dos EUA, o período de Revolução Francesa trouxe pouco avanço
imediato. Foi após 1830 que se presenciou então uma grande e acelerada mudança
social e econômica. A situação mudou rápida e drasticamente com o novo proletariado e
os horrores da incontrolável urbanização. Em países mais industrializados (Bélgica,
França) duplicavam e triplicavam seus maquinários. Os anos que vão de 1830-48
marcam o nascimento de áreas industriais e revolução nas técnicas de investimentos.
(Através de Banqueiros mais ricos poderia haver empréstimos para fins capitalistas)
A industrialização continental e até mesmo americana diferencia da inglesa.
Nessas a empresa privada foram menos favoráveis. Na Grã-Bretanha não houve
escassez nos fatores de produção e nenhum obstáculo institucional para o
desenvolvimento capitalista. O governo dos países continentais tinha um controle maior
sobre a indústria que por sua vez dependiam muito mais de aparatos financeiros e de
uma moderna legislação bancaria, comercial e de negócios. E da Revolução Francesa
adotou-se os códigos legais de Napoleão (com ênfase na liberdade contratual garantida
27
legalmente, reconhecimento das letras de cambio e outros papéis comerciais e sua
disposição em prol das empresas de capital social).
III
O desenvolvimento econômico deste período contém um gigantesco paradoxo: a
França. Teoricamente, nenhum outro país deveria ter avançado mais rapidamente. Ela
possuía instituições ajustadas de forma ideal ao desenvolvimento capitalista. Paris era
um centro internacional que seguia Londres bem de perto. Ainda assim, basicamente, o
desenvolvimento econômico francês era mais lento que em outros países. Sua
população crescia silenciosamente, porém sem dar grandes saltos.
A explicação para isso é a própria Revolução Francesa. Como visto no capítulo
anterior parte capitalista da economia francesa era a base do campesinato e pequena
burguesia. Os trabalhadores livres destituídos das terras vinham pouco a pouco para a
cidade. Economizava muito capital. Eram produzidas mercadorias de luxo e não
mercadorias de consumo de massa. A França em si, fertilizou o crescimento econômico
em outros países.
Já nos EUA sofriam-se uma escassez de capital, mas estavam prontos para
importa-lo da Grã-Bretanha. Sofriam de mão-de-obra, mas as Ilhas Britânicas e
Alemanha estavam também prontos a exportá-la. Somente um único obstáculo
atrapalhava a conversão dos EUA para a potência mundial que logo tornaria: o conflito
entre o norte agrícola e industrial, que se beneficiava do capital e mão-de-obra, contra o
sul semi-colonial e dependente da Grã-Bretanha.
Uma projeção de um outro futuro gigante no mundo econômico era a Rússia,
pois já previam que, com seu vasto território, população e recursos, mais cedo ou mais
tarde, viria a se projetar mundialmente.
De todas as conseqüências econômicas da época da Revolução Dupla, podemos
dizer que gerou, então, uma divisão entre os países “adiantados” e os
“subdesenvolvidos”, e que esta provou ser profunda e duradoura. Por volta de 1848
estava claro, que os países deveriam seguir o exemplo da Europa Ocidental (exceto a
Península Ibérica), Estados Unidos e países colônias de língua inglesa.
Mas não podemos deixar de comentar aqui que o resto do mundo estava muito
atrasado ou ainda se transformando – sob pressões formais das exportações e
importações – em dependências econômicas.
► Fichamento dos capítulos 10 a 12 por Francisco Gomes
Capítulo 10
A CARREIRA ABERTA AO TALENTO
I
A revolução francesa acabou com a sociedade aristocrata, mas não com o status
social desta camada. A nova classe em ascensão estabeleceu como símbolo de sua
riqueza e poder aquilo que os antigos grupos superiores tinham estabelecido. Deste
modo, as características da cultura aristocrática francesa foram assimiladas pela
burguesia.
A sociedade da França pós-revolucionária era a burguesia em estrutura e valores
que incorporava a idéia do self-made-man. Este domínio burguês não era peculiar à
França (EUA, Grã-Bretanha), mas onde era mais visível seu predomínio:
28
1) Jornal (La presse–1836) lucro com a publicação de anúncios, fofocas,
novelas...
2) Moda
3) Teatro
A revolução industrial na estrutura da sociedade burguesa foi menos dramático,
apenas destacou uma elite que não se considerava mais um “escalão mediano”, mas
formava agora uma classe (o termo classe média apareceu pela primeira vez por volta de
1812). Esta nova classe detinha uma autoconfiança feroz e o desenvolvimento da
economia política deu-lhes uma certeza intelectual. Ressalta-se uma elevada visão
utilitarista da burguesia em relação a idéias elaboradas pelos escritores, intelectuais,
inventores, não se excluindo a própria religião.
II
A realização crucial das duas revoluções foi o fato de que elas abriram
parcialmente as carreiras para o talento ou, pelo menos, para a energia, sagacidade,
trabalho duro e ganância. Os cargos superiores - com a exceção dos EUA - ainda
permaneciam restritos a uma parcela da população. Nas sociedades pré-capitalistas, os
filhos herdavam as profissões dos pais, contudo após a dupla revolução eshavia 4
maneiras de ascensão social:
1) Os negócios
2) A educação que levavam a mais 3 opções : O funcionalismo público, a
política e as profissões liberais.
3) As artes: Reconhecimento público e status social mais freqüente.
4) As guerras: Encontrava-se em declínio em decorrência da relativa “paz”
após as guerras napoleônicas.
Os negócios e a educação eram opções que apresentavam alguns percalços, pois
ambos necessitavam de um capital inicial. Havia, contudo obstáculos maiores para
aqueles que optassem pela educação, a despeito de alguns países fornecerem de um
sistema público de ensino que era precarizado por razões políticas.
Mesmo exigindo maiores esforços, a educação era a opção mais procurada e
mais valorizada socialmente que os negócios. Estes tinham claramente uma mentalidade
anti-social, pois contribuía com a exploração dos homens, enquanto as profissões
liberais ajudavam a diminuir a miséria da população.
Ambas opções (negócios e educação) estavam abertas as competições
individuais e o triunfo baseado no mérito. Nos serviços públicos a seleção por méritos
substituiu as origens aristocráticas e se tornaram uma alternativa para a ascensão das
classes médias.
No período pós-napoleônico, observou-se um aumento dos gastos públicos em
quase todos os países da Europa e EUA em virtude não só dos gastos com as forças
armadas, mas também com o desenvolvimento de velhas e novas funções dos Estados.
Nota-se uma aparente contradição entre a acepção liberal de Estado (Estado mínimo) e
os aumentos dos gastos observados. O liberalismo não é hostil à burocracia, mas sim a
burocracia ineficaz. O Estado destituído de gastos ineficazes torna-se mais forte:
investimento em polícias nacionais (França 1798, Inglaterra 1828); investimento em
sistema público de ensino, em serviços públicos de ferrovias. O próprio crescimento da
29
população aumentou a demanda por um sistema judicial, exigiu uma administração
urbana mais capilarizada e maior eficiência na arrecadação de impostos.
Entretanto a maioria dos postos burocráticos eram professores, carteiros,
coletores de impostos e oficiais de justiça. Estas carreiras de classe média não garantiam
nada além de uma vida modesta e “confortável”, em melhores condições que
trabalhadores pobres.
As profissões liberais (médicos, advogados, professores) não estavam ao alcance
de todos, pois exigiam longos anos de estudos, talento e oportunidade. Em uma
economia que se expandia rapidamente, os negócios eram a carreira mais aberta ao
talento.
III
A abertura das carreiras ao talento entusiasmou, sobretudo a comunidade judia
da Europa ocidenta - antes enclausurada em suas comunidades fechadas em virtude das
opressões sociais que eram submetidas. Antes limitados ao comercio, finanças ou
interpretação da sagrada lei, os judeus passaram a trabalhar em diversas profissões com
destaque nas artes, ciências e profissões liberais. Havia uma maior assimilação dos
judeus na sociedade burguesa, embora o anti-semitismo fosse endêmico nas massas
exploradas (os burgueses e judeus eram agora identificados como algozes da
exploração).
Entretanto, para a grande massa dos povos, o ajustamento a essa nova realidade
era difícil, seja porque não tinham condições ou porque não entendiam o que se
esperava deles. Segundo os novos valores
Impostos pela dupla revolução, o homem que não tivesse demonstrado
habilidade em chegar a proprietário não era um homem completo e portanto um cidadão
completo. Estabeleceu-se, pois em um sentimento de superioridade – aqueles que não
conseguiam ingressar na classe média demonstravam uma falta de inteligência pessoal,
força moral ou energia – que determinavam eternamente sua posição social. Era este
sentimento que justificavam, na opinião da classe média, a aparente incompatibilidade
entre o princípio da igualdade de todos perante a lei e os códigos trabalhistas
discriminatórios. A sociedade hierárquica foi assim, reconstruída sobre os princípios da
igualdade formal.
Capítulo 11
OS TRABALHADORES POBRES
I
Eram 3 as oportunidades abertas aos pobres que se encontravam à margem da
sociedade burguesa:
1)
2)
3)
Lutar para se tornarem burgueses
Submissão
Revolução
A primeira opção era tecnicamente difícil para aqueles que careciam de bens e
instrução, como era também profundamente desagradável. O liberalismo da sociedade
burguesa era considerado desumano. Esta visão também passou a ser compartilhada por
30
negociantes e fazendeiros de menor que não conseguiam competir com a exploração e a
técnica dos grandes capitalistas. As novas maquinarias tornaram-se alvos de operários e
pequenos proprietários.
No entanto, havia trabalhadores que se esforçavam para se unir a classe média.
Eram influenciados por uma literatura moral e didática da classe média radical e os
esforços protestantes que disseminavam os preceitos da poupança, auto-ajuda e
automelhoria. Estes representavam a minoria, enquanto do outro lado a grande parcela
da população não conseguia compreender o processo e permaneciam à margem da
sociedade. Neste cenário de miséria e cataclismo econômico-social, a embriaguez, o
infanticídio, prostituição e a demência, disseminaram-se por toda a Europa e tornaramse companheiras da industrialização e da urbanização. Observou-se concomitantemente
o aumento da criminalidade e violência.
O crescimento econômico não era acompanhado pela expansão da infra-estrutura
urbana (limpeza das ruas, fornecimento de água, serviços sanitários e habitação para a
classe trabalhadora. A conseqüência desta deterioração urbana era a disseminação de
doenças, principalmente aquelas transmitidas pela água. As classes médias e altas não
sentiram estes efeitos, pois o desenvolvimento urbano promoveu uma segregação de
classes. Apenas quando as epidemias atingiram a classe dos poderosos iniciou-se o
aperfeiçoamento da rede urbana.
II
Outra alternativa dos trabalhadores pobres era a rebelião. Observa-se que ao
longo do século XIX o aparecimento de revoltas trabalhistas e socialistas que
culminaram com a revolução de 1848.
___________
A pauperização da classe trabalhadora passou a ser relatada por inúmeros
observadores, sendo pior no campo, entre os trabalhadores assalariados não
proprietários, trabalhadores rurais domésticos e camponeses pobres. Malthus ao
observar esta situação propôs que o crescimento da população superaria inevitavelmente
o crescimento dos meios de subsistência. Má colheita como as de 1789, 1795, 1817,
1832 e 1847 traziam a fome. Somada a estes eventos havia também a diminuição da
renda dos trabalhadores.
A industrialização e urbanização também levaram a uma mudança e rigidez na
alimentação tradicional dos trabalhadores. Esta se tornou pior e associada às condições
de vida nos centros urbanos levava a uma evidente diferença na aptidão física entre as
populações agrícolas e industriais – em alguns centros urbanos, a expectativa de vida
dos trabalhadores chegava a ser a metade quando comparados as populações rurais.
Era freqüente o deslocamento de grupos de trabalhadores em decorrência das
crises repetitivas do capitalismo industrial. Ademais havia a transformação de setores
ocupados por artesãos que passavam a ser ocupados por máquinas. Observa-se também
que apesar de uma aparente melhora material, os trabalhadores de certa forma perdiam
sua liberdade: disciplina rígida imposta pelo patrão; ocupavam as casas fornecidas por
eles; recebiam como pagamento mercadorias...
III
O movimento operário trata-se de uma resposta a essa situação intolerável de
sofrimento. Durante o século XIX, esta mobilização tomou consciência e ambição de
classe, não se caracterizando mais como uma disputa entre “pobres” e “ricos”. Assim, a
luta da classe trabalhadora desenvolveu uma nova metodologia que se caracterizava
31
pela vigilância permanente, organização e atividade – sindicatos, sociedade
coorporativas, instituições trabalhistas, jornais e agitação.
A consciência de classe ainda não existia na França revolucionária. Tornou-se
presente entre 1815 – 1848, apenas nos países da revolução dupla – praticamente
inexistia fora dos dois países. Na Grã-Bretanha os sindicatos gerais foram fundados em
1818 e promoviam uma tática sistemática de greve geral. Assim por volta da década de
1830 já existia uma consciência de classe proletária que eram mais débeis e menos
efetivas do que as classes patronais.
Esta consciência de classe era reforçada pelos ideais jacobinos – conjunto de
aspirações, experiências, métodos e atitudes morais – da Revolução Francesa e
Americana que davam confiança aos pobres. Porém, fracassaram as tentativas de 1829 e
1834 de usar um modelo puramente unionista ou mutualista em busca de melhores
salários objetivando a mudança a sociedade existente. Estes grandes sindicatos se
mostraram de difícil controle. A agitação de orientação jacobina era flexível e eficaz e
ganhou solidez e continuidade, porém fracassaram quando tinham objetivos muito
ambiciosos. Havia, contudo, antes do jacobinismo a tradição do motim ou protesto
público ocasional que expressava a fome e os sentimentos dos homens esgotados.
IV
O movimento proletário era heterogêneo em sua composição, pois abrangia
todos os trabalhadores pobres, principalmente os urbanos. A liderança destes
movimentos era composta de artífices qualificados, artesãos independentes, empregados
domésticos, que passaram a trabalhar sob pressão maior após a revolução industrial.
Tratam-se assim de um movimento de autodefesa, protesto e revolução
V
Por fim, havia pouca liderança ou coordenação – com a exceção de sua
manifestação política mais sólida que era o cartismo – e a tentativa de transformar o
movimento em organização “o sindicato geral” de 1834-5 fracassou. Havia uma
solidariedade espontânea da classe trabalhadora local, que se mantinham unidos em
resposta a fome, a miséria, ao ódio e a esperança. Apesar de aterrorizarem os ricos com
o “espectro do comunismo”, tratava-se apenas de um movimento, e não de uma
organização.
Capítulo 12
A IDEOLOGIA RELIGIOSA
I
A religião que antes se fazia presente em quase toda a Europa – ao ponto do
termo cristão ter se tornado sinônimo de homem em alguns países – foi perdendo
paulatinamente sua influência na sociedade, principalmente nos países centros das duas
revoluções (este fenômeno já era visível mesmo antes de 1848). A secularização da
sociedade era mais evidenciada entre eruditos, escritores e cavaleiros que ditavam as
modas intelectuais do final do século XVIII. As mulheres e os camponeses ainda
permaneciam devotos a ideologia cristã.
Entre a classe média, apesar da ideologia iluminista, antitradicional, progressista
e racionalista se encaixar melhor no esquema desta classe, na prática esta permanecia
ainda receosa de abandonar a moralidade e a “sanção sobrenatural” do velho tipo de
32
religião. Assim a burguesia permanecia dividida entre livres pensadores mais dinâmicos
e efetivos (minoria) e maioria de católicos, protestantes e judeus devotos. Observa-se
que a própria revolução americana e francesa - que secularizaram as transformações
políticas e sociais – são as maiores demonstrações da vitória da ideologia secular sobre
a religiosa.
O triunfo burguês na Revolução Francesa inseriu a moral-secular ou agnóstica
do iluminismo do século XVIII na linguagem geral de todos os movimentos sociais e
revolucionários subseqüentes (socialistas e trabalhistas). O novo proletariado
influenciado pelos movimentos socialistas e trabalhistas seculares adquiriu aos poucos
certa indiferença religiosa. Contribuíram para este fenômeno a incapacidade das igrejas
estabelecidas em lidar com as aglomerações – grandes cidades – e com as classes
sociais – proletariado – e com seus novos costumes e experiências. “os problemas do
pregador de uma aldeia agrícola não serviam como guia para a cura das almas em
uma cidade industrial ou um cortiço urbano”. As novas comunidades e classes eram
negligenciadas pelas igrejas estabelecidas e ficavam a mercê dos novos movimentos
trabalhistas. No final do século estas comunidades inglesas foram “capturadas”
novamente principalmente pelas seitas protestantes.
A tendência geral do período de 1789 – 1848 era secularização. Houve
influência da ciência que muitas vezes questionava os dizeres da Bíblia. Novum
Testamentum (1842-1852) de Lachman negava que os Evangelhos fossem relatos de
testemunhas oculares. A vida de Jesus (1835) de David Strauss eliminava o elemento
sobrenatural do seu biografado. Havia o ataque direto de numerosos regimes políticos
contra as propriedades e privilégios das igrejas estabelecidas.
II
Durante o período avaliado pelo autor, observa-se uma possibilidade para a
expansão de algumas religiões, principalmente o islamismo e as seitas protestantes –
decorrente da expansão da população. Este aumento das atividades missionárias –
sobretudo fora da Europa – estava respaldado pela força econômica, política e militar
européia. Observa-se uma vinculação entre a história religiosa, política e econômica
para a expansão das religiões na Europa e Américas. O catolicismo encontrava-se
estagnado e só iniciou sua expansão bem mais tarde.
Ao mesmo tempo o islamismo continuava sua expansão de maneira silenciosa,
gradativa e irreversível – sem o esforço missionário organizado ou a conversão forçada
– para o Oriente (Indonésia e noroeste da China), para o Ocidente (Sudão e Senegal) e
em menor proporção nas costas do oceano Indico e interior do continente. Observa-se
influência dos comerciantes mulçumanos no interior do continente africano que
ajudavam a chamar a atenção dos povos para sua religião assim como a escravidão –
arruinadora da vida comunitária – que encontrava na reintegração das estruturas sociais
promovidas pelo islamismo o seu alento
No sudeste asiático, o islamismo era tido como um elemento de resistência aos
brancos (não observado no islamismo africano) devido a reiteradas colonização desta
região por potências estrangeiras (Portugal, Holanda). Observa-se também o declínio
dos cultos locais como o hinduísmo. Grande parcela do seu poder de expansão deve-se
aos movimentos reformistas e de renovação que surgiram como um reflexo do impacto
da expansão européia, da crise das antigas sociedades maometanas e também da
crescente crise do império chinês.
No período estudado pelo autor, a expansão do islamismo é mais bem descrita
como o renascimento do islamismo mundial, o que não foi equiparado por nenhuma
outra religião não cristã. O movimento protestante se difere do islamita devido à
33
restrição do primeiro aos países de civilização capitalista desenvolvida (Grã Bretanha,
EUA). Dentro destes, os limites sociais e geográficos do sectarismo protestante em
países de influência católica devia-se ao fato que estes não aceitavam o estabelecimento
público de seitas. Nos países protestantes o impacto da sociedade individualista e
comercial era mais forte (Grã-Bretanha, EUA) e a tradição sectarista já estava
estabelecida. Sua exclusividade e insistência na comunicação individual entre o homem
e Deus, bem como sua austeridade moral tornavam-na atraente para os empresários e
pequenos comerciantes. Sua teologia baseada na salvação pessoal tornava-na atraente
também para os homens que levavam vidas difíceis (homens das fronteiras, pescadores,
pequenos cultivadores, mineiros e artesãos). Por sua vez a concepção do salvacionismo
pessoal também levava a uma tendência inicialmente irracionalista, apolítica ou
conservadoras. Posteriormente as seitas evoluíram para uma orientação em direção ao
radicalismo jeffersoniano ou jacobino ou em direção a um liberalismo moderado de
classe média.
III
Em termos religiosos, o período foi uma crescente secularização e indiferença
religiosa (na Europa), combatida com o despertar da religião em suas formas mais
intransigentes, irracionais e emocionalmente compulsiva.
Para as massas era
principalmente um método de luta contra a sociedade cada vez mais fria, desumana e
tirânica do liberalismo da classe média. Representava uma tentativa de criar instituições
políticas, sociais e educacionais em um ambiente que não proporcionava nada disso. No
entanto, para as classes médias, a religião servia de amparo moral, justificando sua
existência social contra o desprezo e o ódio da sociedade tradicional, além de um
mecanismo de expansão.
A religião fornecia estabilidade social para as monarquias e aristocracias.
Encorajavam o sentimento religioso dos analfabetos e devotos em favor da defesa de
seu governante e da sua igreja. Trata-se de uma tentativa de preservar a velha sociedade
contra a corrosão da razão e do liberalismo. Na Igreja romana, o principal campo de
ação era a França onde adquiriu mais tendências liberais. A maioria das seitas
protestantes estava mais próxima do liberalismo, sobretudo em termos políticos. As
igrejas estatais protestantes, no entanto eram politicamente mais conservadoras. Os
judeus estavam mais expostos a força das correntes liberais visto que adquiriram sua
emancipação política e social graças a elas.
Fichamento dos capítulos 13 a 16 por Túlio Sene
Capítulo 13
A IDEOLOGIA SECULAR
IDEOLOGIA SECULAR
PROGRESSISTAS
-Liberais, Socialistas, Comunistas e
Anarquistas
FILOSOFIA CLÁSSICA ALEMÃ
- Kant e Hegel
ANTI-PROGRESSISTAS
- Conservadores
- Aristocráticos
I
34
Neste capítulo Hobbsbawm fará uma análise do que ele considera ideologia leiga
ou secular, surgida a partir da revolução dupla. Para ele, apesar da ideologia religiosa
ser predominante nessa época, verifica-se um crescimento constante de pensamentos
relacionados com a natureza da sociedade e com a direção para a qual ela estava se
encaminhando. Pensando sobre isso havia dois tipos básicos de opinião, uma que
acreditava no progresso e outra que não.
Até 1789, a formação mais poderosa e adiantada dessa ideologia de progresso
tinha sido o clássico liberalismo burguês. Era uma filosofia estreita, lúcida e cortante
que encontrou seus mais puros expoentes na Grã-Bretanha e França. Seus idealizadores
acreditavam na capacidade da razão em compreender e solucionar todos os problemas.
Para eles, o mundo humano era constituído de átomos individuais que buscavam suas
próprias satisfações diminuindo seus desprazeres. Na busca pela vantagem pessoal os
homens acabavam sendo forçados a entrar em contato com outros indivíduos
estabelecendo um complexo de acordos úteis que formava a sociedade e os grupos
políticos. O homem do liberalismo clássico era um animal social somente na medida em
que coexistia em grande número. A felicidade era o supremo objetivo de cada um e a
maior felicidade ao maior número de pessoas era o objetivo da sociedade. Este
utilitarismo puro esteve associado a pensadores como Jeremy Bentham (1748-1836) e
James Mill(1773-1836) e acima de tudo aos economistas políticos clássicos.
Além do direito de utilidade, conferido à propriedade privada e à liberdade
individual e de empresa, foi constituído um direito natural do homem. A base dessa
ordem natural era a divisão social do trabalho. Podia ser cientificamente provado que a
existência de uma classe de capitalistas donos dos meios de produção beneficiava a
todos, inclusive aos trabalhadores que se alugavam aos seus membros. O progresso era,
portanto, tão “natural” quanto o capitalismo. Se fossem removidos os obstáculos
artificiais que no passado lhe haviam sido colocados, se produziria de modo inevitável;
e era evidente que o progresso da produção estava de braços dados com o progresso das
artes, da ciência e da civilização em geral.
Neste momento, essa idéia começa a tropeçar não só porque David Ricardo
descobrira contradições dentro do sistema que Smith preconizava, mas também porque
os verdadeiros resultados sociais e econômicos do capitalismo provaram ser menos
felizes do que tinham sido previstos. Naturalmente, ainda se poderia sustentar que a
miséria dos pobres que estava condenada a se prolongar até a beira da extenuação, ou a
padecer com a introdução das máquinas, ainda se constituía na maior felicidade do
maior número de pessoas, número que simplesmente resultou ser muito menor do que
poderia se esperar.
No continente europeu, os liberais práticos se assustavam com a democracia
política, preferindo uma monarquia constitucional com sufrágio adequado ou, em caso
de emergência, qualquer absolutismo ultrapassado que garantisse seus interesses. Os
descontentamentos sociais, os movimentos revolucionários e as ideologias socialistas do
período pós-napoleônico intensificaram esse dilema, e a revolução de 1830 tornou-o
mais agudo. O liberalismo e a democracia pareciam mais adversários do que aliados; o
tríplice slogan da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade –
expressava melhor uma contradição do que uma combinação.
II
Enquanto a ideologia liberal perdia assim sua confiança original, uma nova
ideologia, o socialismo, voltava a formular os velhos axiomas do século XVIII. A razão,
a ciência e o progresso eram suas bases firmes. O que distinguia os socialistas de nosso
período dos paladinos de uma sociedade perfeita de propriedade comum era a aceitação
35
incondicional da revolução industrial que criava a verdadeira possibilidade do
socialismo moderno. O Conde Claude de Saint-Simon (1760-1825), que é por tradição
reconhecido como o primeiro “socialista utópico”, foi antes de tudo o apóstolo do
“industrialismo” e dos “industrialistas”. Na Grã-Bretanha, Robert Owen (1771-1858)
foi um pioneiro muito bem sucedido da indústria algodoeira. Embora de maneira
relutante, Friederick Engels também se envolveu com os negócios algodoeiros e até
mesmo Charles Fourrier (1772-1837), o menos entusiasta do industrialismo, sustentava
que a solução estava além e não atrás dele.
Se, como argumentava a economia política, o trabalho representava a fonte de
todo o valor, então porque a maior parte de seus produtores viviam à beira da privação?
Porque, como demonstrava Ricardo o capitalista se apropriava – em forma de lucro – do
excedente que o trabalhador produzia além daquilo que ele recebia de volta sob a forma
de salário. De fato, o capitalista explorava o trabalhador. Era necessário eliminar o
capitalista para que fosse abolida a exploração.
No período de formação do socialismo, isto é, entre a publicação da Nova Visão
da Sociedade(1813-14), de Robert Owen, e o Manifesto Comunista(1848), a depressão,
os salários decrescentes, o pesado desemprego tecnológico e as dúvidas sobre as futuras
possibilidades de expansão da economia eram simplesmente muito inoportunas. Isso
não só demonstrava que o capitalismo era injusto, mas que também funcionava mal.
O que distinguia os vários membros da família ideológica descendente do
humanismo e do iluminismo – liberais, socialistas, comunistas ou anarquistas – não era
a amável anarquia mais ou menos utópica de todos eles, mas sim os métodos para
alcançá-la. Neste ponto o socialismo se separava da tradição clássica liberal. Em
primeiro lugar, o socialismo rompia com a suposição liberal de que a sociedade era um
mero agregado ou combinação de seus átomos individuais, e que sua força motriz estava
no interesse próprio e na competição. Com isso ele voltava à mais antiga de todas as
tradições ideológicas humanas: a crença de que o homem é naturalmente um ser
comunitário. Em segundo lugar, o socialismo adotou uma forma de argumentação
histórica e evolutiva. Para os liberais clássicos, e de fato para os primeiros socialistas
modernos, tais propostas eram naturais e racionais. (ver p.266)
III
Comparadas com estas relativamente coerentes ideologias do progresso, as de
resistência ao progresso mal merecem o nome de sistemas de pensamento. A carga
principal de sua crítica era que o liberalismo destruía a ordem social ou a comunidade
que o homem tinha, em outros tempos, considerado como essencial à vida, substituindoa pela intolerável anarquia da competição de todos contra todos e pela desumanização
do mercado. Esses pensadores eram conservadores que não tinham o sentido do
progresso histórico.
IV
Resta considerar um grupo de ideologias singularmente equilibradas entre a
progressista e a antiprogressista ou, em termos sociais, entre a burguesia industrial e o
proletariado de um lado, e as classes aristocráticas e mercantis e as massas feudais do
outro. Seus defensores mais importantes foram os radicais “homens pequenos” da
Europa Ocidental e dos EUA e os homens da modesta classe média da Europa Central e
Meridional. O mais importante pensador deste primeiro grupo de radicais pequenoburgueses já estava morto em 1789: Jean Jacques Rousseau. Indeciso entre o
individualismo puro e a convicção de que o homem só é ele mesmo em comunidade, ele
expressava seu próprio dilema pessoal tanto quanto o das classes que não podiam
36
aceitar as promessas liberais dos donos de fábricas nem as certezas socialistas dos
proletários. Em nosso período ele era considerado, acima de tudo, o paladino da
igualdade, da liberdade contra a tirania e a exploração, da democracia contra a
oligarquia, do “homem natural” não estragado pelas falsificações do dinheiro e da
“educação”, e do sentimento contra o cálculo frio.
O segundo grupo, que talvez possa ser chamado mais adequadamente o da
filosofia alemã, era bem mais complexo. Além disso, visto que seus membros não
tinham nem poder para derrubar suas sociedades nem os recursos econômicos para fazer
uma revolução industrial, tendiam a se concentrar na construção de elaborados sistemas
gerais de pensamento. Possivelmente uma reação nacionalista contra a cultura francesa
predominante no início do século XVIII intensificava um teutonismo2 do pensamento
alemão. Sua expressão mais monumental foi a filosofia clássica alemã, um corpo de
pensamento criado entre 1760 e 1830 juntamente com a literatura clássica alemã e em
íntima ligação com ela. Emanuel Kant (1724-1804) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831) são seus dois grandes luminares.
A filosofia clássica alemã foi um fenômeno verdadeiramente burguês. Todas as
suas principais figuras (Kant, Hegel, Fichte, Schelling) saudaram com entusiasmo a
Revolução Francesa e de fato permaneceram fiéis a ela durante um considerável tempo.
O iluminismo foi a estrutura do pensamento típico do século XVIII de Kant e o ponto
de partida de Hegel. A filosofia de ambos era profundamente impregnada da idéia de
progresso e evolução (ou historicidade em termos sociais). Uma tendência burguesa
liberal é mais facilmente observada em Kant, que tem entre seus últimos escritos um
nobre apelo em favor da paz universal mediante uma federação mundial de repúblicas
que renunciariam à guerra. Já o pensamento de Hegel é mais abstrato, ficando apenas
parcialmente evidente que suas abstrações buscam um acordo com a sociedade
burguesa.
Contudo, desde o princípio, a filosofia alemã diferia do liberalismo clássico em
importantes aspectos, mais notadamente em Hegel do que Kant. Em primeiro lugar, era
deliberadamente idealista e rejeitava o materialismo ou o empirismo da tradição
clássica. Em segundo lugar, embora a unidade básica do pensamento kantiano seja o
indivíduo, em Hegel é o coletivo, que ele vê sendo desintegrado sob o impacto do
desenvolvimento histórico.
Assim, o período da revolução dupla viu o triunfo e a mais elaborada expressão
das radicais ideologias da classe média liberal e da pequena burguesia, e sua
desintegração sob o impacto dos Estados e das sociedades que haviam contribuído para
criar, ou pelo menos recebido de braços abertos.
Capítulo 14
AS ARTES
I
A primeira coisa que surpreende a qualquer um que tente analisar o
desenvolvimento das artes no período da revolução dupla é seu extraordinário
florescimento entre as nações. O segundo fato evidente é o excepcional
desenvolvimento de certas artes e gêneros, como, por exemplo, a literatura e dentro dela
2
Sistema político que pretende a absoluta homogeneidade das raças germânicas.
37
o romance. A música talvez seja algo ainda mais surpreendente. A lista de artes
plásticas, por outro lado, é menos brilhante, com a exceção parcial da pintura.
O que determina o florescimento ou o esgotamento das artes em qualquer
período ainda é muito obscuro. Entretanto, não há dúvida de que entre 1789 e 1848, a
resposta deve ser buscada em primeiro lugar no impacto da revolução dupla. Se
fôssemos resumir as relações entre o artista e a sociedade nesta época em uma só frase,
poderíamos dizer que a revolução francesa inspirava-o com seu exemplo e a revolução
industrial com seu horror, enquanto a sociedade burguesa, que surgiu de ambas,
transformava sua própria experiência e estilos de criação.
É claro que não se deve esquecer que estas novas culturas nacionais estavam
limitadas a uma minoria de letrados e às classes superiores e médias. Com a provável
exceção da ópera italiana, das reproduções gráficas de arte plástica, e de alguns
pequenos poemas e canções, nenhuma das grandes realizações artísticas deste período
estava ao alcance dos analfabetos ou dos pobres. A maioria dos habitantes da Europa as
desconhecia por completo, até que o nacionalismo de massa ou os movimentos políticos
as convertessem em símbolos coletivos. A literatura, é claro, teria a maior circulação,
embora principalmente entre as crescentes e novas classes médias.
II
Mas mesmo as artes de uma pequena minoria social ainda podem fazer ecoar o
trovão dos terremotos que abalam toda a humanidade. Assim ocorreu com a literatura e
as artes de nosso período, e o resultado foi o “romantismo”. Como um estilo, uma
escola, uma época artística, nada é mais difícil de definir ou mesmo de descrever em
termos de análise formal; nem mesmo o “classicismo” contra o qual o “romantismo”
assegurava erguer a bandeira da revolta.
O romantismo não é simplesmente classificável como um movimento
antiburguês. De fato, no pré-romantismo, muitos de seus slogans característicos tinham
sido usados para a glorificação da classe média, cujos sentimentos verdadeiros e simples
haviam sido contrastados com a firme camada superior de uma sociedade corrupta.
Entretanto, já que a sociedade burguesa triunfara de fato nas revoluções francesa e
industrial, o romantismo inquestionavelmente se transformou em seu inimigo instintivo,
e pode muito justamente ser considerado como tal.
Sem dúvida sua apaixonada, confusa, porém profunda revolta contra a sociedade
burguesa se devia aos interesses egoístas dos dois grupos que lhe forneciam suas tropas
de choque: os jovens socialmente deslocados e os artistas profissionais. Claro que nada
havia de universal nesta revolta de jovens contra os mais velhos. Não era senão um
reflexo da sociedade criada pela revolução dupla. Ainda assim, a forma histórica
específica desta alienação certamente coloriu uma grande parte do romantismo.
III
A ansiedade que se convertia em obsessão nos românticos era a recuperação da
unidade perdida entre o homem e a natureza. O mundo burguês era profunda e
deliberadamente anti-social. “Ele impiedosamente quebrou os fortes laços feudais que
uniam o homem a seus superiores naturais, e não deixou nenhum outro vínculo entre os
homens a não ser o puro interesse pessoal.”(Manifesto Comunista)
Três fontes abrandaram a sede da perdida harmonia entre o homem e o mundo: a
Idade Média, o homem primitivo (o povo) e a Revolução Francesa. A primeira atraiu
principalmente os românticos da reação, tendo encontrado sua expressão mais clássica
na Alemanha. No romantismo francês foi muito mais importante o peso dado sobre o
38
povo, eternamente sofredor, turbulento e criativo. (ex.: O Corcunda de Notre Dame, de
Victor Hugo)
IV
A Idade Média, o povo e a nobreza do selvagem eram ideais firmemente
ancorados ao passado. Só a revolução, a “primavera dos povos”, apontava
exclusivamente para o futuro, e assim mesmo os mais utópicos ainda achavam cômodo
recorrer a um precedente em favor do sem precedente. Isso não foi possível até que uma
segunda geração romântica tivesse produzido uma safra de jovens para quem a
Revolução Francesa e Napoleão eram fatos da história e não um doloroso capítulo
autobiográfico. A mais surpreendente conseqüência da união entre o romantismo com a
visão de uma nova e mais elevada Revolução Francesa foi a avassaladora vitória da arte
política entre 1830 e 1848. Raramente houve um período em que mesmo os artistas
menos “ideológicos” tenham sido mais universalmente partidários, frequentemente
considerando o serviço à política como seu dever primordial.
V
O romantismo é a moda mais característica na arte e na vida do período da
revolução dupla, mas não é absolutamente a única. De fato, visto que não dominava
nem a cultura da aristocracia, nem a da classe média, e menos ainda a da classe
trabalhadora pobre, sua verdadeira importância quantitativa na época foi pequena.
O estilo fundamental da vida e da arte aristocrática permanecia enraizado no
século XVIII, embora consideravelmente vulgarizado pela adesão de novos ricos
empobrecidos. Esse estilo era baseado na triunfante supremacia da nobreza, com seus
cavalos, cães, carruagens e jogos.
A cultura das classes média e baixa tinha sua tônica fundamental na sobriedade e
modéstia. Somente entre os milionários industriais é que o pseudo-barroco do final do
século XIX apareceu. Em qualquer caso, nos centros da sociedade burguesa avançada,
as artes como um todo vinham em segundo lugar em relação às ciências. O culto
engenheiro ou fabricante, americano ou britânico, poderia apreciá-las, especialmente em
momentos de descanso ou férias em família, mas seus verdadeiros esforços culturais se
dirigiam para a difusão e o avanço do conhecimento.
VI
Enquanto isso, fora do raio de ação da literatura, a cultura do povo comum
seguia seu caminho. Nas partes não urbanas e não industriais do mundo, pouco mudou.
As canções e festas da década de 1840, os costumes, motivos e cores das artes
decorativas do povo, o padrão de seus hábitos continuava a ser os mesmos de 1789. A
indústria e o desenvolvimento das cidades começaram a destruí-los. Ninguém poderia
viver em uma cidade industrial da mesma maneira que o havia feito em uma aldeia, e
todo o complexo da cultura necessariamente teria que se esfacelar com o colapso da
armação social que o mantinha unido e lhe dava forma.
Em seu conjunto, a cidade, e especialmente a nova cidade industrial, continuava
sendo um lugar desolado, cujos poucos atrativos – espaços abertos, festas – iam
gradativamente diminuindo pela febre das construções, pela fumaça que empestiava a
natureza, e pela obrigatoriedade do trabalho incessante, reforçado em casos adequados
pela austera disciplina dominical imposta pela classe média. Só a nova iluminação a gás
e as amostras de comércio nas ruas principais, aqui e ali, antecipavam as vivas cores da
39
noite na cidade moderna. Mas a criação da grande cidade moderna e dos modernos
estilos urbanos de vida popular teriam que esperar a segunda metade do século XIX.
Capítulo 15
A CIÊNCIA
I
Traçar um paralelo entre as artes e a ciência é sempre perigoso, pois as relações
entre cada uma delas e a sociedade em que vicejam são muito diferentes. O progresso da
ciência não é um simples avanço linear, cada estágio determinando a solução de
problemas anteriormente implícitos ou explícitos nele, e por sua vez colocando novos
problemas. Esse avanço também prossegue pela descoberta de novos problemas, de
novas maneiras de enfocar os antigos, de novas maneiras de enfrentar ou solucionar
velhos problemas, de campos de investigação inteiramente novos, de novos
instrumentos práticos e teóricos de investigação.
A ciência se beneficiou tremendamente com o surpreendente estímulo dado à
educação científica e técnica por influência da revolução dupla. A Revolução Francesa
transformou a educação técnica e científica de seu país, principalmente devido à criação
da Escola Politécnica(1795) e do primeiro centro genuíno de pesquisa fora das ciências
físicas, no Museu Nacional de História Natural(1794). A supremacia mundial da ciência
francesa se deveu quase certamente a estas importantes fundações. A Escola Politécnica
teve imitadores em Praga, Viena, Estocolmo, São Petersburgo, Copenhagen, em toda
Alemanha e Bélgica, em Zurique e Massachussets. Na Grã-Bretanha, a imensa riqueza
do país, que tornava possível a criação de laboratórios particulares, e a pressão geral das
pessoas inteligentes da classe média por uma educação técnica e científica também
obteve bons resultados.
A era revolucionária fez, portanto, crescer o número de cientistas e eruditos e
estendeu a ciência em todos os seus aspectos. E ainda mais, viu o universo geográfico
das ciências se alargar em duas direções. Em primeiro lugar, o progresso do comércio e
o processo de exploração abriram novos horizontes do mundo ao estudo científico, e
estimularam o pensamento sobre ele. Em segundo lugar, o universo das ciências se
ampliou para abraçar países e povos que até então só tinham dado contribuições
insignificantes.
II
No todo, as clássicas ciências físicas não foram revolucionadas, isto é,
permaneceram substancialmente dentro dos termos de referência já estabelecidos por
Newton. O mais importante dos novos campos abertos, e o único que teve imediatas
conseqüências tecnológicas, foi o da eletricidade, ou melhor, o do eletro-magnetismo.
Cinco datas importantes: 1786, descoberta da corrente elétrica; 1799, construção da
primeira bateria; 1800, descoberta da eletrólise; 1820, descoberta da conexão entre
eletricidade e magnetismo; 1831, Faraday estabelece as relações entre todas essas
forças. A mais importante das novas sínteses foi a descoberta das leis da termodinâmica,
isto é, das relações entre calor e energia.
A revolução que criou a química estava em pleno desenvolvimento no início de
nosso período. De todas as ciências, esta foi a mais íntima e imediatamente ligada à
prática industrial, especialmente aos processos de tingimento e branqueamento da
indústria têxtil. A química, como a física, foi proeminentemente uma ciência francesa.
40
Seu verdadeiro fundador, Lavoisier (1743-1794), publicou seu fundamental Tratado
Elementar de Química no próprio ano da revolução. A química teve ainda uma
implicação revolucionária: a descoberta de que a vida podia ser analisada em termos das
ciências inorgânicas.
Uma revolução ainda mais profunda, mas pela própria natureza do assunto
menos óbvia do que a ocorrida na química, se deu em relação à matemática. A
matemática em nosso período entrou em um universo inteiramente novo, trazido pelas
inovações em relação à teoria das funções de complexos variáveis, pelas teorias dos
grupos e dos vetores. A revolução da matemática passou despercebida, exceto para
alguns especialistas, por sua distância da vida cotidiana.
III
A revolução nas ciências sociais, por outro lado, não podia deixar de abalar o
leigo, já que lhe afetava visivelmente. Para sermos precisos, houve duas revoluções
cujos cursos convergem para produzir o marxismo como a mais abrangente síntese das
ciências sociais. A primeira delas, que dava continuidade ao brilhante pioneirismo dos
racionalistas dos séculos XVII e XVIII, estabelecia o equivalente das leis físicas para as
populações humanas. A segunda foi a descoberta da evolução histórica (ver cap. 13 – I e
II). O período que vai de 1776 a 1830 assistiu o triunfo da economia política. Ela foi
suplementada pela primeira apresentação sistemática de uma teoria demográfica que
pretendia estabelecer uma relação mecânica entre as proporções matemáticas dos
aumentos de população e os meios de subsistência, o Ensaio sobre a População, de T.
Malthus (1798).
A criação da história como uma matéria acadêmica talvez seja o aspecto menos
importante da historiografia das ciências sociais. É verdade que uma epidemia de
historiadores tomou conta da Europa na primeira metade do século XIX. Os resultados
mais duradouros desse despertar histórico se deram no campo da documentação e da
técnica histórica. A inserção da história nas ciências sociais teve seus efeitos mais
imediatos no direito (jurisprudência), no estudo da teologia e, especialmente, em uma
nova ciência, a filologia. O ostensivo estímulo para a filologia era a conquista de
sociedades não européias pela Europa. Ela foi a primeira ciência que considerou a
evolução como sua verdadeira essência. Os filólogos pioneiros não avançaram muito
quanto à explicação das mudanças lingüísticas, mas estabeleceram uma espécie de
árvore genealógica para as línguas indo-européias.
IV
Para os biólogos e geólogos a história se constituía no principal problema. Se o
problema histórico da geologia era o de como explicar a evolução da terra, o do biólogo
era duplo: como explicar a formação da vida desde a origem e como explicar a evolução
das espécies. Laplace, em 1796, antecipado pelo filósofo Emanuel Kant, desenvolveu
também uma teoria evolucionista do sistema solar. Em 1809, Lamarck propôs a
primeira teoria moderna e sistemática da evolução, baseada na herança de caracteres
adquiridos. Nenhuma dessas teorias obteve triunfo.
Só na década de 1830 – quando a política dera outra guinada para a esquerda –
foi que as amadurecidas teorias da evolução irromperam na geologia, com a publicação
da famosa obra de Lyell, Princípios de Geologia (1830-33). A evolução biológica,
entretanto, ainda engatinhava. Só bem depois da derrota das revoluções de 1848 foi que
este explosivo assunto voltou a ser examinado.
O período da revolução dupla pertence à pré-história de todas as ciências sociais,
com a exceção da economia política, da lingüística e da estatística. Até mesmo seu mais
41
formidável empreendimento, a coerente teoria da evolução social de Marx e Engels era,
nesta época, pouco mais que uma brilhante suposição publicada em um soberbo
panfleto.
V
Os padrões retirados das transformações da sociedade tentariam os cientistas em
campos aos quais tais analogias pareciam aplicáveis; por exemplo, para introduzir os
dinâmicos conceitos de evolução em conceitos até então estáticos. Assim, o conceito da
revolução industrial, fundamental para a história e para a maior parte da economia
moderna, foi introduzido na década de 1820 como algo análogo ao de Revolução
Francesa. Charles Darwin deduziu o mecanismo da “seleção natural” por analogia com
o modelo da competição capitalista, que tomou de Malthus (a “luta pela existência”).
Capítulo 16
CONCLUSÃO: RUMO A 1848
I
Começamos analisando a situação do mundo em 1789. Concluiremos
examinando-o cerca de 50 anos mais tarde, ao final do meio século mais revolucionário
da história até hoje registrado. A área do mundo conhecida, mapeada e em
intercomunicação era maior do que em qualquer época anterior e suas comunicações
eram incrivelmente mais rápidas. A população do mundo era também maior do que
nunca. As cidades de grande tamanho se multiplicavam e a produção industrial atingia
cifras astronômicas. Essas cifras só foram suplantadas pelas do comércio internacional,
que se multiplicara quatro vezes desde 1780.
A ciência nunca fora tão vitoriosa; o conhecimento nunca fora tão difundido.
Mais de quatro mil jornais informavam os cidadãos do mundo. Homens e mulheres já
podiam ser transportados ao longo de seis mil milhas férreas na Grã-Bretanha em 1850
e por nove mil milhas a esta época nos EUA. Sem dúvida todos esses triunfos tinham
seu lado obscuro, embora não figurassem nos quadros estatísticos. A revolução
industrial criou o mundo mais feio no qual o homem jamais vivera.
Quando analisamos a estrutura política e social da década de 1840, entretanto,
deixamos o mundo dos superlativos para entrarmos no mundo das afirmações modestas.
A maioria dos habitantes da terra continuava sendo de camponeses como antes, embora
houvesse poucas áreas onde a agricultura já era a ocupação de uma pequena minoria, e a
população urbana já estava a ponto de ultrapassar a rural, como aconteceu, pela primeira
vez, no censo de 1851. Havia também proporcionalmente menos escravos.
No outro extremo da pirâmide social, a posição do aristocrata proprietário de
terras também mudou menos do que se poderia pensar, exceto em países de revolução
camponesa direta, como a França. Entretanto, mesmo na Grã-Bretanha, na década de
1840, as maiores concentrações de riqueza eram ainda certamente as dos nobres. Claro
está que esta firmeza aristocrática ocultava uma mudança: os rendimentos dos nobres
dependiam cada vez mais da indústria, dos estoques e das ações, e do desenvolvimento
das propriedades da desprezada burguesia. As “classes médias” tinham aumentado
rapidamente, mas seu número ainda assim não era avassaladoramente grande.
A classe trabalhadora naturalmente crescia de uma forma vertiginosa. Contudo,
comparada com o total da população do mundo, ainda era numericamente desprezível e,
42
em todo caso – uma vez com a exceção da Grã-Bretanha e alguns pequenos núcleos em
outros países – era uma classe desorganizada.
A estrutura política do mundo também foi grandemente transformada na década
de 1840. Todavia, a monarquia continuava sendo avassaladoramente o modo mais
comum de governo. Por volta de 1840 havia vários Estados novos, produtos da
revolução; a Bélgica, a Sérvia, a Grécia e alguns estados latino-americanos. O mais
importante dos estados revolucionários eram os Estados Unidos, que já existia em 1789.
Os Estados Unidos gozavam de duas enormes vantagens: a ausência de quaisquer
vizinhos poderosos ou de potências rivais e uma taxa extraordinariamente rápida de
expansão econômica.
O mundo da década de 1840 era completamente dominado pelas potências
européias, política e economicamente, às quais se somavam os Estados Unidos. A
Guerra do Ópio de 1839-42 demonstrara que a única grande potência não européia
sobrevivente, o Império da China, estava inerte em face de uma agressão econômica e
militar do ocidente. E dentro desse domínio ocidental, a Grã-Bretanha era a maior
potência, graças a seu maior número de canhoeiras, comércio e bíblias. O comércio
britânico dominava a Argentina, o Brasil e o sul dos Estados Unidos tanto quanto a
colônia espanhola de Cuba ou as colônias britânicas na Índia. Nunca, em toda história
do mundo, uma única potência havia exercido uma hegemonia mundial como a dos
britânicos na metade do século XIX, pois mesmo os maiores impérios ou hegemonias
do passado tinham sido meramente regionais – como no caso dos chineses, dos
maometanos e dos romanos. Desde então nenhuma outra potência jamais conseguiu
estabelecer uma hegemonia comparável.
Contudo, o futuro declínio da Grã-Bretanha já era visível. Observadores
inteligentes, mesmo nas décadas de 1830 e 1840, como Tocqueville e Haxthausen, já
previam que o tamanho e os recursos potenciais dos Estados Unidos e da Rússia viriam
a transformá-los nos gêmeos gigantes do mundo; dentro da Europa a Alemanha logo
viria também entrar na competição em termos iguais.
Para a massa do povo comum a condição nas grandes cidades e nos distritos
fabris da Europa Ocidental e Central empurrava-os inevitavelmente em direção a uma
revolução social. O grande despertar da Revolução Francesa lhes ensinara que os
homens comuns não necessitavam sofrer injustiças e se calar: “anteriormente, as nações
de nada sabiam, e o povo pensava que os reis eram deuses sobre a terra e que tinham o
direito de dizer que qualquer coisa que fizessem estava bem feita. Através desta atual
mudança, é mais difícil governar o povo”.
Este era o “espectro do comunismo” que aterrorizava a Europa, o temor do
“proletariado”. E com justiça, pois a revolução que eclodiu nos primeiros meses de
1848 não foi uma revolução social simplesmente no sentido de que envolveu e
mobilizou todas as classes. Foi, no sentido literal, o insurgimento dos trabalhadores
pobres nas cidades – especialmente nas capitais – da Europa Ocidental e Central. Foi
unicamente sua força que fez cair os antigos regimes desde Palermo até as fronteiras da
Rússia. Com este momento coincide uma outra catástrofe social que dá mais intensidade
às revoluções: a grande depressão que varreu a Europa a partir da metade da década de
1840. As colheitas – e em especial a safra de batatas – fracassaram. Populações inteiras
morriam de fome. Os preços dos gêneros alimentícios subiam enquanto a depressão
industrial multiplicava o desemprego, e as massas urbanas de trabalhadores eram
privadas de seus modestos rendimentos no exato momento em que o custo de vida
atingia proporções gigantescas.
Assim, pois, um cataclismo econômico europeu coincidiu com a visível corrosão
dos antigos regimes. Raras vezes a revolução foi prevista com tamanha certeza, embora
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não fosse prevista em relação aos países certos ou às datas certas. Em 1831, Victor
Hugo escrevera que já ouvia o “ronco sonoro da revolução, ainda profundamente
encravado nas entranhas da terra, estendendo por baixo de cada reino da Europa suas
galerias subterrâneas a partir do eixo central da mina, que é Paris”. Em 1847, o barulho
se fazia claro e próximo. Em 1848, a explosão eclodiu.
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