Chamada: Caros leitores, nossa edição de setembro de 2014 traz a vocês um interessante editorial sobre a neuropatia periférica ocasionada pela quimioterapia do câncer. Além deste excelente editorial, trazemos também em nossos alertas de divulgação científica alguns dados interessantes sobre a terapia da fibromialgia, uma nova formulação de opioides com efeitos adversos menores para o combate a drogadição nos EUA, dados clínicos contundentes da ineficácia do paracetamol na lombalgia, um estudo cognitivo sobre a manipulação da percepção da dor e alguns dados da influência genética na dor do parto. Em nossa seção de Ciência e Tecnologia, temos alertas tratando da participação do canal TRPV1 na cronificação da dor e porque o Botox funciona apenas em algumas dores. Temos a investigação da cefaleia induzida por um diurético, a participação da ALDH2 na dor inflamatória e a participação da glia na ansiedade induzida por dor neuropática. Boa Leitura. Editorial do Mês - Neuropatia e dor neuropática induzida pelo tratamento com quimioterápicos: mecanismos e perspectivas Andreza Urba de Quadros * O número de pacientes diagnosticados com câncer, e que vencem a doença, aumenta cada vez mais. Isso porque o tratamento quimioterápico, bem como as medidas de suporte e acompanhamento desses pacientes, aliados ao diagnóstico precoce permite que quadros até poucos anos irreversíveis, possam ser controlados ou até mesmo resolvidos. Entretanto, como bem sabemos, um importante fator limitante à quimioterapia é a incidência de intensos efeitos colaterais, como náuseas, perda de cabelo e pelos, dentre outros. O editorial do DOL deste mês se dedica a explorar um grave, mas pouco conhecido efeito adverso dos quimioterápicos: a neuropatia periférica. A neuropatia periférica é um conjunto de lesões aos nervos, causadas por alguns fármacos quimioterápicos, que pode ser reconhecida por sintomas como dor intensa e persistente, dormência, perda de equilíbrio, fraqueza muscular, formigamento e queimação, que acometem especialmente as mãos e os pés. Esses sintomas podem aparecer a qualquer momento, tanto durante como após o término do tratamento, podendo piorar ao longo de semanas ou meses. Acometem cerca de 20% dos pacientes em tratamento com doses padrão de medicamento, mas pode afetar 100% dos pacientes que precisam de doses mais altas de quimioterápico. A existência de neuropatia prévia, diabetes, etilismo ou ainda o tratamento com mais de um quimioterápico concomitantemente, aumentam as chances do paciente desenvolver neuropatia. Infelizmente, esse tipo de neuropatia é resistente à maior parte dos tratamentos analgésicos. A redução da dose ou a interrupção do tratamento são os únicos recursos dos oncologistas para limitar o surgimento dos sintomas. Contudo, esses ajustes de dose podem afetar de maneira importante o prognóstico de remissão do câncer. O desenvolvimento e gravidade da neuropatia dependem de diversos fatores, como a estrutura molecular do fármaco, as doses de quimioterápico: cumulativas e administradas por cada infusão, além do tempo do tratamento. Os principais medicamentos causadores de neuropatia periférica são: Taxanos Inclui medicamentos como o paclitaxel e o docetaxel, bastante usados em tumores sólidos como os de mama, ovário e pulmão. Causam a hiperpolimerização dos microtúbulos, impedindo o ciclo de divisão celular e o transporte de substâncias no citoplasma. A maioria dos casos de neuropatia decorrentes do tratamento com esses quimioterápicos se resolve dentro de alguns meses após a interrupção do tratamento, mas algumas vezes, anormalidades sensoriais e dor, tornam-se um problema crônico. Além de se acumularem no gânglio da raiz dorsal (GRD) e ao longo da fibra nervosa, impedem o transporte de proteínas sintetizadas no GRD para o axônio. Alcalóides da vinca Representados pela vincristina, principal droga usada no tratamento de cânceres hematológicos e sarcoma em crianças. Diferente dos taxanos, estes previnem a polimerização dos microtúbulos. Seu efeito sobre os dímeros de tubulina produz uma perda de microtúbulos e alterações no comprimento, arranjo e orientação axonais, resultando em um transporte axoplásmico deficiente. Cerca de 50% dos pacientes submetidos ao tratamento com vincristina apresentam neuropatia periférica, que nos casos mais graves, pode ser associada com fraqueza muscular e distúrbios autonômicos. Após a interrupção do tratamento, a reversão dos sintomas neurológicos é lenta e pode levar vários meses. Sais de platina Representados pela cisplatina, carboplatina e oxaliplatina. São utilizados como primeira ou segunda linha de tratamento contra tumores sólidos como pulmão, ovário, bexiga, testículos, cabeça e pescoço, esôfago, estômago, cólon, pâncreas, melanoma, mama, próstata, mesotelioma e glioma. Cerca de 28% dos pacientes desenvolvem neuropatias sintomáticas, dos quais 6% sofrem de polineuropatias incapacitantes. Estes sintomas são geralmente reversíveis após a descontinuação do tratamento, mas a recuperação é muito lenta. Os compostos de platina formam ligações cruzadas com o DNA, alterando a estrutura terciária e levando a alterações na cinética do ciclo celular, resultando em uma tentativa dos neurônios de voltar a entrar no ciclo celular, promovendo com isso, apoptose. Têm como alvo principal o GRD. Nesses locais, inclusive, os níveis de platina dos pacientes tratados são elevados e correlacionados diretamente com a gravidade da neuropatia. Bortezomib Bortezomib é o primeiro inibidor terapêutico do proteasoma a ser testados em humanos. É aprovado para o tratamento do mieloma múltiplo. Sua neurotoxicidade ocorre geralmente nos primeiros ciclos de quimioterapia, sendo a dor o sintoma mais importante, relatada em aproximadamente 50% dos pacientes não tratados anteriormente e 81% dos pacientes tratados anteriormente com bortezomib. A patogênese da neuropatia induzida pelo bortezomib permanece em grande parte desconhecida. Em geral, além de axônios, o GRD parece representar um importante alvo para esse fármaco. O bortezomib pode interferir com a transcrição, processamento nuclear e transporte, e tradução citoplasmática de RNAs mensageiros no GRD, levando ao dano generalizado de mielina, desorganização mitocondrial e desregulação de cálcio. Talidomida A talidomida é utilizada no tratamento do mieloma múltiplo. Cerca de 40% dos pacientes tratados desenvolvem neuropatia. Essa proporção aumenta para 100% após 7 meses de tratamento. Os mecanismos anticancerígenos da talidomida não são bem conhecidos, embora se acredite que individualmente ou em combinação, a capacidade de imunomodulação e inibição da angiogênese sejam possíveis mecanismos. De uma maneira geral, os quimioterápicos provocam: a apoptose do neurônio por ativação de caspases e calpaínas; a perda de terminações Aδ e C térmico-específicas na pele, resultando em sensibilidade aumentada ao calor e ao frio; alterações na morfologia mitocondrial, causando grande produção de espécies reativas de oxigênio e desregulação do cálcio intracelular; o aumento da expressão de canais de sódio e a redução de canais de potássio ao longo do axônio; o aumento da expressão de canais TRPV1, TRPA1, TRPM8 e TRPV4, além de NMDA e 5-HT2A; a liberação de TNF-α, IL-1β, IL-6 e NO por macrófagos ativados e células de Langerhans na pele, e células da glia no GRD e medula espinal; o aumento da expressão e ativação de vias sinalizadoras como PKC, NO/GMPc, ERK, p38 e JNK. Embora tenhamos resumido bastante os mecanismos já identificados, as revisões bibliográficas citadas ao final da página trazem todas essas informações em detalhes. Para os clínicos que nos acompanham, a revisão de Cavaletti e Marmiroli será bastante útil, pois tem como foco critérios de diagnóstico e de definição da severidade da doença. Terminamos esse editorial falando sobre o que é possível fazer, em termos de tratamento, para melhorar o quadro neuropático, mantendo o tratamento quimioterápico. Os tratamentos farmacológicos atuais incluem o uso de antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina e a nortriptilina; e anticonvulsivantes como a gabapentina, o ácido valpróico e a lamotrigina. Esses fármacos, no entanto, além de não terem a eficácia esperada, estão associados a importantes efeitos adversos que limitam seu uso ao médio e longo prazo. Um ensaio clínico recente (fase III) demonstrou a eficácia da duloxetina (5 semanas de tratamento) na redução dos sintomas de dor em pacientes que sofrem de neuropatias induzidas por paclitaxel ou oxaliplatina, em comparação com placebo, embora sua eficácia ainda permaneça relativa (59% dos pacientes relataram uma redução da dor versus 38% no grupo placebo). Novas perspectivas terapêuticas têm surgido com o uso de neuroprotetores. Nesse contexto, os nutracêuticos como a vitamina E, vitamina B6, magnésio, cálcio, acetil-Lcarnitina, glutamina, glutationa, N-acetil-cisteína, ômega-3 e ácido alfa-lipóico, surgem como estratégias alternativas à farmacoterapia, embora ainda careçam de estudos em populações maiores. Fato é que embora tenhamos fármacos quimioterápicos capazes de aumentar a sobrevida ou até mesmo levar à remissão pacientes de câncer, os efeitos colaterais do tratamento ainda são bastante limitantes. Os mecanismos que levam ao desenvolvimento da neuropatia periférica somente começaram a ser investigados e ainda há muito para ser feito. Com o avanço desses estudos, melhores opções terapêuticas certamente virão, e devemos ter esperança! Referências bibliográficas Cavaletti G. & Marmiroli P. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity Nat. Rev. Neurol. 6, 657–666 (2010); Jaggi A.S. & Singh N. Mechanisms in cancer-chemotherapeutic drugs-induced peripheral neuropathy Toxicology 291, 1–9(2012); Ferrier J., Pereira V., Busserolles J., Authier N., Balayssac D. Emerging Trends in Understanding Chemotherapy-Induced Peripheral Neuropathy Curr Pain Headache Rep 17:364 (2013); Park H.J. Chemotherapy induced peripheral neuropathic pain Korean J Anesthesiol 67(1): 4-7 (2014). * Farmacêutica, doutoranda do Laboratório de Dor do Depto. de Farmacologia da FMRP-USP Setembro de 2014 - Ano 15 - Número 170 Divulgação Científica 1. Analgesia da Lidocaína e soro fisiológico na fibromialgia Fibromialgia pode ser definida como uma síndrome dolorosa crônica, não inflamatória que se manifesta no sistema musculoesquelético. Ela é considerada uma síndrome por englobar uma série de manifestações, como dor, distúrbios do sono, indisposição e fadiga entre outras. O processo doloroso em vias nervosas já neuroquimicamente sensibilizadas gera uma atividade emocional, exacerbando a sensibilidade dolorosa e facilitando o aparecimento de distúrbios psicossociais. O estado emocional influencia o processo neurofisiológico da dor e o comportamento do paciente, gerando prejuízo na qualidade de vida. O papel da entrada de impulso nervoso periférico para a fibromialgia não é bem entendido. Um estudo realizado demonstra que o impulso nervoso contribui para a dor e hiperalgesia clinica. Um estudo com 62 indivíduos que sofrem com fibromialgia foram treinados para avaliar limiar de impulsos de calor e estímulos mecânicos nos ombros, braços, costas e pernas. Os pacientes receberam duas injeções no músculo trapézio e duas injeções musculares no músculo glúteo, com salina ou Lidocaína. Eles foram divididos em três grupos, indivíduos com quatro injeções de lidocaína, indivíduos com quatro injeções com salina e indivíduos com duas injeções de salina e duas de lidocaína. Imediatamente após as quatro injeções, foi avaliado o nível de dor dos pacientes através da Escala Visual Analógica, estímulos térmicos teste de pressão mecânica. Após trinta e sessenta minutos das injeções, foram colhidas amostras de sangue para verificar a concentração de lidocaína. As injeções musculares de lidocaína resultaram em redução de 38% da dor clínica, mas foram observadas redução de dor após as injeções com salina. Os autores sugerem que o “procedimento de injeção” pode ter contribuído para ativação de analgésico endógeno no alívio da dor e redução da hiperalgesia. Os resultados sugerem que o procedimento pode reduzir de forma confiável a dor clinica, e que a entrada de impulso periférico é necessária para a manutenção da hiperalgesia mecânica e de calor de pacientes com fibromialgia. Embora os efeitos da lidocaína tenham sido demonstrados, outros fatores podem ter obscurecido em comparação com solução de salina, bem como analgesia relacionada à inserção de agulhas e injeções de tecidos profundos. Referência: Staud R, Weyl EE, Bartley E, Price DD, Robinson ME. Analgesic and antihyperalgesic effects of muscle injections with lidocaine or saline in patients with fibromyalgia syndrome. Eur J Pain. 2014, 18(6):803-12. 2. FDA aprova Targiniq ER A oxicodona é um fármaco opioide, sintetizado em 1916, análogo semissintético, tendo a potencia duas vezes superior a da morfina, agonista puro com afinidade pelos receptores opioides μ, utilizado para o alívio da dor moderada a severa, aguda ou crônica. Usada pelas suas propriedades analgésicas, a oxicodona apresenta efeitos, tais como a euforia, responsável pelo uso abusivo desta droga. O FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos aprovou Targiniq ER (comprimido de cloridrato de oxicodona e cloridrato de naloxona) para tratar pessoas com dor intensa que precisa de tratamento em longo prazo e que não melhoram com tratamento alternativo. Targiniq ER tem propriedades potenciais para dissociar o abuso do fármaco oxicodona, pois a naloxona é fármaco que no geral é utilizado para compensar os efeitos da overdose de opioides. De qualquer forma, Targiniq ER pode ser objeto de abuso, inclusive ao tomar-se por via oral, que é na atualidade a forma mais frequente de abuso da oxicodona e que pode originar a morte do indivíduo. O FDA está combatendo o uso incorreto e abusivo de opiáceos. O medicamento aprovado envolve risco de abuso e não está autorizado a ser utilizado para o alívio de qualquer dor, deverá ser prescrito para pessoas que outros tratamentos são ineficazes. Um estudo clínico foi feito em 601 pacientes com lombalgia crônica, sendo que a base de dados que respalda a aprovação inclui tratamento com mais de 3000 pessoas. Estudos in vitro (teste em laboratório) e in vivo ( teste em pessoas) foram feitos e os efeitos mais frequentes são náuseas e vômitos. O FDA está exigindo estudos subsequentes à comercialização do Targiniq ER a fim de avaliar os riscos importantes de uso indevido, abuso, maior sensibilidade à dor (hiperalgesia), dependência, overdose e morte relacionada com a utilização em longo prazo além das 12 semanas. Além disso, quer que companhias farmacêuticas coloquem aos médicos programas educativos como prescrever sem risco analgésicos opiáceos. Fonte: http://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2014/205777lbl.pdf 3. Paracetamol é eficaz na dor lombar aguda? Atualmente, o paracetamol (acetominofeno) é considerado primeira linha de escolha para analgesia da dor lombar aguda, mesmo que não haja dados consistentes em relação a esse uso. O que não é surpreendente, visto que muitas vezes o paracetamol não faz efeito, principalmente em dores mais severas. Assim, um grupo de pesquisadores publicou um estudo de eficácia do paracetamol tomado regularmente ou quando precisa para analgesia quando comparado com placebo na dor lombar aguda. Esse estudo foi duplo-cego, aleatório e com utilização de grupo-placebo, contando com a participação de 235 centros de atenção primária à saúde em Sidney, Austrália. Os pacientes foram divididos em três grupos: o primeiro recebeu doses diárias de paracetamol (três vezes por dia, 3990 mg de paracetamol por dia) durante quatro semanas – 550 participantes; o segundo recebeu doses de paracetamol apenas quando era necessário, ou seja, para aliviar a dor (máximo de 4000 mg por dia) – 546 participantes ou placebo – 547 participantes. Todos os pacientes foram acompanhados por três meses e a dor foi medida pela escala de dor de 0-10 por 7 dias consecutivos. Os resultados desse estudo demonstraram que tanto o método terapêutico regular quanto o método de utilização do analgésico quando a dor aparece não foram diferentes dos resultados encontrados no grupo placebo no alívio da dor lombar aguda. Há bastante controvérsia na literatura no que tange a sua eficácia em dores mais severas, como a dor lombar aguda. Entretanto, não se pode ignorar a presença de indústria farmacêutica financiando esse projeto. Ainda assim, é inegável a eficácia do paracetamol para muitos tipos de dor. Referência: Williams CM, Maher CG, Latimer J, McLachlan AJ, Hancock MJ, Day RO, Lin CW. Efficacy of paracetamol for acute low-back pain: a double-blind, randomised controlled trial. Lancet. 2014 pii: S0140-6736(14)60805-9. 4. O efeito da modificação viés cognitivo para interpretação em evitar a dor durante uma tarefa experimental de dor aguda O viés cognitivo é a tendência humana de cometer erros sistemáticos em certas circunstâncias, baseados em fatores cognitivos ao invés de evidências. Existem estudos que mostram que pacientes com dor crônica apresentam uma tendência a interpretar estímulos ambíguos como dor relacionada, levantando a questão se o viés interpretativo no sentido de dor também pode ser modificado e se teria valor terapêutico, pois em estudos clínicos a modificação do viés de atenção para dor tem demonstrado um potencial terapêutico. Esta abordagem cognitivista é diferente da abordagem comportamentalista, apresentada na nossa última edição (A intensidade de dor e o condicionamento pavloviano - edição de agosto de 2014, ano 15, número 169). O estudo teve como objetivo modificar as interpretações de situações dos participantes, como sendo a dor relacionada ou não relacionada com a modificação do viés cognitivo para interpretação (CBM-I), avaliando os participantes em uma tarefa de pressão ao frio. Para a análise participaram no total 98 estudantes do primeiro ano de psicologia, sendo 69 do sexo feminino e com idade entre 17 e 41 anos. Estes foram alocados aleatoriamente para 1 de 2 condições nos cenários ambíguos da tarefa. Ambos os grupos foram levados a esperar o mesmo nível de intensidade da dor, mas os participantes que estavam na condição de ameaça recebiam informações sobre a tarefa de pressão ao frio como “tarefa vasodilatação” e de uma maneira mais assustadora, enquanto que o grupo de segurança recebeu informações referentes à tarefa fria compressor”, de uma maneira tranquilizadora e com um exemplo cotidiano. Os participantes completaram as questões presentes no DASS-21, PANAS, FPQ-III e PCS. Na CMB-I foi utilizado o método de cenários ambíguos, no qual os participantes escutavam uma descrição e terminava com o fragmento de uma palavra, onde a solução da palavra final determinaria atribuição do viés a dor ou a condição de viés nenhuma dor. Também foram analisadas cinco medidas de dor, sendo as variáveis: hesitação, limiar de dor, tolerância a dor, classificações de dor e angústia, utilizando a análise de covariância (ANCOVA) para determinar o efeito de CBM-I e se o viés interpretativo foi associado a evolução da dor. Enfim, a ANCOVA de hesitação revelou um efeito significativo principal no grupo de ameaça, no qual os participantes que receberam informações ameaçadoras sobre a tarefa de pressão ao frio hesitaram mais em média do que aqueles que receberam informações tranquilizadoras. Com relação aos demais índices de dor, não foram observados efeitos significativos. Esse foi o primeiro estudo da CBM-I na literatura da dor, tendo algumas limitações. Assim, para que a CBM-I afete a tolerância e os desfechos de dor secundárias, em outros estudos a modificação do viés cognitivo induzido precisava ser mais duradoura para ter o feedback da experiência de dor. Referência: Jones, E.B; Sharpe, L. The effect of cognitive bias modification for interpretation on avoidance of pain during an acute experimental pain task. Pain. 2014, 155: 1569-1576. 5. Olhos, a janela para a alma e a dor Um trabalho apresentado no 33rd Annual Scientific Meeting of the American Pain Society, realizado na Flórida, EUA, no começo de maio de 2014 mostra que a dor humana está relacionada com vários fatores, como sexo, idade e cor dos olhos! O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre a cor dos olhos e características relacionadas à dor em mulheres saudáveis em um modelo de dor do parto. A dor, o humor, sono e comportamento de enfrentamento foram avaliados pré-parto e pós-parto em 58 mulheres usando ferramentas de avaliação (Brief Pain Inventory, PROMIS anxiety/depression/sleep scales, Pain Catastrophizing Scale) e testes quantitativos sensoriais (mecânico e térmico) foram usados para medir a resposta à dor. Os pacientes formaram em dois grupos com base na cor dos olhos: (1) Escuros: marrom / avelã (n = 24), e (2) Claros azul / verde (n = 34). Indivíduos com olhos de cor escura apresentaram aumento de ansiedade e sono pior. Aquelas com os olhos mais escuros também mostraram tendência em experimentar mais dor do que o outro grupo de cor de olhos tanto em repouso quanto durante o movimento depois de receber analgesia epidural. Os autores indicam que embora este seja um estudo piloto, de tamanho limitado de amostra, ele sugere relações entre a cor dos olhos da população estudada. Referência: Teng, C. Belfer, I. (197) Correlation between eye color and pain phenotypes in healthy women. The Journal of Pain , Volume 15 , Issue 4 , S25. Ciência e Tecnologia 6. Receptor potencial transitório vaniloide 1 (TRPV1) tem papel chave na transição de dor inflamatória para dor neuropática Entender por que a dor persiste apesar da cirurgia da coluna vertebral estruturalmente bem sucedida é uma questão que por muito tempo tem intrigado os médicos. Em um estudo que mescla os domínios inter-relacionados de cirurgia da coluna vertebral e a medicina da dor, os pesquisadores descobriram que na transição da dor inflamatória aguda à dor neuropática crônica, os neurônios sofrem alterações moleculares. O estudo foi apresentado na 82nd Annual Scientific Meeting of the American Association of Neurological Surgeons (AANS), em São Francisco, EUA. Intitulado Subthreshold Stimuli Persists after Resolution of Acute Experimental Disc-Herniation Neuropathy and Is Mediated by Heightened TRPV1 Receptor Expression and Activity, o estudo promete lançar luz sobre a base da dor neuropática, que persiste após a cirurgia aparentemente bem-sucedida. Camundongos C57BL/6 foram submetidos à exposição do nervo ciático, com uma implantação no núcleo pulposo (NP) para mimetizar a dor neuropática por radiculopatia, e os controles foram somente a exposição do nervo. Em uma, três e cinco semanas, os camundongos foram avaliados quanto à alodinia mecânica e ao frio, hiperalgesia térmica e estabilidade de marcha. Em cada análise, os camundongos receberam injeção intraplantar de capsaicina em uma dose de 0,1 mg ou veículo sozinho, e em seguida, foram submetidos aos mesmos testes comportamentais. Em 3 e 5 semanas, os camundongos com a implantação no núcleo pulposo apresentaram alodinia mecânica a capsaicina sub-limiares em comparação com os controles. Os pesquisadores também observaram elevada expressão do receptor potencial transitório vaniloide 1 (TRPV1) no corno dorsal da medula e no gânglio da raiz dorsal expressão no grupo NP. Os pesquisadores concluíram que o TRVP1 apresenta-se como um ponto chave na transição da dor inflamatória e dor neuropática, sendo um possível alvo terapêutico no tratamento da dor neuropática persistente pós-cirúrgica. Referência: American Association of Neurological Surgeons (AANS). Reasons for pain after 'successful' spinal surgery. ScienceDaily. ScienceDaily, 9 April 2014. www.sciencedaily.com/releases/2014/04/140409204239.htm 7. Toxina botulínica do tipo A e sua relação com alguns tipos de dores Apesar da toxina do Clostridium botulinum, a toxina botulínica (TB), ser um potencial e potente veneno, também podemos obter um medicamento dependendo da dose, como já pregava Paracelso. Essa espécie de bactéria é capaz de produzir diversas toxinas, porém as mais estudadas são a do tipo A (TB-A) e do tipo B (TB-B), e foi nesse primeiro tipo que Ivica Matak e colaboradores estudaram e associaram com efeitos terapêuticos com alguns tipos de dor. Terapeuticamente, a TB-A já é usada para no tratamento da migrânea crônica e off-label (uso não aprovado por agência reguladora) também é usada em outras desordens dolorosas craniofaciais, como desordens na articulação temporomandibular (ATM) e na neuralgia trigeminal. Seu mecanismo de ação envolve a prevenção da liberação de neurotransmissores (NT) na fenda sináptica por clivar a proteína associada à sinaptossoma-25 (SNAP-25), que é fundamental para a exocitose dos NT e enfim para a transmissão do impulso nervoso. Esses pesquisadores buscaram entender em quais neurônios a TB-A atua e dessa forma saber pra quais dores ela pode ser usada. Através de testes de imunohistoquímica, formalina e capsaicina e também de testes comportamentais, eles verificaram que a toxina não altera o limiar antinociceptivo agudo, mas reduz respostas alodínicas e hipernociceptivas em alguns tipos de dor, possivelmente explicado pela atuação dela em neurônios TRPV1 positivos a nível central. Diante desses dados concluiu-se que essa pode ser uma possível explicação da razão da toxina botulínica do tipo A, atuar somente em alguns tipos de dor. Referência: Matak, I; Rosseto, O; Lackovic, Z. Botulinum toxin type A selectivity for certain types of pain is associated with capsaicin-sensitive neurons. Pain. 2014, 155: 1516-1526 8. Investigação da dor por tratamento com fármaco A acetazolamida é um diurético frequentemente utilizado no tratamento do glaucoma, permitindo a redução da pressão ocular e do edema. Este estudo clínico foi realizado com mulheres saudáveis submetidas a receber acetazolamida e placebo por via intravenosa em dois diferentes dias, a fim de avaliar a indução de dor de cabeça e sua intensidade em fase imediata e tardia, associada com a dilatação das artérias craniais, avaliada por ressonância magnética de varredura de alta resolução. Apenas doze participantes completaram o estudo durante ambos os dias, sendo que três participantes saíram após o primeiro dia por causa do desconforto, e uma foi excluída e encaminhada para novas investigações neurológicas porque a alta resolução magnética revelou a falta da artéria média cerebral do lado esquerdo. Então os dados dessas quatro participantes não foram utilizadas para os resultados. Durante a fase imediata, nove dos 12 participantes experimentaram dor de cabeça após a acetazolamida e comparado com três de 12 após o placebo. Já na fase tardia 11de 12 participantes tiveram dor de cabeça depois de acetazolamida, comparado com quatro de 12 participantes depois do placebo. O tempo médio para o pico de dor de cabeça na fase tardia foi de 3 horas após acetazolamida, levando supor que com o aumento do fluxo sanguíneo cerebral devido à vasodilatação comprovadamente analisada. Os autores sugerem que a dor de cabeça possa ser causada pela associação da vasodilatação com a hiperalgesia induzida pela acidose através da ativação de canais iônicos sensíveis a ácido (ASIC), já que a acetazolamida é um inibidor da enzima anidrase carbônica, que leva ao acúmulo de ácido carbônico no sangue e consequente acidose. Referência: Arngrim N, Schytz HW, Asghar MS, Amin FM, Hougaard A, Larsen VA, de Koning PJ, Larsson HB, Olesen J, Ashina M. Association of acetazolamide infusion with headache and cranial artery dilation in healthy volunteers. Pain, 2014, 155(8):1649-58. 9. Aldeído desidrogenase-2 (ALDH2) medeia a dor inflamatória Estudo publicado recentemente na revista Science Translational Medicine pelo grupo de pesquisadores do Instituto Butantan em colaboração com a Universidade de Stanford nos EUA demonstraram que a enzima ALDH2 regula a dor inflamatória aguda em camundongos e pode ser um potencial alvo molecular para o tratamento da dor. A enzima mitocondrial aldeído desidrogenase-2 catalisa a transformação química de acetaldeído (substância tóxica para o organismo) para ácido acético, isto é, remove os aldeídos reativos que podem causar dor. Ainda, a ALDH2 é a segunda principal enzima envolvida no metabolismo oxidativo do álcool (Figura 1). Figura 1: Metabolismo do álcool (etanol) para acetaldeído catalisada pela enzima ADH (álcool desidrogenase) e, após, em ácido acético pela enzima ALDH2 (aldeído desidrogenase-2). Fonte: http://themedicalbiochemistrypage.org/es/ethanol-metabolism-sp.php Além disso, é importante ressaltar que cerca de 40% da população do leste asiático apresenta uma mutação nesta enzima, o que acarreta em um acúmulo de acetaldeído no sangue após o consumo de álcool, o que provoca uma reação nas pessoas portadoras deste polimorfismo, conhecida como “Síndrome asiática do rubor facial induzida pelo álcool”. Portanto, já que a atividade da ALDH2 está reduzida os indivíduos asiáticos se tornam mais susceptíveis à intoxicação aguda pelo consumo exagerado de bebidas alcoólicas. No presente estudo liderado pela pesquisadora Vanessa Zambelli, os autores observaram que a mutação especifica no gene da ALDH2 em camundongos torna os animais mais sensíveis à dor inflamatória quando comparados aos animais sem a deficiência na enzima. Além disso, os pesquisadores demonstraram que o tratamento com um ativador seletivo da ALDH2, a molécula Alda-1, foi capaz de restaurar a atividade da ALDH2 e também o limiar nociceptivo dos animais, isto é, a sensibilidade à dor voltou a diminuir. É importante destacar que o tratamento com Alda-1 não alterou a resposta comportamental dos animais sem a presença de um estímulo inflamatório, sugerindo um papel da ALDH2 somente em casos onde uma inflamação está presente. Assim, o estudo publicado recentemente sugere que ativadores da ALDH2, incluindo o Alda1, podem representar uma nova classe de medicamentos analgésicos para o tratamento da dor inflamatória, os quais atuam por vias de sinalização independente de receptores opioides e assim com menos efeitos colaterais. Ainda, estes resultados em conjunto com dados da literatura, sugerem que a sensibilidade aumentada à dor por parte da população asiática, pode ser em decorrência do polimorfismo da ALDH2, o que leva ao acúmulo de aldeídos reativos que causam dor. Referência: Zambelli VO, Gross ER, Chen CH, Gutierrez VP, Cury Y, Mochly-Rosen D. Aldehyde dehydrogenase-2 regulates nociception in rodent models of acute inflammatory pain. Sci Transl Med. 2014, 6(251):251ra118. 10. Monócitos/Micróglias derivadas da medula óssea são responsáveis pelo comportamento do tipo ansiedade induzido pela dor neuropática Ansiedade é uma complicação comum relacionada à dor neuropática. Embora muitos relatos demonstram a ocorrência de ansiedade induzida por dor neuropática, os mecanismos de como a ansiedade surge do sistema nervoso central (SNC) não estão bem compreendidos. Recentemente, as interações neurônios-micróglias dentro da medula espinal foram descritas como essenciais para indução da dor neuropática. No entanto, estes mecanismos não explicam como a dor neuropática muitas vezes induz depressão, distúrbios somatoformes (psicossomáticos), distúrbios de personalidade e ansiedade. Com relação às células micróglias elas são classificadas em dois subtipos: micróglia residente (células gliais do SNC relacionadas a imunidade inata que migram do saco vitelino para o cérebro durante o desenvolvimento onde residem por toda vida) e micróglia derivada da medula óssea (monócitos que migram do sangue para o cérebro quando ocorre lesão/inflamação, tais como esclerose múltipla, encefalomielite autoimune experimental, Alzheimer, lesão traumática no cérebro, etc), essa lesão libera CCL2/MCP-1, uma proteína quimiotática de monócitos-1, que atua em receptores CCR2 expressos seletivamente em monócitos/macrófagos, ativando-os. Ainda, para contextualizar o presente estudo, a amígdala é uma estrutura chave em respostas emocionais frente a diversos estímulos sensoriais. A informação nociceptiva ascende do corno dorsal da medula espinal atinge o núcleo central da amígdala (CeA) que contém neurônios nociceptivos em abundância, ativa os neurônios da amígdala, levando à estimulação de outras áreas do cérebro responsáveis pelo medo e ansiedade. Neste sentido, o objetivo desse estudo foi investigar se a infiltração da micróglia (derivada da medula óssea) no núcleo central da amígdala (CeA) induzida por um modelo de dor neuropática (PSNL) contribui para o comportamento do tipo ansiedade através da interação neurônio e glia. Foi demonstrado que no 28º após indução de dor neuropática (fase crônica), células microgliais derivadas da medula óssea infiltraram no CeA, e esse infiltrado contribuiu para o comportamento do tipo ansiedade. Não obstante, foi observado aumento do RNAm da citocina IL-1β e do receptor de CCL2/MCP-1 (CCR2) em células micróglias derivada da medula óssea isoladas do CeA. Adicionalmente, houve aumento da expressão gênica de CCL2/MCP-1, bem como proteica, em neurônios do CeA apenas no 28º após indução de dor neuropática. A administração do antagonista de CCR2 reverteu completamente o comportamento de ansiedade, alodinia mecânica e infiltração de micróglia derivado da medula óssea no CeA e medula espinal. Uma vez que receptores NMDA foram amplamente expressos em neurônios do corno dorsal e do CeA após PSNL (28º dia), sendo a citocina IL-1β, através de seu receptor IL1R (expressos também nesses neurônios) responsável pela fosforilação e ativação desses receptores nessas estruturas, foi demonstrado que a microinjeção do antagonista do receptor de interleucina 1 (IL1ra) diretamente no CeA, diminuiu a fosforilação de receptores NMDA e reverteu com sucesso o comportamento de ansiedade, mas não alterou a alodinia mecânica em camundongos submetidos ao modelo de PSNL. Finalmente, esses achados sugerem uma nova abordagem para o tratamento da ansiedade induzida pela dor neuropática. Referência: Sawada A, Niiyama Y, Ataka K, Nagaishi K, Yamakage M, Fujimiya M. Suppression of bone marrow-derived microglia in the amygdala improves anxiety-like behavior induced by chronic partial sciatic nerve ligation in mice. Pain. 2014, 155(9):176272.