CLASSIFICAÇÃO DO BANCO GORRINGE COMO SÍTIO DE IMPORTÂNCIA COMUNITÁRIA DA REDE NATURA 2000 NO ÂMBITO DA DIRECTIVA 92/43/CEE DO CONSELHO RELATIVA À PRESERVAÇÃO DOS HABITATS NATURAIS E DA FAUNA E DA FLORA SELVAGENS Relatório de Fundamentação da Proposta Técnica Março 2015 1. Introdução A Rede Natura 2000 é uma rede ecológica para o espaço Comunitário da União Europeia, resultante da aplicação das Diretivas nº 79/409/CEE (Diretiva Aves) e nº 92/43/CEE (Diretiva Habitats), que tem como finalidade assegurar a conservação a longo prazo das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda de biodiversidade. Constitui o principal instrumento para a conservação da natureza e da biodiversidade na União Europeia. A Rede Natura 2000, que também se aplica ao meio marinho, é composta por Zonas de Proteção Especial (ZPE), criadas ao abrigo da Diretiva Aves, e Zonas Especiais de Conservação (ZEC), criadas ao abrigo da Diretiva Habitats. A Diretiva Habitats tem como principal objetivo “contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e de espécies da flora e fauna selvagens considerados ameaçados no território da União Europeia” protegendo, entre outros: i) Os tipos de habitat natural do anexo I1 da Diretiva Habitats; ii) As espécies do anexo II2 da Diretiva Habitats; A classificação de uma área como Zona Especial de Conservação depende, entre outros aspetos, da prévia aprovação como Sítio de Importância Comunitária pelos órgãos competentes da União Europeia, com base na proposta apresentada pela autoridade nacional de conservação da natureza e biodiversidade, indicando os habitats naturais e as espécies de interesse comunitário que justificam a classificação do sítio, de acordo com os critérios previstos no anexo III da Diretiva Habitats. 2. Processo de extensão da Rede Natura 2000 no Meio Marinho3 A necessidade de uma total aplicação da Diretiva Habitats e da Diretiva Aves no domínio marinho ao largo das costas da União Europeia, em especial no que respeita à criação da Rede Natura 2000, representa um dos principais desafios que a política de biodiversidade da UE enfrenta presentemente. No entanto, existem diversas espécies e habitats marinhos que suscitam preocupações de conservação a nível europeu, que não se encontram atualmente abrangidos nem pela Diretiva Habitats nem pela Diretiva Aves, sendo que estas beneficiariam de uma listagem adicional de tipos de espécies e habitats relevantes que pudesse ser usada como base jurídica para o alargamento da componente marinha da rede. Muitas dessas espécies e habitats estão identificados e constam das listas de diversas organizações de mares regionais, como a OSPAR, que atuam no sentido de desenvolver as respetivas redes de zonas marinhas protegidas. A procura de uma abordagem coerente e complementar entre o processo de identificação dos sítios Natura 2000 e as restantes redes de 1 Tipos de habitats naturais de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de Zonas Especiais de Conservação 2 Espécies animais e vegetais interesse comunitário cuja conservação exige a designação de Zonas Especiais de Conservação 3 http://ec.europa.eu/environment/nature/natura2000/marine/docs/marine_guidelines_pt.pdf 1 zonas marinhas protegidas é uma medida favorável, que contribui para a coerência global da rede. A Comissão Europeia acolhe favoravelmente todas as iniciativas desse tipo que sejam coerentes com a evolução da política de conservação da natureza da UE. 3. Tipos de habitat marinhos e espécies marinhas insuficientemente representados na Região Biogeográfica Mar Atlântico em Portugal O Seminário Biogeográfico para a Região Mar Atlântico que decorreu em Galway, Irlanda, de 24 a 25 de Março de 2009, com organização da Comissão Europeia e do Centro Temático Europeu para a Biodiversidade (Agência Europeia do Ambiente), concluiu que Portugal deve tomar medidas adicionais para a designação de áreas com o objetivo de proteger determinados tipos de habitat e espécies para que a Rede possa ser considerada suficiente. Foram aí considerados insuficientemente representados na Região Mar Atlântico em Portugal os seguintes tipos de habitat: 1110 Bancos de areia permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda 1170 Recifes Foram aí consideradas insuficientemente representadas na Região Mar Atlântico em Portugal as seguintes espécies: 1095 Petromyzon marinus 1351 Phocoena phocoena Sob Reserva Científica na Região Mar Atlântico em Portugal encontram-se espécies para as quais, com o atual nível de conhecimento, não é possível aferir a suficiência, devendo por isso ser desenvolvidos estudos adicionais: 1099 Lampetra fluviatilis 1102 Alosa alosa 1103 Alosa fallax 1349 Tursiops truncatus4 4. Habitats naturais e seminaturais constantes do anexo I da Diretiva Habitats O Banco Gorringe é um grande monte submarino de estrutura rochosa em que predomina a tipologia de habitat Recife. A sua forma irregular, com plataformas, escarpas, paredes oblíquas e sulcos profundos propiciam o depósito de areias biogénicas de granulometria grosseira, o 4 Posteriormente, a avaliação desta questão realizada no âmbito do Projeto LIFE+ MARPRO (LIFE09 NAT/PT/000038) veio a confirmar a insuficiência das áreas dos sítios da Rede Natura 2000 em Portugal para a proteção desta espécie. 2 que possibilita a ocorrência de um outro habitat, de sedimento móvel (Correia, 2013). Estas características correspondem a dois dos tipos de habitat listados no anexo I da Diretiva 92/43/CEE do Conselho: 1170 Recifes e 1110 Bancos de areia permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda. Um grupo de peritos marinhos tem vindo a trabalhar, desde Março de 2003, com vista ao desenvolvimento de um entendimento comum das disposições da Rede Natura 2000 no domínio marinho. As definições dos habitats listados no anexo I da Diretiva Habitats que se seguem são resultado desse trabalho e constam de um documento em que são estabelecidas “Orientações para a criação da Rede Natura 2000 no domínio marinho - Aplicação das Diretivas Habitats e Aves” (Comissão Europeia, 2007b). 1170 - Recifes Definição: Os recifes podem ser concreções biogénicas ou ter uma origem geogénica. São substratos duros e compactos que se desenvolvem sobre fundos sólidos ou moles e se elevam do leito do mar nas zonas sublitorais e litorais. Os recifes podem sustentar uma estratificação das comunidades bentónicas de algas e de espécies animais, bem como concreções, que podem ser ou não coralogénicas. “Se elevam do leito do mar" significa que o recife é topograficamente distinto do leito do mar em redor. “Zonas sublitorais e litorais” significa que os recifes podem estender-se ininterruptamente desde o sublitoral à zona intertidal (litoral) ou podem ocorrer na zona sublitoral, incluindo áreas de grande profundidade como o batial. “Os substratos rochosos incluem habitats complexos, como os montes submarinos ou as chaminés hidrotermais. Os compactados biogénicos incluem incrustações, compactados coralogénicos e campos de bivalves de animais vivos ou mortos, ou seja, fundos biogénicos duros que servem de habitat para espécies epibióticas” (Comissão Europeia, 2007). A latitude da definição do tipo de habitat Recifes no manual de interpretação dos habitats da União Europeia (Comissão Europeia, 2007a) contempla a inclusão de uma grande variedade de formações (formações topográficas subtidais, como chaminés hidrotermais, montes submarinos, paredes rochosas verticais, socalcos horizontais, falésias submarinas, agulhas, gargantas, cristas, fundos rochosos inclinados ou planos, rochas esparsas e campos de rochedos e de calhaus (Comissão Europeia, 2007a), mas importa também entender um monte submarino como um vasto acidente orográfico, de elevada relevância biológica e ecológica, onde podem ocorrem diversos habitats. Devido à ampla distribuição do tipo de habitat Recifes no território nacional a área relativa (i.e. percentagem da área de habitat no sítio relativamente ao total da área do habitat em território nacional) deste habitat no Banco Gorringe não é elevada. Aponta-se para o valor mais baixo da escala proposta pelo Formulário Normalizado Natura 2000, ou seja o valor C (inferior a 2%). Apesar disso, os recifes do banco Gorringe possuem grande relevância por apresentarem a particularidade de se posicionarem ao largo mas, em parte, a pouca profundidade. Nos picos Ormonde e Gettysburg este tipo de habitat encontra-se na zona 3 eufótica, tornando-se especial por esse motivo (Correia, 2013). Existe, no Gorringe, recife de leito rochoso e recife de leito pedregoso (Correia, 2013; OCEANA, 2014). Na Europa O tipo de habitat 1170 Recifes tem uma distribuição generalizada pelos mares da Europa (EEA, 2009) podendo ter origem rochosa ou biogénica e albergar diferentes tipos de comunidades. Abrange várias tipologias de estruturas e substratos, caracterizadas por diferentes fatores físicos, químicos e hidrográficos. Um maior conhecimento sobre o estado de conservação do habitat na generalidade da região biogeográfica do Mar Atlântico, mercê de um maior esforço na aquisição de informação, levou a que de estado de conservação “desconhecido” em 2006, passasse a “desfavorável-mau” em 2012 (http://bd.eionet.europa.eu/article17/reports2012/habitat/summary/?period=3&group=Coast al+habitats&subject=1170&region=MATL). 1110 - Bancos de areia permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda Definição: Os bancos de areia são formações topográficas elevadas, alongadas, arredondadas ou irregulares permanentemente submersas e predominantemente rodeadas por águas mais profundas. Consistem principalmente em sedimentos arenosos, mas poderão também conter grãos de maior dimensão, incluindo rochas e calhaus, ou de menor dimensão, incluindo lodo. Os bancos que apresentam uma camada de sedimento arenoso sobre um substrato rochoso podem ser classificados como bancos de areia quando os organismos que lhes estiverem associados dependerem do substrato arenoso e não do substrato rochoso subjacente. Por "cobertos por água do mar pouco profunda" entende-se que sobre os bancos de areia a profundidade raramente é superior a 20 m abaixo do datum das cartas marítimas. Os bancos de areia podem, contudo, alargar-se a zonas com uma profundidade superior a 20 m abaixo do datum das cartas marítimas. Assim, poderá afigurar-se apropriado incluir na classificação essas zonas, na medida em que façam parte da formação e sirvam de base à comunidade biológica. No Banco Gorringe este tipo de habitat surge associado à deposição de sedimento biogénico sobre substrato rochoso, onde a comunidade biológica existente seja dependente do substrato móvel e não do substrato rochoso. A área deste habitat no Banco é muito inferior à do habitat Recifes. Devido à área ocupada pelo habitat Bancos de areia no território nacional, a representatividade (i.e. percentagem da área de habitat no sítio relativamente ao total de área do habitat em território nacional) deste habitat no Banco Gorringe não deverá ser elevada. Aponta-se para o valor mais baixo da escala proposta pelo Formulário Normalizado Natura 2000, ou seja o valor C (inferior a 2%), mas desconhece-se com precisão a área ocupada no sítio. 4 Apesar de pouco extenso, o habitat Bancos de areia permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda existente no Banco Gorringe é peculiar pela raridade da sua localização ao largo (Correia, 2013). Na Europa Este tipo de habitat encontra-se amplamente distribuído nas costas europeias. É caracterizado por vários tipos de comunidades, pois abrange vários tipos de sedimento caracterizados por diferentes fatores físicos, químicos e hidrográficos. A avaliação geral do seu estado de conservação na generalidade da região biogeográfica do Mar Atlântico é “desfavorável-mau” (http://bd.eionet.europa.eu/article17/reports2012/habitat/summary/?period=3&group=Coast al+habitats&subject=1110&region=MATL). Espécies constantes do anexo II da Diretiva Habitats Está assinalada a presença das espécies de tartarugas Caretta caretta, Chelonia mydas e do mamífero marinho Tursiops truncatus. Contudo a informação existente não permite saber se esta presença é somente ocasional ou se tem caráter regular. É provável que as espécies utilizem a zona de água pouco profunda para se alimentar e utilizem o banco submarino como ponto de passagem nas suas rotas de migração (Correia, 2013). Mais uma vez, o facto do monte submarino Gorringe se elevar até quase à superfície é suscetível de favorecer a utilização dos seus habitats por estas espécies. 5. Outros Valores Naturais na Área a Classificar O Banco Gorringe é um monte submarino de grande dimensão que se eleva desde as planícies abissais do Tejo, a norte, e da Ferradura, a sul, até quase à superfície, a menos de 50m profundidade. O facto das suas principais elevações (os picos Gettysburg e Ormonde) se posicionarem na zona eufótica confere a este banco uma vasta diversidade de habitats de elevados níveis de produtividade, especialmente aqueles até onde penetra a luz solar, dando origem à ocorrência de uma alargada gama de espécies. O Gorringe é, por esta razão, um monte submarino com características próprias, que interessa proteger, o que é igualmente defendido por diferentes organizações não-governamentais como o World Wide Fund for Nature (WWF) (Gubbay, 2003) e a OCEANA (OCEANA, 2005). Os montes submarinos encontram-se na lista de habitats ameaçados ou em declínio da OSPAR (OSPAR, 2008) e qualificam-se como Ecossistema Marinho Vulnerável, de acordo com os critérios (linhas de orientação) internacionais para a gestão das pescarias em alto mar, em áreas fora de jurisdição nacional (FAO, 2007; Rogers et al., 2008). Muitos montes submarinos são ricos em biodiversidade e funcionam como stepping stones na dispersão das espécies. No caso do Gorringe, pelos seus picos se encontrarem a pouca profundidade, ainda na zona eufótica, é possível o estabelecimento de comunidades fotossintéticas que, aproveitando a 5 riqueza em nutrientes promovidos por fenómenos de afloramento, originam elevada produtividade. Esta situação reflecte-se na cadeia trófica e permite o estabelecimento de comunidades de peixes pelágicos incluindo espécies migradoras que podem passar períodos importantes nos habitats do Gorringe. Segundo os critérios desenvolvidos pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), os montes submarinos cumprem sob diversos aspetos os critérios científicos para a identificação de áreas marinhas com significado ecológico ou biológico em oceano aberto ou mar profundo, candidatas a proteção no alto mar (Secretariado da CDB, 2009). Além do mais, apesar da informação ainda ser limitada a nível global, os montes submarinos parecem tratar-se de habitats de mar profundo com elevada ocorrência de endemismos, sendo possivelmente um dos ecossistemas mais diversos do planeta (Gjerde and Breide, 2003). A grande elevação do monte submarino Gorringe, desde grandes profundidades até quase à superfície, associada à sua forma irregular dá origem a uma grande diversidade de habitats cujas características são suscetíveis de ser agrupadas de acordo com diversos critérios. Para além dos habitats identificados segundo o anexo I da Diretiva Habitats, os mesmos locais são também identificados noutras listagens como as estabelecidas pela Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (Convenção OSPAR) ou pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES). Também estas entidades reconhecem a vulnerabilidade e a necessidade de proteção de certos habitats. Os quadros abaixo listam os habitats presentes no banco Gorringe que podem ser considerados no âmbito das tipologias de habitats listados pela OSPAR e pelo ICES. Habitats presentes no banco Gorringe (Correia, 2013) incluídos na LISTA DE ESPÉCIES E HABITATS AMEAÇADOS E / OU EM DECLÍNIO da Comissão OSPAR (OSPAR, 2008) Habitat OSPAR Montes submarinos Jardins de Coral Agregações de esponjas do mar profundo Recifes de Lophelia pertusa Habitats identificados pela OCEANA pertencentes ao tipo OSPAR (OCEANA, 2014) Paredes rochosas com Paramuricea clavata Leitos rochosos com Callogorgia verticilata e Viminella flagellum Leitos rochosos com Villogorgia bebrycoides Leitos rochosos com hidrocorais Leitos de corais negros (Antipathella sp. e Tanacetiphates sp.) Leitos de Stichopathes sp. Phakellia spp. Geodia spp. Leitos de Poecillastra e Pachastrella Leitos dominados por mistos de esponjas: leitos de Pheronema carpentieri, leitos de esponjas “Lollipop”, leitos de esponjas “Lithistid” (Demonspongiae), fundos de Asconema setubalense, Leitos rochosos com demoesponjas arborescentes e Leitos rochosos com esponjas calcárias - 6 Habitats presentes no Banco Gorringe incluídos na lista de Ecossistemas Marinhos Vulneráveis (VME - Vulnerable Marine Ecosystems) (ICES, 2013) ICES VME´s Recommendation Habitats identificados pela OCEANA pertencentes ao tipo list ICES (OCEANA, 2014) Paredes rochosas com Paramuricea clavata Leitos rochosos com Callogorgia verticilata e Viminella “2.A.i. Hard-bottom gorgonian and black coral gardens” flagellum Leitos rochosos com Villogorgia bebrycoides “2.A.v Hydrocorals” Leitos rochosos com hidrocorais Phakellia spp. “3.A Ostur Sponge agregations” Geodia spp. Leitos de Poecillastra e Pachastrella A descrição dos habitats que se segue baseia-se em Correia (2013). Habitat OSPAR “Montes submarinos” Por se tratar de uma elevação submarina com mais de 1000m conforme a definição do habitat (OSPAR, 2010a) o Banco Gorringe inclui-se na tipologia de “Montes submarinos”. Este habitat é frequente na zona OSPAR, existindo registo de 104 montes submarinos, 74 dos quais nas zonas económicas exclusivas dos países e a maioria localizada na zona da Crista Média Atlântica (OSPAR, 2010a). O número poderá aumentar, fruto dos trabalhos de mapeamento que vêm sendo desenvolvidos. Por serem locais de grande procura de pesca comercial, os montes submarinos são suscetíveis a impactos negativos e por isso são incluídos na lista de espécies e habitats ameaçados ou em declínio (OSPAR, 2008). A principal ameaça ao habitat “Montes submarinos” está associada à atividade piscatória que, quer pelo uso de aparelhos de pesca, quer pela remoção de espécies por excesso de capturas e por captura acessórias, pode resultar na destruição física de habitat e da comunidade biológica (OSPAR, 2010a). Em alguns montes submarinos poderá no futuro vir a ocorrer também a exploração de crostas de ferro e manganês e sulfidos polimetálicos (OSPAR, 2010a). O habitat corresponde ao código A6.72, do sistema de classificação de habitats EUNIS5. Habitat OSPAR “Jardins de Coral” Os “jardins de coral” consistem em agregações relativamente densas de colónias ou indivíduos de uma ou mais espécies de coral (OSPAR, 2010b). Podem ser encontrados a profundidades desde os 30 m até milhares de metros de profundidade em montes submarinos localizados em mar aberto (OSPAR, 2010b). Os jardins de corais podem ocorrer numa grande variedade de substratos, sejam rochosos ou substratos móveis e correspondem aos códigos EUNIS A6.1, A6.2, A6.3, A6.4, A6.5, A6.7, A6.8 e A6.9 embora não ocorram todos no Banco Gorringe. No banco Gorringe estão presentes e são frequentes corais moles como Siphonogorgia sp., Alcyonium acaule e A. palmatum. Também são frequentes corais duros como as espécies solitárias Caryophyllia cyantus, C. smithii e Flabellum chunii, esta última normalmente 5 European Nature Information System (http://eunis.eea.europa.eu/habitats-code-browser.jsp) 7 habitando fundos sedimentares profundos (por volta dos 400 m). Nos leitos rochosos e substratos duros pode encontrar-se Dendrophyllia cornigera numa gama alargada de profundidades (embora se concentre na zona circalitoral). No que respeita a corais negros encontraram-se espécies como Antipathella wollastonii, A. subpinnata, Anthipathes furcata, Cirripathes sp., Parantipathes hirondelle, Leiopathes glaberrima, Stichopathes sp. e Tanacetiphates sp., tanto em substratos duros como em substratos moles (OCEANA, 2014). Este habitat encontra-se vulnerável à atividade piscatória, em particular quando as artes de pesca interferem com os fundos marinhos uma vez que os corais são suscetíveis de quebrar, podendo demorar décadas a recuperar (Correia, 2013). Sabe-se pouco sobre a ocorrência destes habitats e sobre a sua extensão nas áreas OSPAR. Desconhece-se nos bancos submarinos a extensão deste habitat, a sua condição e as previsões de extensão do mesmo, mas sabe-se que se não forem tomadas medidas de proteção a expetativa é de que o habitat pode ser degradado até à sua destruição total (Correia, 2013; OSPAR, 2010b). Habitat OSPAR “Agregações de esponjas no mar profundo” Este habitat corresponde ao código EUNIS A6.62 e é essencialmente composto por agregações de esponjas de duas classes: Hexactinellida e Demospongia que em geral ocorrem dos 250 aos 1300 m e podem ocorrer em substrato rochoso ou móvel (EUNIS, 2012; Correia, 2013). As agregações de esponjas de mar profundo podem surgir em conjunto com os jardins de coral e são estruturantes do próprio habitat condicionando a presença de outras espécies (Correia, 2013). Este habitat foi integrado na Convenção OSPAR e referenciado como raro por se encontrar restrito a determinadas áreas do Atlântico, em declínio (informação de pescadores) e sensível dada a vulnerabilidade ao impacto da turbidez e poluição (espécies de vida longa e de crescimento lento). No banco Gorringe ocorre uma grande variedade de demosponjas sublitorais, com registo de 91 espécies, 85 das quais Demospongidae, estando também registada desde 2011 a presença de agregações importantes de esponjas de Asconema setubalense (OCEANA, 2011, 2012). A extensão atual do habitat não é conhecida no Atlântico e o mesmo ocorre para o Banco Gorringe. São ameaçados por perturbações que ocorram no fundo marinho (Correia, 2013; OSPAR, 2010c), nomeadamente o impacto das artes de pesca e pelas alterações climáticas (OSPAR, 2010c). Algumas observações mostraram um grave declínio resultante do aumento da temperatura da água (OSPAR, 2010c). Habitat OSPAR “Recifes de Lophelia pertusa” A espécie Lophelia pertusa é um coral de águas frias que pode formar recifes com grande diversidade biológica. É muito comum no norte do Atlântico, mas raro nas regiões IV e V da OSPAR (Correia, 2013). A espécie ocorre no Banco Gorringe apesar de não se conhecer a formação de recifes (Seamounts Online Database, disponível em http://seamounts.sdsc.edu/.) A importância da conservação destes recifes decorre da sua longevidade (Correia, 2013). 8 Espécies O Relatório de Avaliação Inicial da Diretiva Quadro “Estratégia Marinha” (subdivisão continente) e documentação conexa menciona a presença de um total de 857 espécies no banco Gorringe (MAMAOT, 2012; Correia, 2013). No estudo efetuado pela OCEANA (OCEANA, 2014) foram identificadas mais de 350 espécies nas 3 campanhas de amostragem levadas a cabo em 2005, 2011 e 2012. O filo Chordata foi aquele com maior número de espécies (81), seguido do Cnidaria (67 espécies) e Porifera (41 espécies). Na área do Gorringe são avistados regularmente mamíferos marinhos bem como outras espécies pelágicas migradoras, nomeadamente tubarões (OCEANA, 2014). Das espécies identificadas no Gorringe destacam-se as que encontram em listas de Diretivas comunitárias ou Convenções Internacionais que reconhecem de alguma forma a importância de proteger as respetivas populações. Para além das tartarugas Caretta caretta e Chelonia mydas e do cetáceo Tursiops truncatus considerados no anexo II da Diretiva Habitats (lista as espécies de interesse comunitário que exigem a designação de Zonas Especiais de Conservação), no banco Gorringe ocorrem, ocasionalmente ou não, mais 56 espécies consideradas no anexo IV ou noutras diretivas e convenções. Estas espécies estão listadas no quadro abaixo, onde se assinalam ainda, a título informativo, endemismos conhecidos. Legislação / Convenção Endemismos Convenção OSPAR Grupo Invertebrados Invertebrados Peixes Invertebrados Répteis Diretiva Habitats anexo IV Mamíferos 6 Espécie Ciocalypta aderma Cornulum cheliradians Geodia geodina Podospongia loveni Ciocalapata almae Hexadella pruvoti Calliostoma sp. Funiculina quadrangularis Pennatula phosphorea Pteroeides griseum Hoplostethus atlanticus Centrostephanus longispinus6 Scyllarides latus Caretta caretta Chelonia mydas Delphinus delphis Stenella coeruleoalba Stenella frontalis Globicephala macrorhynchus Globicephala melas Grampus griseus Physeter macrocephalus Kogia breviceps Ziphius cavirostris e Convenção de Berna anexo I 9 Balaenoptera acutorostrata7 Balaenoptera physalus Mesoplodon mirus Mesoplodon europaeus Mesoplodon bidens Mesoplodon densirostris Tursiops truncatus Diretiva Habitats anexo V Plantas Convenção de Berna anexo II Invertebrados Convenção CITES apêndice 2 Invertebrados Diretiva Aves anexo I Aves Diretiva Aves anexo II Aves Lithothamnion corallioides Ranella olearia Tonna galea Caryophyllia smithii Deltocyathus eccentricus Deltocyathus moseleyi Dendrophyllia cornigera Dendrophyllia ramea Desmophyllum dianthus Flabellum alabastrum Flabellum chunii Lophelia pertusa Madracis pharensis Paracyathus pulchellus Stenocyathus nobilis Stenocyathus vermiformis Antipathes furcata Caryophyllia cyathus Caryophyllia sp. Cirrhipathes sp. Stichopathes gracilis Aulocyathus atlanticus Caryophyllia abyssorum Sterna paradisaea Oceanodroma castro Hydrobates pelagicus Calonectris diomedea borealis Larus fuscus Para além das espécies já citadas refira-se a presença de uma espécie nova de esponja Sympagella delauzei Boury-Esnault, Vacelet, Reiswig, Four, Aguilar and Chevaldonnée, 2014 (Boury-Esnault et al., 2014), recentemente descrita. Outros estudos recentes, dirigidos a zonas mais profundas, vieram pôr em evidência a existência de uma interessante biodiversidade em profundidades exploradas pela primeira vez (Vieira e Cunha, 2014). Os mergulhos ROV conduzidos ao longo dos declives dos montes Gettysburg e Ormonde até aos 3000 m de profundidade revelaram a presença de peixes da família Chimaeridae: a espécie Chimaera sp., a 1975 m e a espécie Hydrolagus sp., a 2062 m e a 2120 m. Também em águas profundas, foi recentemente identificada a presença de uma nova espécie de esponja, Chondrocladia robertballardi Cristobo, Rios, Pomponi and Xavier, 2014 (Cristobo et al., 2014). Esta esponja é carnívora, típica de zonas profundas e no Banco Gorringe foi recolhida em zonas arenosas, planas ou pouco declivosas, entre os 1400 m e os 1738 m de profundidade, onde a epifauna não é comum. 7 e Convenção CITES apêndice 1 10 6. Área Proposta para Classificação O Banco Gorringe é um monte submarino de grandes dimensões que se eleva desde cerca de 5000 m de profundidade até aos picos Gettysburg (a 28 m de profundidade) e Ormonde (a 3346 m de profundidade) (Correia, 2013). Foi descoberto, a 6 de novembro de 1875, pelo navio de exploração americano USS Gettysburg, comandado pelo Capitão Henry Honeychurch Gorringe (OCEANA, 2005), a quem deve o nome. O Banco Gorringe faz parte da cadeia de montes submarinos da Ferradura que se estende entre a costa de Portugal continental e o arquipélago da Madeira, desenvolvendo-se essencialmente no sentido nordeste-sudoeste, entre as planícies abissais do Tejo e da Ferradura, aproximadamente a 5000 m e 4500 m de profundidade, respetivamente. Geologicamente, o Banco Gorringe situa-se na zona de convergência das placas africana e euroasiática, no extremo este da zona de fratura, conhecida como Açores-Gibraltar. Localizado a cerca de 200 km a sudoeste de Portugal continental, encontra-se na Zona Económica Exclusiva (ZEE), sob administração nacional. As medidas para a gestão do sítio a propor por Portugal, posteriormente à classificação do sítio, deverão contemplar o leito marinho, a coluna de água e a sua superfície. Medidas dirigidas à atividade da pesca terão de ser propostas e acordadas com a Comissão Europeia. A área do Banco Gorringe que se propõe agora classificar respeita a integridade do monte submarino e o seu significado biológico e ecológico. A identificação de espécies de peixes de profundidade (Vieira e Cunha, 2014) e a recente descoberta de uma nova espécie de esponja carnívora, típica de zonas profundas (Cristobo et al., 2014) revela a existência de biodiversidade que vem reforçar os benefícios de uma abordagem abrangente, valorizando a manutenção da integridade ecológica do monte submarino. O limite da área pode ser definido com base batimétrica, localizando-se no sopé do monte, sensivelmente sobre a batimétrica dos 5100m a Norte e na batimétrica dos 4800m a Sul. Os valores de coordenadas geográficas apresentados em seguida seguem o sistema de coordenadas WGS84 e são apresentados em minutos decimais. Para cálculo da área e do comprimento utilizou-se a projecção universal Transversa de Mercator associado ao sistema WGS84/UTMzone29N8. Sítio definido com base nas linhas batimétricas dos 5100m e 4800m de profundidade 8 O sistema de referência utilizado será revisto e a informação resultante poderá ser diferente 11 Área Centróide Extremos do polígono 1 2 3 4 5 6 2288782.11ha Coord x -11.34233421 -12.34720800 -12.30030600 -10.78412200 -10.36140000 -10.30061800 -11.54178400 Coord y 36.57796509 35.86752380 36.85415210 37.41282590 37.14775660 36.40609630 35.82664920 Referências Agência Europeia de Ambiente (EEA). 2009. Habitat Directive Article 17 Reporting. Centro Temático Europeu sobre a Diversidade Biológica. Boury-Esnault, N., Vacelet, J., Reiswig, H.M., Fourt, M., Aguilar, R., Chevaldonnée, P. 2014. Mediterranean hexactinellid sponges, with the description of a new Sympagella species (Porifera, Hexactinellida). Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom, pg. 1-22 12 CBD Secretariat. 2009. 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