Estudo Comparativo do Conceito de Inclusão nas Áreas de Humanas e Exatas no Ensino Superior Autores: M.Cristina de O. Regina (Cepre/ FCM / Unicamp), Fernanda Camões, Natália Guedes. (alunas de Psicologia / Puc de Campinas) Colaboração: Aline Bianchini, Paula Prete e Vanessa Bossi. Resumo: Os docentes da área de humanas de Universidade Particular da região de Campinas tendem a enfatizar o exercício da cidadania e o acesso a direitos, bem como oportunidades para tal, com igualdade de condições quando se remetem ao conceito de Inclusão. Os docentes da área de exatas, particularmente Arquitetura, fazem citações semelhantes, mas consideram mais detalhadamente aspectos da acessibilidade no sentido espacial e físico, ou, como no caso dos docentes de química e algumas de engenharias, limites objetivos na utilização de laboratórios, devido a riscos decorrentes da manipulação de materiais. Também destacaram aspectos apontados por docentes de humanas, à saber a efetiva participação do deficiente no âmbito educacional e social. Os docentes da área de humanas citam itens de acessibilidade, porém, de forma mais genérica. Palavras chave: Inclusão Social, Inclusão Educacional, Pessoas com Deficiência, Educação, Ensino Superior. Introdução Uma das questões mais centrais apontadas por Lima (2003) sobre a Inclusão de pessoas com deficiência é a mudança de paradigma a qual os docentes estão sujeitos para viabilizála: do conceito de normalidade construído a partir de parâmetros estatísticos baseados em médias e grandes populações, para a concepção de homem naturalmente diverso, diferente, portanto considerado em suas especificidades. É intrínseco ao conceito de Inclusão, portanto o reconhecimento da existência de diferenças entre os indivíduos. É um conceito que envolve desde relações econômicas, como os efeitos da globalização sobre a vida dos cidadãos, até aspectos mais particulares como a atuação direta dos professores na relação com seus alunos. As representações quanto à pessoa com deficiência, o papel do aluno e do professor, as quais foram construídas num dado contexto histórico e social, afetam o aluno com o qual o docente se relaciona. Tanto a instituição Escola afeta os sujeitos como é afetada por eles neste processo. A Inclusão é um processo bilateral, em que o deficiente e a sociedade realizam adaptações, para viabilizá-la. Implica em autonomia da pessoa com deficiência (domínio do ambiente físico e social, preservando a privacidade e a dignidade da pessoa), independência (faculdade de decidir sem depender de outrem, refletindo a quantidade e qualidade de informações de que dipõem para tomar decisões) e empowerment (processo pelo qual a pessoa ou grupo exerce seu poder para fazer escolhas, tomar decisões, assumindo o controle de sua vida). ( Sassaki, 1997) Empowerment é a capacidade de determinado grupo ou indivíduo, controlar seu próprio ambiente. Envolve não apenas o acesso a recursos materiais e o controle sobre as decisões relevantes, mas também disposição psicológica compatível com o autogoverno (Handler, 1996). "Empowerment" psicológico é o sentimento de maior controle sobre a própria vida que os indivíduos experimentam através do pertencimento a distintos grupos, e pode ocorrer sem que haja necessidade de que as pessoas participem de ações políticas coletivas. Objetivo: O presente trabalho estudou os conceitos de Inclusão Social e Educacional apresentados por docentes do Ensino Superior de Universidade Privada da região de Campinas, das Áreas de Ciências Humanas e Exatas, gerados durante aplicação de questionário semi-aberto, sendo a questão sobre Inclusão essencialmente aberta. Procedimento: Amostra parcial randomizada por cluster (cursos selecionados por sorteio), composta por 143 docentes de Universidade Privada (79 da área de humanas e 64 da área de exatas). Instrumento: questionário semi-aberto. Análise Qualitativa: questão aberta relativa ao conceito de Inclusão, segundo a opinião pessoal de cada sujeito da amostra. Resultados Os docentes da área de humanas enfatizaram que a Inclusão envolve o “exercício da cidadania e o acesso a direitos”, bem como oportunidades para tal, com “igualdade de condições” e participação integral na vida em sociedade. Alguns conceitos, entretanto, acrescentaram outros aspectos que o ampliam e aprofundam: Filosofia : “... a vivência plena do ‘diferente’ em todas as esferas da sociedade que inclui: abertura e pré-disposição do ‘diferente’ e ‘aceitação’ e pré-disposição dos ‘iguais’. Abertura e a aceitação são aspectos de mão dupla. Tal conceito destaca o papel e lugar sócio-cultural do sujeito que participa da Inclusão, sugerindo implicitamente certa disposição psicológica para tal, bem como a necessária interação entre tais posições. É de um lugar e papel sociais que os interlocutores falam e modificam seus pontos de vista. Há a questão cultural relativa a quem é considerado “igual” e quem é percebido como “diferente” permeando as relações. Letras : “Oferecimento de condições para o convívio otimizado nos diferentes contextos sociais e educacionais, exigidas pelas necessidades especiais específicas, por meio de sistemas de apoio e suporte institucionalizados”. Este sujeito destaca a necessidade de suporte institucionalizado para favorecer uma convivência “otimizada”. Direito: “ ...no sentido pleno significa inserção do deficiente no exercício cabal da cidadania mediante recursos que permitam eliminar obstáculos próprios da limitação física ou psíquica” “....é permitir agregar em uma sociedade pluralista, o acesso aos mais variados bens e serviços...públicos ou não...é efetivar a dignidade humana;...garantir um ambiente de igualdade diante da diversidade” A necessidade de oferecer recursos que eliminem obstáculos remete à acessibilidade no sentido amplo e condiciona o verdadeiro exercício da cidadania à sua existência. Deriva as noções de diferença e diversidade da noção de sociedade pluralista: igualdade na diversidade, sem eliminar diferença, porém incluindo-a. A efetivação da dignidade humana é uma importante dimensão do conceito de Inclusão. História : “Definição de condições materiais e culturais garantidoras de acesso aos direitos básicos de cidadania para pessoas com necessidades especiais” Esta concepção a bem da verdade indaga sobre as condições materiais, as quais nos remetem à acessibilidade, e culturais, que nos reportam à disposição do meio, ideais, as quais permitam garantir o exercício dos direitos básicos. Sem tal clareza fica sugerido que o acesso aos direitos pode não ser viabilizado. Pode ser condição sine qua non para tal. Ciências Religiosas: “... pessoas com necessidades especiais têm o direito de integrar-se, com sua diferença, na sociedade, desenvolvendo todas as potencialidades que traz em si...”. Ainda que uma meta ideal, agrega à noção de inclusão, a possibilidade de desenvolver os potenciais da pessoa com deficiência. Suplanta a freqüente menção aos limites, quando se faz referência à pessoa com necessidades especiais, para buscar a outra dimensão do ser: suas potencialidades. “... é o esforço de implementar condições de participação social, política, econômica e religiosa para pessoas, considerando-se particularidades de cada um...”. Além de apontar algumas das esferas concretas de participação necessárias e possíveis à pessoa com deficiência, sugere que as condições se não estão estabelecidas, requerem esforços para tal. Na área de Ciências Exatas os docentes tendem a enfatizar mais, aspectos específicos de acessibilidade, embora não deixem de levar em conta a cidadania e a igualdade como os docentes de humanas. Arquitetura: “... dar ‘todas’ as condições para que as pessoas com necessidades especiais participem de qualquer atividade seja estudo, esporte, trabalho e lazer das quais pessoas normais participam. A exclusão deste (aluno deficiente), devido a normatizações técnicas é comum, embora devessem ser evitadas”. “A remoção de todo e qualquer empecilho à participação em atividades cotidianas ou não”... ou... “Plenas condições de acesso físico, motor, social a todos os elementos da sociedade sem restrições de qualquer ordem”. Ainda que um dos docentes reconheça que existem barreiras normativas para aceitação de pessoas com deficiências em determinados cursos, sugere, indicando objetivamente áreas de atuação humana, uma aproximação mais aguda da realidade do sujeito com deficiência. Note-se que trabalham diretamente com a viabilização da acessibilidade, no sentido espacial e físico, e com o conceito de Desenho Universal (concepção de que todo ambiente deve ser elaborado considerando-se que diferentes tipos de pessoas poderão utilizá-lo, e uma vez que existem no Universo, devem ser levadas em conta de antemão, em qualquer projeto dirigido ou não a pessoas com deficiência) a fim de que, indistintamente, toda pessoa possa utilizar sem esforço e com conforto, todos os espaços públicos e privados. “A possibilidade de convivência igual de todo o ser humano para ampliar a civilidade e participar do progresso da humanidade, assim como dos problemas que impedem possíveis solidariedades. Seria importante qualificar estas pessoas para acessar sua cidade por inteiro e não somente locais especialmente tratados”. Se o ambiente constituir barreira para a presença da pessoa com deficiência, a solidariedade entre pessoas diferentes fica impossibilitada de ser manifestada. Sugere que treinamento específico pode ampliar o acesso de tais pessoas à sua cidade, para além do preparo dos ambientes, para que possa acessá-los. São fatores de civilidade: ambiente adequado e qualificação. A extensão das alterações do ambiente físico para proporcionar as condições ideais de acesso não é consenso. Há quem sugira que os equipamentos que permitem a acessibilidade deveriam ser enfatizados mais que a modificação indistinta de todos os espaços para permiti-la. Química : “Dar condições de participação nas atividades do cotidiano de forma a permitir o exercício pleno da cidadania”. Observe-se que informalmente os docentes desta área informaram que há restrições importantes às pessoas com deficiência para o acesso a laboratórios, especialmente considerando-se condições adversas que impliquem necessidade de saída rápida e urgente destes espaços. Alguns recomendaram que as pessoas com deficiências, ou não manuseiem materiais sujeitos a riscos potenciais, ou que tais ambientes sejam modificados para que possam mover-se em segurança e deixá-los, em situações de emergência, sem maiores dificuldades. Engenharia da Computação: “Processo econômico, político e social que possibilita, ou deveria possibilitar, o acesso dos cidadãos e cidadãs, de variadas formas excluídas dos bens de variada natureza, como acesso a educação e saúde, com finalidade de se atingir justiça social”. As dimensões política e econômica da Inclusão são fundamentais. Custos importantes, os quais precisam ser garantidos por políticas, mas acima de tudo por vontade política. Recursos claramente definidos precisam ser incluídos nos orçamentos de todas as instancias envolvidas (qualificação de profissionais, preparo dos ambientes escolares, prédios públicos e privados, material didático apropriado, acesso à tecnologia específica, etc). Os agentes econômicos também precisam entender que há uma ‘clientela’ a ser atendida, portanto um nicho econômico a ser ‘explorado’. Fica indiretamente sugerido que a exclusão que aconteceu até aqui, reflete falta de ação tanto na esfera econômica, como política e social. Engenharia Elétrica: “Permitir que as pessoas com necessidades especiais possam interagir normalmente com o resto da sociedade, podendo se realizar em todos os aspectos de sua vida, principalmente nos quesitos profissional e educacional”. A dimensão mais diretamente relacionada com a pessoa com deficiência, qual seja a realização pessoal, foi mencionada. Não basta, pois ter acesso e poder interagir, é preciso que, como todo o ser humano, tenha a chance de realizar-se e assim alcançar satisfação pessoal, razão última da prática de justiça social. Não é somente justo, mas deve permitir proporcionar bem estar pessoal. Conclusão: Além de importantes aspectos citados (cidadania, igualdade de oportunidades, bem como direitos e deveres, e acessibilidade) pela maioria dos docentes da amostra, surgiram outras dimensões do conceito de Inclusão: como prática de Justiça Social, Processo Sócio-Político e Econômico, efetivação da Dignidade Humana, mas também processo que envolve a singularidade do sujeito, seu lugar e papel, sociais, participação exercida com liberdade e plenitude, a partir de condições que uma vez bem definidas, e então oferecidas, permitam a ação efetiva da pessoa com deficiência, visando sua realização pessoal. Referências Bibliográficas: Abramowicz, Anete, Educação Inclusiva Para Quê? Revista Brasileira de Educação Inclusiva, 7 ( 2) 2001 Bianchetti, Lucídio, Um Olhar sobre a Diferença: as Múltiplas Maneiras de Olhar e ser Olhado, Revista Brasileira de Educação Inclusiva, 8 ( 1) 2002 Borges, André, Lições de reformas da gestão educacional: Brasil, EUA e Grã-Bretanha, São Paulo em Perspectiva, vol.18, n.3, São Paulo , 2004 Carvalho, Sérgio Resende, Os múltiplos sentidos da categoria "empowerment" no projeto de Promoção à Saúde, The multiple meanings of "empowerment" in the health promotion proposal, Cadernos de Saúde Pública v.20 n.4 , 2004 Ferreira, M.Cecília C, Ferreira, Júlio R., Sobre Inclusão , Políticas Públicas e Práticas Pedagógicas, Políticas e Práticas de Educação Inclusiva , M. Cecília R.Góes e Adriana L. F. 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