Vírus da Aids surgiu em chimpanzés de Camarões Após mais de 20 anos de mistério, pesquisa desvenda origem geográfica do HIV Estudo refina conhecimento sobre diversidade do HIV em humanos; contato com macacos selvagens pode trazer novo subtipo do vírus. Uma população de chimpanzés isolada em Camarões foi o ponto de partida do subtipo 1 do HIV, o que mais se espalha hoje pelo mundo. A descoberta foi feita por um grupo de cientistas que criou um método para detectar a presença de vírus nas fezes dos macacos. Já se sabia que o HIV estava intimamente relacionado ao SIV (a versão símia do vírus), mas ainda não havia meios técnicos de detectar qual população selvagem abrigava o vírus. "Os chimpanzés são reclusos, evitam contato com humanos e são uma espécie ameaçada sob proteção", disse à Folha Brandon Keele, da Universidade do Alabama, autor principal do estudo que descreve a descoberta. "Por causa disso, tivemos de desenvolver uma técnica totalmente não-invasiva, o que durou sete anos”. O trabalho de Keele e colegas, publicado on-line na revista "Science" (http://www.sciencexpress.org), não deve trazer consequências imediatas para o desenvolvimento de vacinas e antivirais, mas é de importância vital para compreender a biologia do HIV. "É uma peça que faltava no quebra-cabeças", diz Paolo Zanotto, especialista em evolução viral do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. "Agora podemos entender quanto da diversidade do vírus se deve ao contato dele com humanos e quanto dela já existia nos chimpanzés", afirmou. Com análises genéticas mais refinadas, os pesquisadores conseguiram ainda distinguir as origens de duas variantes do vírus, uma pandêmica e outra que só existe em partes da África. Cada uma delas infectava populações diferentes de chimpanzé dentro de Camarões. À medida que mais populações de chimpanzés forem sondadas, os cientistas podem ter pistas sobre como o HIV ganhou a capacidade de infectar humanos. "Estamos trabalhando agora para determinar quais mutações se acumularam quando ele ainda estava no hospedeiro original, e o que essas mudanças significam em termos patológicos", diz Keele. Ele não revela planos de investigar macacos em outros países, mas agora que a técnica está disponível outros grupos poderão reproduzi-la. A descoberta de Keele e colegas é também um reforço ao alerta de que o contato entre humanos e chimpanzés é receita para o desastre. Em muitos países da África é comum o consumo de carne de chimpanzés, gorilas e outros grandes macacos. A maioria dos cientistas acredita que essa é a forma mais comum e arriscada de contato com os vírus que podem eventualmente trafegar entre as duas espécies. Como o reservatório de SIV ainda existe tanto em Camarões como em populações de chimpanzés de outros países africanos, o consumo de carne símia aumenta bastante o risco do surgimento de novas variantes do vírus da Aids capazes de infectar humanos. Com parcos recursos, os caçadores ilegais não têm como separar os chimpanzés infectados por SIV daqueles não infectados, já que o vírus não deixa os macacos doentes. "Se o” bushmeat" [hábito de comer animais selvagens] continuar, não há nada que garanta que isso não vai acontecer", diz Keele. "O HIV-1 já trafegou três vezes de chimpanzés para humanos, e o HIV-2 veio de macacos mangabei (Cercocebus atys) mais de uma vez." O surgimento de uma nova variante do vírus seria um sério problema para o desenvolvimento de vacinas, já que é possível que a imunização eficaz não cubra todos os subtipos de HIV existentes. (Folha SP, 26/5) Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=37873