As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro

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As raízes das contradições entre a centralidade do
Rio de Janeiro no contexto nacional e a fragilidade da
divisão territorial do trabalho sob seu comando
Bruno Leonardo Barth Sobral1
Resumo
A economia fluminense não realizou mudanças estruturais para melhor integrá-la, produzir
um espaço mais homogêneo e corrigir suas distorções de emprego e renda. O presente
artigo pretende defender a hipótese que esse desenvolvimento tornou-se essencialmente
problemático não apenas pelo fato de rebatimentos desiguais da evolução do capitalismo
no país, mas porque tem especificidades como a existência de determinantes mercantis
notórios e um vácuo sobre políticas de maior cunho regional.
Palavras-chave: Questão Regional; Desenvolvimento Econômico; Economia Fluminense;
Desconcentração Produtiva Regional.
Abstract
Rio de Janeiro State’s economy didn’t realize structural changes to better integrate, product
a more homogeneous space, and correction its distortions of employ and income. The
present article aims to defense a hypothesis about this development became problematic not
only because unequal effects of national capitalism evolution, but because have specifics
points: an existence of notorious mercantile determinants and a vacuum about regional
politics.
Key words: Regional Question; Economic Development; Rio de Janeiro State’s Economy;
Regional Productive Desconcentration.
Introdução
O desenvolvimento da economia do Estado do Rio de Janeiro sempre
esteve ligado à consolidação do modo de produção capitalista no país. Contudo,
enquanto espaço regional que estabeleceu de forma limitada as relações
(1) Doutorando do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. E-mail:
[email protected].
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
Bruno Leonardo Barth Sobral
capitalistas de produção, prendeu-se estruturalmente a uma condição periférica
após a reversão da polarização da economia nacional para o Estado de São Paulo
na década de 1920. Ainda assim, suas especificidades históricas o permitiram
transcender por um período essa condição face o tradicional prestígio político
e cultural da Cidade do Rio de Janeiro e uma gama de investimentos públicos
federais no interior. Somando essas especificidades aos efeitos benéficos do
avanço do desenvolvimento do país, foi possível adiar o definitivo trato da
Questão Regional, mesmo com a transferência da capital federal para Brasília
em 1960. Contudo, seu debilitamento econômico ficou explicitado desde a
década de 1980 com o desembocar da crise estrutural brasileira, obtendo uma
melhor percepção das perdas de sua centralidade política e urbana e de sua
errônea expansão produtiva. Então, o estado mergulha em uma crise profunda
da qual começou a se recuperar de maneira tímida nos últimos anos.
Historicamente, a economia fluminense não enfrentou mudanças
estruturais capazes de melhor integrá-la a ponto de produzir, através da divisão
do trabalho sob seu comando, um espaço mais homogêneo que corrigisse suas
distorções de emprego e de renda. O presente trabalho pretende defender a
hipótese que seu desenvolvimento tornou-se problemático não apenas pelo fato
de rebatimentos desiguais da evolução do capitalismo no país, mas porque tem
especificidades como a existência de determinantes mercantis ainda notórios
e um vácuo em políticas de maior cunho regional. Afinal, o Estado do Rio de
Janeiro estruturou-se economicamente para desenvolver o país com a presença
de atividades produtivas de valor estratégico, porém, sem a organização de
um processo de desenvolvimento regional para si mesmo. Por conseguinte,
em grande parte apoiou-se em sua original centralidade política e urbana, bem
como se tornou dependente do poder de arrasto do centro dinâmico paulista e
dos impactos de grandes projetos industriais e infra-estrutura estatais.
A fim de tratar dessas questões, serão analisadas as raízes do
problema. A primeira seção enfatizará a evolução do padrão de organização
territorial da economia nacional, o que trouxe limites para a consolidação
de economias regionais periféricas (incluindo-se o caso do Estado do
Rio de Janeiro). A segunda seção irá tratar dos determinantes históricos
da dominância da acumulação mercantil e da incipiente organização do
espaço regional na economia fluminense, particularmente, entre os fins do
século XIX e as duas primeiras décadas do século XX. Posteriormente, a
terceira seção discutirá as características estruturais da desconcentração
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produtiva fluminense ao longo da industrialização nacional, como sua
forma de acumulação setorialmente contraditória e a ambiguidade entre
as lógicas nacional e local. Por fim, buscar-se-á realçar a necessidade
de serem rediscutidas a organização e a articulação mais consistente das
forças produtivas estaduais.
1 A dificuldade de consolidação das economias regionais periféricas
como sustentáculos da integração nacional
A dinâmica de desenvolvimento brasileiro buscou garantir a unidade
do sistema econômico nacional na maior parte do século XX, apesar de ter
sido marcada pela desigualdade social, em parte, baseada na disparidade
regional. Enquanto a organização territorial através da lógica do mercado
demonstrava ser concentradora, fatores político-institucionais se tornavam
decisivos para atenuar esse quadro. Destacam-se, por exemplo, as políticas
de desenvolvimento regionais implantadas a partir de 1960.
A origem de uma estrutura produtiva no país reprodutora de
disparidades regionais não se deve à concentração produtiva no Estado
de São Paulo. Como ressaltou Cano (1998a), isso refletiu processos
históricos distintos e anteriores à própria integração do mercado interno,
quando havia um “arquipélago” de economias regionais determinadas
sobretudo por sua relação com o exterior. Dessa forma, o processo de
desenvolvimento brasileiro puxado pela industrialização já se inicia, em
1930, com a Questão Regional presente. E essa foi requalificada, como
também assinalou Cano (1998b, p. 185):
(...) não mais poderia o Estado permitir a supremacia dos interesses
especificamente regionais sobre os nacionais, (...) agora, não mais
interessaria tratar de problemas específicos regionais e o Estado faria
com que vários destes fossem rapidamente “convertidos” em problemas
nacionais.
Assim, esse processo irá subordinar as mais diversas frações do
capital nos espaços regionais a um mesmo movimento geral de reprodução
do capital definido pelos ciclos de acumulação de escala nacional e pelas
políticas econômicas federais.
Seguindo a interpretação desse autor, a economia brasileira adquiriu
uma estrutura oligopolizada de forma que passou a ter determinantes
maiores que os interesses regionais. Essa conformação tornou inviável
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qualquer tentativa de industrialização autônoma, sem nexo estrutural
com os determinantes da dinâmica agregada. Em suma, o processo de
industrialização permitiu uma transição de uma soma de economias
regionais distintas para a consolidação de uma economia nacional. Nesse
ínterim, aumentou o grau de complementaridade inter-regional bem como
a complexidade da relação centro-periferia interna. Especificamente, a
dinâmica da industrialização periférica passou a ter correspondência direta
com os movimentos de acumulação do centro dominante nacional (no caso,
Estado de São Paulo), sendo articulada comercialmente via concorrência
inter-regional e depois integrada produtivamente via transferência regional
de capital produtivo.
Portanto, o desenvolvimento do país se deu por uma forma de
estruturação econômica do espaço que se tornava mais complexa e
funcionalizada, ao passo que ia consolidando a hegemonia do grande capital
e ia subordinando os demais. Em outras palavras, as forças centrípetas –
centralização das funções de poder e controle – se combinaram com a
ação periódica das forças centrífugas – “ondas desconcentracionistas”
dos processos produtivos. Sendo afirmado o caráter oligopolista da
industrialização a partir de um núcleo de acumulação produtiva (Estado
de São Paulo), imprimiram-se os rumos decisivos desse processo na escala
nacional, sendo criado um sistema hierarquizado de produção através da
consolidação do mercado interno brasileiro.
Superando barreiras e limites impostos pelo regionalismo tradicional,
configurou-se um verdadeiro ataque em pinça às regiões periféricas:
por um flanco (por baixo) a região é reduzida a um conjunto de
microlocalizações onde se implantam polos e programas especiais, pelo
outro (por cima) a região é expandida até se confundir com todas as
outras regiões e se dissolver num espaço nacional totalmente integrado e
funcionalizado (Vainer, 1995, p. 167).
Dessa forma, no vetor externo ao Estado de São Paulo, a
industrialização periférica se tornava complementar face à dependência do
dinamismo do centro dominante, e é acionada por um conjunto de grandes
projetos para o uso mais intenso de sua base de recurso naturais ou pela
própria política de desenvolvimento regional. Já no vetor interno ao Estado
de São Paulo, acontece a interiorização do desenvolvimento em busca
de novas economias de aglomeração, com o espraiamento para centros
regionais próximos à região metropolitana nucleada pela Cidade de São
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Paulo. Assim, por trás da organização de uma economia mais eficiente e
integrada, criaram-se espaços privilegiados de acumulação, estruturas de
dominação social fundadas na assimetria e na interdependência, sempre em
coerência impositiva com as formas e frações mais avançadas de capital.
Entretanto, a força do capital industrial impondo um padrão de
acumulação à escala nacional foi incapaz de realizar uma homogeneização
social. Em outras palavras, ainda que leve a um crescimento econômico
acelerado e uma expansão generalizada do emprego urbano até o início
da década de 1980, com nenhuma região perdendo em valores absolutos,
manteve aberta a Questão Regional em todas as suas possíveis derivações:
setores com baixa eficiência produtiva, baixos salários, péssima distribuição
pessoal da renda e indicadores sociais deprimentes. Isso porque permaneceram
sérios limites ao desenvolvimento das relações capitalistas de produção mais
avançadas ao longo de todo o território. Segundo Cano (1998b), as forças
do atraso representadas pelo capital mercantil regional sobreviveram e
relativamente mantiveram a estabilidade de sua estrutura de dominação social
pautada no controle da propriedade agrária e de parte do mercado de trabalho
local, bem como do controle político e do acesso ao Estado.
Se não foi alcançado um grau de desenvolvimento capaz de
reduzir significativamente as absurdas disparidades regionais, é inegável
que o processo de desconcentração produtiva parecia tender a permitir
originalmente uma maior articulação/integração do sistema produtivo do
país. Ao longo das últimas décadas, Diniz (2005) apontou que os principais
determinantes de ocupação do território brasileiro foram:
•
Ampliação do espaço de influência da Região Metropolitana
de São Paulo, que alcançou as aglomerações urbanas vizinhas.
Assim, o Estado de São Paulo reforçou seu papel de centro
econômico nacional, concentrando os segmentos mais dinâmicos
e constituindo-se na principal base de integração econômica.
•
Alta concentração de indústrias na área compreendida entre o
centro de Minas Gerais e o nordeste do Rio Grande do Sul. Área
melhor dotada de condições importantes para o desenvolvimento
de indústrias intensivas em conhecimento e inovação.
•
Deslocamento de indústrias tradicionais para o Nordeste e
criação de novos segmentos produtivos nessa região, por
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exemplo, a atração de indústrias têxteis, de confecções e de
calçados no Ceará, e o polo petroquímico de Camaçari na
Bahia. Além disso, modernização de parte da sua agricultura
com projetos de irrigação, com destaque para o complexo
agroindustrial de Petrolina/Juazeiro e para o polo de fruticultura
do Vale do Açu.
•
Surgimento de núcleos agromineroindustriais nas Regiões
Centro-Oeste e Norte do país.
•
Deslocamento da produção agropecuária extensiva para a Região
dos Cerrados, revelando sua inserção em culturas dinâmicas,
como a cadeia da soja. Contudo, mudança no padrão de produção
agrícola nas áreas já consolidadas para reforçar sua posição. No
Estado de São Paulo, houve substituição por produtos de maior
valor econômico por área plantada destacando-se a atividade
sucro-alcooleira e o cultivo de cítricos.
•
O deslocamento da produção mineral para região Amazônica,
destacando o complexo de Carajás-São Luís. Extração de
petróleo no mar, principalmente, a expansão das atividades
desenvolvidas na Bacia de Campos.
Mesmo com esses avanços, é preciso qualificar melhor a
desconcentração produtiva regional que ocorreu. Afinal, esse movimento
foi bastante seletivo em perspectiva setorial e espacial, logo, não alterando
o padrão de concentração regional e a divisão territorial do trabalho
vigentes desde a montagem e consolidação da indústria nacional. Em
um trabalho anterior, Diniz (1993) já o tinha classificado como uma
“desconcentração concentrada”. Além disso, ocorreu, em grande parte, por
grandes projetos de investimentos articulando espaços com nexos urbanoindustriais extra-localizados, mas introduzindo fatores de fragmentação
das macrorregiões. Isso porque se internalizaram segmentos de complexos
ou eixos econômicos especializados em áreas restritas, o que muitas vezes
resultou na desarticulação do espaço regional, gerando inclusive enclaves.
Em suma, como enfatizou Guimarães Neto (1997), esse processo não
teve como marco de referência objetivamente a ampliação das economias
regionais. Em outros termos, o tratamento da questão foi em grande parte
reduzido a se criar uma lógica nacional de reprodução ampliada do capital
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e a promover especializações regionais, porém sem correspondência direta
com a redução da ociosidade estrutural de recursos e o desenvolvimento
generalizado das forças produtivas.
Esse quadro se agravou quando a abordagem da Questão Regional
deixou de priorizar o foco em complementaridades inter-regionais, que
era sentido original. Com a crise do padrão de acumulação nacional na
década de 1980, a desconcentração continuou, mas, conforme Cano
(1998b), demonstrou ser uma desconcentração em grande parte negativa,
logo, sinalizando um “efeito estatístico” que refletiu flutuações no nível de
atividade e não a expansão de capacidade produtiva necessariamente. Em
grande parte, ela passou a decorrer da queda maior da economia paulista
em relação à média do restante do país, ou do pífio crescimento positivo
nacional, um pouco menos pífio do que o verificado no Estado de São
Paulo. A questão subjacente é que o Estado nacional e os capitais das
áreas centrais do país passaram a ser incapazes de manter uma correlação
consistente de forças desenvolvimentistas frente ao peso da dependência
externa e o engessamento do gasto público, assim, reduzindo os níveis de
articulação inter-regional.
Além disso, ligado a uma dinâmica mais internacionalizada, um
“novo” regionalismo surgiu principalmente a partir da década de 1990.
Esse “novo” regionalismo passou a estimular a formação de “ilhas de
competitividade” associada à rejeição de práticas de cooperação federativa
e à criação de um ambiente mais atrativo ao capital globalizado. A partir
de um processo que estimulou a “desintegração competitiva” em termos
nacionais, a construção do projeto de formação econômica do país
foi interrompida nos termos enunciados por Furtado (1992). Afinal, a
crescente internacionalização das atividades econômicas posta em curso já
transcendia qualquer correspondência com o fortalecimento de um sistema
econômico nacional voltado à preservação da soberania.
Diante de um caráter assincrônico do investimento, as expressivas
heterogeneidades estruturais traduziram boa parte dos movimentos de
desconcentração produtiva em mais um efeito perverso de um quadro de
crise estrutural e crescimento irregular em termos nacionais. Contudo,
é claro que também continuaram ocorrendo formas de desconcentração
produtiva positiva por economias de aglomeração em novos espaços
industriais, expansão da fronteira agrícola, extroversão de mercados locais
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etc., ainda que sejam na maioria das vezes especificamente pontuais.
Logo, não engendraram muita densidade socioeconômica diante de baixos
encadeamentos produtivos. Como salientou Cano (1998b, p. 351), “em um
esquema desses, políticas regionais só existem “por mera coincidência”,
através de projetos privados específicos com outros objetivos acima da
questão regional”, ou seja, a busca é pela eficiência e não pela equidade,
não havendo lugar para regiões deprimidas ou menos desenvolvidas.
Assim, surge toda uma ordem de “localismos competitivos” que usam a
Questão Regional como moeda de troca na disputa por recursos financeiros
e instalação de empreendimentos. Reflexo disso, segundo Pacheco (1998,
p. 80), seria encontrado na atuação do Estado, principalmente nas esferas
estaduais e municipais, “que passaria a administrar ad hoc a concessão de
vantagens específicas e/ou investimentos em infra-estrutura, num quadro
de ferrenha disputa entre unidades da federação por novos investimentos”.
Em síntese, a desconcentração produtiva regional passou a ter
restrições ainda mais significativas para dar condições materiais de
redução das desigualdades sociais através da articulação do sistema
produtivo em um mercado interno ampliado. Como ressaltou Cano
(2008) em trabalho mais recente, na atualidade, esse processo adquiriu
um caráter espúrio diante de seu caráter descoordenado no país. A partir
de políticas regionais de desenvolvimento autônomo, veio ocorrendo a
busca de saídas parcialmente individuais por parte de várias regiões. Dessa
fora, montada sobre a crise federativa, a busca de vantagens locacionais
isoladas veio sendo marcada, em boa medida, pelo limiar de um processo
de desmontagem e desintegração do projeto nacional, tendendo a preservar
uma dinâmica perversa de heterogeneidade estrutural.
2 Determinantes históricos da dominância da acumulação mercantil e
da incipiente organização do espaço regional na economia fluminense
Apesar de sofrer os efeitos da crise estrutural brasileira e a
influência do caráter descoordenado assumido mais recentemente pela
desconcentração produtiva regional no país, a análise das raízes do
processo de crise fluminense remete inicialmente aos fins do século XIX.
Naquele momento, a Cidade do Rio de Janeiro, sendo o centro dinâmico da
econômica do país, mostrou-se incapaz de realizar a integração do mercado
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interno e um processo de industrialização (entendido como aquele que a
dominância passaria a ser da acumulação produtiva).
É preciso ressaltar que a Cidade do Rio de Janeiro desde a origem
esteve integrada de forma privilegiada ao processo de acumulação primitiva
do capital mercantil. Usufruiu do excedente gerado pelo ciclo da economia
do ouro e pelo início do ciclo da economia do café por ser, naquele período,
a principal base de exportação no território brasileiro. Inclusive conseguiu
criar um grande mercado urbano. Além disso, pode-se afirmar que sua
centralidade no contexto nacional surgiu no bojo de sua fundação, embora
tivesse se acentuado com a transferência da capital da colônia de Salvador
em 1763. Sendo assim, beneficiou-se de boa parcela do gasto público por
se tornar sede administrativa nacional. Em resumo, a economia da Cidade
do Rio de Janeiro desde a época colonial foi determinada pela acumulação
mercantil, mas tendo o gasto público como um componente autônomo da
demanda relevante. Então, vínculos significativos da burguesia mercantil
urbana com a presença do Estado serão a sua marca indelével ao longo
do tempo. Aliás, o forte centro financeiro que se constitui nela deriva, em
parte, das funções burocráticas do Estado.2
Diante dessa estrutura político-econômica, ela tornou-se o
centro dinâmico do país, polarizando-o em seus mais amplos aspectos.
Entretanto, sua acumulação não permitiu o maior desenvolvimento de
forças produtivas. Afinal, a economia da Cidade do Rio de Janeiro ficou
bastante atrelada aos determinantes mercantis (comercial-financeiros)
associados ao fortalecimento de sua centralidade política e urbana a nível
nacional, o que garantia a convergência da riqueza através da divisão do
trabalho sob seu comando.
Nesse ínterim, a Cidade do Rio de Janeiro foi responsável pela
região vizinha3 ter alguma dinamização produtiva. Como apontou Lessa
(2000, p. 61): “atividades econômicas regionais surgiram a partir da
(2) Como afirma Melo (2001, p. 24): “essa função (centro financeiro), antes de ser uma
conseqüência da economia exportadora, esteve vinculada às funções burocráticas exercidas pela
cidade como capital da Colônia e do Império”. Apesar disso, o capital mercantil agregava um capital
financeiro não só ligado com a economia urbana, mas também com a cafeicultura.
(3) No presente trabalho, buscou-se usar denominações mais próximas ao caráter atual
do território, após a fusão realizada em meados da década de 1970. Assim, a região vizinha será
considerada como interior fluminense. Da mesma forma, quando se estiver referindo em conjunto com
a Cidade do Rio de Janeiro, será tratado como Estado do Rio de Janeiro.
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cidade” para seu fortalecimento urbano. Com o advento da cafeicultura,
importantes relações campo-cidade foram estabelecidas, injetando maior
densidade econômica no interior fluminense, ainda que os ganhos fossem
retidos principalmente pela oligarquia rural e a burguesia comercial carioca
(Lobo, 1978). Ressalta-se que o dinamismo da cidade do Rio de Janeiro
não dependia diretamente da cafeicultura fluminense, mas sim de funcionar
como principal centro urbano e político do país, ou seja, sede do capital
mercantil nacional e centro de decisões do processo de desenvolvimento
brasileiro. Esse relativo conteúdo de autonomia referente a seu entorno
imediato gerou um processo desigual de ocupação espacial e incorporação,
realimentado pelo fato de seus vínculos inter-regionais serem significativos
à revelia da maior estruturação da própria hinterlândia.
Esse fato se agravou com a separação institucional entre a Cidade
do Rio de Janeiro e seu interior em 1834, o que delimitou o raio de alcance
do gasto público e do aparato institucional para se articular uma estratégia
de desenvolvimento integrada. Assim, corroborou-se um espaço regional
formado pela dicotomia de duas áreas politicamente descoladas e com
mecanismos de reprodução econômica com certo grau de independência,
embora fisicamente embutidas uma na outra (Araújo Filho, 1993). Em
suma, a cidade tornou-se um grande aglutinador de atividades e capitais,
com maior relacionamento junto ao conjunto do território nacional que
com as necessidades do seu espaço regional. Afinal, organizada para
representar a síntese do poder nacional, precisava ser evitada qualquer
influência direta de provincianismos. Segundo Osorio (2005), isso levava
que um viés centralizador tirasse grande parte da autonomia e fragmentasse
o espaço político local que permaneceu latente, mas sem nenhuma lógica
institucional importante por estar imbricada à intensa interferência da
esfera federal. O ponto nevrálgico é que não se priorizou o papel de uma
política regional, mas sim o fortalecimento de sua capacidade de decisão e
comando político sobre o desenvolvimento econômico nacional.
Essa contradição estrutural vai se tornar explícita quando a
migração do café para o Oeste Paulista e a Mata Mineira conduziu à
derrocada da cafeicultura fluminense de produtividade mais baixa. Nesse
momento, diversos entraves à dinâmica produtiva do interior se tornam
explícitos, entre os quais se destacam (Cano, 1998a):
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•
Modo de produção escravista, o que leva à precariedade na
constituição do mercado de trabalho, altos custos fixos e
imobilizados, e freio à acumulação. Então, surgem pressões
violentas por começar a operar a custos crescentes.
•
Falta de terras propicias ao cultivo e em quantidade necessárias
ao atendimento da crescente demanda.
•
Subordinação ao capital mercantil somada à ausência de um
sistema financeiro capacitado de ser um promotor eficaz de
uma estrutura de financiamento.
•
Entretanto, os efeitos da derrocada cafeeira fluminense foram
atenuados na economia carioca pelos seguintes fatores (Lobo,
1977; Silva, 2004):
•
Parte das regiões produtoras nacionais ainda permaneceu
tributária da estrutura urbana de serviços carioca (notadamente
Minas Gerais e Espírito Santo).
•
Continuou nos seus limites a sede administrativa do país.
•
Manteve uma elevada diversificação econômica diante da
força de sua urbanização.
Em suma, o peso da crise da cafeicultura foi muito relativo para a
Cidade do Rio de Janeiro, em vista de seus vínculos inter-regionais, suas
funções centrais de caráter nacional e da força de seu próprio mercado urbano.
Ao contrário disso, essa crise atestou a estagnação do interior fluminense. Isso
ocorreu por dois motivos: primeiro, porque o já fraco mercado urbano nas
suas cidades encolheu mais ainda; segundo, porque a agricultura com baixa
capitalização não caminhou para uma expressiva diversificação. Ao contrário,
ela ficou isolada e descontínua espacialmente ao longo do tempo, voltando-se
para um rarefeito abastecimento de alimentos e matéria-prima para indústria
de produtos alimentícios, ou perdeu espaço para a pecuária, especulação
imobiliária urbana e a construção de sítios de recreio. Assim, configurou-se um
território dividido entre um espaço dominado pela Cidade do Rio de Janeiro e
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um restante, em grande parte, estagnado, sem representatividade e entregue a
dominação política de sua decadente aristocracia rural.4
No último quartel do século XIX, surge a partir do potencial de
acumulação da economia urbana carioca o primeiro centro industrial brasileiro.
Em 1907, quase 30,0% do volume de produção da indústria de transformação
nacional foram referentes à Cidade do Rio de Janeiro (se for somado ao interior
fluminense, esse valor sobe para 37,6%). Apesar de relativamente diversificada,
a Tabela 1 mostra que, entre 1907 e 1919, a estrutura industrial da Cidade do
Rio de Janeiro ainda era concentrada na produção de bens tradicionais: Têxtil,
Vestuário, Alimentação, Bebidas e Fumo somados representavam 76,0% em
1919. Destaca-se sua competitividade por já possuir algumas atividades sendo
realizadas em estabelecimentos de grande porte e atingindo um mercado
interestadual (por exemplo, Têxteis).
Tabela 1
Estrutura industrial (%) da Cidade do Rio de Janeiro (em valor da produção),
1907 e 1919
Setor
1907
1919
Cerâmica
2,2
1,4
Edificação (Material de Construção)
1,2
0,4
Metalurgia
6,6
5,3
Material de Transporte
6,4
2,8
Madeiras
6,3
3,0
Mobiliário
3,3
2,4
Couros e Peles
0,6
1,6
Produtos Químicos e Papel e Papelão
9,4
6,6
Têxteis
20,6
20,6
Vestuário
15,9
17,5
Alimentação, Bebida e Fumo
26,7
37,9
Outros
0,8
0,5
Fonte: Lobo (1978, p. 606).
(4) Exceção parcial a esse quadro negativo seria a região mais ao norte, capitaneada pela
cultura da cana-de-açúcar, que manteve importância por um período relativamente maior. Todavia, em
momento posterior, também sofreu uma derrocada.
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As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
Enquanto forma de diversificação do capital mercantil, suas
bases de acumulação eram exógenas à própria atividade industrial, logo,
dependendo da expansão das formas de capital que as determinavam.
A perpetuação dessa condição de subordinação impede o limiar de um
processo de industrialização (quando a acumulação passaria a ser de
dominância produtiva).
Essa barreira, por um lado, denunciou indiscutivelmente as fracas
relações café-indústria devido à ausência de um “complexo cafeeiro” (Cano,
1998a) como o que surgira em São Paulo. Contudo, por outro lado, denunciava
problemáticas específicas do espaço urbano carioca (Lobo, 1977). Afinal, não
houve uma causalidade direta com o declínio da cafeicultura fluminense, já
que em grande parte os empreendimentos industriais foram consequências
do dinamismo comercial-financeiro da Cidade do Rio de Janeiro, que era
relativamente independente das adversidades da agricultura em sua hinterlândia.
Além disso, eles foram beneficiados também pelo caráter expansionista
das políticas econômicas federais (com destaque para o Encilhamento).
Então, a permanência da dominância da acumulação mercantil e os freios à
generalização do processo industrial também podem ser entendidos como
características específicas que aumentaram diretamente os custos de produção.
Ademais, a possibilidade de serem desenvolvidas atividades relacionadas à
produção imobiliária ou à presença do governo tornava as atividades industriais
menos atrativas.
3 Características estruturais da desconcentração produtiva fluminense:
a forma de acumulação setorialmente contraditória e a ambiguidade
entre as lógicas nacional e local
A economia do Estado do Rio de Janeiro vem sofrendo de longa
data um processo de desconcentração produtiva para fora de seu território.
Em um primeiro momento, antes de 1930, isso aconteceu em um cenário
que, dada a desarticulação do mercado interno e mantida a predominância
dos determinantes específicos de cada economia regional, houve a
ascensão da economia paulista por uma trajetória própria. Em um segundo
momento, após 1930, isso aconteceu como resultado da aceleração da
integração do mercado interno comandado por São Paulo, enquanto núcleo
da acumulação produtiva do país. Como mostra o Gráfico 1, até o final do
século XX, ocorreram perdas relativas recorrentes do Estado do Rio de
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Janeiro no PIB nacional não apenas na média total, mas para a média da
Agropecuária, da Indústria e dos Serviços. Chama a atenção que, mesmo
com o grande avanço de sua produção petrolífera recentemente, não
ocorreu uma “inflexão econômica positiva”.5
Gráfico 1
Participação (%) do Estado do Rio de Janeiro no PIB Nacional, 1939/2000
Fonte: FGV (período 1939/1980); Contas Regionais/IBGE pela antiga metodologia (ano
1990) e pela nova metodologia (ano 2000).
Para melhor compreensão disso, deve ser superada qualquer
visão mais otimista de que a continuidade desse retrocesso relativo foi
apenas um reflexo “natural” da ascensão da economia paulista e posterior
integração da economia nacional. Da mesma forma, é preciso ter claro que,
ao longo dessa trajetória histórica, sua burguesia local não demonstrou ser
débil, acanhada e diminuída pela proximidade com o Estado nacional.
Ao contrário, como percebeu Leopoldi (1986), destacou-se por já possuir
associações de classe pioneiras no começo do século XX. Portanto, um
aspecto central está relacionado à maneira como a defesa dos interesses
da sociedade organizada não eram as questões regionais. Isso porque se
tinha a vantagem de possuir a sua disposição um dos quadros profissionais
(5) Com base na antiga metodologia das Contas Regionais/IBGE, indícios preliminares
pareciam demonstrar o início de uma trajetória de reversão das perdas relativas do Estado do Rio de
Janeiro no PIB nacional desde meados da década de 1990. Todavia, perante a revisão feita a partir da
nova metodologia empregada, as perdas relativas ainda são recorrentes, embora demonstre se manter
um peso relativo em torno de 11,0% no período 1995 e 2007 (série mais longa divulgada).
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Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
de melhor nível do país na Cidade do Rio de Janeiro, por outro lado, a
preocupação dominante era sustentar uma lógica nacional sobre a atividade
econômica. Nas palavras de Lessa (2000, p. 274):
o carioca desatento em relação à economia regional, inexpressiva para
o dinamismo da cidade, desenvolveu senso crítico em relação ao jogo
político nacional. A incompetência do Rio na defesa de seus interesses faz
contraponto com a facilidade com que assume o papel de censor político
nacional.
Assim, as instituições regionais acabam tendo pouco peso à
medida que os interesses econômicos passavam basicamente pela esfera
política federal. Por conseguinte, a burguesia local tomou uma atitude
mais preocupada com a manutenção do tradicional comando sobre o país
que com a defesa direta dos assuntos regionais específicos. Como notou
Ferreira (1991), a dependência dessa lógica nacional envolvia não só a
Cidade do Rio de Janeiro, mas também o interior fluminense que inclusive
a liderança política já revelava traços semelhantes no início do século XX.
Fica claro o caráter contraditório dos vínculos significativos da
burguesia local com a presença do Estado nacional. Ao mesmo tempo em
que foi um estímulo a mais para economia urbana, revelava a fragilidade
da iniciativa privada para o desenvolvimento das relações especificamente
capitalistas do ponto de vista de uma sólida organização regional do
processo produtivo. Novamente, Lessa (2000, p. 358) esclareceu que:
o Rio sempre abriu mão, com facilidade, de seus interesses locais em nome
de sua função política maior. Tinha permanente compensação de que o
processo do desenvolvimento nacional, ao ampliar o peso do setor público,
reservava para o Rio as atividades de cúpula.
Na ausência dessa associação política contraditória e com a presença
do dinâmico “complexo cafeeiro” (Cano, 1998a), a economia paulista finca
as bases definitivas do modo de produção capitalista no país, expandindose com vigor a ponto de, após a Primeira Guerra Mundial, sua agricultura
ser a mais tecnificada do país e sua indústria operar a custos menores
comparativamente. Diante de sua capacidade de acumulação tanto em sua
agricultura como também em sua economia urbana-industrial, fica patente
um processo pelo qual ocorre o fim da primazia econômica do Estado do
Rio de Janeiro e o deslocamento do centro dinâmico da economia nacional
para o Estado de São Paulo.
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
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Bruno Leonardo Barth Sobral
Entre 1907 e 1919, o Estado de Rio de Janeiro, e, mais especificamente,
a Cidade do Rio de Janeiro, perde peso relativo e deixa de ser a principal
concentração industrial brasileira. Como mostra a Tabela 2, nesse período,
a participação do Estado do Rio de Janeiro na produção da indústria de
transformação nacional passou de 37,8% para 28,2%, enquanto o Estado de
São Paulo passou de 15,9% para 31,5%.
Tabela 2
Participação (%) de algumas regiões na produção da indústria de transformação
nacional, 1907, 1919 e 1939
Rio de Janeiro*
Cidade do Rio de Janeiro
Interior Fluminense
São Paulo
Minas Gerais
Rio Grande do Sul
Outros Estados
1907
37,8
30,2
7,6
15,9
4,4
13,5
28,4
1919
28,2
20,8
7,4
31,5
5,6
11,1
23,6
1939
22,0
17,0
5,0
45,4
6,5
9,8
16,3
Fonte: Cano (1998a, p. 253) a partir de Censos industriais.
Nota: (*) Cidade do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal) somada com interior fluminense
(antigo Estado do Rio de Janeiro).
Ocorrendo a reversão da polarização econômica a nível nacional,
São Paulo passa a comandar a industrialização do país, imbricado ao
processo de integração do mercado interno a partir da década de 1930.
Diante disso, o desenvolvimento fluminense passaria a ficar, em parte,
subordinado à concentração produtiva paulista, enquanto estrutura
complementar devido à sua proximidade e às facilidades da malha viária.6
Do ponto de vista do alcance geográfico, inclusive o interior fluminense
acompanhou o dinamismo que ganhou o processo de industrialização nacional
através de alguns implantes produtivos de monta que vinham sendo realizados
por decisão do governo federal (siderurgia, refinaria etc.), bem como pelo
avanço econômico no Vale do Paraíba, caudatário da expansão paulista.
(6) Até a importância da função portuária da Cidade Rio de Janeiro foi diminuída por esse
processo, deixando inclusive de ser ela o grande centro distribuidor de importações. Cabe sublinhar
que a derrocada mais expressiva de seu papel de eixo de logística se deu com o processo de perda de
relevância do comércio de cabotagem no país pela consolidação do transporte rodoviário principalmente
a partir de meados do século XX, o que levou também ao debilitamento de seu comércio atacadista.
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Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
Contudo, ao contrário da interiorização do desenvolvimento no Estado de São
Paulo, tornou-se patente a incapacidade da metrópole carioca impulsionar uma
maior expansão no resto da economia fluminense. Espacialmente assimétrico,
o dinamismo não foi irradiado por todo o espaço regional. Além disso, apesar
de diversificada, a estrutura produtiva da Cidade do Rio de Janeiro permaneceu,
em grande parte, presa às vicissitudes de seu mercado consumidor, logo,
dependente do nível de acumulação de dominância mercantil. Nesse sentido,
ainda que a base produtiva fluminense não fosse pequena, seu extrovertimento
foi gradativamente comprometido pela expansão de centros econômicos
concorrentes em escala mais ampla (além de São Paulo desde a década de
1920, posteriormente, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, entre outros).
Portanto, o encolhimento da divisão do trabalho sob seu comando aprofundou
e deu continuidade ao processo de perdas de posição relativa na produção
agregada do país.
Em termos setoriais, é inegável que, após o predomínio de ramos
tradicionais em decorrência de um expressivo mercado consumidor prévio,
destacaram-se atividades de valor estratégico nacional na economia
fluminense. Contudo, permaneceram dificuldades para a criação de um
complexo regional integrado. A título de ilustração, sublinha-se que os
principais segmentos de complexos industriais que se internalizaram foram
no Químico-Farmacêutico e na Metal-Mecânica (Melo; Gutierrez, 1990).
Contudo, permaneceram bastante incompletos e esgarçados. No primeiro
caso, o segmento-chave foi o Refino de Petróleo na base do complexo,
permanecendo sem o maior encadeamento da cadeia petroquímica.7 No
segundo caso, o segmento-chave tornou-se a Siderurgia, havendo tanto a
ausência natural da extração de carvão mineral na base do complexo (pelo
motivo óbvio de não possuir minas de carvão), como também a irregular
produção de manufaturas finais (em especial, Bens de Consumo Duráveis e
Bens de Capitais). Mesmo o papel estruturante da grande concentração da
Construção Naval brasileira na economia fluminense ficou reduzido pelo
fato de a maioria dos insumos não serem produzidos em seu território.
(7) Ressalva-se que, no período mais recente, já se conseguiu instalar um pólo Gás-Químico
(Rio Polímeros - Riopol) e está em execução o projeto de outro pólo petroquímico a partir da implantação
do COMPERJ. Todavia, ainda existem sérios desafios para maior articulação e, consequentemente,
aumento da produção de Transformados Plásticos.
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
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Bruno Leonardo Barth Sobral
Nesse sentido, a inserção periférica do Estado do Rio de Janeiro
no desenvolvimento nacional puxado pelo processo de industrialização é
evidenciada pelos seguintes aspectos (Melo; Considera, 1986; Davidovich,
2000; Silva, 2004):
• Franca dependência extra-estadual de insumos e alimentos.
•
Baixa complementaridade interna, resultado de uma divisão
do trabalho em seu território incapaz de criar maiores
encadeamentos produtivos.
•
Incapacidade de maior captação de setores de ponta industrial,
a exemplo de Bens de Consumo Durável e Bens de Capital
modernos tecnologicamente.
•
Fraco poder de extroversão, logo, sendo sensível à concorrência
direta de economias regionais inclusive vizinhas.
•
Restrições na contribuição no comércio externo brasileiro,
com uma pauta de baixo valor agregado e baixa sofisticação
tecnológica.
Apesar de ser fundamental superar visões otimistas sobre o
processo de desconcentração produtiva fluminense, é importante também
relativizá-lo. Mesmo não nucleando o processo de industrialização do país,
Melo (2001, p. 224) evidencia que:
as funções de centro comercial e financeiro e sede da administração federal,
aliadas aos gastos do Estado no investimento da infra-estrutura local, deram
contribuição decisiva para a manutenção da cidade do Rio de Janeiro como
um polo de atração para negócios e pessoas.
Como mostra o Gráfico 2, as perdas de participação relativa do
Estado do Rio de Janeiro na produção nacional do setor de serviços foram
recorrentes entre 1939 e 1980, principalmente na administração pública,
o que foi acentuado com a transferência da capital para Brasília em 1960.
Mesmo assim, até a crise estrutural brasileira na década de 1980, o Estado
do Rio de Janeiro manteve uma concentração considerável de atividades
terciárias destacadas em termos nacionais, com participações próximas ou
superiores a 15,0% nos diversos segmentos.
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Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
Gráfico 2
Participação (%) do Estado do Rio de Janeiro na produção nacional do setor
serviços por ramos selecionados, 1939/1980
Fonte: FGV (período 1939/1980).
Diante do projeto nacional, o desenvolvimento regional fluminense
foi delegado à lógica específica da “capitalidade”.8 Essa representação
ideológica tornou a Cidade do Rio de Janeiro um ingrediente-chave da
identidade e da auto-estima do Brasil, o que trouxe vantagens econômicas
para sua economia urbana (ainda que não requalificasse o tecido social
preexistente). Segundo Lessa (2000, p. 13), na passagem do país para a
modernidade no início do século XX, essa cidade foi reconstruída para
ser sua demonstração concreta, tornando-se a “imagem-síntese do Brasil
pós-colonial”, logo, “não competiu com o resto do Brasil: sintetizou-o
simbolicamente”. Aceitando a perda da anterior hegemonia econômica
e assumindo seu desenvolvimento como convergente aos interesses das
demais regiões, parecia estar assegurando, a princípio, um “pacto com a
(8) É importante ressalvar que a “capitalidade” se refere ao fato de ser a referência nacional.
Nos termos de Lessa (2000), o “Rio de todos os Brasis” seria o ponto de confluência do olhar de todos
enquanto “cartão de visitas do país” e “certidão de brasilidade”. Portanto, sua constatação não está
presa ao mero fato de ser ou não sede do poder federal. Baseado em formulação teórica de Giulio Argan
(prefeito comunista de Roma entre 1976 e 1979), Motta (2001, p. 24) define o conceito como: “lugar da
política e da cultura, como núcleo da sociabilidade intelectual e da produção simbólica, representando,
cada uma à sua maneira, o papel de foco da civilização, núcleo da modernidade, teatro do poder e lugar
de memória”.
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
75
Bruno Leonardo Barth Sobral
eterna prosperidade”. Apostando em ser priorizada como traço da riqueza
e da civilização da formação nacional, tornou-se necessário renunciar
a qualquer provincianismo às custas de não ocorrerem estratégias de
interiorização para o avanço das forças produtivas.
Segundo Lessa (2000), iniciou-se a desconstrução simbólica com a
perda da função-capital, embora, somente nas últimas décadas do século XX,
ficaria patente a decadência significativa do status de “cidade maravilhosa”
no vácuo deixado pelo enfraquecimento do projeto nacional. O mesmo autor
relacionou a desvalorização econômica que sofreu a economia metropolitana
carioca com a desvalorização do próprio Brasil, porque não teria ocorrido a
transferência do antigo prestígio de “cidade aberta a todos” para outro lugar
do país. Todavia, a “capitalidade” não foi perdida integralmente com a crise
da auto-estima e da identidade nacional. Conforme Lessa (2000), ainda se
reservou um caráter de “cidade-espetáculo”, bem como se preservou serviços
urbanos variados, complexo cultural sofisticado, e polo nacional na educação
e pesquisas científico-tecnológicas.
Assim, a complexidade da dinâmica metropolitana carioca e o fato
de ter sido o tradicional centro de decisões do país sempre garantiram um
status diferenciado, ainda que fosse uma economia periférica. Além disso,
é importante ressaltar que a desconcentração produtiva regional no Brasil
não impediu o desenvolvimento da economia fluminense. Ao contrário, o
aumento da complementaridade econômica entre o Estado de São Paulo
e as demais regiões permitiu transformações estruturais por todo o país no
bojo de um dinamismo significativo, inclusive no Estado do Rio de Janeiro.
Portanto, os efeitos de arrasto do processo de desenvolvimento nacional
puxado pela industrialização combinados com os benefícios herdados de sua
longa centralidade política e urbana garantiram estímulos que evitariam piores
resultados. Isso porque esses estímulos recebidos evitavam que as debilidades
estruturais da economia fluminense se tornassem explícitas diante do intenso
esforço de articulação exigido pelo desenvolvimento nacional.
Durante o processo de desenvolvimento nacional, o Estado do Rio
de Janeiro continuou a ser um dos mercados e centros econômicos mais
importantes do país. Sendo assim, não houve crise real ou decadência
a princípio. Como ressaltou Silva (2004), seria um exagero assumir a
existência imediata de um processo de esvaziamento econômico real (ou
absoluto), porque tal afirmação não refletiria os movimentos dinâmicos
76
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
da própria economia em questão. Afinal, até a crise estrutural brasileira
na década de 1980, a economia fluminense se ampliou a taxas notáveis,
embora num ritmo mais lento que a média nacional. Como mostra a Tabela
4, entre 1939 e 1980, a expansão anual do PIB foi 6,0% no Estado do Rio
de Janeiro, ao passo que foi de 7,0% em São Paulo e 7,5% na média do país.
Nesse sentido, o desempenho fluminense esteve articulado ao dinamismo
nacional, ainda que se mantivesse vulnerável a maior competitividade
alcançada por outras economias regionais.
Tabela 4
Taxa de Crescimento do PIB total e por setores nas
regiões selecionadas, 1939-1980 (% ao ano)
Agropecuária
Indústria
Serviços
Total
Rio de Janeiro
2,2
6,9
5,8
6,0
São Paulo
3,0
9,8
7,0
7,5
Brasil
4,4
9,1
6,8
7,0
Fonte: FGV e FIBGE.
Todavia, deve ser realizada uma importante desmistificação: a
impressão de que se formou um polo relativamente homogêneo no eixo de
integração Rio de Janeiro / São Paulo. Identificar esses diferentes espaços
regionais como parte de uma mesma área econômica central (inclusive
núcleo ampliado do processo de industrialização) obscurece suas
significativas diferenças estruturais, que vão através de sua relação centro/
periferia se tornando explícitas ao longo do tempo. Com a desarticulação
da atividade agrícola, os determinantes-chaves da evolução econômica
fluminense foram: o desenvolvimento centrado no setor serviços, os
grandes projetos estatais na indústria e na infraestrutura que privilegiaram
a região, bem com os transbordamentos do dinamismo paulista.
É preciso ter claro que a função basilar da organização econômica
fluminense sempre se deveu aos interesses do capital mercantil. Assim,
persistiu uma grande terciarização econômica não apenas pela preservação
de alguns traços anteriores de centralidade política e urbana em articulação
com a complexidade da economia da Cidade do Rio de Janeiro. Como
mostra o Gráfico 3, o setor serviços manteve-se em torno de 2/3 do PIB
fluminense até o final do século XX.
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
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Bruno Leonardo Barth Sobral
Gráfico 3
Participação (%) do setor serviços no PIB fluminense, 1939/2000
Fonte: FGV (período 1939/1980); Contas Regionais/IBGE pela antiga metodologia (ano
1990) e pela nova metodologia (ano 2000).
Antes de alcançar uma estrutura industrial madura, a elevada
terceirização da economia fluminense veio refletindo uma relação assimétrica
entre produção física e de serviços, reforçada ainda mais pela precariedade de
sua agropecuária. Além da própria especificidade histórica no cenário político
e na rede urbana em termos nacionais, isso sugere uma tendência defensiva
do processo de acumulação de dominância mercantil, sendo, em grande
parte, uma acomodação dos problemas de valorização de capitais industrial e
agropecuário (Melo; Contreras, 1988). Esse fato pode ser comprovado, apesar
da atração de serviços superiores pela proximidade com o que era o tradicional
centro de decisão do país. Isso porque, ao longo do processo de desconcentração
produtiva regional, foram também perdidos diversos controles financeiro e
administrativo, logo, houve uma descentralização do poder. Por conseguinte,
reduziu-se progressivamente sua posição de vanguarda no nível nacional com
a expansão acelerada da urbanização brasileira e com a redução do mercado
cativo em termos inter-regionais.
Como exemplo da força dos determinantes mercantis, os principais
segmentos do setor serviços no PIB fluminense estiveram mais relacionados
aos serviços sociais e pessoais do que aos serviços de produção e
78
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
distribuição. Conforme o Gráfico 4, o conjunto de Outros Serviços9 manteve
isoladamente uma grande concentração no PIB fluminense no período
1939/1980 (em torno de 30,0%). Como reflexo, o clientelismo urbano se
manteve como um dos traços principais da ordem social10 e da estrutura do
mercado de trabalho, especialmente na Cidade do Rio de Janeiro, “em que
o lugar do proletário típico é rarefeito e há a abundância de autônomos, de
prestadores de serviços domésticos e domiciliares, de trabalhadores por conta
própria, de ambulantes e biscateiros, de “viradores” (Lessa, 2000, p. 431).
Gráfico 4
Participação (%) de ramos selecionados do setor serviços no PIB fluminense,
1939/1980
Fonte: FGV (período 1939/1980).
Enquanto economia regional periférica, mas com fortes articulações
inter-regionais, a trajetória fluminense esteve dependente diretamente do
movimento geral da economia brasileira e de seu mercado interno, que
(9) No conjunto de Outros Serviços, estão incluídas atividades como: Alojamento,
Alimentação, Médicos, Ensino, Domésticos Renumerados.
(10) Na interpretação de Lessa (2000, p. 181): “a distância social/espacial entre os grupos
extremamente heterogêneos é máxima e mínima no Rio. A concentração de riqueza e poder, por
um lado, e o precário padrão de integração, de outro, sugerem a existência de um abismo. O olhar
prisioneiro desse ângulo escorrega para visões de marginalidade e exclusão. Porém, ao mesmo tempo
estão inseridos num mesmo mundo o dândi (...) e os domésticos e biscateiros sem qualquer futuro
ascendente, que lhe prestam diligentes e mal-remunerados serviços. A proximidade é total, e tendem
a ser personalizadas as relações. (...) Ao hipertrofiar este ângulo, o olhar escorrega para a idéia de
cordialidade”.
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
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Bruno Leonardo Barth Sobral
tinha como centro dinâmico São Paulo. Sua especificidade foi a condição
periférica ser parcialmente atenuada pela força da “capitalidade” e do papel
desempenhado pelo Estado nacional.
Quanto a esse último aspecto, cabe lembrar que o peso político e
econômico da presença do Estado levou a importante parcela da massa
salarial federal e do gasto público ser direcionada para a infra-estrutura
urbana, investimentos industriais de monta serem realizados (via estatais)
e existir um componente autônomo da demanda a partir do terciário
superior (tecnoburocracia). Em outros termos, além da “capitalidade”, o
peso político e econômico da presença do Estado oferecia também uma
sobrevida produtiva e reforçava sua centralidade no contexto nacional,
o que permitia a elite dominante do estado não assumir os impasses da
Questão Regional. A principal diferença entre a formação econômica do
Rio de Janeiro e de São Paulo sempre foi o Estado ser o agente central
no primeiro caso, inclusive com desempenho estratégico na estrutural
industrial, o que levou à implantação das sedes de importantes Estatais
e unidades de grande relevo na matriz produtiva brasileira: Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Vale do Rio Doce, Companhia
Nacional de Álcalis, Fábrica Nacional de Motores (FNM), Petrobrás,
Eletrobrás, Telebrás, Nuclebrás etc.
Nesse sentido, é preciso ressaltar que o parque industrial fluminense
não foi um mero reduto de atividades “parasitárias”, sustentadas apenas por
subsídios e associadas a um suposto “gigantismo” burocrático ineficiente.
Ao contrário, não seria exagero afirmar que, diante do fato de que grande
parte da iniciativa privada estadual se prender à primazia dos interesses do
capital mercantil, o Estado que liderou sua acumulação produtiva, e, assim,
sustentou a relevância da economia fluminense. Entretanto, enquanto
relação contraditória, a dinâmica ficou dependente de transferências
governamentais, a estrutura produtiva concentrada no setor de serviços e
sem lideranças com perspectiva regional ou instituições significativas de
pesquisa voltadas para reflexão de sua própria economia.
Em suma, apesar desse fantástico apoio estatal, houve a
perpetuação da despolitização quanto aos interesses regionais. Em outras
palavras, uma classe dominante estadual manteve-se não comprometida
com o desenvolvimento regional, presa em grande parte à tradição de ser
referência política e cultural, bem como ser praça comercial e financeira
80
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
do país. Dessa forma, fica claro que, além da dificuldade para o maior
desenvolvimento das relações especificamente capitalistas de produção que
superassem a dominância mercantil de seu padrão de acumulação, associase também um desinteresse com a evidência da sua própria condição de
região periférica.
Com a transferência da capital para Brasília em 1960, perdeu-se de
forma significativa a possibilidade de, através do status político, ampliar as
bases materiais de sua estrutura econômica. A perda de grande parte da sede
administrativa nacional, ainda que se preservasse parte do peso das estatais
e de algumas autarquias públicas, foi um fator de ruptura institucional sem
nenhum tratamento especial para compensar razoavelmente a perda do
status político. Como afirmou Magalhães (2001, p. 4):
Esse processo tem uma lógica interna permanente, com impacto cumulativo
sobre todas as atividades que aqui se localizavam, numa causalidade circular
cumulativa, que desmontou os pilares da vida econômica da cidade, com
reflexos sobre toda a região, atingindo, em igual proporção, o interior que
se estiolou e os municípios dormitórios que se barbarizaram.
Nem a (re)fusão da cidade do Rio de Janeiro com seu entorno feita
de modo autoritário em 1975 engendrou automaticamente a recuperação
da desvalorização sofrida. Muito menos os investimentos programados
pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento nos setores energéticos (vide
energia nuclear) e de alta tecnologia (vide biotecnologia e microeletrônica)
não lograram êxito a maioria deles para também colaborar decisivamente.
O enfraquecimento progressivo de grande parte da noção de
“capitalidade” (mesmo que não totalmente) trouxe efeitos deletérios. Afinal,
sua abrangência era essencial para se fundamentar a identidade política e
o desenvolvimento econômico da economia fluminense, que em grande
medida se apoiava na centralidade da Cidade do Rio de Janeiro no contexto
nacional. Segundo Osorio (2005), a queda de sua função como dirigente
nacional frente à diminuta importância social do jogo político local levou
a um abismo ideológico entre uma lógica nacional ainda presente, porém
agora cada vez mais inorgânica, e uma lógica local, que fragmentária,
ganha destaque à medida que estende suas práticas clientelistas. A partir
de então, a cultura institucional que se consolidou, marcou-se por sérias
disputas patrimoniais no interior das elites locais, arraigando uma crise
política específica sentida no médio prazo.
Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
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Bruno Leonardo Barth Sobral
De toda forma, o dinamismo que a economia do país sustentou até
o final da década de 1970, mesmo que errático, ainda ocultou parcialmente
os problemas estruturais na economia fluminense. Contudo, com a ruptura
do padrão de desenvolvimento brasileiro na década de 1980, uma crise real
se deflagrou. Derivando boa parte do seu dinamismo econômico de um
processo de sinergia com a economia do país, revelou-se muito dependente
do crescimento do mercado interno e de ser priorizada pelas iniciativas do
setor público.11
Em outras palavras, o estopim da crise são os efeitos da recessão
nacional e da desaceleração dos gastos federais, em especial, dos
investimentos. Contudo, as bases da crise já estavam plantadas, por um
lado, pela dominância mercantil que tornava o desempenho vulnerável às
oscilações da renda agregada, e, por ouro lado, pela falta de competitividade
econômica com a defesa dos interesses regionais.
Então, ocorreram perdas de participação absoluta diante de uma
séria retração econômica. A maior exceção foi o crescimento sustentado
da extrativa mineral (basicamente atividade petrolífera) que ganhou
importância e se tornou o sustentáculo da economia do Estado do Rio de
Janeiro no fim do século XX, ainda que deva ter cautela com sua capacidade
multiplicadora e indutora. Assim, excetuando-se alguns focos restritos de
dinamismo, a estrutura produtiva enfraqueceu-se consideravelmente.
4 A guisa de conclusão: a necessidade de serem rediscutidas a organização
e a articulação mais consistente das forças produtivas estaduais
A economia fluminense adquiriu um caráter periférico ao
ser subordinada ao ritmo do desenvolvimento nacional puxado pela
industrialização, que teve o Estado de São Paulo como epicentro. Contudo,
ela se tornou uma das principais bases produtivas do país diante da elevada
diversificação alcançada e de possuir atividades de relevância nacional.
Apesar da ausência de maiores encadeamentos internos, o fato de não ter
se mantido circunscrita à própria economia regional atestou o potencial de
articulações inter-regionais e a centralidade de sua economia urbana. Nesse
ínterim, como assinalou Lessa (2000), cabe lembrar o perfil que a cidade
(11) Quanto esse último ponto, lembra-se mais uma vez que sua importância ultrapassa a
administração pública, inclusive refletindo em uma estrutura industrial de acentuada participação de
estatais.
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Leituras de Economia Política, Campinas, (16): 57-86, jun. 2010.
As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
do Rio de Janeiro adquiriu durante o longo tempo que foi sede do Estado
brasileiro: ao não ser isolada como “gueto burocrático”, sua estrutura
continuou mantendo elevado cosmopolitismo e um papel de centralidade
na organização produtiva do país que lhe permitiam prosperidade urbana.
Evidentemente, a transferência da sede do governo federal para Brasília
não retirou por completo suas características fundamentais.
Tendo uma parte relevante de sua economia origem em decisões
federais, as atividades de valor estratégico eram um dos seus principais
determinantes, estando insuladas. Dessa forma, sua base produtiva era em
grande parte de interesse nacional. O seu desenvolvimento era garantido
por uma forma de industrialização bastante peculiar que a impedia de
colidir abertamente com os interesses das demais regiões, inibindo
pressões para um conflito federativo diante da hegemonia econômica
paulista e disfarçando seus problemas estruturais pelo dinamismo da
economia brasileira. No entanto, diversas potencialidades continuaram mal
aproveitadas, restringindo uma maior introjeção de segmentos dinâmicos e
uma maior diversificação estrutural.
Cabe destacar que os limites para novos desdobramentos produtivos
e para sua capacidade de indução dinâmica possuem determinantes
históricos mais profundos que não são exclusivamente efeitos da
transferência da capital federal. Além da importância inegável desse último
determinante, destacam-se outros que remetem aos fins do século XIX e ao
modo como emergiu sua forma de acumulação setorialmente contraditória
e de dominância mercantil. Ademais, as lógicas nacional e local de
atuação política já de muito tempo coexistiam de forma ambígua, sem
evitar que sempre existissem arranjos particularistas e barganhas pessoais
no lugar do maior desenvolvimento da cidadania em que se baseasse a
realização de estratégias de desenvolvimento integradas. Assim, nunca
se obteve a promoção de um complexo regional e sua estrutura urbana
associada, ao invés de esgotar no atendimento de demandas específicas
sem maior preocupação com o conjunto. Por conseguinte, na medida em
que a acumulação avançava em termos nacionais, o nunca trato sério da
questão regional no Estado do Rio de Janeiro impediu uma organização e
articulação mais consistente de suas forças produtivas.
O encolhimento da divisão territorial do trabalho sob seu comando,
patente desde o deslocamento do centro dinâmico para São Paulo, esgarçava-se
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mais aceleradamente tanto pelo aumento da competição de outras regiões por
áreas de mercado, quanto pelo processo acelerado de urbanização do país. Até
mesmo a desconcentração produtiva regional a partir da economia paulista na
década de 1970 do século passado, que expandiu diversas economias regionais,
reforçou a perda de importância relativa da economia fluminense em vez de
recuperá-la. Todavia, a concentração de atividades produtivas relevantes e de
alguns elementos de centralidade política e urbana evitavam uma crise real
enquanto o desenvolvimento nacional continuava a ser impulsionado pelo
processo de industrialização.
É importante ressaltar que uma desconcentração produtiva regional
não leva necessariamente ao enfraquecimento econômico dos territórios
que perdem peso relativo, principalmente se forem mantidos os controles
financeiro e administrativo, logo, a centralização das decisões econômicas.
Afinal, são as relações centro/periferia que imprimem uma evolução
desigual do desenvolvimento do capitalismo no país. Nesse ínterim, as
especificidades do contexto regional que podem acentuar ou acomodar as
adversidades de uma condição estruturalmente periférica na divisão interregional do trabalho.
Um vácuo em políticas de maior cunho regional somado às
dificuldades em superar a existência de uma forte acumulação mercantil
são as marcas problemáticas da reprodução social fluminense que se
tornaram mais claras com o avanço do desenvolvimento nacional. Como
assinalou Osorio (2005, p. 20):
a região, cujo dinamismo até então derivara de sua lógica histórica e do fato
de ser o centro do poder, passa a depender também de políticas gestadas
localmente, tornando necessária a organização de estratégias regionais de
desenvolvimento econômico-social.
Por outro lado, o mesmo autor (2005, p. 91) conclui que:
o fato mais importante para o entendimento da evolução da cidade do Rio
de Janeiro e da região fluminense (...) [foi] ter sido, desde sua origem, porto,
centro de articulação logística, e de articulação política e cultural nacional.
Como visto, a economia fluminense é bastante peculiar, isso se percebe
a começar pela atrofia da atividade agropecuária e a grande dependência do
dinamismo no setor de serviços. Já a situação da atividade industrial é ímpar,
como ressaltou Melo (2001, p. 245): “uma indústria que foi pungente na virada
do século XX, arrastou-se depois como caudatária da industrialização paulista até
demonstrar-se extremamente frágil diante dos percalços da economia brasileira”.
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As raízes das contradições entre a centralidade do Rio de Janeiro no contexto...
Como uma questão política, torna-se importante rediscutir as
bases de redinamização dessa estrutura econômica ainda pouco integrada
e bastante heterogênea. Diante da politização do processo, o enfretamento
requer que assuma maior papel estruturante seu desenvolvimento industrial
e que ganhem maior relevância as decisões estratégicas intrínsecas ao
processo de acumulação na própria região.
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