Comentário de Artigo: Desafios no Aconselhamento Genético

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GETH
Newsletter
Volume 07 Número 15 15 de Junho de 2009
GETH Newsletter é uma
publicação semanal
Comentário de Artigo: Desafios
Aconselhamento Genético
no
distribuída aos sócios do
Grupo de
Estudos de
Tumores Hereditários
Sede
R José Getúlio, 579 cjs 42/43
Aclimação São Paulo - SP
Chan-Smutko G, Patel D, Shannon KM, Ryan PD. Professional Challenges in
Cancer Genetic Testing: Who Is the Patient? Oncologist 2008;13:232-8.
Christina Haas Tarabay
Departamento de Psiquiatria e Psicologia
Hospital A.C. Camargo
CEP 01503-001
E-mail
[email protected]
Site
http://www.geth.org.br
Na situação de aconselhamento genético (AG) o profissional da área
médica pode ser desafiado a desempenhar papéis opostos em relação aos
diferentes membros da mesma família: proteger a privacidade do paciente
com uma mutação confirmada e a obrigação ética de alertar os parentes em
Editores
Erika Maria Monteiro Santos
Ligia Petrolini de Oliveira
situação de risco.
Em uma situação em que os pacientes não aceitam a revelação dos
resultados de teste, esse tipo de dilema pode se apresentar de forma intensa
para o profissional que cuida dos diferentes membros da família. Esse fato
Diretoria
Presidente
Benedito Mauro Rossi
Vice-Presidente
Erika Maria Monteiro Santos
Diretor Científico
Gilles Landman
Secretário Geral
Fábio de Oliveira Ferreira
pode comprometer uma tomada de decisão eficaz.
O processo de AG registra o histórico médico de toda família,
revelando se o paciente e seus familiares podem ter um risco maior para o
desenvolvimento de certos tipos de câncer.
No entanto “compartilhar os genes não é necessariamente equivalente a
compartilhar o conhecimento da informação genética”.
Foram selecionados dois casos que apresentam desafios éticos e
profissionais para os profissionais de saúde.
Primeira Secretária
Ligia Petrolini de Oliveira
Caso 1
Tesoureiro
Wilson Toshihiko Nakagawa
Mulher 42 anos com histórico de câncer de endométrio aos 39 anos com
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mutação no MSH6. Durante o acompanhamento com
pergunta se sua irmã já fez o teste, a paciente diz não
seu ginecologista, a paciente foi encorajada a informar
saber, e que elas estão de relações cortadas. O médico
seus familiares a respeito de sua mutação. A paciente
sugere que a paciente se aproxime da irmã (afetada)
disse que iria pensar sobre a situação. Sua única irmã
abordando a questão do teste.
também é paciente do mesmo ginecologista, e está
em acompanhamento após a retirada de um pólipo
no endométrio. Tem 39 anos, dois filhos e nenhuma
história pessoal de câncer. A irmã tem conhecimento
do histórico de câncer endométrio da paciente, e
Após algumas semanas a irmã não afetada liga
para o médico dizendo que buscou informações com
seu pai, mas este não sabia informar nada sobre esse
assunto e que estava muito ansiosa com esta situação.
preocupa-se com seu risco pessoal de desenvolver
câncer. Recentemente teve conhecimento que seu avô
materno faleceu com câncer colorretal aos 48 anos.
Dilema do Acompanhamento Médico
Na ausência do teste genético, o médico enfrenta
um dilema em prover o acompanhamento adequado
Qual São as Obrigações do Médico Com Cada
Uma Dessas Pacientes?
ao paciente ‘não afetado’.
O médico decide que
é importante uma discussão a respeito do teste e
sugere uma consulta com o aconselhador genético.
O médico tem o dever legal de manter a privacidade
O aconselhador genético estudou o histórico familiar
da paciente que apresenta a mutação. De acordo com
de três gerações da família, e disse que o resultado
“Health Insurance Portability” e “Accountability
do teste negativo não seria significativo na ausência
Act Privacy Rules”, o médico não pode revelar o
do resultado do teste do membro da família que teve
resultado do teste genético da paciente com mutação
câncer.
para outra pessoa sem o consentimento por escrito
da paciente. O médico registrou no prontuário da
paciente afetada, o profissional (médico) encorajou a
paciente a informar seus familiares sobre esse fato.
Caso ela optasse pelo teste, este deveria ser
abrangente, estudando os três genes associados ao
HNPCC (MLH1, MSH2 e MSH6). A paciente diz que
caso o teste fosse positivo ela poderia planejar uma
O médico tem a obrigação ética em relação à irmã
cirurgia de redução de risco e resolve fazer o teste,
‘não afetada’ que é o de realizar um AG apropriado
mas descobre que o seguro não vai cobrir as despesas,
com base no seu histórico familiar. Este indivíduo
porque ela não tem câncer. O custo é de 3.000 dólares
precisa ser informado a respeito das estratégias
e está acima de suas possibilidades financeiras.
adequadas
de
detecção
do
câncer
conforme
recomendado pelo “National Comprehensive Cancer
Network”.
O aconselhador genético encoraja a contatar sua
irmã que teve câncer. Se o teste da irmã com câncer
revelar uma mutação, o custo para ela seria menor
O acompanhamento das irmãs é complicado pelo
por ser analisada uma única mutação. Ela ligou para
fato que o médico não pode colocar a informação
a irmã, que revela ser portadora da mutação (MSH6).
da mutação familiar no prontuário da irmã ‘não
A ‘não afetada’ faz o teste e descobre que o resultado
afetada’ sem a liberação da irmã afetada. A médica
é negativo.
informa a irmã não afetada sobre a ligação entre
câncer de endométrio e colorretal como sugestivos
de HNPCC.
Explica também que o membro da
família que poderia gerar mais informações através
do teste genético seria sua irmã (afetada). O médico
Discussão do Caso
A “American Medical Association” e a ASCO
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dispõem em suas diretrizes sobre o “dever de alertar”
os membros da família, e encorajam os profissionais
Caso 2
da área a delinearem as circunstâncias sob as quais
Mulher 35 anos compareceu a um centro de
eles esperam que seus pacientes notifiquem os
tratamento de câncer de mama de alto risco para
membros da família em situações de risco.
consulta com o aconselhador genético. Os pais são
Em 1998, a “American Society of Human Genetics
(ASHG) publicou diretrizes a respeito da revelação
sobre a informação genética, ou seja, que em casos
judeus Ashkenazi (JA). O pai de 62 anos apresenta
mutação no BRCA2, porém nunca teve câncer. A
paciente desejava saber sua condição.
excepcionais a ”revelação” deveria ser permitida: nos
O aconselhador levantou o histórico pessoal e
casos em que a tentativa de encorajar a revelação por
familiar da paciente. Esta está bem de saúde, sem
parte do paciente tenha falhado; o dano é altamente
problemas no útero/ovário. A tia paterna 60 anos
provável de ocorrer e for sério e previsível; o risco é
teve câncer peritoneal com 59 anos, e é portadora da
identificável; e a doença for capaz de ser prevenida/
mutação 6174 delT BRCA2, que é uma das mutações
tratada ou se for indicado que o monitoramento
fundadoras dos JA. A mãe da consulente tem 59 anos
precoce pode reduzir o dano.
nunca teve câncer, sem problemas útero/ovário. A
É importante notar que a definição de “grave” é
subjetiva, e que no contexto do HNPCC “previsível”
é uma noção relativa dado que o teste genético nunca
pode ser preditivo do desenvolvimento do câncer.
Uma pesquisa da ASHG e do American College
of Medical Genetics (2003) publicada por Falk et
al. mostrou que mais da metade dos profissionais
que participaram da pesquisa, relataram já terem
enfrentado uma situação em que o paciente se
recusava a informar os parentes em situação de
risco. Do total, 25% dos profissionais consideraram
a hipótese de revelar a informação mesmo sem o
consentimento do paciente. Porém ao final, a maioria
tia materna faleceu aos 38 anos com câncer de mama
diagnosticado aos 35 anos. A avó materna faleceu
antes dos 30 anos no parto e o avô materno faleceu
aos 78 anos sem câncer.
Estima-se que 1 em 40 indivíduos JA seja portador
de uma das três mutações fundadoras do BRCA1/2.
O aconselhador genético questionou a paciente se
ela estaria disposta a informar sua mãe do risco e
recomendar o teste devido ao risco sugerido pelo
histórico de câncer de mama precoce em sua tia. A
paciente disse que o assunto já havia sido discutido
anteriormente e sua mãe tinha se recusado a fazer o
teste.
deles não liberou a informação citando as seguintes
Caso a paciente realize o teste existe uma
razões: relação médico-paciente; uma possível
probabilidade razoável que o resultado seja positivo
solução por outros meios e conseqüências legais.
para a mutação por parte de mãe, e assim sua mãe
Uma
solução
prática
para
minimizar
a
possibilidade de enfrentar esse dilema é levantar
seria confirmada como portadora. Após discussão a
paciente decide realizar o teste.
a questão durante uma sessão pré-teste. Assim,
o paciente tem a oportunidade de refletir sobre o
impacto potencial que o resultado possa ter sobre
seus familiares e de que maneira cada um deles
poderá reagir à informação.
A paciente Deveria ser Testada Somente Para a
Mutação já Confirmada na Família?
Quando um paciente não JA pretende realizar o
teste genético referente a uma mutação confirmada
na família, o histórico familiar completo dos
dois lados da família é obtido. Caso não haja
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história significativa de câncer de mama/ovário a
a situação e se mantenha atualizado a respeito das
probabilidade da mutação BRCA 1/2 neste lado da
informações médicas sobre a própria mutação ou
família é muito baixa. Neste caso o paciente é testado
síndrome.
para a mutação familiar confirmada.
No caso dos pacientes JA, caso haja uma mutação
familiar confirmada, o histórico familiar é obtido. Se
os dois lados da família forem descendentes JA, o risco
de ser portador de uma das mutações fundadoras
é significativo (2,5%) mesmo que não haja história
familiar de câncer de mama/ovário. Recomenda-se
que o painel completo das mutações seja verificado.
Caso o resultado seja inconclusivo o aconselhador
continua a manter contato com o paciente fornecendo
informações relevantes na área genética.
Neste caso, entretanto a paciente recusou o
teste e então nenhum plano de acompanhamento
foi discutido. O aconselhador genético garantiu a
paciente que estaria à disposição caso ela decidisse
reconsiderar a decisão. Nestes casos, o aconselhador
O resultado do teste mostrou que a paciente é
genético aguarda um contato do paciente para evitar
negativa para a mutação paterna, mas é positiva
a percepção de estar pressionando o paciente a fazer
para a mutação BRCA1 – 187del AG provavelmente
o teste. A mãe tinha claramente recusado ser testada,
herdada do lado materno, confirmando o ‘status’ de
justificando as razões para não querer fazê-lo, e seria
portadora da mutação para sua mãe.
pouco comum que o aconselhador genético tivesse
Durante o AG o aconselhador reforça a
importância de transmitir essa informação a mãe, pois
iniciativa de reiniciar o diálogo sem uma solicitação
por parte da paciente.
terá um grande impacto no seu acompanhamento.
Ao final, o aconselhador genético trabalhou com
A paciente se recusa e pede ao aconselhador
a paciente e estabeleceu um plano de ação. Forneceu
para ligar para sua mãe com essa informação. O
uma carta detalhada resumindo as implicações do
aconselhador explica que não pode, pois a mãe não
seu resultado e sugeriu para ela compartilhar a carta
é paciente. Então, a paciente explica que descobriu
com sua mãe.
recentemente que a mãe já tinha sido sua paciente.
O aconselhador levanta o prontuário e verifica que
a mãe já tinha sido consultada para fazer o teste e
tinha recusado afirmando que não estava preparada
psicologicamente para lidar com essa informação.
A paciente revelou a presença da mutação
BRCA1 para sua mãe e encorajou-a a fazer um
acompanhamento com o aconselhador genético. A
mãe ficou ansiosa inicialmente com a informação,
mas com a ajuda de sua família e de seus amigos foi
capaz de enfrentar adequadamente a situação. Ela
A mãe Ainda é Considerada Paciente?
foi submetida a salpingo-ooferectomia profilática, e a
um programa de exames para câncer de mama.
Em geral o processo de AG consiste em: na
primeira consulta com o paciente, é avaliado o risco
de ser portador de uma mutação e são discutidas
as opções de teste, e o paciente resolve se vai
fazer o teste ou não. Caso o teste seja realizado, o
aconselhador entrega o resultado e oferece suporte.
Com freqüência, o aconselhador retoma o diálogo
com o paciente que tenha mutação confirmada, pois
um relacionamento mais longo pode resultar em um
apoio psico-emocional para que o paciente enfrente
Discussão do Caso
Em um caso em que o resultado do teste indica
claramente a presença de mutação em um lado da
família, caso a paciente se recuse a alertar os familiares
sobre o risco genético, é obrigação do aconselhador
genético assumir essa responsabilidade?
Uma segunda questão é que um indivíduo que
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em algum momento se recusou a fazer um teste
genético continua a ser paciente do aconselhador?
De acordo com as diretrizes da ASHG, o
aconselhador
genético
considerou
apropriado
encorajar a filha a compartilhar a informação com a
mãe.
mutação confirmada de um dos lados da família
É importante fornecer ao paciente informações
por escrito detalhando as implicações dos resultados
em linguagem simples para que o paciente possa
compartilhar com os familiares.
O comitê de ética deve ser consultado para
Reconhecendo que a mãe não queria saber dessa
informação em razão das implicações psicológicas, o
aconselhador assegurou a filha que estaria disponível
para apoiar a mãe.
esclarecer dúvidas sobre dilemas profissionais ou
éticos.
Estes casos ilustram diversos conflitos profissionais
e éticos nos quais as fronteiras profissional-paciente-
A filha conseguiu passar a informação para a mãe
família do paciente não estão claras. Por definição
criando uma oportunidade para o restabelecimento
qualquer teste genético pode trazer implicações
do contato com o aconselhador genético.
tanto para o paciente quanto para seus familiares.
Outra questão ética ilustrada neste caso é se o teste
para as mutações nos pacientes JA seria semelhante
a um teste para população geral independente do
Durante o período de aconselhamento genético
pré-teste deve-se discutir as implicações do resultado
para outros membros da família. É importante
explorar com o paciente métodos para informar os
familiares a respeito do teste, por exemplo, sugerir
que durante o período que se aguarda o resultado,
o paciente informe os membros da família que está
realizando o teste, e sugira aos familiares que o
contatem para saber o resultado
autores
recomendam
para o paciente particularmente durante o momento
delicado que envolve a realização do teste.
O papel do profissional é introduzir esse conceito
histórico familiar da doença.
Os
Este conceito nem sempre é imediatamente claro
que
indivíduos
descendentes JA de pai e mãe devem ser testados
para as três mutações, mesmo se já houver uma
e preparar o caminho para que o paciente possa
informar aos seus familiares quando eles estiverem
prontos. Mesmo quando um paciente compreende
perfeitamente o significado de um resultado
positivo para seus familiares ele pode optar por
não compartilhar tal informação. Como discutido
anteriormente os critérios da ASHG podem não dar
uma definição clara das obrigações do profissional em
todas as situações. O aconselhador genético dispõe
das ferramentas e treinamento adequados para
ajudar o paciente e seus familiares a compreenderem
o significado da informação genética e são um
importante
recurso
para
outros
profissionais
envolvidos no processo.
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