1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI UFMA DESCAMINHOS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: uma virada à direita Ana Carolina Martins de Alencar Araújo1 RESUMO O presente artigo aborda a transformação ideológica do Partido dos Trabalhadores, ou seja, sua virada à direita. Para tanto, procura analisar a influência dos projetos revolucionário e reformista na trajetória teóricoprogramática e político-partidária do PT. Discute também o deslocamento, pelos partidos de esquerda, da centralidade do trabalho para a centralidade política. Por fim, apresenta os descaminhos da classe trabalhadora no horizonte da emancipação humana. Palavras-Chave: Partido dos Trabalhadores, projetos revolucionário e reformista, centralidade do trabalho, centralidade política, transformação ideológica, classe trabalhadora. ABSTRACT The present article approaches the transformation ideological of the Party of the Workers, that is, its turn to the right. For in such a way, it looks for to analyze the influence of the projects revolutionary and reformist in the trajectory theoreticial-programatic and politician-partisan of the PT. The displacement also argues, for the parties of left, of the centralized of the work for the centralized politics. Finally, it presents the embezzlements of the working class the horizon of the emancipation human being. Keywords: Party of the Workers, projects revolutionary and reformist, centralized of the work, centralized politics, ideological transformation, working class. 1 INTRODUÇÃO A virada à direita do Partido dos Trabalhadores representa mais uma vitória do capital sobre o trabalho. Um partido que se dizia representante dos interesses da classe trabalhadora, mostrou-se durante sua trajetória cada vez mais distante da luta operária e dos movimentos populares, limitando sua atuação a vida política. Vale ressaltar, que o PT, em meados da década de 90, tornou-se um partido eleitoreiro e personalista e começou a formar alianças com partidos burgueses, principalmente nas últimas eleições para a Presidência. Assim, neste texto discorreremos sobre a transformação ideológica do PT, antes, porém, abordaremos os fundamentos das teorias revolucionária e reformista, do marxismo, que surgiram num contexto de crítica ao capitalismo, pois estes tiveram influência na trajetória teórica do PT. Sendo assim, buscaremos a partir dessa discussão compreender o 1 Assistente Social e mestranda em Serviço Social do programa de Pós-graduação em Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), sob orientação da Profª Drª Maria Cristina Soares Paniago. III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 2 quadro contemporâneo do Partido dos Trabalhadores, na tentativa de vislumbrar os desdobramentos futuros. É interessante destacar que esta fragilização da esquerda, concomitantemente ao enfraquecimento das lutas sociais, não é uma realidade apenas brasileira. Segundo Tonet (s/d: 2), inúmeros países, especialmente dos mais desenvolvidos, partidos que se proclamavam de esquerda assumiram o poder, prometendo combater o neoliberalismo e realizar profundas mudanças sociais. No entanto, o que se viu e está vendo é que todos eles acabaram contribuindo para impor mudanças que favorecem o capital e vão contra os interesses da classe trabalhadora. Diante desse cenário, assistimos ao distanciamento, cada vez maior, da perspectiva revolucionária dos partidos de esquerda, que foram se aproximando da proposta reformista, ou convertendo para direita, com a proposta liberal-burguesa. Outro ponto que nos parece imprescindível mencionar é que, “tanto no caso do caminho reformista quanto no caso do caminho revolucionário, o que aconteceu foi um deslocamento da centralidade do trabalho em direção à centralidade da política” (TONET, s/d: 4). Desta maneira, a possibilidade da superação do capital foi arrancada da classe trabalhadora, que passou a acreditar que através da cidadania e da democracia - com a igualdade de direitos -, ou seja, pelo âmbito da política, atingirão uma humanidade melhor. Contudo, a retomada da perspectiva revolucionária não está sendo nada fácil. Exige um gigantesco esforço – teórico e prático. E exige, de modo especial, que se procurem entender os caminhos que levaram a esquerda a concentrar, cada vez mais, todos os seus esforços no parlamento e no Estado, acreditando que, com isso, estaria caminhando no sentido da construção de um mundo autenticamente humano (TONET, s/d :3). Desta forma, consideramos indispensável, para compreensão da problemática delineada, o exame do significado da centralidade do trabalho, posto que este tem um “papel decisivo na transformação revolucionária da sociedade capitalista” (TONET, s/d : 4). Assim, tomamos como parâmetro a teoria social de Marx. 2 A CATEGORIA TRABALHO EM MARX No século XIX, quando a estrutura da ordem burguesa está consolidada, e temse a generalização da miséria, emergem a questão da revolução operária. A partir daí o proletariado percebe-se como sujeito histórico e coletivo, com uma consciência política. Este momento é caracterizado pelo movimento revolucionário de 1848 que coloca uma nova III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 3 perspectiva de classe, do ponto de vista dos trabalhadores, que põe um novo horizonte para a humanidade. Assim, coloca-se a possibilidade e a necessidade de surgimento de um novo patamar científico e filosófico, de uma nova compreensão da realidade que desvele a contradição entre capital e trabalho, inerente ao sistema capitalista, revelando os seus instrumentos de exploração, opressão e reprodução. É neste contexto que surge Marx com uma teoria social sob a ótica da classe proletária. Com efeito, não há nenhuma dúvida de que a obra marxiana “inaugura um modo radicalmente novo de compreender a sociedade burguesa – compreendê-la para suprimi-la” (NETTO, 2006: 18). Desta forma, a obra do Marx pretendeu ser uma tradução radicalmente crítica e revolucionária do mundo, ou seja, uma mudança do mundo até a sua raiz, pois, quando Marx pensa, na sua elaboração, a revolução é no sentido ontológico. Ele queria entender a realidade social. Portanto, Marx identificou que o primeiro elemento a ser examinado era o trabalho com ato humano. Neste exame, Marx constata, inicialmente, que o trabalho é um intercâmbio do homem com a natureza, desta maneira, o homem é um ser natural. No entanto, ele percebe também que “o homem não é, unicamente um ser natural; é um ser natural humano” (MARX apud TONET, 2005a: 57). Faz-se necessário distinguir o trabalho humano do trabalho animal, pois há também animais que produzem seus meios de vida2. Tonet (2005a: 58) explica que a diferença essencial é que atividade animal possui um limite instransponível: o animal jamais chegará a ser sujeito da sua atividade, já o homem tem a possibilidade de se distanciar da sua atividade imediata e estabelecer seus próprios fins, orientando sua atividade com o objetivo de alcançá-los. E ainda, segundo Lukács (apud TONET, 2005a: 59), este distanciamento do homem da sua atividade imediata é a capacidade de generalização, por isso, “é também a capacidade de generalização que permite que a reprodução do ser social se caracterize como uma produção permanente do novo e não como uma reposição do mesmo, como no caso dos animais”. Resumindo: o ato do trabalho é o ato que funda o ser social, é um ato que implica prévia ideação e causalidade, mediadas pela objetivação, isto é a práxis. Assim, a práxis é, para Marx (apud TONET, 2005a: 54) a “atividade humana sensível”, a “atividade real, sensível”. Enfim, o trabalho é uma síntese entre teleologia e causalidade, como demonstra Lukács. Outro aspecto relevante do pensamento de Marx que Lukács (1978) chama atenção, é o papel decisivo da consciência na realização do salto do ser orgânico 2 Marx (2004: 211-212) afirma, em uma conhecida passagem de O Capital, que “Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador”. III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 4 para o ser social. Segundo ele, “Marx entendia a consciência como um produto tardio do desenvolvimento do ser material” (LUKÁCS, 1978: 3). Desta maneira, é o trabalho “a categoria decisiva da autoconstrução humana, da elevação dos homens em níveis cada vez mais desenvolvidos de sociabilidade” (LESSA, 2002: 28). E é esta a centralidade do trabalho da qual referíamos, o “trabalho enquanto categoria ontológica-fundante do mundo dos homens” (LESSA, 2002: 28), e daí decorre a análise da sociedade que possibilitou Marx propor a superação do capital em direção ao comunismo. Dessa forma, a superação do capital terá que repor uma nova forma de trabalho, pois qualquer nova forma de sociabilidade exige isto. De acordo com Tonet (s/d: 20-21), no caso da sociedade capitalista, a superação deste modo de produção “só se poderá efetivar com a entrada em cena do trabalho associado, cabendo à política preparar as condições para isso”, ou seja, a “construção de uma forma superior de sociabilidade deveria, necessariamente, repousar sobre essa nova organização do trabalho e não sobre a política”. A centralidade política não pode se sobrepor à centralidade do trabalho, pois a revolução exige uma ruptura com esta forma de trabalho do capitalismo, este deve ser o eixo central da luta social, pois toda revolução é social na medida em que destrói o sistema vigente. O que significa dizer que a revolução política é apenas o primeiro momento da revolução, pois o objetivo último é a transição do capitalismo ao comunismo. Portanto, a classe trabalhadora tem que aglutinar todas as lutas voltadas para a superação do capital. Assim, a luta não deve ser exclusivamente política porque “nem o parlamento poderia ser o locus privilegiado da luta social, nem o Estado poderia conduzir positivamente a construção de uma sociedade comunista” (TONET, s/d ), como querem os integrantes da social-democracia. 3 FUNDAMENTOS DA TEORIA REVOLUCIONÁRIA E DA TEORIA REFORMISTA Marx ao inaugurar sua teoria científico-filosófica forneceu a base para o desenvolvimento da tradição marxista, bem como o reconhecimento de classe e organização do movimento operário. Na Primeira Internacional (entre 1864 e 1871) as propostas revolucionárias de Marx se afirmaram e se consolidaram no interior do movimento operário. A Segunda Internacional, fundada em 1889, tornou acessível o pensamento marxista de forma massiva e simplificadora. A partir daí, surge duas correntes do marxismo: de um lado, a social-democracia, de caráter reformista, e de outro, o comunismo, de caráter revolucionário. A Terceira Internacional, em 1919, caracterizou-se pela conversão da teoria marxiana em dogma, com a institucionalização do marxismo. III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 5 Segundo Tonet (s/d: 5), “a perspectiva reformista (social-democrata, via democrática para o socialismo) atribuía à política o papel de eixo norteador da luta pelo socialismo na totalidade do processo”. Eles buscavam a conquista de espaço no poder Estatal, “até porque os reformistas entendiam que se tratava de uma caminhada lenta e gradual, não comportando, em momento algum, uma ruptura radical”. Para os reformistas a transição para o socialismo se daria por meio das conquistas trabalhistas, em que o Estado é a própria sociedade, ou seja eles defendiam um socialismo democrático. Assim, nesta perspectiva reformista há uma mudança da centralidade do trabalho à centralidade da política. As principais idéias reformistas foram realizadas por Kautsky e Bernstein que apresentaram, em meados da década de 1890, o Programa de Erfurt ao SPD. Nesta proposta eles defendiam que a transição ao socialismo seria realizada pela classe trabalhadora assumindo o controle do poder político e transformando a propriedade privada em propriedade social. Há, “nas teorias de Kautsky e Bernstein, um manifesto abandono do processo revolucionário em nome do que poderia ser chamado de um novo paradigma da centralidade da democracia, isto é, a centralidade da política reformista, cujo aspecto fundamental encontra-se na teoria dos campos progressivos” (Tonet, s/d : 40). Com efeito, o que prevaleceu no projeto social-democrata foi a luta pela democracia e cidadania, pela evolução do Estado, obscurecendo a função social do Estado e o antagonismo de classe. Paralela e contrariamente a teoria reformista, a perspectiva revolucionária foi colocada como um horizonte possível com a Revolução Russa de 19173. Surgia, assim, uma proposta concreta da nova ordem socialista, tendo como líder Lênin. Com ascensão dos bolcheviques ao poder, estes, fundam a União Soviética, novo Estado, onde ocorreu a III Internacional. Entretanto, quando Stalin assume a direção mundial do movimento comunista inicia-se um período de repressão e violência, de terror e medo. Stalin reduziu o marxismoleninismo ao dogmatismo, como “o verdadeiro marxismo”, só ele conhecia o caminho ao comunismo. Segundo Hobsbawn (2003: 379) “foi Stalin quem transformou os sistemas políticos comunistas em monarquias não hereditárias”4. O fato é que a Rússia era um país com um atraso econômico e social, cujas condições não favoreciam a revolução. Como afirma Hobsbawn (2003: 366), “os fundadores do marxismo supunham que a função da Revolução Russa só podia ser a de provocar a explosão revolucionária nos países industriais mais avançados, onde estavam presentes as 3 Segundo Tonet (s/d: 42) “a vitória dos revolucionários russos, portanto, pareceu ser, também, a vitória da perspectiva revolucionária cujo eixo era o trabalho. Entretanto, a ausência de condições objetivas, nacionais e internacionais, levou a revolução soviética a contribuir, também, para o deslocamento da centralidade do trabalho para a centralidade da política, embora de modo muito diferente daquele da social-democracia”. 4 “A semelhança com a monarquia é indicada pela tendência de alguns desses Estados a ir na direção da sucessão hereditária, um fato que teria parecido absurdamente inconcebível aos primeiros socialistas e comunistas. A Coréia do Norte e a Romênia eram dois casos assim” (Hobsbawn, 2003: 379). III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 6 condições para a construção do socialismo”. Segundo este autor, a saída para os bolcheviques era transformar sua economia e sua sociedade avançadas o mais breve possível. Desta maneira, iniciou-se às ‘escuras’ uma tentativa de construir o comunismo. No entanto, “[...] era evidente que o Comunismo de Guerra, por mais necessário que fosse no momento, não podia continuar, [...] em parte porque esse regime não oferecia meios eficazes de restaurar uma economia praticamente destruída” (HOBSBAWN, 2003: 368). Portanto, diante da escassez das condições materiais, ficou bastante difícil a realização da revolução. É importante destacar que a crise do socialismo é uma crise da exaustão das suas estruturas socioeconômicas e do seu sistema político,“[...] não é, portanto, a crise do projeto socialista revolucionário nem a infirmação da possibilidade da transição socialista: é a crise de uma forma histórica precisa de transição, a crise de um padrão determinado de ruptura com a ordem burguesa – justamente aquele que se erigiu nas áreas em que esta não se constituíra plenamente” (NETTO, 2001: 23). Enfim, podemos concluir a partir dos elementos levantados até aqui que tanto a teoria revolucionária, quanto a teoria reformista foram perdendo ao longo da história, o referencial fundante da obra de Marx, a centralidade do trabalho, e foram se deslocando para centralidade da política. E assim, o horizonte, proposto por Marx, de uma nova sociabilidade autenticamente humana foi se distanciando5. 4 A INFLUÊNCIA DOS PROJETOS REFORMISTA E REVOLUCIONÁRIO NA FUNDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: uma análise de sua trajetória teóricoprogramática e político-partidária A origem do Partido dos Trabalhadores se deu neste contexto de plena ditadura militar com fortes repressões políticas. O PT surge com uma proposta de ser um partido dos trabalhadores e não para os trabalhadores6. Segundo Gadotti & Pereira (1989: 49), “por ser um partido pensado pelas bases, os anos de formação do PT levaram seus organizadores a sucessivas discussões em torno de sua constituição, como partido e organização interna, sempre privilegiando o direito de voz e voto de seus militantes e filiados em processo de consulta”. O primeiro documento da formação do PT foi a Carta de Princípios, elaborado por uma Comissão Nacional Provisória, em 19797. Nesta, eles apresentam o quadro conjuntural brasileiro, denunciando o modelo econômico vigente, onde se sobressaia o 5 Para Tonet (s/d: 5) “o defeito principal daqueles caminhos a que acima nos referimos, é a perda, tanto pelos reformistas quanto pelos revolucionários, daquilo que era o eixo estruturador do pensamento de Marx: o homem em seu processo de autoconstrução. Seu foco se tornaram as categorias políticas e/ou econômicas desconectadas desse processo de tornar-se homem do homem”. 6 Na Era Vargas foi criado o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) para a classe trabalhadora, um partido pronto, criado de “cima para baixo” e o PT, todavia, surge da vontade dos trabalhadores, construído por eles. 7 Cf. Gadotti e Pereira (1989). III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 7 arrocho salarial, a superexploração dos trabalhadores, a exaustão dos setores sociais com o governo militar com a miséria material e a opressão política. Ao mostrarem este cenário evidenciava a necessidade de um instrumento político-partidário dos trabalhadores. Criticava o MDB por: 1) ser um partido de exclusiva atuação parlamentar; 2) pela direção e programa que não incorporavam os interesses dos trabalhadores; 3) pela sua origem de composição social essencialmente contraditória e heterogênea – industriais e operários, fazendeiros e peões etc. 4) pelo caráter democrático da classe dominante. Rechaçava a subordinação dos interesses políticos e sociais da classe trabalhadora a uma direção liberalconservadora. Diz que o PT entende que a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, devendo lutar pela democratização do país e contra o domínio do capital, mas não uma democracia formal e parlamentar, fruto de acordo com a elite dominante. Afirmava o PT como partido que tinha como objetivo acabar com a exploração do homem pelo homem, e seu compromisso com a democracia plena exercida pelos trabalhadores, almejando uma sociedade socialista e democrática. Definia-se como um partido dos trabalhadores e sem patrões. A Declaração Política do PT (1979), reuniu diversos integrantes de mais de seis estados, a questão mais polêmica referia-se a inclusão ou não do termo ‘socialismo’. Embora concordassem com a luta pelo socialismo, muitos argumentavam que podia ser mal interpretada. Assim, chegaram a um consenso e decidiram colocar da seguinte maneira: “O PT luta para que todo o poder econômico e político venha a ser exercido diretamente pelos trabalhadores, única maneira de pôr fim à exploração e à opressão” (GADOTTI & PEREIRA, 1989: 42). Estavam lançadas as bases programáticas e organizativas para a fundação do PT. A partir destes documentos o PT conseguiu a adesão de muitos trabalhadores e dos movimentos populares. Desta forma, em 1980, tem-se a fundação do PT, e a elaboração dos documentos oficiais básicos do partido: Manifesto, Programa e Estatuto. Embora dentro do PT, desde a sua formação, existissem várias tendências, marcadas por divergências, a que predominou, na década de 80, foi a perspectiva da socialdemocracia. Nos documentos do PT, acima mencionados, observa-se claramente que o objetivo do partido era a conquista pelos trabalhadores do Estado e através dele promover a ordem democrática e a partir das transformações sociais, gradualmente, chegariam ao socialismo. Em sua Plataforma Política há uma série de reivindicações para a conquista de direitos civis, políticos e sociais. Portanto, o caminho do PT, na sua origem, foi de caráter reformista. Além disso, em sua Carta de Princípios não menciona a extinção do Estado. Na perspectiva radicalmente revolucionária de Marx, acabando o antagonismo de classe, o Estado se autodestrói. O projeto socialista do PT se limitou à luta por reformas sociais e pela democratização política do Estado e não pela superação do capitalismo. III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 8 Contudo, a partir dos anos 90 (século XX) o PT foi se transfigurando para a direita. De acordo com Boito Jr. (2003: 13-14) “ocorreu um processo político e social no Brasil ao longo dos anos 90 que resultou na implantação de uma nova hegemonia burguesa em nosso país, baseada no discurso e na prática do modelo capitalista neoliberal dependente. [...] a ‘conversão’ do PT ao credo do livre mercado aparece como mais um episódio”. Portanto, essa guinada do PT foi sendo realizada paulatinamente, começando pelos governos petistas estaduais e municipais, com base na ideologia neoliberal. A partir destas considerações, situando o Partido dos Trabalhadores nesse movimento da esquerda de deslocamento da centralidade do trabalho à centralidade política, vale ressaltar os desafios da nova esquerda face ao governo Lula que vem aprofundando alguns aspectos deste modelo capitalista neoliberal. Segundo Petras (2005: 40) “se nós pudermos considerar Cardoso um neoliberal ortodoxo, o governo Lula pode ser considerado talibã”. 5 CONCLUSÃO A transformação ideológica do Partido dos Trabalhadores representou uma mudança radical no rumo político-partidário e programático-estratégico do PT, que apresentava uma proposta social-democrata, na sua origem, com uma ação política social, foi ao longo dos anos assumindo uma proposta liberal-burguesa, com uma ação exclusivamente parlamentar. Com isso traça-se um novo rumo da esquerda no Brasil. Contudo, cabe ressaltar que os partidos de esquerda no mundo, face ao fim do socialismo real, têm aderido a proposta da social-democracia como se fosse o único caminho possível. Ao situar-se neste campo, a esquerda foi perdendo o horizonte da emancipação humana, da superação revolucionária do capitalismo. Nesta perspectiva reformista não cabe a construção de uma sociedade comunista. Diante da tempestade de interpretações da obra marxiana que foram ocorrendo ao longo destes cento e cinqüenta anos, tem-se, hoje, um leque de perspectivas teóricas que utilizam categorias marxianas, que muitas vezes, não correspondem ao significado original proposto por Marx. Alastrou-se, assim, inúmeras vertentes do marxismo. Por isso, parece-nos imprescindível resgatar o verdadeiro espírito da obra de Marx, de forma a corrigir as deformações que o dogmatismo e o ecletismo marxista produziram. Como afirma Tonet (2005b: 26), não se trata só de defesa, de correções, de atualizações e muito menos o entrecruzamento com outras correntes de pensamento. Considerando as variadas interpretações, extravios e deformações que este pensamento sofreu ao longo da sua trajetória, como resultado de todo um processo histórico impõe-se, hoje, ao nosso ver, a necessidade de recomeçar ab initio, vale dizer, daquelas questões que estabelecem os fundamentos deste novo modo de pensar. III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007. 9 Neste início do século XXI, em que se assiste ao deslocamento da centralidade do trabalho para a centralidade da política, por parte esquerda, que confere necessariamente um caráter reformista ou, pelo menos não radicalmente revolucionário. Repetimos as palavras de Chasin (1983: 44) “é preciso fazer – não ‘alguma coisa’ - , mas a coisa certa. Re-começar. [...] o re-começo é antes de tudo um re-encontro de classe,uma retomada do proletariado como centro da ação política. [...] O re-começo é necessário e simultaneamente também um re-encontro com Marx”. Com efeito, passadas duas décadas de tal afirmação, esta nos parece ainda mais pertinente neste momento histórico. E, embora a ideologia dominante, que se apresenta na atualidade, seja a pósmodernidade, acreditamos que “irrecusavelmente, o marxismo é, esteja ele certo, esteja ele atravessado por equívocos, a expressão mais alta de todo pensamento ocidental” (CHASIN, s.d.: 6). Porque somente a perspectiva crítica e revolucionária da tradição marxista nos permite compreender a realidade social até a raiz e superar a ordem burguesa. Sendo assim, somente a partir do resgate do pensamento de Marx e da reposição da centralidade do trabalho, a esquerda poderá vislumbrar uma forma de sociabilidade autenticamente humana. De acordo com Tonet (s/d), para Marx, o comunismo implicava, necessariamente uma mudança radical na forma do trabalho, a esta ele chamou de “trabalho associado”. Para alcançar o comunismo a classe trabalhadora terá que teórica e praticamente centrar sua luta para superação do capital. REFERÊNCIAS BOITO JR., Armando. A hegemonia neoliberal no governo Lula. In: Revista Crítica Marxista. nº 17. Campinas: Revan, 2003. CHASIN, José. “Marx, hoje: da razão do mundo ao mundo sem razão”. In: Nova Escrita Ensaio. Ano XV, n° 11/12. Edição Especial. São Paulo: Editora e Livraria Escrita, 1983. ______. Método dialético. Maceió, s.d. (mimeo). GADOTTI, Moacir; PEREIRA, Otaviano. Pra que PT: Origem, Projeto e Consolidação do Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1989. HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991; tradução Marcos Santarrita. 27ª São Paulo, Companhia das Letras, 2003. KONDER, Leandro. História das idéias socialistas no Brasil. 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