POLÍTICAS EDUCACIONAIS NA SOCIEDADE CAPITALISTA: PARTICULARIDADE BRASILEIRA Severina Mártyr Lessa de Moura Resumo Este artigo pretende contribuir com o debate sobre a política educacional no contexto da sociedade capitalista, no que diz respeito às imposições dos organismos financeiros internacionais sobre os governos dos países periféricos, tomando como análise central a particularidade brasileira _o período Lula da Silva. A concepção de que os problemas gerais da educação serão solucionados a partir de vontade política está cada vez mais se tornando hegemônica de norte a sul do planeta. Como sabemos, as agências financiadoras elaboram estratégias, planos de ações e até legislações para a educação dos países dependentes economicamente ao passo que assistimos cada vez mais o estreitamento da relação do Estado com os interesses dos grupos privados. Este estudo orienta-se pelas abordagens críticas que denunciam a tendência reformista dos denominados governos de esquerda que, sofrendo um tipo de mutação ideológica, distanciando-se do ideal socialista operam o deslocamento da centralidade do trabalho para a centralidade da política. Assim, reafirmamos com Marx que o trabalho é o ato fundante do ser social e que a solução para os problemas gerais da educação não se dará através da centralidade da política, então reformista. Na esteira marxista tributaremos dos estudos desenvolvidos por Netto (2010); Arcary (2011); Tonet (2009) Jimenez (2010); Bertoldo e Leher (2010). Palavras-chave: Politica educacional; reformismo; capitalismo. Introdução Estudos que investigam as políticas educacionais dos países periféricos da América Latina e, particularmente, o Brasil, denunciam as estratégias políticas e ideológicas impostas aos sistemas de ensino desses países pelos organismos internacionais em conformidade com os governos nacionais. Desde a Educação Para Todos em Jomtien (1990, na Tailândia), aos dias atuais, tais imposições permanecem atuantes através de órgãos poderosos como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Mundial de Investimentos (FMI), sobre os governos dos países do capitalismo periférico. Ao passo que se observa o estreitamento da relação do Estado com os interesses dos grupos privados, consolida-se as políticas públicas assistencialistas. Neste contexto, vai delineando-se a tendência reformista do período de governo Lula da Silva, denominado governo de esquerda, que sofrendo um tipo de mutação ideológica distancia-se do ideal socialista, comungando com o imperialismo econômico cumprindo o papel reformador do ensino no Brasil, na primeira década do século XXI. O fenômeno do crescente movimento antirrevolucionário, então reformista, no pensamento e nas práticas políticas da 2 esquerda mundial que lutavam ao lado da classe trabalhadora, tem motivado estudos e pesquisas que procuram cercar o fenômeno a partir de diversas abordagens críticas. Neste espaço, tributaremos das contribuições de intelectuais que discutem a problemática do reformismo das políticas púbicas no contexto da sociedade capitalista em crise e o papel do Estado enquanto complexo social guardião dos interesses da sociedade burguesa. Para tanto, tomaremos como metodologia teórica a ontológica do ser social em Marx, reafirmando com a estudiosa marxista Suzana Jimenez : Entendemos que buscar alcançar a raiz mais funda quanto à politica educacional vigente, em qualquer das suas manifestações implica destrinchar-se, sobre o pano de fundo das relações entre o trabalho, a educação e o complexo da reprodução social, em que medida e através de que mediações tais paradigmas e políticas situar-se-iam na trilha das exigências colocadas pelo sistema diante da crise atual. (JIMENEZ, 2010, p. 16). Assim, priorizaremos como fio condutor da nossa reflexão o pensamento radical de Marx que identifica o trabalho como o ato fundante do ser social e a necessária compreensão sobre os complexos sociais exigidos pelo trabalho na reprodução do ser social. 1 O trabalho: ato fundante do ser social Há 166 anos, Marx colocando no centro do debate a necessidade de que a realidade do objeto histórico fosse apreendida em sua essência, desenvolve a crítica aos idealistas alemãs chamando a atenção para que esses vissem o mundo sensível ao seu redor e percebessem que as mudanças que o mundo sofria eram produtos da indústria e do comércio. Desde então, são apresentados três pressupostos da atividade social. Para fazer história os homens precisam estar vivos, condição que exige, primordialmente, a satisfação das necessidades básicas, biológicas (comida, bebida, proteção do sol e da chuva) e sociais (roupas e instrumentos de uso imediato). O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos (MARX, 2011, p. 33). Em um segundo momento, após as necessidades básicas satisfeitas, a atividade social de satisfazê-las e a apropriação dos instrumentos de satisfação “conduzem a novas necessidades e essa produção de novas necessidades constitui o primeiro ato histórico” (idem, UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 3 2011, p. 33), a própria vida renovando-se diariamente. O terceiro momento é a criação dos outros homens, com o acasalamento e a procriação quando se instala a relação familiar entre pais e filhos. Desses pressupostos surge outro momento que é o da produção da vida como uma atividade duplamente caracterizada: de um lado, como uma relação natural e do outro como uma relação social, uma relação de cooperação entre os indivíduos que independe das condições, da forma e dos interesses dessa produção. Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma determinada fase social - modo de cooperação que é, ele próprio, uma “força produtiva” - que a soma das forças produtivas acessíveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto, a “história da humanidade” deve ser estudada e elaborada sempre em conexão com a história da indústria e das trocas. (ibid, 2011, p. 34). O determinado modo de produção, onde determinados indivíduos atuam em cooperação e produzem materialmente, funda relações sociais e políticas determinadas. “O mesmo vale para a produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo” (ibid, 2011, p. 94). Reafirma-se a ideia de que os homens enquanto produtores de suas representações as produzem condicionados pelo modo de produção de sua vida material. “Não têm história, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produção e seu intercâmbio materiais, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar” (idem, 2011, p. 94). Contrapondo-se ao idealismo alemão, centro da crítica nestes termos, Marx e Engels entendem que as representações mentais, resultantes do ato histórico fundante do ser social, a própria produção da vida material, são dependentes deste. A produção de ideias, de representações, da consciência, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda aparecem, aqui, como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo vale para a produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da política, das leis da moral, da religião, metafísica etc. de um povo (MARX, 2007, p. 94). Como vimos, a natureza radicalmente crítica do pensamento de Marx afirma que o trabalho é o elemento mediador entre o homem e a natureza, sendo o ato fundante do ser social e o meio pelo qual são produzidos os bens materiais necessários à sobrevivência dos indivíduos. É sob o trabalho que se edificará qualquer forma de organização social. Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui se eleva da terra para o céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados, UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 4 imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida (MARX, 2007, p. 94). Chega-se ao entendimento de que o trabalho como ato originário do ser social não esgota a natureza humana e que outras atividades surgem da necessidade da reprodução do ser social. A produção de ideias, de representações, da consciência, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda aparecem, aqui, como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo vale para a produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da política, das leis da moral, da religião, metafísica etc. de um povo (MARX, 2007, p. 94). Até aqui, os pressupostos filosóficos de Marx nos levam a compreender que o trabalho é o ato fundante do ser social e, que, as demais atividades sociais (linguagem, arte, política, educação, religião, entre outras) surgem da necessidade de reprodução do ser social, operando-se uma relação de dependência ontológica destas com o trabalho, sem contudo negar-lhes uma autonomia relativa. Apesar do instrumental teórico de Marx e da ontologia do ser social desenvolvida por G. Lukács afirmarem em seus pressupostos que o trabalho é a única categoria que produz os bens materiais necessários à existência humana e, que as demais esferas da atividade social, em suas especificidades, exercem outras funções na reprodução do ser social, é um fato a existência de pensadores 1 no universo acadêmico e científico com significativa aceitação, inclusive nas produções com estatuto marxista, que tendem a considerar as atividades da linguagem, da educação, da política, entre outras, como trabalho. (MOURA, 2011, p.6). Tratando da questão da reprodução do ser social, na especificidade da educação, Lukács nos auxilia na compreensão sobre o surgimento das demais esferas da atividade do ser social, dizendo que 1 Bertoldo (2009) no livro “Trabalho e Educação no Brasil: da centralidade do trabalho à centralidade da política” faz a crítica à tendência de importantes teóricos marxistas, no campo da educação brasileira, por ela analisados, quando abordam em suas produções o trabalho abstrato em suas diferentes formas na atual sociabilidade do capital. Deslocamento, também, do trabalho ontologicamente compreendido, para a centralidade da política. “Como vimos, as perspectivas resultantes das análises de Nosella, Kuenzer, Machado e Frigotto, mesmo levando em conta suas diversas abordagens, acabam vislumbrando formas de educação que consistem na preparação de cidadãos críticos, inseridos no mercado de trabalho. Eles pretendem uma cidadania e uma democracia ampliadas, sendo a participação política fundamental para a transformação social. No nosso ver, esta forma de encaminhamento da questão indica um deslocamento da centralidade ontológica do trabalho para a centralidade da política” (BERTOLDO, 2009, p.150). UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 5 Estas novas categorias, estando atreladas àquela base que as originou, não são redutíveis ao trabalho, uma vez que elas não têm como função a transformação da natureza, conforme verificamos anteriormente. Estas constituem as chamadas posições teleológicas secundárias, uma vez que seu objetivo consiste em “incidir sobre as consciências dos outros homens para impeli-los a executar as posições desejadas” (LUKÁCS, 1981b, apud BERTOLDO, 2009, p.103). Para melhor consolidar a compreensão sobre a relação entre trabalho e as outras categorias da atividade social podemos dizer que entre o trabalho e as outras atividades existe uma relação de dependência ontológica, de autonomia relativa e de determinação recíproca. Dependência ontológica de todas elas em relação ao trabalho, pois este constitui o fundamento. Autonomia relativa, pois cada uma delas cumpre uma função que não resulta mecanicamente de sua relação com o trabalho. Determinação recíproca, pois todas elas, inclusive o trabalho, se relacionam entre si e se constituem mutuamente nesse processo. (TONET, 2009, p.7). No livro “Descaminhos da esquerda, da centralidade do trabalho para à centralidade da política” Tonet e Nascimento (2007) elaboram uma crítica contundente aos reformistas e aos próprios revolucionários que perderam o fio condutor do pensamento de Marx, retirando da classe trabalhadora a possibilidade revolucionária. _ o proletariado_ que por sua própria natureza _ histórica e socialmente constituída_ punha a perspectiva de emancipação real para toda a humanidade. É essa classe trabalhadora, pelo próprio ser, que indica que o trabalho é a matriz fundante do ser social e que a revolução que pretenda efetivar as possibilidades por ela tracejadas deve ter no trabalho associado o seu eixo fundamental. (TONET; NASCIMENTO, 2009, p. 21). Ao criticar o idealismo Alemão, Marx já indicava o proletariado como a classe que trazia em sua essência o movimento capaz de destruir o legado da classe burguesa _ a classe que por sua natureza contraditória só encontrava (e só encontra) o caminho de sua própria manutenção no poder. A história mostra em sua concretude que dentro da lógica do capital_ a exploração sem precedente do trabalhador, o que resta aos trabalhadores são as migalhas. Em cada momento da continuidade do sistema metabólico incorrigível, nos termos de Mészáros (2007), programas e ações políticas de um Estado criado para sustentar os interesses burgueses _ a defesa da propriedade privada_ são elaboradas estratégias ideológicas e políticas no campo do assistencialismo ou da punição, portanto de caráter reformista. Nas Glosas Críticas, ao criticar Arnold Ruge quando este escreveu o artigo “ O Rei da Prússia e a Reforma Social” utilizando a categoria intelecto politico para apontar os limites dos alemães em compreender a revolta dos trabalhadores na Silésia, Marx diz que UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 6 O princípio da política é a vontade. Quanto mais unilateral, isto é, quanto mais perfeito é o intelecto político, tanto mais ele crê na onipotência da vontade e tanto mais é cego frente aos limites naturais e espirituais da vontade e, consequentemente, tanto mais incapaz de descobrir a fonte dos males sociais (MARX, 2010, p. 15). Naqueles termos, Marx já definia o Estado como a própria organização da sociedade civil e, que, este não admitia a origem dos males sociais em suas próprias estruturas, em suas próprias impotências. O Estado não pode eliminar a contradição entre função e a boa vontade da administração, de um lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa contradição. Ele repousa sobre a contradição entre vida pública e privada, sobre a contradição entre os interesses gerais e os interesses particulares. (MARX, 2010, p.60). Na plenitude do século XXI, 168 anos após as contribuições do pensamento de Marx sobre as políticas de Estado, encontramos a história em sua concretude, no que diz respeito como solucionar os problemas sociais em suas diferentes dimensões ( pobreza absoluta, desemprego, depredação ambiental, falta de saúde, déficit habitacional, violência urbana e rural, analfabetismo, drogas entre outros) ainda na perspectiva da centralidade política. O que se apresenta é uma continuidade histórica na forma de se tratar os males sociais. Com Marx é possível compreender a essência deste fato quando ele afirma, Com efeito, essa dilaceração, essa infâmia, essa escravidão da sociedade civil é o fundamento natural em que se apoia o Estado moderno, assim como a sociedade civil da escravidão era o fundamento no qual se apoiava o Estado antigo [...] Se o Estado moderno quisesse acabar com a impotência da sua administração, teria de acabar com a atual vida privada. Se ele quisesse eliminar a vida privada, deveria eliminar a si mesmo, uma vez que ele só existe como antítese dela. (MARX, 2010, p.60-61). E qual o caminho tomar? Na esteira de Marx e na leitura do pensador marxista Ivo Tonet que vem contribuindo, entre outros, para o debate da impossibilidade da conquista da emancipação humana através da centralidade da política, aponta-se a classe trabalhadora como “o sujeito fundamental da revolução”. Nessa luta, outras classes ou segmentos de classe ou indivíduos poderiam ser arrastados a apoiá-la. Mas, sendo ela, de fato a única que produz a riqueza material e que, pelo processo de expropriação, se vê privada dela, somente ela pode ser a responsável fundamental pela extirpação dessa situação. Para a classe trabalhadora não se trata de distribuir melhor a riqueza produzida, porque a forma da distribuição já está pressuposta na forma de produção. Trata-se de instaurar uma nova forma de produção que, então sim, implica uma distribuição de acordo com as necessidades humanas e não com a reprodução do capital. (TONET; NASCIMENTO, 2009, p.38). UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 7 Na perspectiva dos intelectuais marxistas que continuam trabalhando com a centralidade do trabalho como categoria de análise crítica aos fenômenos sociais de essência burguesa, aqui colocado como a política educacional dos países periféricos e as políticas reformistas do governo Lula da Silva, o debate não pode prescindir da necessária premissa em Mészáros (2007) a educação para além do capital, em outras palavras, [...] às margens corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de transformação qualitativa. [...] É por isso que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente. (MÉSZÁROS, 2007, p. 27). Necessário se faz o rompimento radical da lógica do capital através do trabalho associado, colocando-se para a política a tarefa de preparar as condições para que isto aconteça. Assim, compreende-se que as proposições das políticas públicas empreendidas pelo Estado, quer seja na América Latina, quer seja no Brasil, estão na direção contrária ao que Marx pensou sobre as possibilidades da emancipação humana. 2 O capitalismo e seus representantes oficiais: Banco Mundial e o FMI A atuação do Banco Mundial sobre o chamado Terceiro Mundo acontece desde os últimos anos da década de 60 dentro da lógica do império norte-americano em desenvolver estratégias de controle ao expansionismo comunista e aos movimentos de tensão social na América Latina, momento em que “O Banco volta-se para programas que atendam diretamente as populações possivelmente sensíveis ao ‘comunismo’, por meio de escolas técnicas, programas de saúde e controle da natalidade [...]” (LEHER, 2010, p.22 ). Já na década de 70, com a crise estrutural do capital anunciada e a dívida dos países periféricos aumentada “o Banco Mundial emprestou e avalizou empréstimos segundo propósitos estratégicos, gerando dívidas acima da capacidade de pagamento dos países tomadores” (LEHER, 2010, p. 22), aqui no Brasil sentimos a realidade concreta desses empréstimos e o quanto custou à classe trabalhadora nossa inserção no universo neoliberal. O Brasil da década de 90 que, em um processo de continuidade histórica, vivencia efetivamente às determinações do capital em crise, através do Banco Mundial, no que diz respeito às políticas educacionais quando em 1996 foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, a conhecida LDB. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 8 Em Saviani vamos encontrar a caracterização do significado dessa Lei: Considerando-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional como a lei maior da educação do país, por isso mesmo chamada, quando se quer acentuar sua importância, de “carta magna da educação”, ela situa-se imediatamente abaixo da Constituição, definindo as linhas mestras do ordenamento geral da educação brasileira. Dado esse caráter de uma lei geral, diversos de seus dispositivos necessitam ser regulamentados por meio de legislação específica de caráter complementar. E é precisamente nesse contexto que se vai processando, por iniciativas governamentais, o delineamento da política educacional que se busca implementar.(SAVIANI, 2008, p.2). Como sabemos, as agências financiadoras e os organismos internacionais elaboram estratégias, planos de ações e até legislações para a educação dos países periféricos, que é o caso do Brasil, objetivando cada vez mais naturalizar a educação como uma atraente mercadoria. Os relatórios resultantes das conferências, reuniões e fóruns a partir da Conferencia Mundial de Educação para Todos demonstram os objetivos e as metas dos organismos internacionais para com a educação nos países pobres. A Conferencia Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, contou com a representatividade de 155 países e 120 organizações não governamentais (ONG’s) que assinaram e aprovaram a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Esquema de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBAS), que assume como objetivo assegurar a universalização da educação básica e garantir a toda a sociedade os conhecimentos necessários a uma vida digna, humana e justa. (MENDES SEGUNDO, 2007, p.135-136). De 1990 para os dias atuais outras reuniões aconteceram em Nova Delhi, Dakar, Cochabamba, Tirija e Brasília guiadas pelo ideal de Educação para Todos e promovidas, segundo relatório UNESCO, por PNUD, UNICEF, Banco Mundial e por ela própria. No Brasil a marca dessas organizações estão visíveis na própria legislação educacional, quer seja na já citada LDB, quer seja na sua legislação complementar como é o caso do Plano Nacional de Educação (PNE/2001), e no mais recente Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE/2007). Sendo o carro chefe do governo Lula da Silva o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE configura-se na crítica de Jimenez como “o instrumento político com que o Estado Brasileiro vem atualmente penalizando a educação pública em benefício da acumulação privada” (2010, p. 17). Ao longo de uma década os problemas gerais da educação no Brasil estão longe de serem solucionados. Ora, se nos anos 40 do século passado foi necessário ordenar o sistema monetário internacional a partir da criação de regras e de UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 9 instituições formais em Bretton Woods, na atualidade os ajustes financeiros em favor da sustentação da crise estrutural do capital chegam aos limites do tolerável. As políticas assistencialistas que envolvem os setores educacionais, isto é, diretamente a instituição escolar, e outros setores sociais imbricados em programas que integram o PDE distanciam-se cada vez mais da tão propagada educação de qualidade social, [...] este se pulveriza em uma parafernália de programas que preveem ações de natureza, abrangência e implicações absolutamente desiguais [...] O “Caminho da Escola” _que traduz, por exemplo, um simples e necessário programa de transporte escolar; “ Luz para Todos”, “ Olhar Brasil”; “Gosto de Ler [...]” (JIMENEZ, 2010, p. 26). Quando olhamos para os programas de democratização do acesso ao ensino superior encontramos o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), o primeiro utiliza o mecanismo de isenções fiscais para as instituições privadas e o segundo utiliza o mecanismo de financiamento para o aluno cuja renda familiar não permite seu ingresso na rede privada. Exemplos de programas desenvolvidos com a orientação das agencias financeiras e, claro, com o aval do MEC/BRASIL, que selam definitivamente o pacto da esfera pública com os interesses da esfera privada. Entendemos que o quadro das políticas e ações públicas orientadas pelo MEC ao longo do período governo brasileiro, aqui mencionado, trilhou o caminho do reformismo social, fortalecendo o pacto entre o Estado e os interesses dos grupos privados, cumprindo, assim, a lógica do sistema capitalista que historicamente vem resolvendo suas crises ao sabor da miséria da classe trabalhadora. 3 Considerações finais Para além das contribuições críticas sobre o fenômeno da “mutação ideológica” (ARCARY, 2011) e da “íntima relação com o par governabilidade-segurança” (LEHER, 2007), discutidas dentro do campo da política econômica do capital periférico, para entendermos o fenômeno do movimento antirrevolucionário do pensamento e das práticas políticas da esquerda mundial e, particularmente, no Brasil com o governo Lula da Silva, é fundamental atentarmos para as análises críticas desenvolvidas no campo da ontologia do ser social propriamente dita, isto é, as contribuições que trabalham com a categoria _ UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL [email protected] 10 deslocamento da centralidade do trabalho para a centralidade da política. E nesta direção reafirmamos que: A compreensão desse deslocamento da Centralidade do Trabalho para a Centralidade da Política, que confere necessariamente um caráter reformista ou, pelo menos não radicalmente revolucionário, a todos os esforços que pretendem construir uma sociedade justa e igualitária, passa pelo exame inicial do que Marx pensou a esse respeito. (TONET; NASCIMENTO, 2009, p.19). As consequências dos equívocos vivenciados pelo pensamento e pela prática revolucionária, até então desenvolvidas, são extremamente maléficas, pois, desanimadoras para os movimentos que lutam ao lado dos trabalhadores. No campo teórico conservador e, também, no considerado campo de esquerda, acentuam-se as tentativas de negação da essência e das contribuições do pensamento de Marx. Estudos importantes foram e estão sendo desenvolvidos por pesquisadores brasileiros tais como Sergio Lessa, IvoTonet, José Paulo Netto, entre outros, sobre esta questão crucial para o destino da classe trabalhadora. Nesta tarefa é fundamental assegurar o fio condutor e a radicalidade do pensamento marxista _ o trabalho é o ato fundante do ser social. Estando no âmbito filosófico, este fio condutor fundamental exige a compreensão sobre a ontologia do ser social que, em nossa compreensão, é a origem do método de Marx para desenvolver qualquer análise crítica sobre um fenômeno de natureza social dentro da lógica do capital. O distanciamento sofrido pelos ideais revolucionários de intelectuais renomados e partidos políticos que lutavam ao lado da classe trabalhadora, empenhando-se em políticas públicas e ações sociais de natureza reformista, negam que é através do trabalho que o homem produz sua existência social e alcança sua própria criação. Negam a essência da classe trabalhadora enquanto sujeito revolucionário. REFERÊNCIAS ARCARY, V. Menos reforma e mais revoluções. In: _____. Um reformismo quase sem reforma: uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira. 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