Pensamento do Dia Pensamento do Dia

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Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 14 a 16 08 2010
------------------------------------------------------------------Valor Econômico - 16/08/2010
Arredondando o debate sobre o BNDES
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Na coluna do mês passado - O Ovo da Serpente - (02/07) fiz algumas reflexões sobre a
forma de atuar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
nestes últimos anos. Desde então tivemos um intenso debate sobre essa questão na
mídia brasileira. Inclusive a revista "The Economist" dedicou um longo espaço - para os
padrões dessa importante publicação - para repercutir o tema. O próprio Valor publicou
detalhada matéria sobre as operações mais recentes desse banco público. Creio ser
oportuno voltar a esse debate, com algumas considerações que são importantes para
que se faça um julgamento isento.
Em primeiro lugar é preciso entender que o BNDES é um banco público e que, em seu
estatuto, está estabelecido ser sua função realizar operações de crédito que viabilizem os
objetivos do governo federal. Por isso, em seus quase 60 anos de vida, sempre buscou
seguir as orientações oficiais, ressalvados os limites estabelecidos pela boa prática
bancária e a preservação do capital da instituição. Outros limites de sua ação derivam de
valores intrínsecos à democracia brasileira, como a transparência de suas operações, a
impessoalidade de suas decisões e a legalidade de seus atos.
O BNDES tem como fontes principais de recursos o capital próprio da instituição,
acumulado ao longo de várias décadas, e parte da arrecadação do chamado Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT). Criado na Constituinte de 1988, o FAT é o mecanismo que
suporta o apoio financeiro ao trabalhador brasileiro desempregado. Como todo fundo
dessa natureza, seus recursos são aplicados para gerar renda para financiar seus gastos.
A destinação de 40% de sua arrecadação para o BNDES tem, além desse objetivo,
também o de estimular o crescimento da economia e do emprego via o financiamento de
investimentos produtivos.
Os recursos do FAT são limitados e aplicados a taxas fixadas pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN) em níveis bem abaixo do mercado bancário privado e mesmo da Selic.
Esse fato tem levado à crítica de que existe um subsidio implícito nessas operações. Mas
é preciso entender que o subsídio neste caso é suportado pelas empresas que recolhem o
tributo e pelos trabalhadores desempregados que poderiam ter um apoio mais elevado,
se o FAT recebesse os juros iguais à Selic por exemplo.
Entretanto a racionalidade de juros mais baixos para que o BNDES seja capaz de
estimular investimentos produtivos e aumentar o emprego, que é a base do sistema
atual, me parece correta. Principalmente porque ainda não temos no Brasil um mercado
de capitais capaz de realizar operações de prazos mais longos. Somente agora a
colocação de bônus em dólares no exterior tem permitido uma margem maior de
manobra pelas empresas brasileiras. Mas, independente dessas questões, as operações
do FAT a juros mais baixos não geram prejuízos ao Tesouro Nacional. Isso é um fato.
Com a expansão dos investimentos nos últimos anos, principalmente em novas áreas
como o chamado pré-sal, essa sensação de escassez de recursos ficou ainda mais forte.
O presidente Lula aproveitou a crise econômica que vivemos em 2009 para aumentar o
orçamento de crédito do BNDES com a alocação de quase R$ 200 bilhões em títulos
federais.
Essa decisão rompe com a tradição de independência financeira da instituição com
relação ao Tesouro e que prevaleceu nos últimos 22 anos. Da forma como foi
operacionalizado esse canal financeiro, passa a haver um mecanismo de subsídio direto
do Tesouro ao setor produtivo, seja ele privado ou público, sem discussão mais ampla na
sociedade. Inclusive foi levantado um questionamento legal sobre não estar esse subsídio
explicitado no Orçamento Federal aprovado pelo Congresso.
Uma segunda mudança radical na ação do BNDES foi a introdução em suas prioridades,
também sem a necessária discussão pública, de um programa de apoio para a criação de
grandes grupos nacionais para que sejam atores internacionais importantes. Essa visão
faz parte das ideias de um grupo de economistas vinculados ao PT e que acham
necessário um redesenho do capitalismo brasileiro, chamado por eles de Capitalismo
Tardio.
Nesse programa já foram aprovadas vultosas operações de crédito para a consolidação
de uma grande empresa de telecomunicações com capital nacional e de um grande
frigorífico de carnes de dimensão mundial. Sabemos também que existe um projeto de
estimular a fusão de laboratórios nacionais para a criação de uma empresa capaz de
concorrer com os grandes gigantes americanos, suíços e ingleses.
Reafirmo que o governo tem direito de introduzir mudanças nas prioridades do BNDES,
por mais megalomaníacas e irracionais que pareçam, mas tem que atender duas
condições básicas da democracia: transparência nos seus objetivos e respeitar as críticas
que eventualmente venha receber. Não me parece que isso esteja ocorrendo nessa
mudança de rumos da forma de trabalhar do BNDES. A direção do banco nunca explicitou
de forma clara suas ideias, objetivos e prioridades na criação dos chamados atores
internacionais. E, quando questionados sobre as operações já realizadas, a reação é
sempre agressiva e pouco esclarecedora.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretorestrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das
Comunicações.
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O Estado de S.Paulo - 15/08/2010
Um pouco de polêmica
Amir Kahir
O objetivo deste artigo é levantar algumas questões polêmicas no campo econômico para
reflexão e aprofundamento.
1) O Banco Central (BC) errou ao elevar a Selic a partir de 29 de abril?
O BC iniciou a escalada de elevação da Selic, baseado na avaliação que a economia
estaria superaquecida, devido ao excesso da demanda. Os dados do crescimento do
primeiro trimestre reforçaram esse diagnóstico. Para refrear a demanda, segundo o BC,
precisava elevar a Selic para conter a inflação.
No entanto, viu-se que: a) a inflação foi refluindo a partir de maio, desapareceu em
junho e julho e, possivelmente em agosto, será próxima de zero; b) isso independeu da
ação do BC, onde a elevação da Selic leva, segundo ele, de 6 a 9 meses para produzir
efeito sobre a inflação e; c) o que causou a maior parte da inflação foi o excesso de
chuvas, que elevou os preços in natura dos alimentos e, cessada a causa, os preços
voltaram ao normal.
Para fechar na meta de 4,5% neste ano, basta a inflação média mensal de setembro a
dezembro ser de 0,34%, o que pode ocorrer. Contribui para isso o cenário externo com
tendência de estagnação ou até deflação de preços. A se configurar isso, o BC teria
elevado a Selic desnecessariamente.
Caso ela permaneça em 10,75% até o final de 2011, a gastança adicional com juros
atingiria R$ 10 bilhões neste ano e R$ 32 bilhões em 2011! Isso supera com folga a
eventual perda do Tesouro nas operações de transferência de R$ 180 bilhões ao BNDES.
A propósito, o que está fora de lugar: a TJLP ou a Selic?
2) São confiáveis as previsões de Inflação do Boletim Focus?
Não deixa de causar estranheza que há 18 semanas sucessivas (!) as cem instituições do
mercado financeiro consultadas pelo BC preveem inflação de 4,8% para 2011. Como não
se pode imputar preguiça em mexer nos números, o que poderia explicar isso? Os
modelos usados para prever a inflação são iguais ou querem justificar a continuidade de
mais elevação da Selic, pois aumentam seus lucros?
Chamou também a atenção que essas instituições previram inflações de 0,30% em junho
e julho e se disseram surpreendidas duas vezes seguidas pelo não ocorrido. Erros de
previsão em curtíssimo prazo não criam confiabilidade para previsões de longo prazo,
que é a base das decisões do Copom.
É necessário o BC consultar outros atores, majoritariamente fora do mercado financeiro,
que lucra tanto mais quanto mais elevada for a Selic, e dar maior transparência às suas
previsões. As atas do Copom e os relatórios trimestrais de inflação do BC não
apresentam o que mais interessa em termos de transparência, que são as previsões
mensais de inflação. Por que será?
3) As elevações da Selic vão conter o crescimento econômico?
Em face dos resultados de indicadores da atividade econômica desse segundo trimestre,
algumas análises projetam crescimento mais modesto da economia para este ano, talvez
inferior a 7%. Não foi a elevação da Selic que causou um menor crescimento nesse
segundo trimestre, mas sim: a) a antecipação de produção no primeiro trimestre, para
recompor estoques e; b) a retirada de estímulos fiscais para compra de veículos e
eletrodomésticos, que antecipou consumo e produção para o primeiro trimestre. Creio
que, a partir deste segundo semestre, o crescimento retoma seu vigor normal devido a
três fatores: crescimento da massa salarial, do crédito e da confiança de empresários e
consumidores, que são fatores que não dependem da Selic. Assim, não será surpresa se
for registrado neste ano um crescimento acima de 7%, com inflação próxima à meta de
4,5%. E o BC não terá nada a ver com isso.
4) É exagerado um crescimento acima de 7% para este ano?
A teoria do superaquecimento surgida com os resultados do PIB do primeiro trimestre,
que mostrou elevação de 2,7% sobre o trimestre anterior, poderia, caso persistisse essa
taxa, levar a um PIB anualizado de 11,4%. É importante considerar a fraca base de
comparação que foi o ano de 2009, onde a economia recuou 0,2%, após um ritmo médio
anual de crescimento de 2006 a 2008 de 5,1%. O ponto fora do gráfico não é 2010, mas
2009. Assim, para manter a tendência natural do crescimento que vinha desde 2006, não
seria de estranhar que em 2010 o PIB crescesse 10%. Já para 2011, seguindo a
tendência, seria de 5%.
5) É necessário investimento superior a 22% do PIB para permitir um
crescimento sustentável de 5%?
Algumas análises acham que sim. Comparam com a China e Índia, que têm taxas de
investimento superiores a 40%. O fato é que, durante 30 anos, de 1951 a 1980, o
investimento no Brasil foi de 19,2% do PIB e o crescimento, 7,4% ao ano. Neste ano, o
investimento será de 19% do PIB, com produtividade bem superior à ocorrida há mais de
trinta anos. Assim, pelo histórico, parece que o nível de 22% esteja superdimensionado.
Parece haver uma crença de que a mola do crescimento é o investimento, e para isso o
setor público deveria investir mais, reduzindo despesas de custeio. Ora, são essas as
despesas voltadas para atender o elevado déficit social do País, cujos índices estão muito
aquém da posição econômica que o Brasil possui. Creio que para acelerar o
desenvolvimento social e econômico o mais adequado é: a) racionalizar e priorizar
despesas de custeio e investimentos; b) aproveitar isso para ampliar as despesas de
custeio na área social e; c) continuar políticas de estímulo ao setor privado, responsável
pela maior fatia do investimento.
O setor privado está bombando nos investimentos devido aos bons lucros (41% de
crescimento em um ano) e perspectivas de expansão do consumo. Essa expansão está
ancorada na evolução da massa salarial catalisada por despesas de custeio na área
social, como as propiciadas pela elevação do salário mínimo, do Bolsa-Família e outras.
6) Crescimento fora dos denominados produto potencial, ou taxa de juros de
equilíbrio, gera inflação?
Há uns três anos atrás, algumas análises estimavam o produto potencial em 3% e a taxa
de juros de equilíbrio em 9%. Afrontar esses índices, segundo essas análises, era
caminho certo para a elevação da inflação. No entanto, os fatos foram desmentindo
essas previsões.
Agora estimam produto potencial de 5% e a taxa de juros de equilíbrio de 6%. Talvez no
fim do ano, surpresos com o comportamento da economia, que poderá experimentar
crescimento forte e inflação próxima à meta, novos números mágicos apareçam, ou
sumam, para não caírem em descrédito. A globalização tem papel nisso, pondo em
cheque conceitos adequados a economias fechadas. Ignorar os efeitos externos sobre a
inflação é o mesmo que tapar o sol com a peneira.
7) O crescimento dos investimentos em infraestrutura depende do setor público
investir mais?
Historicamente, 85% dos investimentos provêm das empresas e apenas 15% são feitos
diretamente pelos Tesouros Federal, Estadual e Municipal. O setor privado para investir
usa principalmente recursos próprios gerados pelo lucro em suas operações.
Secundariamente, financiamentos e Bolsa de Valores.
O setor público investe o que sobra após realizar suas despesas de custeio e pagar o
serviço da dívida. Como o serviço da dívida é elevado (cerca de 6% do PIB) e as
despesas de custeio estão longe de atender o elevado déficit social, a sobra para
investimentos é reduzida. Assim, mesmo racionalizando e priorizando despesas públicas,
parte substancial dos recursos excedentes será canalizada para atender o déficit social e
obras, como construção de hospitais, postos de saúde, escolas e vias públicas. Os
investimentos em infraestrutura são feitos normalmente por concessão ao setor privado,
por estatais, com apoio do BNDES e fundos de pensão estatais.
A vantagem é que dessa forma o setor público ganha por quatro vias: a) escapa da
burocracia paralisante; b) racionaliza recursos para investimentos e; c) não tem de arcar
com as despesas de manutenção da infraestrutura, pagas, por exemplo, através de
pedágio nas rodovias, nas contas de energia elétrica e comunicações e; d) arrecada
parcela expressiva de tributos dessas operações, o que não ocorreria caso elas fossem de
sua responsabilidade. Não é por acaso que essas vantagens vêm sendo utilizadas há
muitos anos.
Aprofundar o debate sobre questões-chaves na avaliação macroeconômica é um caminho
adequado para testar teorias e confrontar resultados, especialmente em momentos em
que a disputa de projetos para o futuro merece compromissos claros e explícitos. Não
bastam bons gerentes públicos; mais importante são os rumos que precisam ser
seguidos para acelerar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do País.
------------------------------Folha de S.Paulo - 15/08/2010
Imperial ou imperialista?
Luiz Carlos Bresser-Pereira
A nação é imperial, e não imperialista, quando sabe que o nacionalismo do país
mais fraco é necessário
TODO PAÍS rico e poderoso é "imperial" em relação aos países pobres e fracos que o
cercam; os EUA são necessariamente imperiais em relação aos demais países do mundo;
o Brasil o é em relação aos países sul-americanos menos desenvolvidos. Ninguém escapa
da influência da sociedade mais desenvolvida.
Mas isso não significa que os Estados-nação sejam sempre "imperialistas". Um país é
imperialista quando supõe que os interesses do país pobre são idênticos aos seus, rejeita
o nacionalismo através do qual esse país busca formar um verdadeiro Estado-nação e se
desenvolver e tenta impor-lhe sua verdade superior.
É imperial ao invés de imperialista quando, não obstante seu poderio, compreende que o
nacionalismo do país mais fraco é necessário para que ele realize sua revolução nacional
e capitalista e, por isso, aceita que alguns interesses de curto prazo de suas empresas
sejam contrariados, porque acredita que o desenvolvimento do país vizinho será a médio
prazo benéfico para seu próprio desenvolvimento.
Os EUA foram imperiais ao invés de imperialistas logo após a Segunda Guerra Mundial,
mas esse foi um breve instante. Já o Brasil, desde os anos 1990, aprendeu a pensar em
termos do médio prazo em relação a seus vizinhos.
Isso ficou claro em sua relação com a Bolívia, o Paraguai e a Venezuela: ao primeiro
reconheceu a necessidade de o país nacionalizar sua indústria do petróleo e rever alguns
contratos leoninos que dirigentes anteriores do país haviam firmado; ao Paraguai fez
concessões razoáveis no caso de Itaipu. Em relação à Venezuela, mantém relações
amigáveis com Chávez desde que este foi eleito.
Entretanto, setores das elites brasileiras não compreendem esse fato. De repente ficam
nacionalistas e querem que o governo brasileiro "defenda os interesses brasileiros" com
mais determinação.
Esquecem, assim, que quem rejeitou a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e
começou a política sul-americana do Brasil e quem primeiro soube compreender as
dificuldades e as contradições que enfrenta um governante de um país pobre e dominado
por séculos, como é a Venezuela, foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. Nessa
política, o presidente Lula não inovou; apenas deu um passo adiante.
O tempo do imperialismo já passou. Quase todos os países pobres sabem que para se
desenvolver precisam livrar-se da dependência externa e promover sua industrialização
para, assim, realizar sua revolução capitalista.
E sabem também que essa é uma tarefa nacional muito difícil, porque, além de enfrentar
os grandes países e seus interesses de curto prazo, enfrentam imensos problemas
internos: baixo nível de educação, elites locais alienadas que preferem se aliar às elites
externas do que a seu povo, um Estado mal organizado e permanente vítima da
corrupção de capitalistas, políticos e burocratas.
O Brasil, que já realizou sua revolução capitalista, compreende esse fato. Compreende
que é muito mais interessante para ele que seus vizinhos sejam nacionalistas e
construam sua nação, logrando, assim, ter uma competente classe empresarial, uma
ampla classe média e uma classe trabalhadora organizada. Por isso o Brasil é imperial,
não é imperialista.
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O Estado de S.Paulo - 15/08/2010
Crescimento distorcido
Alberto Tamer
A semana começou tensa. Indicadores negativos na China e nos Estados Unidos,
declarações sombrias de Ben Bernanke e intervenção do Fed no mercado - assustando
tanto quanto ajudando -, desemprego em alta, consumo retraído. Houve certo alívio na
sexta-feira, com o anúncio de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na zona do
euro de 0,2% no segundo trimestre, mas não foi suficiente para atenuar o pessimismo
no mercado que terminou em baixa pelo quarto dia consecutivo.
Nos primeiros dias da semana, falava-se em risco de nova recessão, depressão, deflação,
com os preços tendo a menor alta desde 1960. Temendo errar como erraram ao avaliar a
crise financeira, agora ninguém se arrisca muito a fazer previsões. Mesmo assim, ouviuse ainda falar muito em crise financeira e recessão, que Paul Krugman e Nouriel Roubini
acham inevitável se não houver mais, muito mais estímulos fiscais mesmo ao custo de
um déficit maior. O que existe está perdendo fôlego.
"Há muita conversa sobre deflação, mas os números ainda não estão mostrando isso",
refuta Zack Pandl, da Neumura Securities.
"Não é que está piorando, mas que não está melhorando em relação ao que já estava
ruim", afirmou o analista americano William Schultz, refletindo o clima no mercado
financeiro. Temos visto uma série de notícias ruins, acentuadas pelo próprio Bernanke,
que não foram superadas, diz outro analista.
Não se sustenta. O crescimento de 0,2% da zona do euro no primeiro semestre não
impressionou. Ele se deve a um aumento de 2,2% do PIB da Alemanha, alimentado por
mais exportações para um mercado mundial retraído. Não vem, como deveria ser:
sustentável. A Alemanha continua aumentando seu superávit comercial que ficou em U$
77 bilhões entre janeiro e maio. Reprime demanda, aumenta vendas externas,
principalmente, para parceiros na União Europeia.
E eles vem a nós. Encolhidos, se defendem e vão às vendas, em busca de mercados que
ainda crescem na esteira da agressividade alemã. Quais? Se o leitor disser China, está
certo. A agência oficial de estatística da União Europeia, Eurostat, registra um aumento
de 42% com a China entre janeiro e maio, mas há uma surpresa desagradável.
Acreditem, a União Europeia aumentou ainda mais as exportações para o Brasil.
Vai ficar assim. As conclusões neste fim de semana são que na esteira dos Estados
Unidos e da China, a economia mundial vai continuar crescendo menos. Mais grave,
muito mais grave, esse pequeno aumento está ocorrendo via exportações dos países
centrais para os emergentes, criando sérias e insustentáveis distorções comerciais. Os
países desenvolvidos estão crescendo para fora, não para dentro. E não há o menor sinal
de mudança.
Jorg Kramer, economista do Commerzbank, na Alemanha, lançou na sexta-feira um
alerta: "Não há impulso econômico em toda a Europa (nos Estados Unidos e no Japão
também.) Há muita coisa a caminho". O quê? Economia mundial parando na dependência
do crescimento de apenas meia dúzia de países do Leste Asiático, da América Latina e da
Índia. A Rússia, está descartada.
Os Estados Unidos parecem acomodados nessa situação e a União Europeia ocupa
mercados para crescer e sair do clima de recessão.
O que muda. Não muda. E, incrível, parece que nem nós estamos querendo mudar. Eles
continuaram forçando as vendas num mercado mundial que cresce menos que em anos
anteriores, mesmo antes da crise, simplesmente porque não há decisão política de adotar
medidas que sustentem o crescimento interno. E nós estamos aceitando isso apesar dos
veementes protestos do presidente que eles não ouvem.
Não sei se Paul Kurgman não estaria certo ao dizer que a recessão não é um risco. Está
por aí.
---------------------------------Valor Econômico - 16/08/2010
Teste para a estabilidade dos EUA
José Viñals
O verdadeiro teste dos EUA será a forma como as recentes reformas serão
instituídas domesticamente e como serão coordenadas internacionalmente
Uma lei de reforma financeira de grande abrangência acaba de ser aprovada nos Estados
Unidos - uma resposta histórica à crise financeira mais devastadora em décadas, que dá
passos importantes e bem-vindos para abordar os muitos pontos fracos revelados pela
crise no sistema financeiro e regulador do país.
Enquanto o governo Obama e o Congresso dos EUA extraíam lições da crise e
deliberavam sobre as reformas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também avaliava
o sistema financeiro dos EUA por meio do Programa de Avaliação do Setor Financeiro
(FSAP, na sigla em inglês). O FSAP foi criado na esteira da crise asiática de meados dos
anos 90, para permitir uma avaliação objetiva das forças e vulnerabilidades dos sistemas
financeiros dos países, inclusive para determinar em que ponto estão em relação aos
padrões internacionais. A recente crise levou o G-20 a reafirmar a importância das
revisões feitas pelo FSAP para os esforços de promoção da estabilidade mundial, tendo
até comprometido seus membros a passar por essas análises regularmente.
Então, com os EUA agora tendo realizado esse exame, qual a percepção sobre a saúde
do sistema financeiro do país e as recentes reformas na regulamentação?
A revisão contém muitas conclusões positivas. Elogia as autoridades dos EUA por suas
decisões ousadas e decisivas para conter o risco de colapso sistêmico durante um
período de extrema agitação dos mercados. Embora a crise tenha imposto custos
devastadores, nacional e internacionalmente, os erros que levaram à Grande Depressão
parecem ter sido evitados.
As autoridades americanas também agiram com rapidez para apresentar a lei de
reforma, que aborda as debilidades que levaram à crise. A aprovação da lei Dodd-Frank
pelo Congresso representa um marco significativo na reforma do setor financeiro dos
Estados Unidos. Pela nova lei, estabeleceu-se um novo órgão regulador do risco
sistêmico, fortaleceu-se a fiscalização do setor bancário "paralelo" e criaram-se novos
mecanismos para lidar com a quebra de instituições não bancárias sistemicamente
importantes.
Essas reformas tornam possível a criação das fundações para um sistema financeiro mais
sólido e seguro. Ainda assim, a revisão do FSAP enfatiza que o trabalho ainda não
acabou e que há tarefas cruciais por realizar.
Primeira tarefa: embora a estabilidade financeira tenha sido restaurada de forma
generalizada e o capital dos bancos reforçado de forma significativa como resultado dos
"testes de estresse" de 2009, ainda há focos de debilidade significativos. Isso porque,
mesmo que o crescimento mantenha o atual ritmo, será necessário mais capital,
especialmente para os bancos pequenos e médios.
Essas necessidades parecem ser administráveis, mas os recentes acontecimentos na
Europa e os últimos dados econômicos dos EUA servem para lembrar-nos que a
recuperação e a confiança continuam frágeis, especialmente dentro de um cenário de
alto endividamento público. Em caso de enfraquecimento da economia, a necessidade
por capital adicional para os bancos poderia ser substancial.
Segunda tarefa: a lei Dodd-Frank é um passo imenso em direção à melhora na
regulamentação das instituições financeiras, tanto isoladamente quanto do sistema como
um todo. Mas perdeu a oportunidade de tornar as agências de supervisão mais ágeis, ao
não deixar claro se foram resolvidos os conflitos que contribuíram para a crise, sobre o
poder de alcance e as velhas lacunas desses órgãos. A lei serve de esqueleto para a nova
arquitetura de regulamentação. Caberá ao novo Conselho de Supervisão da Estabilidade
Financeira agregar os músculos fiscalizadores a esses ossos: melhorar a cooperação
entre as agências, tornar mais rigorosas as leis que regem instituições de importância
sistêmica e reagir com rapidez e rigor aos riscos sistêmicos.
Terceira tarefa: reduzir os riscos sistêmicos exige ações determinadas para garantir que
as instituições financeiras não sejam grandes demais para falir. A nova lei dá passos
importantes nessa direção, requerendo capital adicional e outros encargos proporcionais
a seus riscos sistêmicos, exigindo que as empresas sistemicamente importantes
preparem "testamentos vitais" para que possam ser fechadas com facilidade e criando
um esquema especial de resoluções para o caso de quebras. Essas medidas, contudo,
não podem ser substitutas de uma supervisão forte e preventiva; regras e
regulamentações não podem ser substitutas da "vontade de agir".
Quarta tarefa: a reforma do financiamento imobiliário nos EUA continua inacabada. As
políticas públicas de subsídio aos créditos hipotecários nos EUA foram custosas,
ineficientes e encorajaram a assunção excessiva de riscos, o que ajudou a empurrar o
sistema em direção à crise. Propostas concretas para resolver essa situação estão sendo
formuladas agora, mas não se pode dizer que o sistema financeiro foi reparado sem uma
solução decisiva para as agências hipotecárias [sob licença do governo] dos EUA e cortes
significativos dos subsídios dos EUA para as captações hipotecárias.
Em resumo, as autoridades dos EUA avançaram muito para fortalecer o setor financeiro.
Sua participação na avaliação do FSAP - e seu acordo para divulgar os resultados - atesta
seu compromisso com os esforços mundiais para assegurar que a crise dos últimos três
anos não se repita. O verdadeiro teste, no entanto, será a forma como as recentes
reformas
serão
instituídas
domesticamente
e
como
serão
coordenadas
internacionalmente.
José Viñals é conselheiro financeiro e diretor do departamento de Mercado de
Capitais do FMI.
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Estadão Online – 13/08/2010
Os recursos da Previdência Social
Paul Krugman
Infelizmente, parece que teremos de travar o combate em defesa da Previdência Social
outra vez, enfrentando os mesmos argumentos desonestos de antes. Quero aproveitar a
oportunidade para desmistificar uma velha falácia que ainda engana a muitos: a
baboseira segundo a qual não-existe-fundo-de-pensão.
Como devemos entender a Previdência Social? Trata-se de um programa do governo
mantido por um imposto específico; como no caso de outros programas do tipo (o fundo
para a construção e manutenção de estradas, por exemplo), os recursos excedentes
podem ser depositados em conta nos anos em que a arrecadação superar o volume de
custos e usar os recursos armazenados para cobrir déficits em anos mais difíceis.
É claro que a previdência é também parte do orçamento federal mais amplo. Isso
significa que o Congresso sempre dispõe da opção de realocar a arrecadação proveniente
do imposto sobre folha de pagamento (ou confiscar os recursos armazenados em conta,
o que equivale a realocar a arrecadação de períodos anteriores) e também de completar
os recursos da Previdência Social com fundos adicionais caso necessário. Entretanto,
qualquer uma dessas medidas provocaria terremotos políticos; assim sendo, o
financiamento independente do programa é realmente significativo do ponto de vista
prático.
Há duas formas de se encarar a Previdência Social. Podemos entendê-la como um
programa independente e, neste caso, o imposto sobre folha de pagamento e o fundo
que acumula os recursos estão no centro da questão; ou podemos entendê-la como
simplesmente parte do orçamento federal e, neste caso, o tamanho relativo das pensões
de aposentadoria e da arrecadação do imposto sobre folha de pagamento não é
especialmente significativo – as pensões são apenas um gasto federal, e o imposto sobre
folha de pagamento é apenas uma fonte de arrecadação fiscal.
Essas interpretações não são contraditórias; o entendimento que devemos enfatizar varia
conforme a pergunta que tentamos responder. Se quisermos saber quando a Previdência
Social, em si mesma, enfrentará uma crise, exigindo cortes nos benefícios ou a injeção
de novos recursos, é melhor encará-la como algo em separado. Se quisermos pensar a
respeito da direção geral seguida pelo orçamento do governo, o melhor é simplesmente
incluir a Previdência Social no volume total.
Mas eis algo que é ilegítimo fazer: alternar entre essas concepções ao bel prazer. Não se
pode dizer que a Previdência Social é apenas parte do orçamento federal e, portanto, o
fundo de pensão é irrelevante – e então dizer que, por não haver um fundo de pensão
verdadeiro, a Previdência Social enfrentará uma crise quando a arrecadação do imposto
sobre folha de pagamento ficar aquém dos benefícios a pagar. Das duas, uma: podemos
pensar no orçamento como um todo, e entender que impostos sobre folha de pagamento
nada têm a ver com o pagamento de aposentadorias, ou pensar no financiamento
dedicado, levando em consideração o fundo de pensão acumulado.
Em outras palavras: não existe abordagem válida segundo a qual os excedentes da
Previdência Social não sejam considerados, mas os seus déficits, sim.
O que torna ainda mais preocupante o fato de o copresidente da comissão do déficit
estar afirmando exatamente isso.
Atualização: Mais um argumento que vale ser explorado: o que diríamos a respeito das
implicações financeiras de um plano para reduzir as despesas da Previdência Social por
meio de medidas como MATAR OS IDOSOS DE TANTO TRABALHAR aumentar o limite
de idade para a aposentadoria? Do ponto de vista de uma previdência independente, isso
representaria um maior acúmulo no fundo de pensão. Do ponto de vista das despesas
integradas, representaria uma redução no déficit orçamentário. Dizer que as duas
consequências decorrem de tal medida não é uma fraude de contabilidade dupla; tratase apenas do reconhecimento de que há dois critérios envolvidos neste caso. E pode ter
certeza que quando a comissão do déficit revelar sua proposta para OBRIGAR OS
APOSENTADOS A COMER RAÇÃO DE GATO reduzir os benefícios futuros pagos pela
Previdência Social, será esta a argumentação apresentada.
Mas, por incrível que pareça, em se tratando de reduções nos custos do sistema de
saúde proporcionadas pela reforma recém aprovada, fazer uma afirmação absolutamente
razoável como esta é considerado um caso revoltante de contabilidade dupla.
--------------------------------Valor Econômico - 16/08/2010
BNDES, transparência e pseudossubsídios
Antonio C. de Lacerda
Raciocínio tem que ser dinâmico e não estático; mais econômico do que contábil
A atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem sido
alvo de uma série de questionamentos, especialmente no que se refere a um alegado
subsídio embutido nos empréstimos ao setor privado.
O foco tem sido nos aportes realizados pelo Tesouro Nacional ao banco, envolvendo nos
últimos dois anos um montante de R$ 180 bilhões. Como os empréstimos do BNDES são
corrigidos pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6% ao ano, e a
dívida pública é regida principalmente pela Selic, a taxa básica de juros, definida pelo
Comitê de Política Monetária (Copom), hoje em 10,75%, a diferença se configuraria em
um subsídio ao setor privado.
No entanto, a questão não é assim tão simples. Aparentemente haveria na operação uma
diferença de 4,75 pontos percentuais que se configuraria em um subsídio da ordem de
R$ 8 bilhões ao ano, a ser coberto pelas contas públicas. Mas, o raciocínio aqui tem que
ser dinâmico e não estático. Mais econômico do que contábil.
O primeiro ponto a ser destacado é que trata-se de empréstimos de longo prazo, de 30
ou mais anos. É muito pouco provável que a diferença atual, entre Selic e TJLP prevaleça
nesse longo período. A tendência é que elas se aproximem, pois as taxas de juros
básicos devem ser reduzidas.
Segundo, vale analisar o papel dos bancos públicos. Eles existem como atividade de
fomento, financiando investimentos em infraestrutura, indústria e agropecuária, algo que
os bancos privados nem sempre estão dispostos a fazer. Outro aspecto importante é que,
no mundo cada vez mais globalizado, nossas empresas concorrem com outras, que têm
condições de financiamento incomparavelmente mais favoráveis.
Empresas sul-coreanas e chinesas, por exemplo, contam com financiamentos públicos a
custo praticamente zero e tem as suas atividades apoiadas com subsídios e incentivos
porque são vistas como estratégicas para o desenvolvimento e inserção internacional
desses países.
A questão é que as altas taxas de juros praticadas no mercado doméstico brasileiro
inibem os investimentos produtivos. Elas são um verdadeiro convite ao ócio. Porque
alguém investiria na produção para ganhar menos do que receberia adquirindo títulos da
dívida pública, sem muito esforço e quase sem risco. Os próprios bancos privados
tendem a não se interessar por operações de crédito, porque é muito mais cômodo e
seguro financiar o Estado. No Brasil, os bancos públicos também têm a função de corrigir
parcialmente essa anomalia.
Mas, as contas públicas também são favorecidas com o resultado das operações
realizadas pelos bancos públicos. Primeiro porque há um efeito multiplicador dos
investimentos, que vamos considerar, de forma conservadora, da ordem de duas vezes.
Os R$ 180 bilhões adicionais de capacidade de empréstimos do BNDES geram
potencialmente R$ 360 bilhões de atividade econômica, que propiciam uma receita
tributária da ordem de R$ 72 bilhões, considerando, também de forma bastante
conservadora, um carga tributária média de 20%.
O segundo aspecto é que a atividade do BNDES é lucrativa. Somente em 2009 gerou o
lucro líquido de R$ 6,7 bilhões, depois do pagamento de Imposto de Renda. O Tesouro
Nacional é beneficiário de grande parte desse lucro, na forma de dividendos.
Um terceiro ponto, de difícil mensuração, é o custo da não realização de investimentos. O
BNDES praticamente dobrou a sua participação no financiamento de investimentos na
infraestrutura e indústria nos últimos quatro anos, de 21%, em 2005, para quase 40%
do total, em 2009. Se não houvesse o apoio dos bancos públicos muitos projetos não
seriam realizados, especialmente na infraestrutura, representando uma restrição ao
crescimento da atividade, do emprego, da renda e da receita tributária. Algo danoso para
o país.
Ou seja, não há subsídio nas operações do BNDES, nem no conceito clássico da
Organização Mundial do Comércio (OMC), porque os juros praticados, embora mais
baixos do que a média do mercado brasileiro ainda estão muito acima dos concorrentes
internacionais, nem representam ônus para as contas públicas, uma vez que a receita
gerada para o governo, supera em muito o custo implícito na operação.
A crise internacional deveria ter ressaltado o papel crucial desempenhado pelos bancos
públicos no Brasil, que representaram um importante instrumento de política
macroeconômica anticíclica. Foi um determinante contraponto à escassez de crédito de
financiamento e, portanto, um dos principais fatores que diferenciaram a economia
brasileira de outros países em desenvolvimento que não puderam contar com
instrumentos equivalentes.
Não deixa de ser curioso observar que os defensores do erário público e da
transparência, no que se refere ao suposto subsídio dos empréstimos públicos ao setor
privado, jamais tenham proposto o mesmo procedimento para o custo de financiamento
da dívida pública. Os juros reais mais elevados do mundo geram uma despesa pública
anual de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB), algo próximo de R$ 160 bilhões ao ano.
Uma transferência enorme de renda de toda a sociedade para o setor financeiro e os
rentistas, extremamente vulnerável às "expectativas" de inflação e de juros, que acabam
influenciando fortemente as decisões do Copom!
Antonio Corrêa de Lacerda é é professor-doutor do departamento de economia
da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e da
Sobeet.
--------------------------------O Estado de S.Paulo - 15/08/2010
É preciso evitar exageros
Affonso Calso Pastore
Autoridades brasileiras que visitassem fóruns internacionais como as reuniões do BIS e
do G-13 nas últimas semanas voltariam tomadas por grande pessimismo sobre a
economia mundial. Nos Estados Unidos, o sonho de uma recuperação em V já
desapareceu, e atualmente a preocupação central do Federal Reserve é com a deflação,
que jogaria a economia norte-americana em um segundo mergulho recessivo. Os dados
recentes mostram que a recuperação tem sido lenta mesmo diante das maciças compras
pelo Fed de bônus do tesouro e de títulos lastreados em hipotecas. Se na sua última
reunião o Fed não tivesse decidido retomar essas compras, estaria iniciando um gradual
aperto monetário que retardaria ainda mais a recuperação, correndo o risco provocar
uma nova onda recessiva.
Na Europa as perspectivas de crescimento são ainda piores. Se a partir de maio deste
ano o Banco Central Europeu (BCE) não tivesse passado a comprar títulos de dívida
soberana de países com problemas de solvência, provavelmente estaríamos assistindo a
uma nova crise bancária, com consequências recessivas profundas sobre a Europa e o
mundo. Comparada com os Estados Unidos a Europa tem grande fragilidade fiscal, o que
retarda ainda mais seu crescimento. Com dívidas públicas muito grandes com relação ao
PIB, os países industrializados da área do euro têm menores graus de liberdade no uso
de estímulos fiscais, e este problema é ainda mais grave nos países da periferia do euro.
A piora das perspectivas de crescimento mundial traz de volta a lembrança do mergulho
recessivo dos países industrializados e do Brasil em 2008, e eleva as pressões para uma
maior flexibilidade monetária e para uma política fiscal mais expansionista. A tentação de
seguir esse caminho cresce na medida em que as autoridades brasileiras sejam
contaminadas pelos temores das autoridades do mundo industrializado mostrados
naquelas reuniões. É aqui que mora o perigo.
Em 2008, a crise mundial afetou o Brasil porque provocou o colapso do crédito mundial,
que não é algo que esteja à vista no presente. Nem está à vista uma queda do total das
exportações mundiais. Indiretamente em 2008 o Brasil foi vítima da crise bancária que
se iniciou nos Estados Unidos e migrou para a Europa. Porém, como a saúde do sistema
bancário brasileiro não foi afetada, e como o Banco Central rapidamente agiu para evitar
o empoçamento de liquidez e para restaurar o financiamento de exportações usando as
reservas, ocorreu uma rápida restauração do crédito, criando as condições para a
recuperação. Quando o Banco Central baixou a taxa de juros e o governo engajou-se em
uma política fiscal expansionista, o Brasil estava pronto para sair da recessão.
Riscos eliminados. Atualmente há apenas uma desaceleração do crescimento mundial,
ainda que forte, e não uma recessão, e não vemos o desenvolvimento de uma crise
bancária, cujos riscos foram praticamente eliminados nos Estados Unidos. Embora a crise
de dívida soberana na Europa seja uma espada pendurada sobre a cabeça dos bancos, as
autoridades europeias vêm tomando medidas para reforçar a corda que a sustenta. A
percepção dos mercados, estampada em todos os indicadores que medem o grau de
aversão ao risco, é de que é muito baixa a probabilidade de uma nova crise bancária. Ou
seja, não se vê pela frente um "choque externo" que provoque uma queda do crédito no
Brasil, que deverá continuar se ajustando apenas em resposta ao crescimento da
demanda doméstica, cuja expansão é a fonte principal impulsionando o crescimento do
PIB.
Há atualmente uma queda apenas transitória da inflação, mas a economia brasileira está
aquecida, o que projeta uma retomada da inflação que, na ausência de uma forte
desaceleração vinda da economia mundial, requer ainda um ajuste na taxa de juros.
Felizmente a taxa real de juros no Brasil mostra clara tendência declinante, e o ajuste
necessário é menor do que costumavam ser no passado. O Banco Central pode optar
entre completar este ajuste, trazendo a inflação para a meta em um horizonte razoável,
ou engajar-se na acomodação monetária, deixando para 2011 um legado de inflação
mais alta.
Ao lado disso, a política fiscal continua expansionista. Embora o governo tenha removido
os incentivos do IPI à compra de automóveis, os superávits primários continuam abaixo
da meta. São superávits suficientes para evitar o crescimento da dívida líquida em
proporção ao PIB, mas expandem a demanda agregada em uma economia já aquecida.
Por outro lado, a dívida pública líquida não está crescendo, mas a dívida bruta cresce
aceleradamente. A acumulação das reservas internacionais explica apenas em parte essa
diferença. A outra parte é explicada pelos recursos que o Tesouro vem repassando a
instituições financeiras públicas - notadamente o BNDES. Como o Tesouro não tem estes
recursos no orçamento emite títulos da dívida pública, elevando a dívida pública bruta,
deduzindo-os para chegar à dívida líquida sob o argumento de que adquiriu créditos
contra o BNDES. Até 2007 estes repasses flutuavam em torno de uma média de 0,5% do
PIB, e atualmente atingem 7% do PIB!
Este mecanismo está sendo usado para provocar um "choque de crédito" no sistema
econômico, que expande a demanda agregada. No último Relatório de Inflação foi
incluído um box que desenvolve o argumento de que devido ao aumento do crédito
bancário em proporção ao PIB cresceu a eficácia da política monetária. A demonstração
do Banco Central somente seria válida caso toda a expansão do crédito respondesse
endogenamente aos estímulos econômicos, como os provenientes da taxa de juros e da
atividade econômica. Mas se em parte este crédito estiver se expandindo exogenamente,
sem responder a estímulos econômicos, atua deslocando autonomamente a demanda
agregada. Com a sua política de "escolher os campeões" o BNDES vem contribuindo para
expandir a demanda, atuando na mesma direção expansionista dos superávits primários
mais baixos.
Inflação. O que se conclui é que mesmo antes deste hipotético comparecimento aos
fóruns internacionais e ao BIS, no qual as autoridades brasileiras teriam sido
contaminadas pelo temor de uma desaceleração mais forte, já vinham praticando doses
elevadas de acomodação monetária e de estímulos fiscais. O risco que o Brasil corre
neste momento é o do exagero. E neste caso a vítima será a inflação em 2011, com a
conta sendo cobrada na forma de uma redução maior no crescimento econômico.
-----------------------------------
O Estado de S.Paulo - 15/08/2010
É preciso mais
Celso Ming
A economia brasileira atravessa um bom momento, a despeito da paradeira global.
Mostrou grande resistência à crise, cria empregos e está sendo cada vez mais notada lá
fora. Mas grandes gargalos ameaçam emperrar tudo.
O principal deles é o baixo nível de investimento, que, por sua vez, é consequência do
baixo nível de poupança. Até para os padrões dos países pobres o brasileiro poupa
pouco: 15,0% do PIB. Apenas para comparar, a China guarda 51,3% da renda. (Veja a
tabela.)
O crescimento econômico do Brasil em 2010 deverá ficar em torno dos 7%. O do ano que
vem será rebaixado para 4,5% ou 5,0%. Não há investimento suficiente para garantir
expansão maior. Se pretender crescer em torno dos 6%, terá de puxar o investimento
para 22% ou 23% do PIB.
A partir dessa distorção primária se seguem outras. Para garantir recursos para o
BNDES, por exemplo, o Tesouro repassou R$ 180 bilhões em títulos. Ou seja, expandiu a
dívida pública, com o agravante de que está subsidiando investimentos. Isso é perigoso
na medida em que a concessão de subsídios é proibida pelos tratados internacionais de
comércio e, nessa condição, pode gerar represálias.
Os estrangulamentos tomam corpo de toda a rede de infraestrutura. Os portos e
aeroportos estão saturados e os projetos de ampliação estão atrasados por falta de
recursos. As estradas, transporte urbano (metrô), ferrovias e comunicações são a
precariedade que se conhece porque os investimentos estão parados.
A Petrobrás precisa urgentemente de recursos para investir no pré-sal. Como não tem
disponibilidades, o principal acionista, a União, está recorrendo à gambiarra financeira
denominada cessão onerosa para repassar à Petrobrás 5 bilhões de barris de petróleo
futuro, que ainda vai demorar a sair lá debaixo. Para municiar o Banco do Brasil, o
Tesouro se desfez de uma parcela de ações que detinha. O PAC, cuja mãe está
disputando a corrida presidencial, está empacado porque, outra vez, não há dinheiro. O
recurso à poupança externa é uma opção, mas nos melhores anos não passa de 1% do
PIB.
No passado, a formação de poupança foi tentada por meio de fundos compulsórios:
FGTS, PIS-Pasep e FAT, que ajudaram a financiar o desenvolvimento. São instrumentos
quase esgotados.
Muita gente argumenta que o BNDES ocupa os espaços na concessão de empréstimos de
longo prazo porque a rede bancária nacional não se interessa pelo segmento. Mas podese argumentar também que os bancos brasileiros estão desinteressados porque não
conseguem competir com o BNDES, que distribui créditos subsidiados (a juros abaixo do
mercado).
Há três semanas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou o lançamento de
letras de longo prazo, cujos rendimentos teriam isenção tributária, por meio das quais a
economia pudesse captar recursos para investir. Nas atuais condições, este não parece
instrumento capaz de desempenhar essa função.
De todo modo, se é para incentivar o aumento da poupança numa paisagem de juros em
queda, é urgente a necessidade de desenvolvimento de um mercado de capitais de longo
prazo no País no qual também o mercado primário (e secundário) de ações desempenhe
papel mais importante do que tem hoje. E isso não se faz sem incentivos do governo.
A Alemanha se destaca
No segundo trimestre do ano, o PIB da Alemanha cresceu a 2,2% ao ano, o maior em 20
anos, como foi divulgado sexta-feira. O avanço do PIB dos demais países da área do euro
ficou em alguma coisa acima de zero. Esse resultado foi obtido com austeridade fiscal
mais achatamento de salários e de aposentadorias.
Aumento de competitividade
A boa diferença de resultados aumenta a capacidade de competição do produto alemão
frente ao dos demais países da área, que não podem recorrer à desvalorização cambial
para restabelecer o equilíbrio financeiro anterior, porque não têm moeda própria.
Mais tensões à vista
Aos poucos, aumenta o distanciamento entre a Alemanha e os demais. Enquanto não
houver coordenação fiscal dentro do bloco, alguns países se endividarão mais do que
outros (como já acontece com a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda). E o aumento da
diferença tende a perpetuar as tensões na área do euro.
---------------------------------ISTOÉ Dinheiro - 14/08/2010
Relembrando Simonsen
Economia não é profissão para pessoas dogmáticas, dizia Simonsen. Privatizar
tem de ser uma decisão técnica
por Cláudio Gradilone
Mário Henrique Simonsen (1935-1997), o maior economista clássico brasileiro, foi uma
pessoa polêmica. Acadêmico genial, mas colaborador de primeira hora da sanguinária
ditadura militar em seu momento mais tenebroso. Defensor do liberalismo, mas ministro
da Fazenda do estatizante governo de Ernesto Geisel.
No início dos anos 90, Simonsen discutiu o então incipiente processo de privatização. Sua
avaliação da questão foi de uma simplicidade tão brilhante quanto contundente. Não há,
escreveu Simonsen, prós ou contras a priori à privatização.
Alguns setores ficam melhor nas mãos do Estado, outros são talhados para a iniciativa
privada e, em alguns casos, controle estatal ou privado não faz diferença. A decisão de
privatizar deveria ser tomada tendo em vista a eficiência, não a ideologia. A economia,
escreveu Simonsen, não é uma profissão para pessoas dogmáticas.
Esse é um bom ponto de partida para analisar a guinada abrupta do governo Lula. Ele
manteve vários pilares herdados de Fernando Henrique Cardoso. Sustentou o câmbio
flutuante, não alterou as metas de inflação nem interferiu no trabalho do Banco Central.
No entanto, Cardoso foi o mais privatista dos presidentes, tendo transferido enormes
parcelas da atividade estatal à iniciativa privada. Lula não reverteu esse processo, como
temiam alguns de seus críticos antes da eleição de 2002, mas vem usando no limite
máximo a capacidade estatal de intervenção.
Em alguns casos, ela ocorre por meio da ressurreição assistida de empresas estatais,
como a Telebrás, que deverá sustentar a universalização estatal da banda larga. Em
outros, pela injeção maciça de recursos subsidiados do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em alguns setores da economia, como os
frigoríficos, visando criar empresas brasileiras de porte mundial.
O episódio mais recente ocorreu no início da semana. Na segunda-feira 9, a Caixa
Econômica Federal uniu-se ao Banco do Brasil e ao Bradesco, que haviam anunciado em
abril a criação de uma bandeira própria de cartões de crédito, a Elo. A entrada da Caixa
faz o que já era grande tornar-se enorme.
O universo potencial de usuários chega aos 150 milhões de brasileiros, pois inclui todos
os portadores de cartões Bolsa Família e cartões do trabalhador. A Elo é uma empresa
privada, gerida por bancos e que promete seguir as boas práticas de eficiência e
governança.
No entanto, ficou claro durante a entrevista coletiva que anunciou a associação que a
meta do governo é criar uma megaprocessadora nacional de transações eletrônicas.
A priori, isso não é um problema. A prática global recente tem sido bastante pró-Estado.
Os especialistas que defendiam animadamente o livre mercado foram igualmente
entusiastas na defesa do socorro estatal aos bancos em 2008. No Brasil, a expansão do
crédito concedido pelos bancos públicos durante a crise mitigou alguns dos seus piores
efeitos sobre a economia brasileira.
O problema é que, na prática, a atuação estatal na economia brasileira deixou uma
herança tenebrosa de ineficiência e corrupção. O que nasceu com a melhor das intenções
terminou no inferno dos fracassos - algo que Simonsen também descreveu à perfeição.
--------------------------------Correio Braziliense - 14/08/2010
Pausa na agonia
Antônio Machado
Alemanha surpreende, cresce forte no trimestre, puxa a Europa, mas economia
do euro segue anêmica
Se a economia dos países fosse uma representação do corpo humano, os médicos já
teriam enlouquecido. Um dia depois de ser divulgado que a produção industrial na União
Europeia havia recuado 0,1% em junho, contra expansão de 1,1% em maio, os europeus
saíram da cama sexta-feira surpreendidos com a notícia de que a economia da Zona do
Euro avançara mais que o previsto no segundo trimestre.
Como estamos?, devem perguntar-se os europeus, e economistas-doutores
responderiam como médico confuso sobre o diagnóstico de um paciente: O colesterol
está ok, mas é bom fazer dieta e algum esporte. E volte daqui a alguns dias para
examinarmos melhor.
O Produto Interno Bruto (PIB) da Zona do Euro, integrado por 16 países, cresceu 1% do
primeiro para o segundo trimestre, ou 1,7% em relação a igual período de 2009,
superando as expectativas de alta em torno de 0,7%. Para uma região ainda
traumatizada com as agruras da Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal, que só não foram à
moratória graças ao socorro dos vizinhos ricos e do Banco Central Europeu (BCE), a
notícia do PIB mais forte foi um alívio.
O da Alemanha cresceu milagrosos 2,2% no segundo trimestre ou 4,1% em relação a
2009 , quebrando todos os recordes dos últimos 20 anos. A média das expectativas não
dava mais que 1,4% de alta intertrimestres. O que foi repercutido como milagre numa
análise do Deutsche Bank se repetiu em outros países que adotam o euro.
Na França, segunda maior economia do euro, o PIB trimestral deu um salto de 0,6%, 2
pontos de percentagem acima das projeções. Os números para o PIB do primeiro
trimestre também foram revisados para melhor. O da Alemanha, de 0,2% para
crescimento de 0,5%, e o da França, de 0,1% para 0,2%. Se as locomotivas europeias
se põem em movimento, os vagões mais próximos também avançam. A economia da
Espanha cresceu 0,2% no trimestre, e a de Portugal, 0,2%.
Já a Grécia continua descarrilada. O PIB desabou 1,5% no segundo trimestre em relação
ao primeiro, ficando 3,5% abaixo sobre igual período do ano passado. A economia
húngara ficou estagnada, vindo de expansão de 0,6% no primeiro trimestre. A Irlanda
voltou a ser acudida pelo BCE, segundo rumores, para rolar dívidas esta semana.
À base de anabolizante
As economias fracas da Europa continuam agarradas à vizinhança mais forte, que, por
sua vez, segue anabolizada pelas injeções de estímulo fiscal com deficits explosivos,
dívidas avantajadas e bancos abarrotados de papéis soberanos de países problemáticos
do euro , ou pelo aditivo das exportações. É o caso da Alemanha.
O milagre alemão é vulnerável, pois dependente de EUA, China e dos grandes países
emergentes como Brasil, seus maiores mercados depois que a Europa deu entrada no
hospital. A força de seu PIB no segundo trimestre deve transbordar para o terceiro, na
projeção de Stefan Schneider, do Deutsche Bank, graças às vendas ao exterior, que
crescem a 3% ao mês desde janeiro. No ano, o PIB pode avançar 3,5%, mas em 2011 só
se Deus for alemão, além de brasileiro.
Os vírus da China e dos EUA
A doença da economia europeia não é de tratamento fácil. Mesmo o crescimento recente
da região, puxado pelo dinamismo da Alemanha, segundo analistas pés no chão, não
deve ser visto pelo seu valor de face. Boa parte se deveu a estímulos monetários e fiscais
dos governos. Ao serem esgotados, como nos EUA, e reduzidos, na China, a primeira e a
segunda maiores economias do mundo ratearam.
O risco de duplo mergulho dos EUA na recessão é admitido até pelo presidente do
Federal Reserve, Ben Bernanke. E a China ainda tem de provar que quer ou terá
condições de ativar o mercado interno, o que implica quebrar um tabu: o renminbi
valorizado, energético de suas exportações, extraído por sua vez do salário miúdo que
mantém o consumo interno anêmico. Esse nó será difícil de desatar.
Suspiros de moribundo
A China mantém a receita exportadora de sempre, como a Alemanha. E todos
chumbados aos EUA, um cliente claudicante, como diz o economista Sidnei Nehme, mas
único a acumular deficits à larga com Brasil, do jeito que vem, ameaçando subir nesse
palco.
Um crescimento assim seria sustentável? Para Nehme, a economia global é um grande
corpo moribundo, que desencadeia esperanças ao menor suspiro. Schneider, do
Deutsche, ratifica. Segundo ele, a desaceleração cíclica dos mercados-chaves derrubará à
metade, em 2011, o crescimento projetado em 12% das exportações globais este ano. A
expansão do PIB alemão viria para 1,1%. Haja coração.
Tumores mal tratados
A origem dos males que abatem a economia global a esta altura não mais importa, a não
ser aos historiadores econômicos. Certo é que restaram sequelas como tumores mal
tratados. Essa é a urgência. O endividamento público e os deficits fiscais inéditos em
tempos de paz no mundo são algumas delas. Tais males são visíveis. Menos reconhecida
é a ociosidade brutal nas empresas, legada pela farra do dinheiro fácil e juros baixos em
todo o mundo até 2008.
Com a receita do keynesianismo engripada no mundo rico e empresas com capacidade
produtiva invendável, ninguém investe ainda que o caixa corporativo nos EUA, por
exemplo, seja gordo. Para que volte à normalidade, a economia vai ter de queimar a
ociosidade e também se reinventar. Não é algo trivial. E não está previsto no Brasil.
-------------------------------O Globo - 15/08/2010
Salto adiado
Miriam Leitão
O governo teve duas ideias sobre banda larga: uma ruim, outra pior. Primeiro, a de
ressuscitar uma estatal; a outra, que tem rondado certas cabeças coroadas, é a de
entregar tudo para uma empresa privada, a Oi. Ampliar os serviços da internet rápida é
importante, os caminhos é que são discutíveis. Há países com maior ou menor
intervenção estatal, mas competição é fundamental.
Funcionários da Anatel estão indo para a Telebrás. Como eles têm hoje acesso a
informações confidenciais prestadas pelas operadoras ao órgão regulador, as empresas
não querem mais enviar seus dados à Agência.
Técnicos do setor dizem que ainda não se sabe o que é o Plano Nacional de Banda Larga
(PNBL). Provavelmente, nem o governo ainda sabe.
A reportagem do repórter Valdo Cruz, da Folha de S.Paulo, esta semana, mostrando que
algumas alas brigam para entregar a operação do PNBL à Oi é um exemplo disso. Só há
uma coisa pior do que o monopólio estatal: o monopólio privado.
Nada aconteceu nos quase oito anos do governo Lula. Dinheiro sempre houve, no Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o Fust, formado com um
percentual do faturamento das empresas.
Essa foi uma das boas heranças recebidas do governo anterior. Inicialmente se pensou
num programa de informatização e conexão das escolas do país, mas isso nunca foi
executado.
Agora, o governo oscila no dilema entre recriar uma estatal ou privilegiar uma empresa
privada para executar seu plano, mal formulado, mas com o objetivo declarado de
ampliar dos atuais 14 milhões de residências com internet rápida para 32 milhões de
residências em 2014. Tenta fazer um plano piloto em algumas cidades em tempo de usar
no palanque.
A meu ver, não temos um Plano de Banda Larga como em outros países, como Itália,
Estados Unidos e Austrália. O que foi apresentado é um conjunto de intenções.
“O governo primeiro recriou uma estatal para depois pensar num plano”, afirmou o
presidente da Teleco, Eduardo Tude.
Advogados como Cláudia Domingues, especialista em telecomunicações, continuam
explicando que a recriação da estatal fere a lei.
“Quando a Telebrás foi criada, em 1972, ficou definido que seu objetivo social seria o de
promover a implantação dos serviços de telecomunicações por meio das subsidiárias. O
governo mudou isso por decreto. Um decreto não pode alterar o que está definido por
lei”, diz.
E é ela que conta também o outro problema preocupante: A Anatel tem acesso a
informações confidenciais.
Algumas operadoras estão reclamando que não vão mandar seus dados à agência porque
seus funcionários estão indo para a Telebrás.
O analista José Roberto Mavignier, da consultoria Frost & Sullivan, acha que a recriação
da Telebrás tem três problemas: a empresa possui limites de investimentos, os
funcionários não estão qualificados pela nova função, e a perda de quadros pela Anatel
enfraquece a agência.
A Fundação Getúlio Vargas fez um estudo sobre os programas de banda larga no mundo
e concluiu que fundamental é que haja competição.
“A literatura mostra que a concorrência entre as empresas é mais importante que a
estrutura da propriedade”, diz Luiz Schymura, ex-presidente da Anatel e autor da Carta
do IBRE da FGV sobre o assunto.
“Países como Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Espanha, Dinamarca, Nova Zelândia
adotaram a intervenção mínima, com incentivos gerados por forças de mercado para
suprir os gaps (de conexão)”, diz a Carta do IBRE.
Mas, Coreia do Sul, Austrália, Cingapura e Noruega estão executando planos de mais
intervenção estatal e planejamento sócio-econômico do Estado. Em todos eles, há um
plano objetivo com metas, financiamento, e escolhas tecnológicas claras. A Austrália, por
exemplo, oferece internet banda larga de segunda geração, com velocidade de 100
Mbps. Aqui no Brasil, toda essa discussão é para oferecer um serviço de apenas 512
Kbps.
Ainda no exemplo australiano, lembra Schymura, a Telstra é dominante na oferta de
banda larga tanto fixa quanto através de cabo. É a proprietária da única rede nacional de
comunicações. Não há competição entre plataformas.
“A Austrália, então, criou uma empresa estatal com o objetivo de construir e operar a
infraestrutura de uma rede de acesso aberto que atinja 90% das residências e dos
negócios de fibra ótica com tecnologia wireless para o restante dos usuários”, explica a
FGV. Essa empresa será privatizada no futuro.
Em alguns países, os planos incluem esforços de alfabetização digital da população,
porque não basta o acesso. Todos têm incentivos financeiros para a população de baixa
renda. Em nenhum país há uma carga tributária sobre os serviços de telecomunicações
como no Brasil: os impostos somam mais de 40% do custo do serviço.
Estudos da GSM consultoria trazem comparações internacionais que mostram que o país
está se atrasando e não resolveu um problema básico: apenas 32% dos domicílios
brasileiros têm computador e isso é um limitador ao uso dos serviços.
Há várias questões técnicas sobre plataformas de oferta dos serviços, a melhor regulação
para universalizar o acesso. Em vez de tratar isso à sério, o governo se perde entre a
recriação de uma estatal ou a escolha de uma empresa privada para ser beneficiada. E
tenta achar um jeito de usar esse plano apressado no palanque.
A privatização, no governo Fernando Henrique, permitiu que o país saísse de 1 milhão de
celulares, no começo dos anos 90, para 180 milhões e permitiu que 82% dos domicílios
tivessem telefone celular ou fixo. Esse foi o primeiro grande salto.
O governo Lula está atrasando o segundo salto.
----------------------------Valor Econômico - 16/08/2010
Inflação em baixa e juros futuros também
Eduardo Campos
Os contratos mais longos da curva de juros futuros passaram por considerável ajuste de
baixa ao longo da semana passada. Alguns vencimentos, como janeiro de 2012, o
contrato mais negociado, voltaram a se aproximar das mínimas do ano, abaixo de
11,50%.
As explicações para essa crença em juros mais baixos no futuro têm respaldo em fatores
domésticos e externos.
Pelo campo externo, conforme explicou o sócio da Oren Investimentos, Jacob Weintraub,
a incerteza quanto ao crescimento da economia mundial derruba as taxas ao redor do
mundo. Um exemplo é o título da dívida americana de 10 anos, que perdeu mais de dez
pontos-base de prêmio na semana passada.
Já o estímulo local à aplicação em juros é o comportamento da inflação. E a ala do
mercado que acredita nisso deve ganhar respaldo nos indicadores de preço que serão
apresentados na semana, entre eles o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - 15
(IPCA-15) de agosto.
Segundo o sócio da Platina Investimentos, Marco Franklin, o mercado esperava alguma
alta de preços no mês de julho, o que não aconteceu. Agora para o mês de agosto era
certeza de que os índices voltariam a apontar para cima, mas as coletas até o dia 12 de
agosto já mostram inflação próxima de zero novamente.
Pela estimativa da Máxima Asset, o IPCA-15 deve mostrar alta de 0,05%.
A inflação não ficará próxima de zero para o resto da vida, mas enquanto isso acontecer,
ajudará a dar continuidade ao viés de baixa nas expectativas.
Fora isso, Franklin lembra que os dados, não só de inflação, mas também de atividade,
que serão apresentados até o encontro de 1º de setembro do Comitê de Política
Monetária (Copom), vão dar força à visão de que o ajuste de alta na taxa Selic chegou ao
fim. "Tudo leva a crer que o BC deve parar de subir os juros", diz Franklin.
De volta à inflação, mas olhando horizontes mais dilatados de tempo. Franklin acredita
que as commodities agrícolas continuam sendo um risco, pois esse é um mercado
bastante apertado.
Fora isso, ao contrário das matérias-primas industriais, os preços agrícolas não perdem
tanto fôlego dentro de um ambiente de menor crescimento mundial. "Não se come
menos por que o país crescerá 4,5% e não 7,5%", explica.
O economista-chefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho, também enxerga riscos a esse
bom comportamento da inflação no médio prazo, mais especificamente em 2011. Mas,
para o especialista, é a demanda doméstica, apoiada no emprego e na renda, que pode
levar os preços para cima.
Para Carvalho, o mercado precisa dissociar o bom comportamento dos preços no curto
prazo para desenhar uma trajetória de inflação de médio e longo prazo. E parece
exatamente isso que o Banco Central não está fazendo ao acenar que pode encerrar o
ciclo de aperto monetário com juros entre 10,75% a 11%.
"Se o BC não fizer todo o trabalho agora em 2010, há o risco de inflação elevada em
2011", alerta o especialista, completando que é difícil acreditar que um aperto monetário
de 200 pontos a 225 pontos seja suficiente para trazer o IPCA de volta ao centro da meta
de 4,5% em 2011.
Por isso, Carvalho revisou sua projeção para inflação oficial de 4,9% para 5,6% no
encerramento do ano que vem.
Tal projeção considera que o BC fará mais dois ajustes de meio ponto na Selic agora em
2010 e mais um aperto em 0,75 ponto em 2011.
Eduardo Campos é repórter
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Folha de S.Paulo - 15/08/2010
Serra contra imagens e lendas
Vinicius Torres Freire
Tucano terá de enfrentar recordes econômicos, boa recepção inicial a Dilma e a
mitificação popular de Lula
DILMA ROUSSEFF não teria muita sorte no vestibular da escola de arte dramática ou
num "casting" de novela. Não tem pinta de que seria figura popular no balcão de padaria
ou na roda de cerveja. Não se encaixa numa conversa sobre futebol, não apela a
sentimentos religiosos populares, pareceria esquisita no Carnaval, no axé, num show
sertanejo ou do Calcinha Preta. Seria sem dúvida alienígena num baile funk.
A recepção da imagem de Dilma era um dos maiores riscos para os sonhos de
continuidade do lulismo-petismo. Era possível que Dilma se descolasse negativamente da
onda de satisfação com Lula.
Sabe-se lá se o povo "foi com a cara" de Dilma. Pelo menos, o jeitão da candidata parece
não ter atrapalhado. Nos primeiros dias em que foi regularmente exposta ao público fora
de ambientes muito controlados, os da propaganda, Dilma subiu na preferência do
eleitorado, segundo o Datafolha. De agora em diante, será mais vista no ambiente
plastificado e asséptico do horário eleitoral.
Treinada, ensaiada e politicamente maquiada, tende a fazer melhor figura que a de suas
aparições em debates e entrevistas. Depende agora mais dos marqueteiros do que de si.
Mas os marqueteiros das grandes campanhas são bons no que fazem. Improvável haver
crise por aí.
Nada disso tem a ver com as qualidades da candidata, ocioso dizer. Tem a ver com o
futuro da campanha de José Serra (PSDB). Uma das sortes decisivas dos tucanos seria a
desgraça da imagem de Dilma.
O tucano evita enfrentar os 80% da popularidade de Lula. Fala a um eleitor que não via o
seu padrão de vida melhorar tanto em décadas -desde 1970. Desde então, o PIB não
crescia tanto. Mas o consumo cresce ainda mais que o PIB -terá crescido assim por seis
anos ao final de 2010. Com renda mais bem distribuída, além do mais. O que fazer?
Serra dirige, pois, sua campanha para o futuro. Mas essa imagem do além-Lula ainda
não apareceu. Digamos que a oposição ainda possa recuperar o tempo perdido, pois
hibernou politicamente e não apresentou nenhuma crítica ou alternativa nos anos Lula.
Digamos que a oposição invente agora um mote qualquer para sua campanha, o que
ainda inexiste. Vai fazer efeito?
A oposição não vai se bater apenas contra a parede da sensação de bem estar material.
É possível que a passagem de Lula pelo governo tenha provocado aquelas
transformações duradouras do imaginário popular, como aconteceu com parte do
operariado no getulismo ou com metade da Argentina com o peronismo. Não, não se
está comparando o governo Lula à ditadura de Getúlio Vargas ou ao quase-fascismo de
Perón, mas com essas lendas políticas.
Não importa a qualidade política de sua pregação, de suas políticas, sua "sorte" ou o
gosto do freguês. Lula "cumpriu um compromisso" político: falou insistentemente aos
mais pobres. Sua falação ecoou na realidade. Mal ou bem, "incluiu" parte considerável
dos mais miseráveis; levou ao mundo do consumo moderno um terço da população. Era
uma gente abandonada, em discursos, teoria e prática.
FHC foi uma ruptura histórica com um modelo econômico e com o excesso de desrazão.
Lula foi uma ruptura na imagem que os deserdados fazem do poder e da política. Sua
fama e virtude é da ordem das paixões. Difícil lidar com isso.
------------------------------O Estado de S.Paulo - 16/08/2010
Dia dos Pais, a filha e... o custo Brasil
Carlos Alberto Sardenberg
Dia desses, num shopping em São Paulo, entrei numa loja de roupas, franquia de marca
internacional, à procura de uma malha de lã, tipo cardigã. Tinha uma, bem bacana. O
preço, não: quase R$ 500. Desisti.
Pouco depois, no Dia dos Pais, ganho de minha filha exatamente aquele cardigã. Uma
alegria, claro, mas, sabe como é, um pai se preocupa se a filha é gastadeira. Saia-justa:
não se pode reclamar do preço de um presente que se ganha. Mas que os R$ 500 por um
casaco eram um absurdo, disso não havia dúvida.
Conversa daqui, conversa dali, o dilema se resolveu. Ela comprara o cardigã em
Santiago, no Chile, na mesma franquia, também num shopping chique. O preço? Na casa
dos R$ 200. Agora, sim, o presente ficara melhor.
De quebra, uma lição sobre o custo Brasil. A etiqueta do casaco mostra a origem fabricado no Uruguai - e dá o endereço dos importadores no Chile, na Argentina e... no
Brasil. Ou seja, é a mesmíssima malha, que sai, aqui, pelo dobro do preço chileno.
Como se explica? Basicamente, impostos. Aqui, de cada R$ 100 produzidos, cerca de R$
35 vão para o governo na forma de impostos, taxas e contribuições. No Chile a carga
tributária é de apenas 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Lá, uma economia aberta, o
imposto de importação, por exemplo, fica em torno dos 6%, o que eleva o grau de
competição interna.
Aqui, o setor têxtil é um dos protegidos com alíquotas de importação elevadas. Mas o
curioso dessa história é que a etiqueta do tal casaco informa ter sido produzido no
Uruguai. Ora, este país pertence ao Mercosul, de modo que pelo menos o imposto de
importação não deveria existir.
Ou seja, falta aqui uma apuração melhor desse comércio, que fico devendo ao leitor e à
leitora.
Uma hipótese: talvez o produto não seja propriamente uruguaio, mas fabricado em
algum país asiático - Vietnã, por exemplo, hoje um grande centro têxtil - e apenas
nacionalizado ali no Uruguai.
A ver. Mas fica o registro desse enorme custo Brasil. E mais uma demonstração das
consequências do protecionismo e de economias fechadas: exceto no caso de indústrias
nascentes, em certas circunstâncias, a proteção à fabricação local leva a produtos de pior
qualidade e mais caros. Uma conta para o consumidor.
Os meus lucros. Do presidente Lula, no dia 9 de agosto: "Todo mundo se lembra da
quebradeira dos bancos brasileiros e do prejuízo que eles deram aos cofres públicos.
Então quero que eles tenham lucro... por isso fico feliz. Fico feliz com a Caixa também,
porque 15 ou 20 anos atrás esses bancos (públicos) só apareciam nos jornais como
bancos deficitários - e hoje eles estão tendo lucros."
Explicando a história: grandes bancos privados brasileiros quebraram por causa do fim
da inflação. Viviam de inflação. Como? Aplicando no overnight, em títulos do governo, o
dinheiro que ficava parado nas contas dos clientes, um dia apenas que fosse. Ou, então,
pagando juros de 10 na aplicação do cliente e recebendo 20 no mesmo dinheiro aplicado
pelo banco. Era tão rentável que os bancos brasileiros nessa época nem cobravam
tarifas.
Eliminada a inflação, o truque acabou e muitos bancos não conseguiram se reinventar e
sobreviver. Para evitar uma quebradeira generalizada dos clientes, pessoas e empresas,
o governo FHC criou dois programas de resgate das instituições: o Programa de Estímulo
à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), para os
bancos privados; e o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na
Atividade Bancária (Proes), para os estatais.
Os donos perderam seus bancos. O governo os assumiu, liquidou alguns, passou outros
para a frente e arcou com um prejuízo para sanear essas contas e impedir um colapso do
sistema financeiro.
No caso dos bancos estatais o problema foi ainda maior. Havia o vício da inflação, mas,
acima disso, o uso político das instituições - ou seja, o governo de plantão mandando a
instituição emprestar, sem cobrar, para os amigos e correligionários. E, também, com os
bancos públicos financiando enormes investimentos do próprio governo, que se
revelaram inviáveis. Ou pararam pelo caminho ou não deram o retorno para ressarcir o
banco.
Assim, por exemplo, quebrou o velho Banespa, que acabou privatizado.
Mas a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil também estavam quebrados. Não
apenas davam prejuízo, como disse Lula, mas davam um enorme prejuízo.
Foram salvos pelo governo FHC, que, primeiro, colocou nos dois bancos um monte de
dinheiro dos contribuintes para recapitalizar as instituições. E, depois, promoveu uma
reforma completa no sistema de administração, preparando os bancos para a fase de
expansão e de lucros.
Muita gente na época - inclusive este colunista - achava que o melhor seria privatizar um
maior número de bancos estatais, federais e estaduais, ficando o governo com uma ou
duas instituições de fomento. A tese: bancos públicos, mais cedo ou mais tarde, acabam
sendo usados politicamente.
Mas prevaleceu a tese de manter aqueles gigantes financeiros estatais. É curiosa a
história: apesar disso, Lula e, atualmente, Dilma Rousseff acusam o governo FHC de
tentar privatizar os bancões. E mais: na época, Lula atacou os programas que sanearam
os bancos.
Hoje, sem nenhum constrangimento e sem nenhuma revisão, simplesmente diz que no
tempo dos outros os bancos davam prejuízo; na era Lula, olha só, só lucros. Êta nóis!
------------------------------Correio Braziliense - 15/08/2010
Fala sério, gente!
Antônio Machado
Falta contar como e quem vai pagar promessas, do pré-sal ao trem bala,
Olimpíadas etc.
Por Antonio Machado
O tiroteio entre as equipes de Dilma Rousseff e José Serra sobre a paternidade das bases
da estabilidade econômica e quem fez mais pelo investimento, se o governo de Lula ou o
de FHC, pode ter sua serventia para os candidatos, mas é irrelevante para a economia.
O proveito é tanto quanto o da onda de críticas às escolhas (no âmbito da política
industrial) dos setores e grupos empresariais apoiados pelo BNDES e ao crédito de longo
prazo subsidiado. As primeiras decorrem de diretrizes dadas pelo presidente eleito, mais
as influências da coalizão que o cerca. É simples assim, por mais que queiram complicar.
Só há o caminho do voto para mudá-las ou os óbices da macroeconomia, que já se
manifestam como sabem os candidatos, embora nada digam. O segundo é puro realismo.
A taxa histórica interna de retorno do investimento no país é da ordem de 8% a 12%,
tendo sido abaixo de 6% no período de inflação endêmica e taxa de juro interbancário
(Selic) acima de 20% ao ano. Tais dados já foram exaustivamente estudados, ainda que
não façam parte da discussão habitual, centrada no curto prazo da economia.
A tal custo de partida do capital produtivo, mesmo no nível atual da Selic próximo a
11%, o grosso do investimento é inviável. E só sai do papel com o crédito de longo prazo
do BNDES em que parte do custo do capital é bancada pelo braço financeiro do
orçamento fiscal para garantir a viabilidade dos projetos empresariais.
Ainda assim, trata-se de uma fonte finita, racionada pelo escopo da política industrial,
sempre sujeita a subjetividades. As opções são o mercado de ações, o endividamento
externo, a emissão privada de dívida e o crédito bancário, todas pouco desenvolvidas no
país.
É assim porque a carga tributária é alta e a dívida pública tem precedência sobre a oferta
de capitais, sugando o funding desejado pela sociedade. Só lhe resta o guichê
congestionado do BNDES ou o dos bancos comerciais, com crédito curto e caro porque
racionado via Banco Central para a disputa pelo dinheiro não desembestar em inflação. A
distorção favorece a banca, embora não a tenha criado.
As necessidades do investimento e os problemas que o frustram dão a agenda real de
discussão. Ela não se colocava enquanto só havia a prioridade de saneamento das contas
públicas, como era até 2006.
Desde que começou a se priorizar também a expansão da capacidade de produção das
empresas e a oferta de infraestrutura, no entanto, é questão de urgência. Sem funding
de longo prazo a custo módico, o país não pode crescer. Ou desentoca a inflação, que é
amansada pelo BC com o chicote da Selic. É um circuito de perversão.
Quem salva a pátria
Não surpreende que mais de 60% dos gastos de investimentos entre 2005 e 2009 no
Brasil tenham sido financiados com fundos próprios das empresas e famílias, derivados
de lucros retidos e de poupança pessoal. Até a Petrobras, responsável por mais 80% do
investimento das empresas estatais, tira de seu caixa o grosso do que investe.
Um padrão como esse não há em países com indústria diversificada como no Brasil. Mas
boa parte construída nas décadas de 1960 até 1980, quando o modelo de crescimento
bancado pela concentração de renda e dívida externa se exauriu. E começou na China,
com arrocho salarial, abertura ao capital externo e muita poupança nacional.
Onde não cabe poesia
O dramático, no Brasil, é que se optou pelo crescimento acelerado do mercado interno
depois de 2006, associado ao aumento do custeio da máquina estatal, criação de novas
estruturas públicas, folga do crédito ao consumo e grandes investimentos concebidos no
governo.
Coisas como exclusividade do pré-sal à Petrobras (US$ 224 bilhões de 2010 a 2014,
incluindo novas refinarias). Outra estatal, Valec, para ferrovias, sem que se saiba o
modelo para o setor, mas com R$ 10 bilhões estimados para começar. A volta da
Telebrás. Trem bala a R$ 33 bilhões em cinco anos. Angra 3. Copa do Mundo.
Olimpíadas. Casa popular. É tudo válido, desde que se consiga financiar.
O ogro imprevidente
Sem adequar o consumo de famílias no PIB a tais gastos liderados pelo Estado, ainda
que parte seja atribuída ao setor privado, não dá. A China pode investir 44% de seu PIB
porque poupa 54%. E aqui?
A cada década, desde 1970, a poupança pública sobre o PIB só cai. Hoje é negativa,
segundo o Ibmec. De 4,4% nos anos 1970, veio para -2,1% na década de 1990 e -2,4%
na de 2000. O setor privado é quem poupa, mas a dívida pública toma quase tudo, e
paga muito caro. Aí está o nó, que se fecha quanto mais o governo gasta a descoberto.
E trapalhão ao agir
Precisa-se de muita coisa que não está sendo discutida. Não é só a taxa de juros que
precisa ser menor. Não é que o BC seja mau. A poupança privada é que tem de ter a
alforria da dívida pública, o que é mais premente que reforma tributária utopia, se
imaginada para aliviar o peso dos impostos. Para o Estado pressionar menos, o gasto
corrente terá de crescer abaixo do PIB, desafogando o BC, os juros, o Tesouro e a dívida.
Mas é isso que está sobre a mesa?
Não, quando o governo cogita uma seguradora estatal que segure o investimento privado
bancado por bancos públicos, o que é um meio de o Tesouro financiar projetos sem
emitir dívida. É uma coisa ou outra. E sim, quando os candidatos sugerem empenhar-se
para frear o gasto corrente. A nova política econômica sairá dessas escolhas.
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O Estado de S.Paulo - 14/08/2010
O café decola
Celso Ming
A colheita de café deste ano está terminando. Se as estimativas da Conab se
confirmarem, serão 47 milhões de sacas de 60 kg. O IBGE prevê pouca coisa menos,
45,8 milhões. Alguns analistas do setor, mais otimistas, confiam numa safra recorde de
55 milhões de sacas. A conferir.
Mas a principal novidade não está no volume da produção e, sim, no preço em que será
vendida. As cotações, que vinham a mais de uma década se arrastando, estão em franca
recuperação. Em junho, o produto atingiu o maior preço em 12 anos na Bolsa de Nova
York e, desde então, não parou de subir. Neste ano, foi a segunda commodity agrícola
que mais valorizou: 29,09%, só ultrapassada pelo trigo (alta de 29,73%). Na Bolsa de
São Paulo, a esticada no mesmo período segue ritmo parecido: 25,76%. Ontem, no
mercado futuro em Nova York, os contratos com vencimento em setembro terminaram o
dia a 174,10 centavos de dólar por libra-peso. Aqui em São Paulo, a saca de 60 kg foi
negociada a U$$ 209,00.
São três as molas propulsoras dos preços: quebra de produção nos anos anteriores,
redução dos estoques e mais consumo. O mercado está cada vez mais interessado por
cafés do tipo arábica. Os produtores da Colômbia e da América Central, fornecedores
importantes dessa variedade, vêm apresentando quedas na produção em consequência
de clima adverso e só voltarão a abastecer o mercado no fim deste ano.
Os estoques mundiais (de todos os tipos de café) estão caindo. Em 2003, eram de 73
milhões de sacas. Neste ano, devem ser de apenas 33,5 milhões de sacas. No Brasil,
encolheram ainda mais: caíram de 23 milhões de sacas em 2003 para 9 milhões de sacas
em 2009.
Por outro lado, cada vez mais gente no mundo não abre mão do seu cafezinho ou, como
preferem os americanos, da sua xícara grande de café. É o fator que, desde 1990, vem
puxando o consumo global a uma média anual de 2,2%. Em 2010, o consumo deve
atingir 134 milhões de sacas contra uma produção que não deverá passar das 130
milhões de sacas (as estimativas são da Organização Internacional do Café - OIC).
As projeções de aumento do consumo para o Brasil, o segundo maior mercado do
mundo, são ainda mais expressivas. Estatísticas da Associação Brasileira da Indústria de
Café (Abic), puxadas pelas boas previsões para o crescimento do PIB, dão conta de que o
consumo brasileiro deverá aumentar 5% em volume neste ano, para 19,31 milhões de
sacas de 60 kg.
Diante desse quadro de baixa oferta e de forte demanda, grande parte dos analistas
acredita que os preços altos irão se manter por um bom tempo, tanto no mercado
internacional quanto no doméstico.
O cafeicultor Luiz Suplicy Hafers está farejando mais. Está prevendo um "squeeze" na
Bolsa de São Paulo, ou seja, uma escassez repentina. Mas os analistas Tito Gusmão, da
XP Investimentos, e Rodrigo Costa, da corretora Newedge, entendem que esta é uma
aposta pouco provável, já que a safra cheia em fase final de colheita por aqui será mais
do que suficiente para honrar os contratos. /COLABOROU ISADORA PERON
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O Globo - 16/08/2010
Vagas no petróleo
George Vidor
Em 2007, o número de novos profissionais necessários para trabalhar na cadeia de
produção do setor de petróleo no Brasil estava estimado em 112 mil. Com base nos
investimentos programados, tal número foi revisto para quase 208 mil, sendo a maior
parte de 2011 a 2014. Esta semana começará o processo de seleção de candidatos a 30
mil vagas em novos cursos de qualificação.
A demanda por mão de obra cresceu assim também em função dos projetos previstos
para o pré-sal. No período de 2003 a 2005, a Petrobras investiu no país uma média anual
de US$5,8 bilhões. Depois de 2006 os investimentos da estatal se aceleraram, chegando
a US$31,2 bilhões no ano passado. Para 2010, a previsão ultrapassa os US$40 bilhões,
devendo ficar acima desse patamar pelo menos até 2014.
Não há dando sopa no mercado gente suficientemente preparada para trabalhar no setor
de petróleo, incluindo fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços. Por isso,
desde 2007 um programa chamado Prominp (custeado basicamente por fundos criados
pela lei do petróleo) treinou cerca de 53 mil pessoas - outros 26 mil ainda estão em fase
de qualificação profissional, desde operários para obras civis específicas até universitários
em busca do primeiro emprego. Na última seleção feita pelo programa, a maior procura
foi, proporcionalmente, pelos cursos de operadores de sondas de perfuração de poços de
petróleo (nove candidatos para cada vaga). Mas há também casos em que o total de
vagas oferecidas ultrapassa o de candidatos.
Embora o Rio concentre a produção de petróleo e gás, os investimentos do setor já se
espalham por vários estados. Pernambuco abrigará uma nova refinaria e já tem um
grande estaleiro construindo navios petroleiros. O Maranhão também terá uma nova
refinaria e provavelmente campos produtores de gás.
Por sugestão do Ministério do Desenvolvimento Social, nesses estados mais pobres o
Prominp está patrocinando cursos de reforço escolar (aulas de português, matemática e
raciocínio lógico), de nível fundamental ou médio, para que beneficiários do Bolsa Família
tenham condições de se candidatar a vagas nos processos seletivos - todos têm que
passar por uma prova, aplicada em uma mesma data em diferentes estados, exatamente
para que as vagas sejam preferencialmente preenchidas por pessoas que vivam em
cidades próximas ou na região onde existe a demanda por novos profissionais.
Os cursos de qualificação do Prominp levam geralmente de dois a nove meses. Para
evitar evasão e desistências, os participantes dos cursos recebem bolsas de estudos ou
ajuda de custo.
Por estado, a necessidade de capacitação de mão de obra estimada pelo Prominp é mais
elevada no Rio de Janeiro (43.764 pessoas), Maranhão (22.692), São Paulo (19.756),
Ceará (16.125) e Pernambuco (15.931).
A preparação de candidatos para trabalhar na cadeia produtiva do petróleo foi a tarefa
mais urgente do Prominp. O segundo desafio é ampliar o número de empresas
capacitadas a fornecer peças, componentes, equipamentos ou prestar serviços para o
setor. A Petrobras detalhou toda essa demanda potencial, que está disponível em um
portal do Prominp na internet. Cerca de três mil fornecedores se cadastraram - única
imposição para se ter acesso ao portal - e a partir desses dados foi possível montar um
sistema de busca e obter respostas para as perguntas "quem vende o que eu compro?"
ou "quem compra o que eu vendo?". Não é permitida a participação de importadores,
pois o Prominp tem como propósito a "mobilização da indústria nacional de petróleo e
gás natural". E nesse processo já foi possível identificar uma série de obstáculos e
dificuldades para que as indústrias brasileiras aproveitem as oportunidades oferecidas
pelos investimentos do setor - até porque as companhias operadoras dos blocos licitados
pela Agência Nacional do Petróleo se comprometeram a atingir determinados percentuais
de conteúdo nacional em suas encomendas.
O surpreendente é que os maiores desafios para as empresas não estão no topo da
tecnologia (dessa fronteira as companhias de petróleo se encarregam muito bem) mas
sim no convencional, observa o coordenador executivo do Prominp, José Renato Ferreira
de Almeida, engenheiro da Petrobras que foi destacado para essa função.
Sem identificar as empresas, a Petrobras enumerou as dificuldades de seus fornecedores,
e o Prominp se encarregou, com apoio da ANP, do Ministério da Ciência e da Tecnologia,
via Finep, e do BNDES, de patrocinar iniciativas junto a universidades que permitam a
indústria brasileira ganhar competitividade. Pelas estimativas do Prominp, o aumento do
percentual de conteúdo nacional para 77,3% nas encomendas da indústria do petróleo
incrementou a demanda interna em US$19,6 bilhões e ajudou a criar 815 mil postos de
trabalho na economia brasileira.
Uma curiosidade: o Prominp nem existe como figura jurídica. Apenas vinte pessoas se
dedicam exclusivamente ao planejamento e execução do programa. Os levantamentos e
estudos são elaborados por empresas de consultoria.
Em seu primeiro poço a OGX confirmou a existência de gás natural na Bacia do Parnaíba,
em bloco terrestre. Os levantamentos sísmicos indicavam essa possibilidade, mas a
descoberta por si só não é uma garantia que o campo é comercial. Novos testes terão de
ser feitos para se avaliar se há mesmo uma grande província de gás natural nessa região
do Maranhão e do Piauí. Tomara que essa hipótese seja logo comprovada. Seria bom
para a região e para o Brasil. De qualquer forma, a Bolsa já está comemorando por
antecipação.
------------------------------Correio Braziliense - 16/08/2010
Gato por lebre
Márcio Pacelli
O debate sobre os obstáculos que impedem o acesso dos brasileiros à internet de alta
velocidade chega a ser enfadonho quando colocados, frente a frente, os argumentos dos
polos antagônicos: de um lado, a indisposição da iniciativa privada em abrir mão de
parte de seus lucros e oferecer um serviço de qualidade e, do outro, a intransigência dos
órgãos de defesa da prestação adequada do serviço ao usuário. Mas, por bom senso, é
possível concluir que não há divergências de opiniões em relação ao direito absoluto do
consumidor de receber em sua casa, ou no seu equipamento portátil, exatamente aquilo
por que pagou.
Essa discussão ganhou peso nos últimos meses, quando a Anatel, órgão que regula o
assunto, finalmente decidiu colocar sobre a mesa uma proposta com parâmetros mais
realistas e obrigatórios embora ainda insuficientes de velocidade de acesso e tráfego da
conexão contratada pelo cliente. Se vingar, o contrato do que se convencionou chamar
de banda larga com determinada operadora de telefonia não poderá mais ser honrado
em apenas 10%, com é hoje, mas passará a patamares entre 30% e 50% nos horários
de maior uso e de até 70% nos demais.
Longe do padrão Parece absurdo que a agência de telecomunicações só tenha se mexido
agora a respeito do assunto, quando o Brasil já deu passos maiores, em outras áreas das
relações de consumo, rumo à preservação dos direitos dos usuários. Mas, a avaliar pelo
poder de mobilização das empresas, o tema passará ainda por muitos rounds até que o
serviço prestado no país aproximese dos padrões oferecidos no exterior, onde o megabit
por segundo (Mbps) chega, em média, a custar R$ 8. No Brasil, a mesma velocidade de
acesso não sai por menos de R$ 50 e pode chegar a absurdos R$ 250 em regiões como a
Amazônia.
Junte-se ao dado a informação de que apenas 8% dos brasileiros consomem internet
com rapidez de 1Mbps a 2Mbps, patamar internacionalmente reconhecido como banda
larga.
A maioria, 66%, consome bem menos, sendo que 44% acessam apenas a velocidade de
256kilobits por segundo (Kbps).
Ou seja, é atualíssima a frase cunhada por Cezar Alvarez, coordenador do Programa de
Inclusão Digital do governo federal, há um ano, em um importante seminário sobre as
telecomunicações: A banda larga no Brasil só tem três problemas: é para poucos, cara e
lenta.
Na semana passada, durante audiência pública promovida pela Anatel em São Paulo,
pôde-se conhecer a justificativa das teles, revestida pela boa reputação do Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), sobre a questão. Em um
trabalho contratado à instituição eminentemente técnico, porém inteligível aos mortais
comuns, as operadoras explicam o porquê da resistência em atender o consumidor na
totalidade do que ele contratou.
Culpa é da tecnologia Segundo o estudo, que será anexado às sugestões das empresas
como contribuição à Anatel, o problema mora na tecnologia, especialmente na interação
entre a telefonia e os códigos do Internet Protocol (IP), a senha de entrada na rede
mundial. Indo direto ao ponto, os ruídos surgem no transporte dos pacotes de dados
para usar uma terminologia do ramo pelos meios de telecomunicações (fio de cobre, fibra
óptica, rádio ou celular), operação imprecisa e pouco confiável, segundo o CPqD. O
sucesso de uma conexão ou um downlowd, já desconsideradas as eventuais limitações
do computador ou do celular, vai depender muito mais do caminho a ser percorrido e do
sinal de transmissão de outras operadoras mundo afora do que exatamente da empresa
que assinou o contrato com o cliente.
Se o argumento das operadoras está correto, abre-se, então, uma outra frente na
discussão. Uma vez não sendo possível a prestação do serviço conforme o contratado,
parece óbvia a necessidade de ajustá-lo à realidade. Inadimissível é que as teles sintamse à vontade para oferecer algo que não têm como garantir na totalidade. Se a gente
assume a premissa das empresas, a variação será a regra e a velocidade máxima, a
exceção, diz Estela Gerrine, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec). Hoje, da forma como o serviço é prestado, comprar acesso de internet é como
pagar por dois litros de refrigerante e ter o direito de tomar apenas um copo.
Cobrança proporcional O diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de
Telecomunicações (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, reconhece as razões dos órgãos de
defesa do consumidor e da Anatel sobre a necessidade de atender adequadamente o
usuário, mas não hesita em invocar o estudo do CPqD. Determinadas exigências
esbarram na tecnologia, reforça. A seu ver, seria até possível pensar em mudanças no
modelo atual, caso se concluísse ser esse o melhor caminho. Entretanto, as teles ainda
não se mostraram dispostas à empreitada.
Para o Idec, enquanto não é possível o mundo ideal a entrega do que foi efetivamente
contratado , as operadoras teriam ao menos que informar ao cliente a velocidade real
que ele recebeu e cobrar proporcionalmente por isso. Estela vai além e sugere que as
companhias estabeleçam tetos mínimos e máximos de velocidade de acesso e cobrem
por faixas de consumo pré-definidas. O importante é a informação clara para o
consumidor, defende. Ao deparar-se com a briga infindável, a única certeza que o
usuário pode chegar é a de que continuará, por um bom tempo, a comprar banda
estreita como larga, ou melhor, continuará levando gato por lebre.
Márcio Pacelli é subeditor de Economia
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