Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Automedicação em enfermagem AUTOMEDICAÇÃO: DESVELANDO O DESCUIDADO DE SI DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM SELF-MEDICATION: SHOWING SELF CARELESSNESS BY NURSING PROFESSIONALS AUTOMEDICACIÓN: DESVELANDO EL DESCUIDADO DE SI DE LOS PROFESIONALES DE ENFERMERÍA Maria Aparecida BaggioI Filomena Maria FormaggioII RESUMO: Este estudo é parte de uma dissertação de mestrado e objetivou compreender o significado do (des)cuidado de si dos profissionais de enfermagem, a partir da prática da automedicação. Foi utilizado o método exploratório descritivo de abordagem qualitativa. Os participantes são 12 auxiliares e técnicos de enfermagem e enfermeiros atuantes em rede pública e particular de saúde, no interior do Estado do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados, em 2004, por meio de entrevista semiestruturada para a caracterização dos sujeitos e para conhecer os posicionamentos individuais sobre o tema em questão. O registro dos dados foi audiogravado, sendo os mesmos, posteriormente, transcritos, conferidos e submetidos à análise de conteúdo. A automedicação, baseada na formação e prática dos sujeitos, desvela o descuidado de si dos profissionais de enfermagem que buscam minimizar sintomas físicos ou psíquicos sem a recomendação médica adequada. O estudo mostrou que as drogas usualmente consumidas na automedicação são: analgésicos, anti-inflamatórios e psicotrópicos. Palavras-Chave: Automedicação; enfermagem; cuidado; autocuidado. ABSTRACT ABSTRACT:: This study is part of a master’s thesis which aimed at shedding light on the meaning of self care(less)ness by nursing professionals as far as self-medication is concerned. It used the exploratory descriptive method of qualitative approach. The informants are twelve assistant nurses and nursing technicians acting both in the public and private health network, in the backlands of Rio Grande do Sul state, Brazil. Semi-structured interviews organized data collection in 2004, meant to characterize the subjects and to learn about their stand on the theme in question. Data registration was audiorecorded, transcribed, double-checked, and submitted content analysis. Self-medication, based on the informants’ training and practice, points to self carelessness by nursing professionals, who seek alleviation of physical and psychic symptoms without adequate medical recommendation. The study showed that analgesics, anti-inflammatory drugs, and psychotropic substances are usually consumed in self-medication. Keywords: Self-medication; nursing; care; self care. RESUMEN: Este estudio es parte de una tesis de maestría que tuvo como objetivo entender el significado del (des)cuidado de si de los profesionales de enfermería, a partir de la práctica de la automedicación. Se utilizó el método exploratorio descriptivo de enfoque cualitativo. Los participantes son auxiliares de enfermería y técnicos de enfermería y enfermeros que trabajan en los sectores público y privado de atención de salud, en el interior del Estado de Rio Grande do Sul-Brasil, totalizando 12 sujetos. Los datos fueron recolectados, en 2004, a través de entrevista semiestructurada para la caracterización de los sujetos y para conocer las posiciones individuales sobre el tema en cuestión. El registro de los datos fue audiogravado, y luego transcritos, conferidos y sometidos al análisis de contenido. La automedicación, basada en la formación y en la práctica, desvela el descuidado de si de los profesionales de enfermería que buscan el alivio de los síntomas físicos o psicológicos sin recomendación médica adecuada. El estudio mostró que las drogas normalmente consumidas en la automedicación son: analgésicos, antiinflamatorios y psicotrópicos. Palabras Clave: Automedicación; enfermería; cuidado; autocuidado. INTRODUÇÃO Os profissionais de enfermagem constituem um grupo de trabalhadores cujo processo de trabalho é bastante peculiar, no qual interagem habilidades téc- nicas e relações interpessoais, além do compromisso implícito, demandando grandes e crescentes responsabilidades1. Desse modo, o trabalho da enfermagem e Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde Humana pela Universidade do Contestado. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista do CNPq. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração e Gerência do Cuidado em Enfermagem e Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Substituta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: [email protected]. II Professora de Educação, Língua, Literatura e Metodologia. Professora Titular da Faculdade de Tecnologia de Piracicaba-SP. Professora Titular das Faculdades Integradas Maria Imaculada, Piracicaba-SP. Coordenadora da Revista Bioenergia em Revista das Faculdades de Tecnologia de Piracicaba, Jaboticabal e Araçatuba (SP). Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]. III Mestrado em Ciências da Saúde Humana, desenvolvido na Universidade do Contestado, Concórdia, SC, em 2004, cujo estudo intitula-se: “O (des)cuidado de si do profissional de enfermagem”. I p.224 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):224-8. Recebido em: 28.08.2008 - Aprovado em: 20.02.2009 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación em saúde pode acarretar desgaste, sofrimento e comprometimento, tanto físico quanto mental, para o trabalhador que executa as atividades, quer seja na prevenção de doenças quer seja na recuperação da saúde das pessoas. Contraditoriamente, esses profissionais da saúde, para se dedicarem a sua profissão, ficam expostos a situações que podem comprometer seu viver saudável - em função do labor - tornando-se mais suscetíveis às doenças, a depressões e ao cansaço. Muitas vezes eles recorrem à automedicação para solucionar seus problemas de saúde. Assim, este estudoIII teve por objetivo compreender o significado do (des)cuidado de si entre profissionais de enfermagem, desvelado a partir da prática da automedicação. MARCO REFERENCIAL Estudo que corrobora a assertiva anterior e elucida que os problemas de saúde dos profissionais de enfermagem estão relacionados às condições de trabalho, por ele sendo agravados ou provocados, além dos somados aos de característica pessoal do trabalhador. Entre os transtornos, os evidenciados são as “dores lombares, em membros inferiores, estresse, mudança de humor, transtornos do sono, varizes, entre outros”2:68-9. Conforme outro estudo, eleva-se ainda o risco para “hipertensão arterial, Diabetes mellitus, distúrbios ortopédicos, neurológicos e psicológicos”3:86. Dessa forma, constata-se o risco potencial para o comprometimento da saúde física e mental do ser que cuida do outro em seu cotidiano. O trabalho da enfermagem é um trabalho que, como os demais, pode comprometer o processo de viver saudável dos seus trabalhadores. Destarte, para obter o alívio ou almejando a cura de transtornos físicos ou psíquicos, inúmeros profissionais de enfermagem recorrem, com frequência, ao uso de terapias medicamentosas, principalmente utilizando-se da automedicação. A automedicação é uma prática muito difundida no Brasil e em outros países, cuja utilização é realizada sem a indicação e receita médica4. Tal prática pode comprometer a saúde uma vez que, antes de sanar, tende a maximizar o problema ou trazer complicações indesejadas, ou seja, a automedicação pode mascarar a doença, podendo comprometer o diagnóstico e o tratamento precoce de uma doença mais grave. Além disso, é entendida como uma medida paliativa, não efetiva, pois minimiza os sinais e sintomas, mas não trata o problema que pode ressurgir potencializado. Soma-se, ainda, a esta atitude os riscos de intoxicações e reações alérgicas5. Com base nisso, entende-se a automedicação como uma forma errônea e arriscada de cuidar de si, na tentativa de aliviar ou tratar condições de doença percebidas pelo próprio indivíduo. No entanto, essa prática difunde-se nas mais variadas populações e está Baggio MA, Formaggio FM presente, também, no cotidiano dos estudantes e profissionais de enfermagem e saúde, os quais, em tese, deveriam educar e orientar leigos, desestimulando a automedicação como modo de cuidar de si. Em seis estudos que avaliaram o índice da automedicação entre estudantes de cursos da área da saúde, a enfermagem apresenta resultados entre 72% e 91,2%, isto é alta incidência6-11. Outra investigação com enfermeiros também evidenciou a prática da automedicação em 71% dos profissionais estudados12. Tais achados são preocupantes e devem ser discutidos com a população envolvida com vistas à responsabilidade dos profissionais que devem servir de modelo de autocuidado para seus clientes. Em estudo com profissionais da saúde de 39 serviços da atenção básica, da cidade de Pelotas (Rio Grande do Sul, Brasil), ficou claro que, independente de ter problema de saúde, 67% dos entrevistados fazem uso de medicamentos regularmente. Um quarto dos participantes costuma automedicar-se, sendo significativamente maior a prevalência entre médicos e outros profissionais de nível superior, entre os trabalhadores de maior nível socioeconômico e entre aqueles com mais de um emprego1. A prática da automedicação entre universitários dos Cursos de Enfermagem e de Relações Públicas do Instituto Santanense de Ensino Superior UNISANT’ANNA de São Paulo (Brasil) e de Enfermeiros de San Salvador de Jujuy (Argentina), opostamente ao estudo anterior, decorre da falta de recursos financeiros. Ainda para os universitários, há dificuldade na utilização de serviços imediatos na rede pública de saúde. Entretanto, encontram facilidade na obtenção de medicamentos nas farmácias e nos hospitais. Para os enfermeiros, a automedicação é também condicionada por fatores socioculturais e ambientais12,13. As principais queixas que motivaram a prática da automedicação entre estudantes e profissionais de enfermagem foram: dor de cabeça, dores em geral, febre, dor de garganta, gripe e resfriado... Dessa forma, na ordem de prevalência estão os medicamentos pertencentes ao grupo de analgésicos ou sua associação com outros grupos como antitérmicos, anti-inflamatórios7,9,10,12. Além desses grupos de medicamentos, outros estão na lista de preferência, como os antiespasmódicos, antiácidos8, antibióticos9,12, anticoncepcionais9,13, corticóides7,9, antimicóticos10, antigripais10,12, vitaminas9 e benzodiazepínicos14. É imperativo assinalar o risco de interação medicamentosa na prática da automedicação, que pode inativar, diminuir, prolongar ou potencializar o efeito de alguns fármacos. Sem considerar o risco, a automedicação com mais de um grupo de medicamentos foi praticada por 88% dos estudantes de enfermagem, de três faculdades de João Pessoa (Paraíba, Brasil)9. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):224-8. • p.225 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Automedicação em enfermagem Sendo os anti-inflamatórios o grupo farmacológico mais consumido na prática da automedicação por estudantes da enfermagem, relacionam-se ao mesmo os eventos adversos de maior frequência, como: náuseas, dor epigástrica9 e eventos alérgicos10, nos estudos que os descrevem. METODOLOGIA O método utilizado para a pesquisa foi o exploratório descritivo de abordagem qualitativa. Participaram do estudo 12 profissionais, selecionados aleatoriamente e entrevistados individualmente, sendo quatro auxiliares de enfermagem, três técnicos de enfermagem e cinco enfermeiros, atuantes na rede pública e particular de saúde, no interior do Estado do Rio Grande do Sul, em diferentes locais como: Centro de Atendimento Integrado à Saúde (CAIS), Postos de Saúde, Hospitais filantrópicos e particulares. A faixa etária varia de 25 a 46 anos e o tempo de trabalho desses profissionais varia entre 3 e 26 anos. O projeto da pesquisa em questão, em conformidade com a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde15 - que estabelece normas e diretrizes à conduta de pesquisas que envolvem seres humanos - foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Contestado, bem como ao Colegiado do Curso de Mestrado, e recebeu parecer favorável para a sua execução. A adesão dos participantes ocorreu mediante a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que lhes assegura os direitos éticos, inclusive o de desistir da participação na pesquisa em qualquer tempo, sem nenhuma penalização ou prejuízo. A coleta de dados foi realizada em 2004, por meio de entrevistas semiestruturadas para a caracterização dos sujeitos e para conhecer os posicionamentos individuais sobre o tema em estudo. Os dados foram analisados pelo método de análise sistemática do conteúdo dos depoimentos dos participantes, após a transcrição, leitura e releitura deles, que constituíram as unidades de significados16. Primeiramente, foi realizada uma leitura de contato dos dados coletados. Em seguida, realizaram-se várias leituras do mesmo material visando maior aprofundamento das informações e consequente busca dos significados nos discursos dos sujeitos. Foram recortadas do texto as palavras-chave ou frases de significativa importância para a formação das unidades de significados. Posteriormente, tais unidades foram classificadas e agregadas, sendo, então, definidas e interpretadas as categorias que comandariam as especificações dos temas (unidades temáticas)16. Neste artigo, entretanto, será apresentada uma das categorias que emergiu do estudo maior, a dissertação de mestrado, qual seja a do (des)cuidado de si, desvelada a partir da automedicação. p.226 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):224-8. Salienta-se que, para este artigo, foram selecionados fragmentos de discursos substantivos dos sujeitos, identificados por nome de flores, por escolha das pesquisadoras e com anuência dos participantes, garantindo-lhes o anonimato. RESULTADOS E DISCUSSÃO Identifica-se no estudo que a automedicação é praticada pelos profissionais da enfermagem que, em geral, não buscam a adequada investigação ou avaliação médica para tratar seus problemas de saúde. A opção pela automedicação visa à minimização do transtorno físico ou psíquico apresentado, sem, entretanto, assegurar a cura. Os profissionais possuem conhecimento sobre as drogas disponíveis, seus efeitos e dispõem, via de regra, de acesso a elas facilitado, favorecendo a automedicação. Automedicam-se baseados em seus conhecimentos e prática, conforme suas necessidades. Porém, a automedicação sem o acompanhamento de um outro profissional pode se tornar abusivo ou indiscriminado, além do risco de sofrer os efeitos indesejáveis e até irreversíveis provocados pela droga. Os depoimentos a seguir apontam a percepção dos sujeitos sobre tal assunto: [...] para passar a dor no meu corpo [...] dor muscular, dor até nas mãos, região cervical [...] região temporal (cefaléia) começou agora de tarde, no trabalho. Essa dor no corpo já faz tempo [...] mais de ano. Então vai tomando alguma coisa [...] tu sabes que é prejudicial, não é? Antiinflamatório, quase todos eles são metabolizados no rim, são nefrotóxicos, eu trabalho com isso, eu sei que é prejudicial. Eu me policio pra não usá-lo. (Ipê) E o físico, às vezes, a gente meio que se autocuida [...] uma pequena dorzinha, a gente se automedica ou deixa para depois [...]. Acha que a gente é forte suficiente que não precise ou acha que sabe se cuidar sozinho [...]. Eu me automedico e deu, mas assim, eu tenho que buscar um profissional. Eu não oriento isso para o paciente [...]. (Orquídea) Evidencia-se nos depoimentos que os profissionais da enfermagem estão cientes da negligência do cuidado de si, ao utilizarem-se da automedicação, cuja atitude, além de paliativa poderá acarretar prejuízos sistêmicos à sua saúde. A profissional (Ipê), esclarecida acerca da toxicidade do anti-inflamatório, o qual é consumido com frequência para suas condições álgicas, ainda assim conduz à automedicação. Todavia, questiona-se: sua condição álgica estaria relacionada ao trabalho na enfermagem? Assevera-se que anterior à medida paliativa da automedicação, atenuante das queixas álgicas, devese focalizar a problemática, suas causas e aspectos profissionais passíveis de modificação - de valorização do profissional – na busca de melhores condições de trabalho, devendo este tema ser abordado ainda no processo formativo em enfermagem1. Recebido em: 28.08.2008 - Aprovado em: 20.02.2009 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación O autodiagnóstico e a automedicação estão baseados nos conhecimentos obtidos na formação e na prática da profissão da enfermagem. Dessa forma, cognição e atuação em saúde e enfermagem justificam a tendência à prevalência da automedicação por profissionais, visto que o conhecimento acumulado possibilita maior suporte, autoconfiança e segurança7,8,10,17, principalmente pelo estudo da Farmacologia13. Em função do aumento e da facilidade de conhecimento obtido na escola e na profissão de enfermagem, e da intenção do próprio cuidado pelo profissional, a automedicação é uma realidade que tende a elevar-se8. Ainda assim entende-se a conduta da automedicação, respaldada pela cognição e atuação em saúde e enfermagem, com tendência a ampliar-se a outros tipos de drogas - como os psicotrópicos - e tornar-se abusiva. Conforme dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas, independentemente da idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. No Brasil, tal condição constitui equivalência aos dados mundiais, o que caracteriza um problema de saúde pública18. Contudo, o consumo de drogas desta categoria também é evidenciado na prática cotidiana de profissionais que atuam em prol da saúde do outro e que deveriam desestimular tal prática junto à população. Sabe-se que o uso de substâncias psicoativas pode se tornar indiscriminado quando o usuário, neste caso, o próprio profissional de enfermagem, perde o controle sobre a droga. O uso de uma droga pode ocasionar dependência farmacológica e, mesmo vivendo em condições favoráveis, o sujeito poderá recorrer às drogas para vencer a monotonia do cotidiano, combater a ansiedade, a depressão, a dor ou simplesmente para obter prazer, como apontam os depoimentos: Eu tomei Lexotan 3 mg, meio comprimido. E foi legal, eu almocei e depois deitei. Eu não fiz mais nada. Eu deitei e relaxei, sabe, dormi. Foi legal, foi bem melhor. Mais tarde eu já pude levantar [...] porque eu acho que a gente chega assim, ao topo, que não agüenta mais, sei lá. (Rosa) Eu faço meu tratamento [...] fluoxetina [...] lexotan 3 mg para dormir... E daí eu me sinto melhor um pouco, sabe? Sai aquela, não sei se é angústia. Um pouco eu paro, um pouco eu [...] eu tenho que tomar os meus remédios, mas não viciar. Imagina eu ter que tomar para o resto da vida? [...] eu tomo assim quando eu estou ruim [...] que eu não consigo nem sair da cama, sabe? Eu contei para a Drª. Fulana (residente da clínica médica), eu pedi a receita para ela, mas não que eu tenha que ir num psiquiatra [...] Eu não sei de repente se é o caminho. Um dia termina tudo isso!. (Violeta) No exercício da profissão, o trabalhador de enfermagem possui acesso a drogas psicotrópicas com facilidade, se automedica e controla a quantidade da droga conforme seus próprios critérios. O acesso facilitado a que nos referimos é a disponibilidade em conseguir uma receita com um médico das suas relações Baggio MA, Formaggio FM interpessoais, sem, contudo, manter o devido acompanhamento sobre o seu tratamento. A última depoente referida realiza um tratamento antidepressivo sem o acompanhamento de um especialista da psiquiatria, ou seja, a busca pelo profissional da área médica foi somente para conseguir a receita controlada das drogas utilizadas. Percebe-se que a forma como a medicação está sendo administrada é controlada pelo próprio sujeito, conforme acredita ser suficiente para si. Dessa forma, a utilização de drogas psicotrópicas, sem condução adequada por um especialista da área médica, pode interferir no próprio cuidado deste profissional e, consequentemente, no cuidado ao outro7. O profissional de enfermagem possui a facilidade de conseguir medicamentos não indicados por orientação médica, também, através de representantes de laboratórios que distribuem nas instituições de saúde vários tipos e formas farmacológicas como ‘amostra grátis’. Essa atitude está por trás do marketing que incentiva o consumismo, dado o interesse capitalista das indústrias de medicamentos, sem importar-se, entretanto, com a promoção da automedicação e os problemas que podem advir desta prática. Segundo os depoimentos dos profissionais da enfermagem, deste estudo, identificam-se o uso de antiinflamatórios e analgésicos como principais drogas consumidas na prática da automedicação, seguido do grupo de psicotrópicos, como também apontam outras pesquisas7,9,10,12,14. Julga-se que problemática sobre o fenômeno da automedicação deve ser discutida e objeto de reflexão na formação dos futuros profissionais da enfermagem. Tal perspectiva visa à compreensão dos potenciais riscos do uso e da dependência química de drogas lícitas para o desenvolvimento do processo de cuidado do outro7, bem como para que possam conduzir o cuidado de si com maior entendimento acerca destas questões. Conforme os dados em questão, mesmo imbuídos de conhecimento específico sobre farmacologia, dos perigos da automedicação6,13, os profissionais fazem uso das medicações como se fossem inócuas ao organismo, sem atentar para as reações adversas, efeitos colaterais, interações, dependência, etc. Por esta razão, vê-se a necessidade de intensificar a reflexão, ainda na formação desses profissionais, conforme apontado anteriormente, sobre os riscos potenciais à saúde decorrentes da prática da automedicação com vistas a ampliar a consciência do cuidado de si para poderem cuidar do outro. Quanto ao tema formação e prática, pontua-se a responsabilidade das instituições de ensino e das instituições de saúde em relação à temática. Quanto à formação, as instituições de ensino abordam o tema em disciplinas isoladas, atribuindo-lhe pouca ênfase e, na prática, as instituições de saúde, responsáveis não apenas pela clientela, mas também pelos profissionais vinculados às mesmas, quando abordam o asRev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):224-8. • p.227 Automedicação em enfermagem sunto o fazem apenas em seus programas educativos. Ressalta-se, ainda, que a responsabilidade pela conduta frente ao fenômeno em questão parece ser, fundamentalmente, dos próprios profissionais de enfermagem, cuja facilidade de acesso às drogas lícitas tornaos vulneráveis ao seu uso, abuso19 e dependência. CONCLUSÃO Os profissionais da saúde, em especial os da en- fermagem, estão mais suscetíveis à manifestação ou instalação de doenças físicas ou psíquicas em virtude da relação desgastante vinculada ao trabalho. Por outro lado, o meio ocupacional possibilita acesso às drogas, o que favorece o uso sem indicação adequada. A formação e a prática na enfermagem proporcionam ao profissional o conhecimento sobre doenças, seus sinais, sintomas e fármacos utilizados para o tratamento físico e/ou psíquico. Estes conhecimentos são fundamentais para a prática do cuidado do outro em enfermagem. Porém, utilizar tais fundamentos sobre saúde e doença para autodiagnóstico e automedicação, sem a adequada avaliação de um profissional especializado, pode ser entendido como descuidado com a própria saúde. Através da automedicação é possível obter, mesmo que temporariamente, o alívio aos sintomas físicos ou psíquicos apresentados. No entanto, o apelo do profissional de enfermagem para a autoterapia farmacológica — uso sem prescrição médica de analgésicos, anti-inflamatórios e, principalmente, psicofár-macos, remete aos riscos de intoxicações, reações alérgicas e interações medicamentosas. O profissional de enfermagem deve estar ciente de que, na condição de acometimento da sua saúde, seja física ou psíquica, deve recorrer à ajuda do profissional capacitado, evitando as práticas de automedicação. Dessa forma estará contribuindo para a promoção da sua saúde e evitando o dscuidado de si. REFERÊNCIAS 1. Tomasi E, Sant’Anna GC, Oppelt AM, Petrini RM, Pereira IV, Sassi BT. Condições de trabalho e automedicação em profissionais da rede básica de saúde da zona urbana de Pelotas, RS. Rev Bras Epidemiol [Scielo -Scientific Electronic Library Online] 2007 [citado em 07 jul 08]. 10(1): 66-74. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415790X2007000100008&tlng=en&lng=en&nrm=iso. 2. Mauro MYC, Veiga AR. Problemas de saúde e riscos ocupacionais: percepções dos trabalhadores de enfermagem de unidade materna infantil. Rev enferm UERJ. 2008; 16: 64-9. 3. Appolinário RS. Absenteísmo na equipe de enfermagem: análise da produção científica. 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