Kantorski LP, Pinho LB, Schrank G O RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO E O CUIDADO EM ENFERMAGEM PSIQUIÁTRIC A E SAÚDE MENT AL SIQUIÁTRICA ENTAL THE THERAPEUTIC RELA TIONSHIP AND THE CARE ELATIONSHIP MENT AL HEAL TH PSY CHIA TRIC NURSING ENTAL EALTH SYCHIA CHIATRIC Artigos de Revisão IN Luciane Prado Kantorski* Leandro Barbosa de Pinho** Guisela Schrank*** RESUMO: O presente estudo visa realizar uma reflexão teórica acerca da abordagem da temática de relacionamento terapêutico na produção científica da enfermagem psiquiátrica e saúde mental, no período de 1980-2000. Trata-se de um estudo bibliográfico, no qual realizamos um levantamento da produção científica de enfermagem nos últimos 21 anos em 14 periódicos com nível A e B, conforme classificação da CAPES, de 2001. Encontramos 13 artigos sobre a temática e verificamos que seis deles referem-se a experiências com pacientes, um trabalha com a equipe de enfermagem e os outros seis abordam teoricamente as transformações da assistência psiquiátrica e fazem reflexões sobre a inserção do relacionamento terapêutico no ensino e na prática de enfermagem. Salientamos a grande preocupação dos enfermeiros ao utilizarem as relações humanas como subsídio na assistência, devendo ser incorporadas à terapêutica tradicional, pois objetivam assistir ao indivíduo integralmente com base também no respeito às suas vertentes sociais, culturais e psicológicas. Palavras-Chave: Enfermagem; relacionamento terapêutico; saúde mental. ABSTRACT ABSTRACT:: This work describes a theoretical reflection about the explanation of therapeutic relationship theme in the Brazilian scientific production of the psychiatric nursing and mental health between 19802000. This is a bibliographic study, where was made a survey of the scientific production of the nursing in the last 21 years in 14 journals with A and B level according the 2001 CAPES classification. We found 13 articles about the subject theme, with 6 of them making references to experiences with patients, 1 article related with the nursing staff, while the 6 others make a theoretical analysis about the changes of the psychiatric assistance and make reflections about the insertion of the therapeutic relationship in the teach and practice of nursing. We observed a clear concern of the nurses when they use the human relationships as subsidy in the assistance, and that they need be incorporated to the traditional therapeutic, because they objective to assist integrally the individual, respecting his social, cultural and psychological slopes. Keywords: Nursing; therapeutic relationship; mental health. I NTRODUÇÃO A enfermagem moderna surge a partir de Florence Nightingale (18200-1910) destacando-se seu trabalho na Guerra da Criméia, em que organizou e saneou hospital militar, cuidou do exército inglês e, na ocasião, reduziu a taxa de mortalidade de 42% para 2%. O sistema nightingale expandiu-se rapidamente para os demais países. No Brasil, em 1923, foi fundada, no Rio de Janeiro, a Escola de Enfermagem Anna Nery seguindo os padrões do sistema nightingale e servindo como referência para a formação de outras escolas1. R Enferm UERJ 2003; 11:201-7. • p.201 O relacionamento terapeutico Florence Nightingale não trabalhou com instituições asilares. Entretanto, a idéia central da instituição da enfermagem moderna era baseada na disciplina e na conduta pessoal, o que guarda aproximação com a orientação específica da enfermagem psiquiátrica em suas origens. Desse modo, o padrão disciplinado da enfermagem moderna, somado às concepções da psiquiatria moral, se reproduz sobre a população asilar. O cuidado de enfermagem psiquiátrica nas instituições hospitalares se configurava de acordo com os princípios científicos ressaltados por Florence Nightingale, e enfatizavam a limpeza dos leitos, banhos dos pacientes, exercícios físicos, alimentação e sono apropriados. Esses cuidados eram prestados principalmente a pobres e moribundos pelas Irmãs de Caridade, religiosas que buscavam o perdão dos pecados ao oferecerem tratamento com enfoque curativo. No final do século XVIII, na França, ocorreu a nomeação do médico Philippe Pinel para a direção de um dos asilos mais importantes do país, introduzindo-se condutas específicas que visavam o tratamento dos doentes com problemas de comportamento, com práticas que compreendiam desde a vigília até a repressão, caso fosse necessária. Foi nessa época, então, que surgiu a psiquiatria, área do conhecimento de domínio médico até o século XX e que dá o nome de doença mental aos distúrbios de conduta e racionalidade2. A captação das práticas assistenciais pelos médicos, no século XVIII, através de Pinel, foram decisivas para a fixação do profissional na pirâmide hierárquica da área da saúde, em especial na área da psiquiatria, já que os médicos detinham o poder de instituir terapêutica, classificar os doentes, dar altas hospitalares e fazer novas admissões caso fosse necessário 3. Com o surgimento da chamada Medicina Científica, a visão mística da loucura foi sendo gradativamente substituída por técnicas e discussões sobre o corpo e a biologia do adoecimento, que reordenaram o tratamento dos doentes mentais. Esse modelo aos poucos foi sendo combatido com o surgimento de novas correntes de pensamento, que ressaltavam os graves prejuízos físicos e psicológicos decorrentes dessa intervenção excludente ao portador de transtorno psíquico, pois o doente ficava sem vínculo com familiares, amigos e comunidade em geral. Foi, então, no pós-Segunda Guerra Mundial, que essas críticas tornaram-se mais acirradas ao resp.202 • R Enferm UERJ 2003; 11:201-7. saltarem a necessidade de se ver o doente mental como um ser humano e, portanto, com participação ativa na sociedade e com direito a exercer sua cidadania. Nessa época, também surgiu a chamada psiquiatria psicoterápica que começou com Freud (1856-1939), o qual achava que a doença não tinha somente caráter organicista e que era necessário entender o sofrimento dos doentes antes de procurar a etiologia da doença propriamente dita2. Assim, esse apoio psicológico prestado para o entendimento da pessoa que padece de transtorno psíquico, aliado às técnicas biomédicas tradicionais de assistência, deu início ao que chamamos atualmente de relacionamento terapêutico. A inserção da temática do relacionamento terapêutico na enfermagem começou com Florence Nightingale, no século XIX, a qual dizia ser necessária uma relação direta entre enfermeira, paciente e sua família, e através dessa relação seriam transmitidas todas as informações acerca das condições de saúde e perspectivas de reabilitação4. Florence Nightingale já se preocupava com a comunicação estabelecida entre enfermeira e paciente ao abordar a importância da observação participante na assistência. Assim, o ato de sentar em frente do paciente e ouvi-lo com dedicação e interesse é um dos primeiros e mais importantes instrumentos do cuidado de enfermagem5. Na enfermagem psiquiátrica, o relacionamento terapêutico consolidou-se nos estudos de Hildegard Peplau, em 1952, e de Joyce Travelbee, em 1960, que concentraram suas técnicas psicoterapêuticas e as somaram à intervenção tradicional em enfermagem psiquiátrica6. A partir daí, passou a ser alvo de novos estudos5,6,7,8,9. Os estudos de Peplau, na década de 50, somente foram desenvolvidos com o entendimento da loucura segundo os princípios da psicoterapia e da psiquiatria psicoterápica, sendo considerados o primeiro instrumento de sistematização em enfermagem psiquiátrica que fora realizado por uma enfermeira10. Stefanelli5, em seu estudo, ressalva o que considera fundamental em uma relação terapêutica enfermeiro/paciente – a comunicação interpessoal, reforçando a necessidade de se trabalhar com esse assunto na graduação em enfermagem. A autora enfatiza que, através da comunicação e do relacionamento que se estabelece com paciente e família, os cuidados de enferma- Kantorski LP, Pinho LB, Schrank G gem são repassados e as enfermeiras estariam, portanto, educando em saúde. Stefanelli11 cita Evalda Arantes como sendo a introdutora do ensino de relacionamento terapêutico no Brasil, o qual tornou-se a base do ensino de Enfermagem Psiquiátrica na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Desde então, as mais variadas interações terapêuticas enfermeira-paciente foram sendo descritas na literatura da área, reforçando a aplicabilidade da técnica e sua relevância para a compreensão do processo de adoecimento como um todo. Diante do exposto, no presente estudo, pretendemos realizar uma reflexão teórica acerca da abordagem da temática de relacionamento terapêutico na produção científica da enfermagem psiquiátrica e saúde mental no período de 1980-2000. METODOLOGIA Trata-se de um estudo bibliográfico, no qual realizou-se um levantamento da produção científica de enfermagem nos últimos 21 anos em 14 periódicos, conforme classificação da CAPES, de 2001, da área de enfermagem com nível A e B. Destes, 13 possuem abrangência nacional e um internacional, que foi selecionado porque concentra muitos artigos da produção científica brasileira. O referencial teórico-metodológico escolhido para o estudo foi proposto por Merhy12, que divide as tecnologias de atenção em saúde em duras, leve-duras e leves. As tecnologias duras consideradas são aquelas em que se utiliza máquinas e equipamentos como auxiliares na assistência em saúde. As tecnologias leve-duras são entendidas como aquelas em que ocorre a união dos processos de trabalho com os saberes de cada especialidade, resultando em um saber estruturado, como a clínica médica, psiquiátrica e outras. Já as tecnologias leves são consideradas pelo autor como tecnologias de saber não estruturadas, que estão sempre em processo de atualização, e que medeiam as relações entre profissional e paciente, como o vínculo, o acolhimento, o relacionamento terapêutico e outras. Neste estudo, foram utilizados os artigos que abordam tecnologias leves de cuidado às pessoas e enfatizam, especificamente, o relacionamento terapêutico como uma delas. A busca resultou na seleção de 109 artigos através de uma pesquisa na base de dados do LILACS utilizando os unitermos enfermagem/psi- quiátrica. Dos 14 periódicos analisados, quatro não apresentaram produção científica na área. Tivemos acesso aos 109 artigos e procedemos a uma classificação por periódico, período e área temática. Das áreas temáticas levantadas, 13 artigos trabalhavam com relacionamento terapêutico. RESUL TADOS ESULT E DISCUSSÕES D os 13 artigos levantados na produção científica do período estudado, encontramos que seis artigos abordaram experiências com pacientes, um artigo trabalhou especificamente com a equipe de enfermagem e o relacionamento interpessoal que se estabelece com seus pacientes e seis artigos discutiram teoricamente as transformações da assistência psiquiátrica e a inserção do relacionamento terapêutico no ensino e na prática de enfermagem. Em seis estudos teóricos, encontramos considerações importantes sobre a temática Stefanelli5,11, Silva et al.7, Campos e Barros 10 , Arantes, Stefanelli e Fukuda13 Fraga, Damasceno e Calixto14 . Stefanelli5,11 destaca em seus estudos algumas das transformações na assistência psiquiátrica das últimas décadas, como as drogas psicotrópicas, a terapia insulínica e a psicoterapia, sendo esta a mais importante porque complementava as técnicas tradicionais com atividades que visavam entender o ser humano como portador de sofrimento psíquico. Relata que as enfermeiras não tinham idéia da relevância da relação com o paciente, mantinham-nos ocupados com atividades recreativas e, com isso, acabavam deixando escapar uma das mais importantes contribuições para o restabelecimento do paciente, pois o relacionamento terapêutico diminui o isolamento social e facilita o processo de ressocialização. Silva et al.7 evidenciaram a comunicação e a relação terapêutica como um processo, já que é intersubjetiva e trata-se de uma tecnologia de cuidado, que carece de um corpo de conhecimentos e intervenções. Campos e Barros10 ressaltaram que as práticas atuais em saúde mental estavam referidas às várias tendências e que era o momento de a enfermagem inserir o relacionamento e a comunicação terapêutica no projeto terapêutico da equipe de saúde. Entendemos que Stefanelli5,11, Silva et al.7 e Campos e Barros10 trouxeram reflexões importanR Enferm UERJ 2003; 11:201-7. • p.203 O relacionamento terapeutico tes sobre a utilização do referencial do relacionamento terapêutico pelos enfermeiros como uma tecnologia de cuidado em saúde mental. Consideramos o relacionamento terapêutico um modo de saber fazer que a enfermagem tem construído, que pode servir como uma contribuição específica da área, na composição de projetos terapêuticos das instituições de saúde mental e também de planos terapêuticos para pessoas portadoras de transtornos psíquicos. Arantes, Stefanelli e Fukuda13 enfocaram em seu trabalho a imposição de limites como medida terapêutica, descrevendo algumas situações na relação enfermeiro-paciente que exigem a adoção dessas práticas. Segundo as autoras, a limitação de atitudes diminui a ansiedade ao permitir a mudança de hábitos e de comportamentos permissivos preexistentes. Fraga, Damasceno e Calixto14, em seu estudo, apresentaram o modelo de ensino de relacionamento terapêutico na disciplina de enfermagem psiquiátrica de uma instituição de Ensino Superior. Os autores destacaram a necessidade de se instituir uma estratégia de intervenção com base em uma perspectiva mais global e dinâmica, compreendendo a condição humana no momento da doença e buscando alternativas para uma atuação efetivamente terapêutica. Enfatizamos que o relacionamento terapêutico foi incorporado pela enfermagem, especialmente pelas instituições de ensino, no sentido de oferecer um suporte para fundamentar o cuidado. No entanto, nas instituições psiquiátricas o enfermeiro continuou, e em alguns casos ainda continua, imerso num processo de trabalho que muitas vezes inviabiliza a implantação prática do relacionamento terapêutico. Os seis artigos seguintes relatam experiências com pacientes, nas quais o relacionamento terapêutico configurou-se como a base no atendimento, sendo eles os de Santos e Teixeira15, Dantas16, Zerbeto e Rodrigues17, Costa18, Braun e Wielenska19 e Lima e Rodrigues20. Santos e Teixeira15, em seu estudo, descreveram a interação durante seis semanas com um paciente agudo de tendência isolacionista, na qual foi priorizado o resgate da autoconfiança. Na quarta semana de observação participante, o envolvimento emocional e a empatia já estavam evidenciados. Na sexta semana, o paciente se torna novamente independente e o relacionamento terapêutico já se encaminhava para a alta hospitalar. p.204 • R Enferm UERJ 2003; 11:201-7. Dantas16 relatou em seu trabalho uma experiência com uma paciente pouco comunicativa, com pensamento desconexo e idéias delirantes. À medida em que ela começou a entender a função terapêutica da acadêmica e a vontade em ajudá-la, deu-se início ao processo de interação que, algumas semanas depois, resultou na alta hospitalar. Zerbeto e Rodrigues17 explicitaram uma experiência de relacionamento terapêutico com um paciente em processo de ressocialização, segundo a visão humanista da assistência. Ressaltaram que essa situação permitiu a decifração de sentimentos e idéias do paciente, propiciando a compreensão de seu modo de se expressar e pensar. Costa18 explicitou, como acadêmica de graduação, sua experiência com um paciente hostil, ansioso e irritado, com sinais típicos de esquizofrenia, como desagregação do pensamento e delírios de grandeza. Segundo a autora, durante as primeiras conversas, o paciente se mostrou com uma certa hostilidade, substituída, em poucas semanas, pelo fortalecimento dos vínculos emocionais e a independência pessoal, culminando na alta hospitalar. Consideramos que o relacionamento terapêutico, como tecnologia de cuidado, que guarda um conhecimento e que se viabiliza pela aquisição de algumas habilidades, tem importante contribuição para a prática da enfermagem psiquiátrica e saúde mental. Os estudos apresentados pelas autoras confirmam nossas afirmações. No entanto, a utilização do relacionamento terapêutico não exclui a necessidade de outras medidas terapêuticas. A complexidade do sofrimento psíquico de uma pessoa exige interlocução de saberes, de profissionais, de indivíduos, de contribuições. Braun e Wielenska19, em seu trabalho com pacientes portadores de transtornos de humor, citaram que o relacionamento terapêutico deve ser associado às terapias biomédicas tradicionais, pois promove um menor desgaste do paciente e de sua família, possibilitando o estabelecimento de uma melhor qualidade de vida. Lima e Rodrigues20 abordaram uma experiência com um paciente psiquiátrico agitado, sugerido para o estudo por alguns auxiliares de enfermagem da instituição pesquisada. Com o estabelecimento de uma relação empática, o paciente apresentou-se cada vez mais tranqüilo e disposto a cooperar e o entendimento da situação levou-o à Kantorski LP, Pinho LB, Schrank G reflexão de seus atos e mudanças de atitudes, tornando-o mais confiante e independente. Como pudemos observar nos relatos, todas as experiências vivenciadas pelos autores tiveram como alicerce o apoio psicológico e a empatia, que, para Stefanelli9, consistem nos principais ingredientes na constituição de uma relação interpessoal terapêutica. Através deles, o enfermeiro se coloca no lugar do paciente para entender seus problemas, mas não deve, nesse momento, perder sua identificação pessoal como terapeuta. Essa relação interpessoal com fins terapêuticos também foi descrita por Furegato8 como sendo uma relação de ajuda, na qual ocorre uma troca de saberes: de um lado, o profissional que se prepara para interagir terapeuticamente, sanando dúvidas e diminuindo a ansiedade, e de outro, o paciente que necessita entendimento, carinho e solidariedade. Travelbee21 dividiu em quatro fases a relação interpessoal, a saber: Fase 1 – Fase de Pré-interação: É a fase em que o enfermeiro começa a vinculação com o paciente, tentando compreendê-lo e colhendo dados através de uma observação não-participante e participante, respectivamente; Fase 2 – Fase Inicial: É a fase do primeiro encontro, ou seja, a recepção e a apresentação do profissional, explanando seu comprometimento em ajudar e seus objetivos com o relacionamento interpessoal; Fase 3 – Fase de Identidades: É a fase em que o paciente pode-se apresentar um pouco mais hostil, testando a competência do profissional e podendo ser levemente manipulativo. É nela que paciente e enfermeiro entendem-se como seres humanos, detectando dificuldades, impotências e incompatibilidades; Fase 4 – Fase de Término: É a fase do fim do processo de relacionamento terapêutico, seja por alta hospitalar, agravamento do quadro do paciente ou outras razões. Nesta etapa surgem sentimentos como os de gratificação, independência ou indiferença. Notamos também que todas as experiências visavam a criação de um ambiente propício para o autoconhecimento, já que o principal objetivo de uma relação de ajuda é fazer o paciente compreender seu sofrimento psíquico e encontrar, através de um processo de resgate do valor interno do próprio indivíduo, suas potencialidades, sendo copartícipe de seu tratamento. Verificamos que Rogers (p.43) 22 definiu a relação de ajuda como uma situação na qual um dos participantes procura promover numa ou noutra parte, ou em ambas, uma maior apreciação, uma maior expressão e uma utilização mais funcional dos recursos internos latentes do indivíduo. Consideramos, assim como Rogers22, que o mérito de uma relação de ajuda foi atingido quando o terapeuta foi capaz de despertar no paciente um sentimento mobilizador que facilitou o seu autoconhecimento, a autovalorização e o seu crescimento individual. Contudo, ainda percebemos que alguns obstáculos prejudicaram, mesmo que momentaneamente, o estabelecimento de uma relação interpessoal terapêutica satisfatória. Nos estudos de Santos e Teixeira15, Dantas16 e Costa18, foram evidenciadas a agressividade e a manipulação de respostas como algumas dessas barreiras, que geraram uma certa situação de tensão. Santos e Teixeira15 ressaltaram que o paciente estudado apresentava comportamento manipulativo, o que exigiu a imposição de limites e o resgate, por parte da profissional, das finalidades terapêuticas da inter-relação. Aos poucos, o paciente foi melhorando e tornando-se mais atento à conversa. Dantas16 relatou que os medos e as inseguranças eram freqüentes e influenciavam diretamente na sua relação com o paciente, que somente foram minimizados com o estabelecimento da empatia e da vinculação afetiva. Costa18 descreveu que a hostilidade do paciente era notável, com manifestação de comportamentos agressivos e irritabilidade emocional. Nesse caso, o fortalecimento dos vínculos emocionais e a concretização da relação empática também foram decisivos para a manutenção da relação interpessoal e efetivamente terapêutica. Evidenciamos que o relacionamento terapêutico, como recurso tecnológico para cuidar de pessoas portadoras de transtorno psíquico, continua sendo relacionamento e se dando entre pessoas. Desse modo, ele é permeado de contradições, questionamentos, zonas de tensão, desejos e subjetividades. O tensionamento, entretanto, é necessário para que possa estabeleR Enferm UERJ 2003; 11:201-7. • p.205 O relacionamento terapeutico cer-se confiança e vínculo para se permitir ser cuidado e desenvolver autonomia durante este processo. Segundo Arantes, Stefanelli e Fukuda13, a relação interpessoal terapêutica, à medida em que se configura como uma relação de ajuda, deve oferecer segurança e confiabilidade ao paciente ao diminuir gradativamente sua ansiedade e aumentar o sentimento de independência pessoal. Porém, referem que há a necessidade de se estabelecer limitações para evitar a liberdade total de ações e comportamentos que poderiam colocar em risco a sua própria integridade, a da enfermeira e de outros pacientes, norteando o indivíduo, conseqüentemente, para o desenvolvimento de padrões de conduta socialmente aceitos. Outro agravante no estabelecimento de uma relação terapêutica consiste no não-envolvimento emocional, o qual consideramos prejudicial à reabilitação integral do paciente. Filizola e Ferreira23 estudaram a equipe de enfermagem de um hospital do interior do estado de São Paulo e verificaram que a opção pelo não-envolvimento com os pacientes é freqüente. Segundo os entrevistados, o relacionamento com seus pacientes poderia, em algum momento, trazer malefícios para os profissionais, principalmente no que tange à sua vida extra-hospitalar, o que se configuraria como um grande empecilho na prescrição e efetivação do cuidado de enfermagem com os pacientes. Entendemos que a permissividade de atitudes e a atitude de não-envolvimento podem acarretar um processo de incomunicabilidade entre enfermeiro e paciente dentro dos serviços de saúde, levando à inviabilização da relação interpessoal terapêutica. Assim, pensamos que os princípios da relação empática, o resgate do papel terapêutico do enfermeiro, o asseguramento que permite reorientar comportamentos inadequados, o oferecimento de continência, de possibilidades de expressão do sofrimento psíquico e o redirecionamento de atitudes hostis podem auxiliar na qualificação desta relação entre enfermeiro e paciente. Enfatizamos que o enfermeiro, elemento vivo na totalidade do processo saúde-doença, pode dispor do relacionamento terapêutico como tecnologia de cuidado em saúde mental. E nesse sentido, a universidade, como órgão protagonista e fomentador de novos enfermeiros, tem papel fundamental na desconstrução dos medos e inseguranças que permeiam as relações interpessoais, p.206 • R Enferm UERJ 2003; 11:201-7. devendo oferecer ao acadêmico contato com formas de reabilitação, nas quais a premissa básica é o respeito às vertentes humanas, sociais e culturais dos seus pacientes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com os resultados obtidos, verificamos que a temática do relacionamento terapêutico foi bastante enfatizada e utilizada por enfermeiros em suas práticas assistenciais. Como pudemos observar, na produção científica da enfermagem de 1980-2000, 13 artigos abordavam especificamente o relacionamento terapêutico e seus benefícios para os pacientes. Constatamos que seis artigos relatavam experiências com pacientes, nas quais a relação interpessoal, mesmo diante de dificuldades, configurou-se como o elemento norteador da terapêutica, um artigo procurou analisar a prática propriamente dita do relacionamento terapêutico com membros da equipe de enfermagem e seis artigos realizavam uma reflexão teórica acerca das transformações na atenção em saúde mental, abordando a temática como sendo uma delas. Salientamos a grande preocupação dos enfermeiros em abordar suas experiências e desafios no cuidado ao paciente utilizando as relações humanas como subsídio e, nesse sentido, acreditamos que as terapêuticas tradicionais não são exclusivas no processo de saúde-doença, devendo ser incorporadas a práticas que visem a assistência ao ser humano de uma maneira integral com base também no respeito às suas vertentes sociais, culturais e psicológicas. REFERÊNCIAS 1. Paixão W. História da Enfermagem. 5ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Júlio Reis – Livraria; 1979. 2. Rocha RM. Enfermagem Psiquiátrica: que papel é este? Rio de Janeiro (RJ): Editora Te Cora; 1994. 3. Pessotti I. A loucura e as épocas. 2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Ed. 34; 1994. 4. Bérgamo MA. Sobre a comunicação e a enfermagem. In: Leopardi MT organizadora. Teorias em enfermagem: instrumentos para a prática. Florianópolis (SC): Editora PapaLivro; 1999. p.181-6. 5. Stefanelli MC. Ensino de técnica de comunicação terapêutica enfermeira-paciente – Parte I. Rev Esc Enferm USP 1986; 20: 161-83. 6. Kantorski LP. Mental health care in Brazil. J Psych Mental Health Nurs 2002; 9:251-3. Kantorski LP, Pinho LB, Schrank G 7. Silva ALA et al. Comunicação e enfermagem em saúde mental – reflexões teóricas. Rev Latino-amer Enferm 2000; 8: 65-0. 8. Furegato ARF. Relações interpessoais terapêuticas na enfermagem. Ribeirão Preto (SP): Escala; 1999. 9. Stefanelli MC. Comunicação em enfermagem: teoria, ensino e pesquisa. [tese livre-docência] São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 1990. 10. Campos CMS, Barros S. Reflexões sobre o processo de cuidar da enfermagem em saúde mental. Rev Esc Enferm USP 2000; 34: 271-6. 11. Stefanelli MC. Relacionamento terapêutico enfermeira-paciente. Rev Esc Enferm USP 1983; 17: 39-5. 12. Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agirem saúde: um desafio para o público. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.71-12. 13. Arantes EC, Stefanelli MC, Fukuda IMK. Estabelecimento de limites como medida terapêutica de relacionamento enfermeira-paciente. Rev Esc Enferm USP 1981; 15: 155-0. 14. Fraga MNO, Damasceno RN, Calixto MLG. Ensino de relacionamento terapêutico em enfermagem psiquiátricadificuldades e perspectivas. Rev Bras Enferm 1986; 39:94-2. 15. Santos MJM, Teixeira MB. Relacionamento terapêutico LA RELA CIÓN TERAPÉUTIC A ELACIÓN ERAPÉUTICA Y EL CUID ADO UIDADO EN – relato de experiência em Enfermagem Psiquiátrica. Rev Esc Enferm USP 1987; 21: 67-4. 16. Dantas D. Relacionamento terapêutico: relato de experiência. Rev Esc Enferm USP 1983; 17: 153-8. 17. Zerbeto SR, Rodrigues ARF. Relacionamento nãodiretivo do enfermeiro com paciente em processo de ressocialização. Rev Latino-amer Enferm 1997; 5 Esp: 77-3. 18. Costa FNA. Relacionamento terapêutico enfermeirapaciente: relato de experiência de uma estudante. Rev Esc Enferm USP 1983; 17: 77-0. 19. Braun RCDN, Wielenska RC. Níveis de intervenção em enfermagem e psicologia comportamental: atendimento multidisciplinar de pacientes com transtorno de humor. J Bras Psiq 1993; 42 supl 1: 52-4. 20. Lima MG, Rodrigues ARF. Estabelecendo interações de ajuda com paciente hiperativo. Rev Bras Enferm 1993; 46: 49-5. 21. Travelbee J. Intervención en enfermería psiquiátrica. Colombia: Carvajal; 1979. 22.RogersCR. Tornar-sepessoa. TraduzidoporManuelJosédo Carmo Ferreira. 6ª ed, São Paulo (SP): Martins Fontes; 1982. 23. Filizola CLA, Ferreira NMLA. O envolvimento emocional para a equipe de enfermagem: realidade ou mito? Rev Latino-amer Enferm 1997; 5 Esp: 9-7. ENFERMERÍA PSIQUIÁTRIC A SIQUIÁTRICA Y SAL UD MENT AL ALUD ENTAL RESUMEN: El presente estudio objetiva realizar una reflexión teórica acerca del abordaje de la temática de relación terapéutica en la producción científica de enfermería psiquiátrica y salud mental, en el período de 1980-2000. Se trata de un estudio bibliográfico, en que realizamos una búsqueda de la producción científica de enfermería en los últimos 21 años en 14 periódicos con nivel A y B, de acuerdo con la clasificación de la CAPES, de 2001. Encontramos 13 artículos sobre la temática y verificamos que seis de ellos se refieren a experiencias con pacientes, uno trabaja con el equipo de enfermería y los otros seis abordan teóricamente las transformaciones de la asistencia psiquiátrica y hacen reflexiones sobre la inserción de la relación terapéutica en la enseñanza y en la práctica de enfermería. Resaltamos la gran preocupación de los enfermeros al utilizaren las relaciones humanas como subsidio en la asistencia, debiendo ser incorporadas a la terapéutica tradicional, pues objetivan asistir al individuo integralmente con base también en el respecto a las sus vertientes sociales, culturales y psicológicas. Palabras Clave: Enfermería; relación terapéutica; salud mental. Recebido em: 09.04.2003 Aprovado em: 28.07.2003 Notas * Docente da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas / RS. Doutora em Enfermagem pela EERP–USP. Apoio CNPq. ** Acadêmico do 9º Semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas / RS. Apoio CNPq. *** Acadêmica do 8º Semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas / RS. Apoio CNPq. R Enferm UERJ 2003; 11:201-7. • p.207