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OS ALUNOS AGRADECEM
Doutor em letras, Luiz Carlos de Assis Rocha lança livro que defende o fim da gramática
normativa
André Martins
Lucas Alvarenga
Pronomes, conjunções, artigos, orações de classificações a se perder de vista. Muito se ouve e
fala que a língua portuguesa é difícil, e, de fato, parece. O resultado da relação conflituosa dos
brasileiros com a língua-pátria está na boca do povo e em toda sorte de provas, documentos,
recados, placas, muros.
No decorrer da vida estudantil, crianças e jovens são obrigados a se orientar pela gramática,
companheira inseparável de grande parte dos professores de português. Nomenclaturas e formas
nada didáticas de se estudar a língua, repassadas nas próprias instituições de ensino, refletem o
baixo aproveitamento dos alunos brasileiros e as pérolas que, não dificilmente, são encontradas
em exames como a Prova Brasil e o Enem.
Mas o problema do uso incorreto da língua não se resume apenas às deficiências da metodologia
tradicional. A questão acaba ganhando contornos ainda mais preocupantes ao se perceber que o
brasileiro não desenvolveu o gosto pela leitura, uma importante auxiliar no processo de
aprendizagem. De acordo com dados da Unesco, enquanto a média de livros lidos por brasileiro
gira em torno de 4,8 livros por ano, na França, o número chega a 11 livros e, na Suíça, a 15.
Por todos esses fatores, surgiu há alguns anos uma corrente nas instituições de ensino que
começa a se expandir, ganhando uma diversidade de adeptos. A gramática normativa perderá o
posto de bíblia do português. É exatamente isso que defende o professor de língua portuguesa e
linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz
Carlos de Assis Rocha. Uma das tendências dessa corrente é o fato de algumas das principais
instituições públicas de ensino superior do Brasil já não cobrarem mais tanta gramática em
processos seletivos.
O educador, que é doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, acaba de
lançar o livro “Gramática Nunca Mais 2”, pela Comunicação de Fato Editora. A publicação,
assim como o primeiro volume, propõe o aprendizado da língua portuguesa por meio da prática
da escrita e da leitura.
Vox: Como surgiu a ideia do livro “Gramática Nunca Mais”? Foi de tanto o senhor
estudar a gramática?
Luiz Carlos: Durante 22 anos, fui professor do sistema estadual de ensino, atuando tanto no
ensino fundamental, quanto no ensino médio. Mas tive que deixar essa rotina para me dedicar
ao trabalho na UFMG, onde atuo atualmente. Durante o tempo em que lecionei para alunos do
primeiro grau letivo, o chamado ensino fundamental, comecei direcionando a metodologia para
o ensino da gramática. No entanto, com o passar do tempo, cheguei à conclusão de que não
estava adiantando dar aula com base naquelas normas. Percebi um divórcio entre a prática e o
estudo da gramática, ou seja, a classificação e a definição da terminologia gramatical, como o
que é oração coordenada e subordinada. O tempo me mostrou que o uso desses termos não tinha
grande valia na sala de aula. Chegando à UFMG, trabalhei no curso de pós-graduação em letras,
com professores de língua portuguesa. Por meio de pesquisas, dissertações e teses que alunos
meus fizeram, nós chegamos à conclusão de que o ensino de português não se resume à
gramática.
A nomenclatura é um empecilho?
Sim, é um entrave, porque a gramática normativa não é própria para um adolescente de 11 ou 12
anos, que, normalmente, está na 5ª e 6ª séries. Essas normas não entram na cabeça deles. Certos
conceitos como o que é sujeito indeterminado ou oração sem sujeito, eles não aprendem de jeito
algum. É algo que não está no nível de abstração da idade deles. Seria praticamente o mesmo
que conversar com meninos dessa faixa etária sobre psicanálise. É algo muito profundo. Além
do mais, a gramática tradicional, que está nos compêndios, é algo que não se modifica há
séculos. Ela vem dos gregos, passa pela gramática latina, pela Idade Média, chegando aos
séculos atuais com uma estrutura muito semelhante. No fundo, é tudo a mesma coisa. Não
houve progresso significativo. Pelo contrário, ela se tornou algo confuso e estranho. Ainda tem
o principal: o objetivo do ensino de português é ler, escrever e interpretar um texto. Vocês que
são jornalistas sabem dessa importância, algo que vale para qualquer indivíduo. Ora, as pessoas
que trabalharam comigo e eu chegamos à conclusão de que o fato de dominar a gramática, de
saber se uma conjunção é coordenativa ou subordinativa, se um pronome é pessoal ou oblíquo,
não contribui em nada para a pessoa ser fluente na escrita. Foi por isso que publiquei o
Gramática Nunca Mais em 2002, uma segunda edição dele, em 2007, e agora acabei de lançar o
“Gramática Nunca Mais 2”.
Ficamos sabendo que até mesmo alguns veículos de comunicação estavam um pouco
resistentes em conversar a respeito do assunto. Tudo que é novo é motivo de estranheza?
Seria isso?
Era justamente o que eu iria dizer. É interessante que as pessoas considerem a gramática como
se fosse algo indispensável para o ser humano. Eu brinco nas minhas aulas que a gramática é
como a Bíblia ou até a Constituição, pois são coisas intocáveis, que todo mundo deve respeitar...
Até porque ela é chamada de gramática normativa...
Se ela é normativa, é importante para a educação. As pessoas olham muito sob esse prisma. Há
casos em que o adolescente que está no ensino fundamental começa a dizer e alguns pais
também que o professor de português não dava nada, não dava gramática. É uma tradição
secular. Mas hoje está provado por A mais B que para se escrever bem, elaborar um texto
adequadamente, a pessoa precisa aprender, praticar muito e usar a chamada língua padrão. Ela
tem de adquirir aquele hábito. Não há necessidade de dominar os vários tipos de conjunção, de
oração subordinada, de classes de palavras, nem mesmo é preciso saber distinguir pronome
indefinido de pronome relativo etc. e tal. É essa ideia que eu tento defender com o meu livro.
O “Gramática Nunca Mais 2” veio suprir carências de exercícios do primeiro volume. Há
perspectiva de novas versões?
Isso mesmo. Veja bem, o grande objetivo seria a publicação de livros didáticos. O “Gramática
Nunca Mais 2” é um livro que contém vários exercícios, mas não é direcionado,
especificamente, para uma série. Ele é um livro auxiliar, o chamado paradidático, que serve para
qualquer pessoa que deseja aprimorar o português. Há uma ideia de escrever um livro didático,
mas vejo grandes problemas. Um deles, quase que intransponível, embora lute contra ele, é que
no Brasil existe em um órgão do Ministério da Educação (MEC) o chamado de Plano Nacional
do Livro Didático, o PNLD. Hoje, o Governo Federal compra milhões de livros didáticos, mas,
para que ele aprove alguma obra nova, é necessário que esta passe por uma comissão do MEC.
Atualmente, um livro didático que não apresente gramática, seja de qual for o grau de
dificuldade ou tipo, não é indicado às escolas. Os professores que pertencem ao PNLD, no
momento, não aprovariam uma obra dessas sem normas gramaticais. Esse é um dos principais
problemas. Mas é a luta!
Professor, quando falamos sobre abolição da gramática, qual seria o melhor método para
que possamos aprender sem sofrer?
Primeiramente, quando falamos de método, é bom ressaltar que procuro me comunicar por meio
dos meus livros e das minhas aulas, com os alunos do ensino fundamental e médio. Hoje em
dia, os professores desses graus de aprendizado dão muita atenção ao texto. Eles exigem
bastante leitura, interpretação, paráfrase, resumo, e claro, exercícios de escrita, incluindo
redações de todos os tipos. Isso é importantíssimo. O centro da atenção do ensino de português
tem de ser esse. Agora, como eu digo no meu livro, isso não basta. É preciso direcionar o ensino
da língua portuguesa para certas questões que são o gargalo da disciplina.
Então, como se daria o aprendizado?
Por exemplo: o aluno tem que aprender a acentuação gráfica, a pontuação, o emprego da crase –
um erro recorrente. Precisa saber como conjugar um verbo, ter conhecimento sobre
concordância nominal, verbal, de pronomes. Só que ele pode absorver esse saber sem se tornar
escravo daquela nomenclatura que quase ninguém tem domínio. Se for realizada uma pesquisa
no Brasil, hoje, para ver quem conhece essa terminologia gramatical e as regras, 99% da
população afirmaria ser leiga ou quase leiga no assunto. Então, se o aluno precisa aprender a
concordância verbal, nada melhor do que fazer exercícios específicos. No “Gramática Nunca
Mais”, eu não uso sequer uma palavra da teoria gramatical. O que pretendo mostrar com o livro
é que é possível estudar português por meio de exercícios direcionados para o uso cotidiano.
Infelizmente, muitos professores de Língua Portuguesa ainda roubam o tempo precioso dos
alunos com a gramática, algo que ainda ocupa um espaço considerável nas escolas.
Não é à toa que o desempenho dos alunos do ensino fundamental e médio em português é
tão fraco.
Exatamente. O aluno quase sempre não consegue aprender a gramática direito. Geralmente, ele
a decora para a prova e depois continua sofrendo para distinguir, por exemplo, um adjetivo de
um advérbio ou sem saber o que são superlativos e comparativos. Aí, aquele menino fica com
medo da gramática, e, consequentemente, do português.
Então, ele deixa de usar um recurso da língua porque desconhece a nomenclatura?
É! Ele pensa que para usar o superlativo é preciso aprender gramática no sentido de conhecer a
nomenclatura. Só que ele pode usar um superlativo absoluto sem saber que ele se chama assim.
Quando encontro com uma pessoa, adulto ou jovem, ex-aluno ou aluno, e me perguntam o que
sou, respondo: professor de português. Na hora, a frase mais comum que ouço é “Ah! Português
é muito difícil”. Por quê? Porque as pessoas ligam a disciplina com a gramática. Conhecer a
gramática, geralmente, é uma tarefa complicada, ainda mais levando em conta a idade dos
alunos de fundamental e médio. Mas, saber português, não! Uma aluna minha fez uma
dissertação de mestrado com jornalistas de um grande jornal impresso de Minas. Aqueles que
foram ouvidos revelaram que não tinham conhecimentos profundos de gramática. No entanto,
são pessoas que escrevem muito bem.
O brasileiro lê pouco em relação aos habitantes de outros países. Isso contribui para essa
dificuldade relatada?
Sim. Não há dúvida. As pesquisas mostram que o brasileiro lê pouco. Você vai para a Europa e,
no metrô de Paris, por exemplo, está todo mundo com um livrinho na mão.
O brasileiro lê cinco livros por ano, em média, enquanto na França se lê 11. Buenos Aires,
da nossa vizinha Argentina, é a Capital Mundial do Livro, título dado pela Unesco.
A Argentina tem muita tradição na leitura, né? Aqui, sinto que existe um trabalho grande, sério
e consciente para fazer com que os alunos leiam bastante. Está melhorando, mas há muita coisa
para fazer. É preciso, nas aulas de português, explorar esse aspecto da leitura, aliado ao domínio
da língua padrão. Quer dizer, o aluno tem que saber aplicar direitinho a preposição depois do
verbo. Estou falando esses termos porque sou professor de Língua Portuguesa, mas é
perfeitamente possível não aplicá-los. Por exemplo, o verbo assistir, no sentido de estar
presente, pede uma partícula que todo professor de português chama de preposição, “a”.
Exemplo: assistir ao filme, assistir ao debate. Basta mostrar isso aos alunos e dizer que o verbo
assistir no sentido de estar presente é construído com a partícula “a”. Para quê dizer
“preposição”? O aluno nunca sabe o que é preposição. Ele confunde com conjunção. Por isso,
eu considero a prática como aquilo verdadeiramente importante ao aluno.
A UFMG já não exige mais a gramática no vestibular. Isso se deve a essa discussão
proposta pelo grupo que o senhor encabeça ou é uma tendência?
Acho que é uma tendência. Não sei se vocês viram, mas, nas provas do Enem, não há nenhum
exercício de gramática. Não pude ver a última ainda, mas na penúltima não tinha nada, nada!
Não pede, por exemplo, classificação substantiva, adjetiva, oração coordenada.
O Enem vem com essa proposta de ser muito voltado para a prática, para o dia a dia,
deixando de lado essas questões mais teóricas?
Exatamente. Nas grandes universidades federais brasileiras, de um modo geral, não exige mais
gramática. O Enem veio para dar um grande apoio à causa.
É até um pouco incoerente. Nas escolas públicas, a gramática é ministrada de modo
tradicional e, no entanto, ela não será cobrada dos estudantes lá na frente.
Eu tenho impressão de que hoje há muitos professores que não acreditam nisso: de ensinar a
gramática. Mas é preciso uma conscientização para que a ela seja, realmente, derrubada.
Infelizmente há forças contrárias. Uma delas, como eu falei, é o PNLD. Além disso, as escolas
são bastante conservadoras. É difícil, às vezes, mudar. Os coordenadores de língua portuguesa,
geralmente, acham que é preciso manter. Outro empecilho surgiu em 1998, se não me engano,
quando foram definidos os parâmetros curriculares, que são orientações, guias para o estudo do
português. Esses parâmetros ainda tocavam em várias questões gramaticais. Eles acentuaram
também a importância do texto, mas permaneceram com a gramática muito presente. Na
verdade, a ingerência do poder público nem sempre é benéfica.
O senhor falou de língua-padrão. Como aprendê-la se vivemos em uma era em que as
pessoas escrevem como falam?
É verdade. Se nós tomarmos a literatura como exemplo, vamos ver que os escritores
contemporâneos já, há um bom tempo, procuram colocar na sua escrita, elementos, frases e
palavras da língua falada. Basta ver aí um Carlos Drummond de Andrade, um Guimarães Rosa,
um Manoel Bandeira. Então, isso realmente acontece. Além disso, nós vemos na linguagem da
cidade, nas propagandas, vários elementos coloquiais, né? Nas letras de música, os
compositores acrescentam elementos da linguagem falada, isso é normal. Agora, por outro lado,
se você observar as revistas e os jornais de grande circulação nacional, livros técnicos e
científicos, correspondências oficiais, vocês observarão que a língua utilizada é a padrão. É
possível perceber nesses veículos e obras que a sintaxe, ou seja, a construção da língua, é bem
tradicional. Só para esclarecer ainda mais: nós falamos muito “vai lá e pega ele, vê ele, traz ele”,
mas em uma revista, em um jornal de grande circulação, não se faz isso. Eles se valem de
alguns termos, é diferente, mas respeitam a construção da frase.
Qual é o desafio do professor então?
O professor de língua portuguesa tem que mostrar ao aluno o seguinte: tudo bem, como vocês
falaram, há uma influência muito grande da oralidade nos meios de comunicação,
principalmente nas redes sociais, mas a língua padrão continua cumprindo o seu papel. É
regular, uniforme.
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