A direção do olhar do atendente do sistema de saúde pública no momento do atendimento ao usuário The direction of gaze of the public health system attendant during user attending Sandra Aparecida Resende Dalmaso Resumo: Políticas públicas na área da saúde visam aprimorar as relações entre profissionais e usuários, objetivando uma relação mais próxima e humanizada. Além dos princípios de conduta técnico-científica, vêm sendo discutidas as habilidades sociais dos profissionais da área da saúde, estudo que perpassa o comportamento verbal, tendo em vista algumas respostas comportamentais como o olhar. O objetivo do presente estudo foi identificar a direção do olhar do(a) atendente de um hospital escola no momento de atendimento ao usuário. Participaram da pesquisa 4 atendentes (1 mulher e 3 homens) e 53 pacientes (28 mulheres e 25 homens) de um hospital escola no sul do País. Foi elaborado um protocolo de observação e, fazendo uso da técnica de observação direta do comportamento, procedeu-se à coleta de dados durante 30 minutos no decorrer de 5 dias consecutivos. Os resultados mostram que 37,98% do olhar foram direcionados ao paciente, e 88,82% direcionados a categorias diretamente relacionadas ao mesmo. Os dados apontam para um atendimento de qualidade nesse setor, retratando bons resultados do Programa Humaniza SUS. Palavras-chave: habilidades sociais; humanização; olhar; comportamento não-verbal; análise do comportamento. Abstract: Public policy in health care aim to enhance the relationship between users and professionals, aiming for a closer, more humane relationship. Other than the technical-scientific conduct principals, there has also been discussion about the social abilities of health care professionals. The study of social abilities goes through verbal behavior, taking notice of some behavioral responses, such as the gaze. This study objective was to identify the direction of gaze of a school hospital attendant in the moment of user attending. 4 attendants (1 woman and 3 men) and 53 patients (28 women and 25 men) from a school hospital of the south of the Country have participated in this research. An observation protocol was elaborated and, making use of direct behavior observation, the data gathering proceeded during 30 minutes in 5 consecutive days. Results show that 37,98% of gaze was directed at the patient, and 88,82% directed at categories directly related to the same. The data points towards a quality service in this sector, showing good results from the Humanize SUS Program. Keywords: gaze; non-verbal behavior; social abilities; humanization; behavior analysis. Sobre a autora: Psicóloga formada pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC (linha de pesquisa: Trajetórias no Trabalho e Processos Identitários). Integrante do Núcleo de Estudo do Trabalho e Constituição do Sujeito – NETCOS, coordenado pelas Dras. Maria Chalfin Coutinho e Suzana Tolfo. Atualmente, Bioterista responsável pelo Laboratório de Análise do Comportamento do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC e Presidente da Comissão de Ética em Uso de Animais desta Instituição. Endereço: Servidão Augusto Buss, 579 – Rio Tavares – Florianópolis/SC – 88.048-358 O desvio do olhar pode ser uma barreira para o real entendimento, assim como um olhar fixo pode ser o início de uma interação de confiança. O comportamento de olhar é essencial para a comunicação face a face. Conversar com alguém que tem seu olhar longe, como se estivesse contemplando o pôr do sol, muitas vezes coloca em dúvida a atenção despendida por essa pessoa. E mais, se está interessada no assunto. Quando esse assunto se relaciona à integridade física, a falta de atenção pode ser ainda mais intrigante. O direcionamento do olhar pode transformar um simples atendimento de rotina em uma relação de cumplicidade. Dentro do serviço público, a má qualidade no atendimento ao usuário é uma queixa constante, o que não é diferente na área da saúde. Por longos tempos, a saúde foi tratada como puramente tecnicista. Na atualidade, a política nacional de humanização apresenta-se como umas das grandes metas das políticas públicas. A implantação de um atendimento baseado na integralidade da assistência, equidade e participação social, dentre outros princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS), requer uma revisão das práticas desse sistema. O Humaniza SUS busca a criação de ambientes que valorizem o conhecimento do usuário. Para Fortes e Martins (2000), humanizar significa reconhecer as pessoas como sujeitos de direito, reconhecendo em cada uma a sua individualidade, contribuindo para o exercício de sua autonomia. A humanização implica em transformação da concepção de usuário. A transformação de um objeto pacífico, necessitado de atos de caridade, para um sujeito que exerce seu direito de ser usuário, com a garantia de um atendimento técnico oferecido eticamente por profissionais responsáveis (CASATE e CORRÊA, 2005, p. 111). A temática humanização envolve questões amplas que vão desde a operacionaliza-ção de um projeto político de saúde calcado em valores como a cidadania, o compromisso social e a saúde como qualidade de vida, passando pela revisão das práticas de gestão tradicionais até os microespaços de atuação profissional nos quais saberes, poderes e relações interpessoais se fazem presentes. Assim, é necessário compreender a humanização como temática complexa que permeia o fazer de distintos sujeitos. O Programa Humaniza SUS pressupõe trocas de conhecimentos entre os profissionais, usuários e de sua rede social. A produção de um novo tipo de interação entre os sujeitos que constituem o sistema de saúde é um dos objetivos do projeto de Humanização do Governo Federal. Para humanizar, é preciso garantir que as palavras expressas pelo profissional da saúde sejam entendidas pelo usuário e vice-versa; uma relação humanizada depende da capacidade de falar e ouvir. 2 O paciente é quem mais pode dizer sobre seus sofrimentos e angústias, cabendo ao profissional da saúde observar e ouvir a linguagem verbal e não-verbal dos pacientes (ANGERAMI-CAMON, 2001). Uma efetiva comunicação interpessoal pressupõe a codificação da totalidade das linguagens emitidas. Através das interpretações dos sinais faciais, é possível adquirir informações acerca da disponibilidade do outro em cooperar, dando dicas tanto ao emissor quanto ao receptor de como proceder. Pesquisas da psicologia cognitiva e da comunicação sugerem benefícios na comunicação face a face. O auxílio de esclarecimento da fala, através de movimentos labiais e a regulação da vez de quem fala por meio da direção e duração do olhar, são alguns dos benefícios sugeridos por Bruce (1996). Segundo Cook (1979, apud CABALLO, 2000, p. 274), o comportamento de olhar é definido como “olhar a outra pessoa no ou entre os olhos, de forma mais geral, na metade superior do rosto”. Esse autor afirma que o olhar mútuo indica que se fez ‘contato ocular’ com outra pessoa. Para Caballo (2000), quase todas as interações humanas dependem do ‘contato ocular’ recíproco. A assertividade é privilegiada com a prática do olhar recíproco. Caballo (2000) dedica um capítulo à discussão sobre treino de habilidades sociais e descreve a relação entre o comportamento de olhar e a assertividade. Segundo ele, o tempo médio que uma pessoa fita outra é de 60% do tempo total de conversa, quando considerado o olhar individual, com duração média do olhar de três segundos. O contato ocular mútuo ocorre em média 30%, e a duração média do olhar mútuo é de um segundo e meio. A quantidade também varia se a pessoa fala (40%) ou se escuta (75%). A interação face a face é mais efetiva do que as que utilizam apenas o sentido da audição. Quando comparadas essas duas formas de interação, Boyle, Anderson e Newlandes (1994) apontam benefícios nas interações dos que contavam com o locutor face a face em detrimento dos outros que se relacionavam por meio de áudios. Os pares que visualizavam seus parceiros utilizavam menos palavras para ter o mesmo desempenho dos que podiam apenas ouvir. Os sujeitos que só faziam uso da audição precisavam verificar verbalmente pistas que poderiam indicar mútua compreensão o que, no caso de face a face, essa confirmação se dava imediatamente à fala do mesmo. A detecção e o monitoramento dos estímulos presentes no ambiente são essenciais em uma interação social. Trower (1980) observa que os pacientes psiquiátricos apresentam déficits nas habilidades sociais processuais (capacidade do indivíduo de gerar comportamento flexível, em resposta a mudanças nos estímulos ambientais). O olhar pode ter alguns significados ou funções, que segundo Caballo (2000) pode estar relacionado a: 3 Atitudes – a pessoa que olha mais é tida como mais agradável, porém de forma extrema de olhar fixo é vista como hostil e/ou dominante. Certas seqüências de interação têm mais significados, por exemplo, deixar de olhar o outro é sinal de submissão. A dilatação da pupila assinala interesse pelo outro (p. 374); Intensificação de emoções – olhar mais intensifica a impressão de algumas emoções, como a raiva, enquanto que olhar menos intensifica outras, como a vergonha (p. 374); Acompanhamento da fala – emprega-se o olhar junto com a conversação, para sincronizar, acompanhar ou comentar a palavra pronunciada. Em geral, se o ouvinte olha mais, produz mais respostas por parte de quem fala, e se o que fala olha mais é visto como persuasivo e seguro (p. 375). O tempo e a intensidade do olhar têm sido associados a algumas dificuldades individuais. A introversão, inibição emocional, tensão, apreensão, submissão e baixa autoestima podem ser denunciadas pelo desvio do olhar, de acordo com Larsen e Shackelford (1996). Para esses autores, a evitação do olhar, bem como o olhar com duração excessiva ou fixo demais podem interferir no desempenho de um indivíduo, com repercussões no seu funcionamento social e nas respostas das pessoas ao seu comportamento. Argyle e Kendon (1967) relataram pesquisas demonstrando que assuntos embaraçosos, processos emocionais e materiais cognitivamente mais difíceis provocavam evitação do olhar. Olhares prolongados demais, acima da faixa usualmente encontrada (entre um e sete segundos), geram ansiedade nas pessoas. O “comportamento de olhar” e o “comportamento de ver” estão diretamente ligados, porém não são sinônimos. A diferenciação entre ambos é fundamental, pois o presente trabalho não pretende entrar no mérito da percepção, ou seja, no comportamento de enxergar, uma vez que esse seria um evento encoberto e seu estudo se daria em outro nível. Olhar na direção de... muitas vezes é confundido com o comportamento de ver, mas olhar em direção da multidão é um comportamento público, enquanto que a resposta de vê-la é privada. Uma vez que o sistema visual é possível que a pessoa esteja “olhando para a multidão” sem que a esteja vendo (LOPES e ABIB, 2002, p. 133). O comportamento de olhar influi diretamente na qualidade da comunicação. Considerando a necessidade de uma efetiva comunicação entre profissionais e usuários do sistema de saúde pública, preconizados pelo Humaniza SUS, a presente pesquisa objetivou a identificação da direção do olhar do(a) recepcionista de um hospital escola no momento de atendimento ao usuário. 4 Método Participantes Participaram desta pesquisa 4 atendentes da recepção e 53 usuários do sistema de saúde, integrantes da comunidade universitária (alunos, professores e servidores públicos) de um Hospital Escola do sul do Brasil. Após a exposição dos objetivos de estudo e detalhamento dos procedimentos de coleta das informações, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia para pesquisas com seres humanos, garantindo-lhes sigilo da identidade e das informações coletadas. Tabela 1. Características dos atendentes da recepção de um Hospital Escola do sul do País Atendente Colocação Sexo Idade Experiência Turno A servidor público M 45 25 anos tarde B servidor público M 28 1,6 anos manhã C bolsista M 24 1 ano manhã D bolsista F 20 1 mês tarde Instrumento Foi desenvolvido um Protocolo de Observação para coleta de dados a fim de registrar os eventos por usuário atendido. Esse protocolo contava com categorias previamente definidas e um campo para coletar dados referentes ao atendente que interagia com o usuário no momento da observação, como função, sexo, idade, tempo de trabalho e turno de atendimento. O tempo total de cada observação foi registrado no protocolo e, para isso, utilizou-se um cronômetro marca CronoBio, modelo SW2018. Local A observação foi realizada em uma das recepções de um hospital escola do Sul do Brasil, dividida em dois ambientes: a) mesa de atendimento ao usuário, onde se localizava o atendente e o usuário atendido no momento da observação; b) cadeiras de espera, onde usuários já recepcionados aguardavam pelo atendimento médico. 5 Procedimento A pesquisadora posicionava-se de frente para o atendente (a aproximadamente três metros de distância), e, por meio da observação direta do comportamento como método de coleta de dados, observava a direção do olhar do atendente no momento de atendimento ao usuário do serviço de saúde. Primeiramente, utilizou-se a técnica de registro contínuo cursivo, a partir da qual foi possível a definição prévia das categorias comportamentais. Num segundo momento, a pesquisadora, valendo-se da técnica de registro contínuo categorizado, registrou a direção do olhar do atendente. O registro contínuo de frequência de eventos ocorreu por usuário atendido, considerando-se um novo evento a cada três segundos. Foi analisada a frequência média dos eventos por categoria em relação a cada usuário atendido e a frequência média da direção do olhar de todos os atendentes durante o tempo total de observação. Ao final, era registrado o tempo de duração total de cada usuário atendido, e comparado o desempenho dos atendimentos em relação à idade e ao sexo dos usuários (análise descritiva). Também foi realizado um teste estatístico para análise de variância (Anova) por meio do Excel 2003 do Windows XP. Categorias comportamentais O olhar foi definido como referência para a definição das demais categorias: direcionar os olhos para um objeto ou pessoa, com movimentação ou não da cabeça, com registro de um evento a cada três segundos. Desse modo, o registro das demais categorias foi anotado sempre em referência ao olhar do sujeito. 6 Tabela 2. Nome e definição das respectivas categorias comportamentais observadas e registradas, sempre com referência à direção do olhar para qualquer uma delas. Categorias Definição Olhar direcionado para Usuário pessoa que está imediatamente, do lado oposto do balcão, estando em interação face a face com o atendente; Computador para a tela, teclado, mouse ou para qualquer outro periférico do computador; Documento guia para marcação de consulta, documento de identificação, resultado de exame ou qualquer outro documento apresentado pelo usuário ao atendente; Agenda a agenda de marcação de consulta, estando ela aberta ou fechada; Painel um painel localizado na parede acima do computador, com tabelas com nome dos médicos e respectivas especialidades, datas e horários de marcação de consultas e outras informações; Paciente qualquer outro usuário que não fosse aquele que estava em atendimento direto naquele intervalo de tempo; Profissional os profissionais da área da saúde, da limpeza e manutenção ou qualquer outro indivíduo que se encontrava no local e estava devidamente identificado como colaborador da instituição de saúde; Outros para qualquer outro local não categorizado nas categorias acima. Resultados As observações tiveram início nos horário de 8h e 14h, tendo duração média de 30 minutos por sessão observada. No período de 3.904 segundos, registrou-se um total de 1.077 eventos, divididos em oito sessões de observação. Foram descartados da amostra os usuários que tiveram seu atendimento iniciado na recepção e deslocado (ainda em atendimento) do local circunscrito da observação, mesmo que continuassem a receber informações do atendente. Assim também os usuários atendidos simultaneamente por mais de um atendente deixaram de fazer parte do universo dos usuários observados. Os dados coletados mostram que o olhar direcionado para o usuário é o mais representativo, significando 37, 98% dos eventos totais observados durante todas as sessões, e em segundo lugar o olhar direcionado para o computador, com 18,38%. Em seguida, o olhar direcionado para o documento (16,99%), em qualquer outra direção (8,64%), para agenda (7,34%), parede (3,81%), paciente (3,62) e o olhar direcionado para outro profissional da saúde (3,25%). A Figura 1 mostra o desempenho de todas as categorias considerando os quatro atendentes observados. 7 ou tro s sio na l pr of is pa cie nt e pa in el ag en da do cu m en to co m pu ta do r 40 35 30 25 20 15 10 5 0 us uá r io Percentual Direção do olhar durante o tempo total de observações alvo do olhar Figura 1. Direção do olhar dos atendentes do serviço de saúde durante o atendimento ao usuário. Quando a categoria olhar em direção ao usuário é analisada em relação a cada atendente observado, tem-se uma homogeneidade dos dados de três deles (média de 44,30%), no entanto para um dos atendentes (A), essa média foi reduzida consideravelmente para 29,45%. A Figura 2 apresenta o resultado dessa categoria em percentual por atendente observado. Percentual Olhar em direção ao usuário 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 43 44,94 44,97 B C D 29,45 A Atendentes Figura 2. Percentual da frequência do olhar direcionado ao paciente em relação a cada atendente observado. 8 Ainda comparando o desempenho de cada atendente, pode-se perceber que o atendente B (conforme Figura 3), apresenta um padrão comportamental diferente dos outros atendentes. Como pode ser observado, B é o único que não apresenta nenhuma resposta de olhar em direção ao painel, para outro paciente ou para outro profissional da saúde. A Figura 3 mostra o desempenho de cada um dos atendentes. Atendente B Atendente A usuário usuário comput ador comput ador document o document o agenda agenda painel painel pacient e pacient e prof issional prof issional out r os out ros Atendente C Atendente D usuário usuário comput ador comput ador document o document o agenda agenda painel painel pacient e pacient e prof issional prof issional out r os out r os Figura 3. Desempenho de cada atendente (A, B, C e D) em relação a todas as categorias durante todas as sessões observadas. Dos 53 pacientes atendidos durante as observações, 54,71% têm idade entre 18 e 30 anos (média = 20,5), e os demais (45,29%) têm entre 30 e 60 anos (média = 45 anos). Dessa forma, para fins de análise, os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a idade: um grupo reunindo os pacientes de até 30 anos de idade, e outro reunindo os pacientes com mais de 30 anos. Ressalte-se que a idade de cada paciente foi sugerida pelo pesquisador de acordo com a aparência física de cada um, podendo haver um eventual erro de percepção no momento do registro. A Figura 4 mostra o desempenho de cada categoria em relação à idade (até 30 anos e maiores de 30 anos). 9 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 até 30 ou tro s si on al e pr of is pa ci en t pa in el > 30 ag en da us uá rio co m pu ta do r do cu m en to Freqüência (%) O olhar em relação à idade do usuário alvo do olhar Figura 4. Percentual da frequência do olhar direcionado à cada categoria em relação à idade dos usuários (até 30 anos e acima de 30 anos). Como se observa na Figura 4, não houve diferença significativa entre os grupos de pacientes atendidos com idade até 30 anos e os pacientes atendidos com mais de 30 anos de idade na categoria olhar em direção ao paciente (p=0,410). Da mesma forma, nenhuma das outras categorias apresentou significância. As observações foram também analisadas de acordo com o sexo do usuário atendido (52,83% dos usuários atendidos são do sexo feminino). A média da frequência do olhar direcionado ao usuário do sexo feminino (9,43) é superior à do olhar direcionado ao usuário do sexo masculino (5,80), apresentando para essa categoria a tendência a uma diferença significativa (p=0,057) (vide Figura 5). Também o tempo médio despendido em atendimento ao usuário do sexo feminino (85,25 segundos) é superior ao despendido ao usuário do sexo masculino (60,68 segundos). 10 Feminino 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 ou tro s pr of is sio na l pa cie nt e pa in el us uá r io ag en da Maculino co m pu ta do r do cu m en to Freqüência média O olhar em relação ao sexo do usuário alvo do olhar Figura 5. Média da frequência da direção do olhar do atendente em relação ao sexo do usuário atendido. As categorias observadas foram novamente organizadas em dois grupos. O primeiro reúne as categorias que remetem ao usuário atendido ou a qualquer outro ponto que diz respeito a esse usuário e seu atendimento. Assim, a junção das categorias direcionar o olhar ao usuário, computador, documento, painel e agenda foi denominada Atenção ao usuário. As demais categorias (direcionar o olhar a outro paciente, profissional e outros objetos) compõem o segundo grupo, aqui denominado Não atenção ao usuário. Dessa forma, analisou-se cada atendente considerando o percentual de atendimento em que ele direcionou o olhar 100% para as categorias que integram o grupo Atenção ao usuário. A Figura 6 apresenta essa informação: 11 Atenção 100% ao usuário 70 63,15 62,5 Percentual 60 50 41,66 40 30 20 10 7,14 0 A B C D Atendentes Figura 6. Percentual de usuários com Atenção 100% ao usuário, em relação a cada atendente observado ao longo das observações. Do universo de usuários atendidos, 43,40% receberam Atenção 100%, porém, como pode ser visto na Figura 6, essa atenção se diferencia quando é analisado cada atendente. Mais uma vez, o desempenho de 3 dos atendentes foi similar, sendo o desempenho de um deles (A) é discrepante do restante do grupo (7,14%). 12 Conclusões O atendente do Hospital Universitário observado no presente trabalho olha em média 40% do tempo total de atendimento em direção ao usuário. De acordo com Silva (1996), a função do olhar é regular o fluxo da conversação. Na cultura ocidental, as pessoas olham umas para as outras durante 50% do tempo da conversação; assim sendo, os atendentes observados estariam abaixo da média esperada na sociedade. Tal média, no entanto, pode ser considerada maior, uma vez que para efetuar o atendimento é necessário que o atendente desvie seu olhar para outras direções como o computador, a agenda, entre outros, sem que isso comprometa a qualidade da prestação desse serviço. Sem o desvio do olhar não seria possível agendar ou confirmar consultas, dar informações como datas, horários e especialistas que fazem parte do quadro da equipe de saúde. Ao ser analisada novamente a direção do olhar, em relação ao usuário atendido e considerando a classe Atenção 100% ao usuário (ou seja, olhar direcionado às categorias relacionadas diretamente com usuário em atendimento), a média da frequência da direção do olhar sobe para 88%. Assim, a média estaria bastante acima da apontada pela literatura, mesmo considerando Caballo (2000), que sugere algo na ordem de 60% o tempo em que uma pessoa despende olhando para outra em uma interação social. No presente trabalho, os atendentes observados olham mais em direção ao usuário durante o momento do atendimento do que para outra direção qualquer, embora esse padrão comportamental não seja similar entre os quatro atendentes observados: um deles (A) apresentou um desempenho diferente dos demais. Ao analisar o perfil dos atendentes que participaram da pesquisa, é possível inferir, além das diferenças individuais não observadas, a média de idade (os três atendentes têm em média 24 anos, enquanto A tem 45), e o tempo de profissão (os três atendentes têm em média um ano na função de recepcionista e A tem 25) são duas variáveis que o distingue dos outros três atendentes. Com a experiência adquirida ao longo de toda a sua carreira, é provável que um profissional passe a se comportar de forma distinta de um aprendiz que está no início da mesma. Porém, outro fator parece também estar associado ao tempo de serviço: a motivação. Destaque aos servidores públicos, uma vez que as dificuldades impostas às organizações públicas têm limitado as condições de motivação e satisfação no trabalho. Como consequências, de acordo com Moulin (1996), podem ser apontadas diversas alterações no papel do servidor público e consequentemente no seu comportamento: aumento da carga de 13 trabalho e do índice de doenças ocupacionais, arrocho salarial, sentimentos de insegurança, baixa autoestima, conflitos e falta de integração. Tais mudanças refletem diretamente no processo motivacional do indivíduo inserido em órgãos públicos. Apesar das inerências do ambiente organizacional público acima mencionado, os resultados do presente trabalho apontam um atendimento com qualidade nesse setor específico do Hospital Universitário, pois ainda de acordo com Silva (1996), na cultura brasileira o contato visual significa aceitação e respeito ao outro (princípios básicos do Programa Humaniza SUS). A ausência do contato visual pode diminuir a qualidade da conversa e torná-la mais dificultosa, pois o olhar retrata emoções como surpresa, alegria, decepção ou tristeza, atuando assim como regulador do nível de atenção e fluxo durante a conversação. O Hospital Escola aqui estudado atua nos três níveis de assistência e é referência estadual em patologias complexas em diversas especialidades. Sendo o único no estado 100% público, passa hoje por dificuldades de gerência e financeiras impostas pela conjuntura atual, enfrentando a racionalização de investimentos em recursos humanos, o que pode ser um grande desafio para a atual administração, em especial na área de pessoal. A presente pesquisa foi desenvolvida em uma única recepção, abrangendo apenas quatro dos tantos profissionais que ali atuam, não podendo assim retratar o perfil do profissional dessa unidade de saúde. Para tal se faz necessária nova pesquisa, considerando uma amostra mais representativa do hospital, bem como as mais variadas recepções (emergência, pediatria, ambulatórios, laboratórios...) e os demais perfis de trabalhadores e usuários do sistema de saúde atendidos. 14 Referências ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira, 2001. ARGYLE, Michael; KENDON, Adam. The experimental analysis of social performance. 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