A direção do olhar do atendente do sistema de

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A direção do olhar do atendente do sistema de saúde pública no momento
do atendimento ao usuário
The direction of gaze of the public health system attendant during user attending
Sandra Aparecida Resende Dalmaso
Resumo: Políticas públicas na área da saúde visam aprimorar as relações entre profissionais e
usuários, objetivando uma relação mais próxima e humanizada. Além dos princípios de conduta
técnico-científica, vêm sendo discutidas as habilidades sociais dos profissionais da área da saúde,
estudo que perpassa o comportamento verbal, tendo em vista algumas respostas comportamentais
como o olhar. O objetivo do presente estudo foi identificar a direção do olhar do(a) atendente de um
hospital escola no momento de atendimento ao usuário. Participaram da pesquisa 4 atendentes (1
mulher e 3 homens) e 53 pacientes (28 mulheres e 25 homens) de um hospital escola no sul do País.
Foi elaborado um protocolo de observação e, fazendo uso da técnica de observação direta do
comportamento, procedeu-se à coleta de dados durante 30 minutos no decorrer de 5 dias consecutivos.
Os resultados mostram que 37,98% do olhar foram direcionados ao paciente, e 88,82% direcionados a
categorias diretamente relacionadas ao mesmo. Os dados apontam para um atendimento de qualidade
nesse setor, retratando bons resultados do Programa Humaniza SUS.
Palavras-chave: habilidades sociais; humanização; olhar; comportamento não-verbal; análise do
comportamento.
Abstract: Public policy in health care aim to enhance the relationship between users and
professionals, aiming for a closer, more humane relationship. Other than the technical-scientific
conduct principals, there has also been discussion about the social abilities of health care
professionals. The study of social abilities goes through verbal behavior, taking notice of some
behavioral responses, such as the gaze. This study objective was to identify the direction of gaze of a
school hospital attendant in the moment of user attending. 4 attendants (1 woman and 3 men) and 53
patients (28 women and 25 men) from a school hospital of the south of the Country have participated
in this research. An observation protocol was elaborated and, making use of direct behavior
observation, the data gathering proceeded during 30 minutes in 5 consecutive days. Results show that
37,98% of gaze was directed at the patient, and 88,82% directed at categories directly related to the
same. The data points towards a quality service in this sector, showing good results from the
Humanize SUS Program.
Keywords: gaze; non-verbal behavior; social abilities; humanization; behavior analysis.
Sobre a autora:
Psicóloga formada pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFSC (linha de pesquisa: Trajetórias no Trabalho e Processos
Identitários). Integrante do Núcleo de Estudo do Trabalho e Constituição do Sujeito – NETCOS,
coordenado pelas Dras. Maria Chalfin Coutinho e Suzana Tolfo. Atualmente, Bioterista responsável
pelo Laboratório de Análise do Comportamento do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina –
CESUSC e Presidente da Comissão de Ética em Uso de Animais desta Instituição.
Endereço: Servidão Augusto Buss, 579 – Rio Tavares – Florianópolis/SC – 88.048-358
O desvio do olhar pode ser uma barreira para o real entendimento, assim como um
olhar fixo pode ser o início de uma interação de confiança. O comportamento de olhar é
essencial para a comunicação face a face. Conversar com alguém que tem seu olhar longe,
como se estivesse contemplando o pôr do sol, muitas vezes coloca em dúvida a atenção
despendida por essa pessoa. E mais, se está interessada no assunto. Quando esse assunto se
relaciona à integridade física, a falta de atenção pode ser ainda mais intrigante. O
direcionamento do olhar pode transformar um simples atendimento de rotina em uma relação
de cumplicidade.
Dentro do serviço público, a má qualidade no atendimento ao usuário é uma queixa
constante, o que não é diferente na área da saúde. Por longos tempos, a saúde foi tratada como
puramente tecnicista. Na atualidade, a política nacional de humanização apresenta-se como
umas das grandes metas das políticas públicas. A implantação de um atendimento baseado na
integralidade da assistência, equidade e participação social, dentre outros princípios
fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS), requer uma revisão das práticas desse
sistema. O Humaniza SUS busca a criação de ambientes que valorizem o conhecimento do
usuário. Para Fortes e Martins (2000), humanizar significa reconhecer as pessoas como
sujeitos de direito, reconhecendo em cada uma a sua individualidade, contribuindo para o
exercício de sua autonomia.
A humanização implica em transformação da concepção de usuário. A transformação
de um objeto pacífico, necessitado de atos de caridade, para um sujeito que exerce seu direito
de ser usuário, com a garantia de um atendimento técnico oferecido eticamente por
profissionais responsáveis (CASATE e CORRÊA, 2005, p. 111).
A temática humanização envolve questões amplas que vão desde a operacionaliza-ção de um
projeto político de saúde calcado em valores como a cidadania, o compromisso social e a
saúde como qualidade de vida, passando pela revisão das práticas de gestão tradicionais até os
microespaços de atuação profissional nos quais saberes, poderes e relações interpessoais se
fazem presentes. Assim, é necessário compreender a humanização como temática complexa
que permeia o fazer de distintos sujeitos.
O Programa Humaniza SUS pressupõe trocas de conhecimentos entre os profissionais,
usuários e de sua rede social. A produção de um novo tipo de interação entre os sujeitos que
constituem o sistema de saúde é um dos objetivos do projeto de Humanização do Governo
Federal. Para humanizar, é preciso garantir que as palavras expressas pelo profissional da
saúde sejam entendidas pelo usuário e vice-versa; uma relação humanizada depende da
capacidade de falar e ouvir.
2
O paciente é quem mais pode dizer sobre seus sofrimentos e angústias, cabendo ao
profissional da saúde observar e ouvir a linguagem verbal e não-verbal dos pacientes
(ANGERAMI-CAMON, 2001). Uma efetiva comunicação interpessoal pressupõe a
codificação da totalidade das linguagens emitidas. Através das interpretações dos sinais
faciais, é possível adquirir informações acerca da disponibilidade do outro em cooperar,
dando dicas tanto ao emissor quanto ao receptor de como proceder.
Pesquisas da psicologia cognitiva e da comunicação sugerem benefícios na
comunicação face a face. O auxílio de esclarecimento da fala, através de movimentos labiais e
a regulação da vez de quem fala por meio da direção e duração do olhar, são alguns dos
benefícios sugeridos por Bruce (1996). Segundo Cook (1979, apud CABALLO, 2000, p.
274), o comportamento de olhar é definido como “olhar a outra pessoa no ou entre os olhos,
de forma mais geral, na metade superior do rosto”. Esse autor afirma que o olhar mútuo indica
que se fez ‘contato ocular’ com outra pessoa. Para Caballo (2000), quase todas as interações
humanas dependem do ‘contato ocular’ recíproco.
A assertividade é privilegiada com a prática do olhar recíproco. Caballo (2000) dedica
um capítulo à discussão sobre treino de habilidades sociais e descreve a relação entre o
comportamento de olhar e a assertividade. Segundo ele, o tempo médio que uma pessoa fita
outra é de 60% do tempo total de conversa, quando considerado o olhar individual, com
duração média do olhar de três segundos. O contato ocular mútuo ocorre em média 30%, e a
duração média do olhar mútuo é de um segundo e meio. A quantidade também varia se a
pessoa fala (40%) ou se escuta (75%).
A interação face a face é mais efetiva do que as que utilizam apenas o sentido da
audição. Quando comparadas essas duas formas de interação, Boyle, Anderson e Newlandes
(1994) apontam benefícios nas interações dos que contavam com o locutor face a face em
detrimento dos outros que se relacionavam por meio de áudios. Os pares que visualizavam
seus parceiros utilizavam menos palavras para ter o mesmo desempenho dos que podiam
apenas ouvir. Os sujeitos que só faziam uso da audição precisavam verificar verbalmente
pistas que poderiam indicar mútua compreensão o que, no caso de face a face, essa
confirmação se dava imediatamente à fala do mesmo.
A detecção e o monitoramento dos estímulos presentes no ambiente são essenciais em
uma interação social. Trower (1980) observa que os pacientes psiquiátricos apresentam
déficits nas habilidades sociais processuais (capacidade do indivíduo de gerar comportamento
flexível, em resposta a mudanças nos estímulos ambientais). O olhar pode ter alguns
significados ou funções, que segundo Caballo (2000) pode estar relacionado a:
3
Atitudes – a pessoa que olha mais é tida como mais agradável, porém de forma extrema de
olhar fixo é vista como hostil e/ou dominante. Certas seqüências de interação têm mais
significados, por exemplo, deixar de olhar o outro é sinal de submissão. A dilatação da pupila
assinala interesse pelo outro (p. 374);
Intensificação de emoções – olhar mais intensifica a impressão de algumas emoções, como a
raiva, enquanto que olhar menos intensifica outras, como a vergonha (p. 374);
Acompanhamento da fala – emprega-se o olhar junto com a conversação, para sincronizar,
acompanhar ou comentar a palavra pronunciada. Em geral, se o ouvinte olha mais, produz
mais respostas por parte de quem fala, e se o que fala olha mais é visto como persuasivo e
seguro (p. 375).
O tempo e a intensidade do olhar têm sido associados a algumas dificuldades
individuais. A introversão, inibição emocional, tensão, apreensão, submissão e baixa
autoestima podem ser denunciadas pelo desvio do olhar, de acordo com Larsen e Shackelford
(1996). Para esses autores, a evitação do olhar, bem como o olhar com duração excessiva ou
fixo demais podem interferir no desempenho de um indivíduo, com repercussões no seu
funcionamento social e nas respostas das pessoas ao seu comportamento. Argyle e Kendon
(1967) relataram pesquisas demonstrando que assuntos embaraçosos, processos emocionais e
materiais cognitivamente mais difíceis provocavam evitação do olhar. Olhares prolongados
demais, acima da faixa usualmente encontrada (entre um e sete segundos), geram ansiedade
nas pessoas.
O “comportamento de olhar” e o “comportamento de ver” estão diretamente ligados,
porém não são sinônimos. A diferenciação entre ambos é fundamental, pois o presente
trabalho não pretende entrar no mérito da percepção, ou seja, no comportamento de enxergar,
uma vez que esse seria um evento encoberto e seu estudo se daria em outro nível.
Olhar na direção de... muitas vezes é confundido com o comportamento de ver, mas olhar em
direção da multidão é um comportamento público, enquanto que a resposta de vê-la é privada.
Uma vez que o sistema visual é possível que a pessoa esteja “olhando para a multidão” sem
que a esteja vendo (LOPES e ABIB, 2002, p. 133).
O comportamento de olhar influi diretamente na qualidade da comunicação.
Considerando a necessidade de uma efetiva comunicação entre profissionais e usuários do
sistema de saúde pública, preconizados pelo Humaniza SUS, a presente pesquisa objetivou a
identificação da direção do olhar do(a) recepcionista de um hospital escola no momento de
atendimento ao usuário.
4
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 4 atendentes da recepção e 53 usuários do sistema de
saúde, integrantes da comunidade universitária (alunos, professores e servidores públicos) de
um Hospital Escola do sul do Brasil. Após a exposição dos objetivos de estudo e
detalhamento dos procedimentos de coleta das informações, foi solicitada a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme resolução 016/2000 do Conselho
Federal de Psicologia para pesquisas com seres humanos, garantindo-lhes sigilo da identidade
e das informações coletadas.
Tabela 1. Características dos atendentes da recepção de um Hospital Escola do sul do País
Atendente
Colocação
Sexo Idade Experiência
Turno
A
servidor público
M
45
25 anos
tarde
B
servidor público
M
28
1,6 anos
manhã
C
bolsista
M
24
1 ano
manhã
D
bolsista
F
20
1 mês
tarde
Instrumento
Foi desenvolvido um Protocolo de Observação para coleta de dados a fim de registrar
os eventos por usuário atendido. Esse protocolo contava com categorias previamente
definidas e um campo para coletar dados referentes ao atendente que interagia com o usuário
no momento da observação, como função, sexo, idade, tempo de trabalho e turno de
atendimento. O tempo total de cada observação foi registrado no protocolo e, para isso,
utilizou-se um cronômetro marca CronoBio, modelo SW2018.
Local
A observação foi realizada em uma das recepções de um hospital escola do Sul do
Brasil, dividida em dois ambientes: a) mesa de atendimento ao usuário, onde se localizava o
atendente e o usuário atendido no momento da observação; b) cadeiras de espera, onde
usuários já recepcionados aguardavam pelo atendimento médico.
5
Procedimento
A pesquisadora posicionava-se de frente para o atendente (a aproximadamente três
metros de distância), e, por meio da observação direta do comportamento como método de
coleta de dados, observava a direção do olhar do atendente no momento de atendimento ao
usuário do serviço de saúde. Primeiramente, utilizou-se a técnica de registro contínuo cursivo,
a partir da qual foi possível a definição prévia das categorias comportamentais. Num segundo
momento, a pesquisadora, valendo-se da técnica de registro contínuo categorizado, registrou a
direção do olhar do atendente.
O registro contínuo de frequência de eventos ocorreu por usuário atendido,
considerando-se um novo evento a cada três segundos. Foi analisada a frequência média dos
eventos por categoria em relação a cada usuário atendido e a frequência média da direção do
olhar de todos os atendentes durante o tempo total de observação. Ao final, era registrado o
tempo de duração total de cada usuário atendido, e comparado o desempenho dos
atendimentos em relação à idade e ao sexo dos usuários (análise descritiva). Também foi
realizado um teste estatístico para análise de variância (Anova) por meio do Excel 2003 do
Windows XP.
Categorias comportamentais
O olhar foi definido como referência para a definição das demais categorias:
direcionar os olhos para um objeto ou pessoa, com movimentação ou não da cabeça, com
registro de um evento a cada três segundos. Desse modo, o registro das demais categorias foi
anotado sempre em referência ao olhar do sujeito.
6
Tabela 2. Nome e definição das respectivas categorias comportamentais observadas e
registradas, sempre com referência à direção do olhar para qualquer uma delas.
Categorias
Definição
Olhar direcionado para
Usuário
pessoa que está imediatamente, do lado oposto do balcão, estando em
interação face a face com o atendente;
Computador
para a tela, teclado, mouse ou para qualquer outro periférico do
computador;
Documento
guia para marcação de consulta, documento de identificação,
resultado de exame ou qualquer outro documento apresentado pelo
usuário ao atendente;
Agenda
a agenda de marcação de consulta, estando ela aberta ou fechada;
Painel
um painel localizado na parede acima do computador, com tabelas
com nome dos médicos e respectivas especialidades, datas e horários
de marcação de consultas e outras informações;
Paciente
qualquer outro usuário que não fosse aquele que estava em
atendimento direto naquele intervalo de tempo;
Profissional
os profissionais da área da saúde, da limpeza e manutenção ou
qualquer outro indivíduo que se encontrava no local e estava
devidamente identificado como colaborador da instituição de saúde;
Outros
para qualquer outro local não categorizado nas categorias acima.
Resultados
As observações tiveram início nos horário de 8h e 14h, tendo duração média de 30
minutos por sessão observada. No período de 3.904 segundos, registrou-se um total de 1.077
eventos, divididos em oito sessões de observação. Foram descartados da amostra os usuários
que tiveram seu atendimento iniciado na recepção e deslocado (ainda em atendimento) do
local circunscrito da observação, mesmo que continuassem a receber informações do
atendente. Assim também os usuários atendidos simultaneamente por mais de um atendente
deixaram de fazer parte do universo dos usuários observados.
Os dados coletados mostram que o olhar direcionado para o usuário é o mais
representativo, significando 37, 98% dos eventos totais observados durante todas as sessões, e
em segundo lugar o olhar direcionado para o computador, com 18,38%. Em seguida, o olhar
direcionado para o documento (16,99%), em qualquer outra direção (8,64%), para agenda
(7,34%), parede (3,81%), paciente (3,62) e o olhar direcionado para outro profissional da
saúde (3,25%). A Figura 1 mostra o desempenho de todas as categorias considerando os
quatro atendentes observados.
7
ou
tro
s
sio
na
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pr
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pa
cie
nt
e
pa
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35
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5
0
us
uá
r io
Percentual
Direção do olhar durante o tempo total de
observações
alvo do olhar
Figura 1. Direção do olhar dos atendentes do serviço de saúde durante o atendimento
ao usuário.
Quando a categoria olhar em direção ao usuário é analisada em relação a cada
atendente observado, tem-se uma homogeneidade dos dados de três deles (média de 44,30%),
no entanto para um dos atendentes (A), essa média foi reduzida consideravelmente para
29,45%. A Figura 2 apresenta o resultado dessa categoria em percentual por atendente
observado.
Percentual
Olhar em direção ao usuário
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
43
44,94
44,97
B
C
D
29,45
A
Atendentes
Figura 2. Percentual da frequência do olhar direcionado ao paciente em relação a cada
atendente observado.
8
Ainda comparando o desempenho de cada atendente, pode-se perceber que o atendente
B (conforme Figura 3), apresenta um padrão comportamental diferente dos outros atendentes.
Como pode ser observado, B é o único que não apresenta nenhuma resposta de olhar em
direção ao painel, para outro paciente ou para outro profissional da saúde. A Figura 3 mostra
o desempenho de cada um dos atendentes.
Atendente B
Atendente A
usuário
usuário
comput ador
comput ador
document o
document o
agenda
agenda
painel
painel
pacient e
pacient e
prof issional
prof issional
out r os
out ros
Atendente C
Atendente D
usuário
usuário
comput ador
comput ador
document o
document o
agenda
agenda
painel
painel
pacient e
pacient e
prof issional
prof issional
out r os
out r os
Figura 3. Desempenho de cada atendente (A, B, C e D) em relação a todas as
categorias durante todas as sessões observadas.
Dos 53 pacientes atendidos durante as observações, 54,71% têm idade entre 18 e 30
anos (média = 20,5), e os demais (45,29%) têm entre 30 e 60 anos (média = 45 anos). Dessa
forma, para fins de análise, os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a
idade: um grupo reunindo os pacientes de até 30 anos de idade, e outro reunindo os pacientes
com mais de 30 anos. Ressalte-se que a idade de cada paciente foi sugerida pelo pesquisador
de acordo com a aparência física de cada um, podendo haver um eventual erro de percepção
no momento do registro. A Figura 4 mostra o desempenho de cada categoria em relação à
idade (até 30 anos e maiores de 30 anos).
9
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
até 30
ou
tro
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m
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en
to
Freqüência (%)
O olhar em relação à idade do usuário
alvo do olhar
Figura 4. Percentual da frequência do olhar direcionado à cada categoria em relação à
idade dos usuários (até 30 anos e acima de 30 anos).
Como se observa na Figura 4, não houve diferença significativa entre os grupos de
pacientes atendidos com idade até 30 anos e os pacientes atendidos com mais de 30 anos de
idade na categoria olhar em direção ao paciente (p=0,410). Da mesma forma, nenhuma das
outras categorias apresentou significância.
As observações foram também analisadas de acordo com o sexo do usuário atendido
(52,83% dos usuários atendidos são do sexo feminino). A média da frequência do olhar
direcionado ao usuário do sexo feminino (9,43) é superior à do olhar direcionado ao usuário
do sexo masculino (5,80), apresentando para essa categoria a tendência a uma diferença
significativa (p=0,057) (vide Figura 5). Também o tempo médio despendido em atendimento
ao usuário do sexo feminino (85,25 segundos) é superior ao despendido ao usuário do sexo
masculino (60,68 segundos).
10
Feminino
10
9
8
7
6
5
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ou
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Maculino
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r
do
cu
m
en
to
Freqüência média
O olhar em relação ao sexo do usuário
alvo do olhar
Figura 5. Média da frequência da direção do olhar do atendente em relação ao sexo do
usuário atendido.
As categorias observadas foram novamente organizadas em dois grupos. O primeiro
reúne as categorias que remetem ao usuário atendido ou a qualquer outro ponto que diz
respeito a esse usuário e seu atendimento. Assim, a junção das categorias direcionar o olhar
ao usuário, computador, documento, painel e agenda foi denominada Atenção ao usuário. As
demais categorias (direcionar o olhar a outro paciente, profissional e outros objetos)
compõem o segundo grupo, aqui denominado Não atenção ao usuário. Dessa forma,
analisou-se cada atendente considerando o percentual de atendimento em que ele direcionou o
olhar 100% para as categorias que integram o grupo Atenção ao usuário. A Figura 6 apresenta
essa informação:
11
Atenção 100% ao usuário
70
63,15
62,5
Percentual
60
50
41,66
40
30
20
10
7,14
0
A
B
C
D
Atendentes
Figura 6. Percentual de usuários com Atenção 100% ao usuário, em relação a cada
atendente observado ao longo das observações.
Do universo de usuários atendidos, 43,40% receberam Atenção 100%, porém, como
pode ser visto na Figura 6, essa atenção se diferencia quando é analisado cada atendente. Mais
uma vez, o desempenho de 3 dos atendentes foi similar, sendo o desempenho de um deles (A)
é discrepante do restante do grupo (7,14%).
12
Conclusões
O atendente do Hospital Universitário observado no presente trabalho olha em média
40% do tempo total de atendimento em direção ao usuário. De acordo com Silva (1996), a
função do olhar é regular o fluxo da conversação. Na cultura ocidental, as pessoas olham
umas para as outras durante 50% do tempo da conversação; assim sendo, os atendentes
observados estariam abaixo da média esperada na sociedade. Tal média, no entanto, pode ser
considerada maior, uma vez que para efetuar o atendimento é necessário que o atendente
desvie seu olhar para outras direções como o computador, a agenda, entre outros, sem que
isso comprometa a qualidade da prestação desse serviço. Sem o desvio do olhar não seria
possível agendar ou confirmar consultas, dar informações como datas, horários e especialistas
que fazem parte do quadro da equipe de saúde.
Ao ser analisada novamente a direção do olhar, em relação ao usuário atendido e
considerando a classe Atenção 100% ao usuário (ou seja, olhar direcionado às categorias
relacionadas diretamente com usuário em atendimento), a média da frequência da direção do
olhar sobe para 88%. Assim, a média estaria bastante acima da apontada pela literatura,
mesmo considerando Caballo (2000), que sugere algo na ordem de 60% o tempo em que uma
pessoa despende olhando para outra em uma interação social.
No presente trabalho, os atendentes observados olham mais em direção ao usuário
durante o momento do atendimento do que para outra direção qualquer, embora esse padrão
comportamental não seja similar entre os quatro atendentes observados: um deles (A)
apresentou um desempenho diferente dos demais. Ao analisar o perfil dos atendentes que
participaram da pesquisa, é possível inferir, além das diferenças individuais não observadas, a
média de idade (os três atendentes têm em média 24 anos, enquanto A tem 45), e o tempo de
profissão (os três atendentes têm em média um ano na função de recepcionista e A tem 25) são
duas variáveis que o distingue dos outros três atendentes.
Com a experiência adquirida ao longo de toda a sua carreira, é provável que um
profissional passe a se comportar de forma distinta de um aprendiz que está no início da
mesma. Porém, outro fator parece também estar associado ao tempo de serviço: a motivação.
Destaque aos servidores públicos, uma vez que as dificuldades impostas às organizações
públicas têm limitado as condições de motivação e satisfação no trabalho. Como
consequências, de acordo com Moulin (1996), podem ser apontadas diversas alterações no
papel do servidor público e consequentemente no seu comportamento: aumento da carga de
13
trabalho e do índice de doenças ocupacionais, arrocho salarial, sentimentos de insegurança,
baixa autoestima, conflitos e falta de integração. Tais mudanças refletem diretamente no
processo motivacional do indivíduo inserido em órgãos públicos.
Apesar das inerências do ambiente organizacional público acima mencionado, os
resultados do presente trabalho apontam um atendimento com qualidade nesse setor
específico do Hospital Universitário, pois ainda de acordo com Silva (1996), na cultura
brasileira o contato visual significa aceitação e respeito ao outro (princípios básicos do
Programa Humaniza SUS). A ausência do contato visual pode diminuir a qualidade da
conversa e torná-la mais dificultosa, pois o olhar retrata emoções como surpresa, alegria,
decepção ou tristeza, atuando assim como regulador do nível de atenção e fluxo durante a
conversação.
O Hospital Escola aqui estudado atua nos três níveis de assistência e é referência
estadual em patologias complexas em diversas especialidades. Sendo o único no estado 100%
público, passa hoje por dificuldades de gerência e financeiras impostas pela conjuntura atual,
enfrentando a racionalização de investimentos em recursos humanos, o que pode ser um
grande desafio para a atual administração, em especial na área de pessoal.
A presente pesquisa foi desenvolvida em uma única recepção, abrangendo apenas
quatro dos tantos profissionais que ali atuam, não podendo assim retratar o perfil do
profissional dessa unidade de saúde. Para tal se faz necessária nova pesquisa, considerando
uma amostra mais representativa do hospital, bem como as mais variadas recepções
(emergência, pediatria, ambulatórios, laboratórios...) e os demais perfis de trabalhadores e
usuários do sistema de saúde atendidos.
14
Referências
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15
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