VI FORUM DA SBACV: o desafio do pe diabetico o paciente diabetico e as complicayoes a que esta sujeito sao motivos de reflexao e atenyao, considerado mesmo urn desafio por diversos especialistas. Na discussao do tema pe diabetico em urn forum nacional, foi citado que os pacientes diabeticos tern em tome de 15 vezes maior risco de softer amputayoes que os nao diabeticos, que 6% da populayao dos USA e diabetica, que 20% dos amputados morrem em 2 anos. A discussao em torno de condutas ftente a aspectos infecciosos, neuropaticos, arteriais foi realizada nas diversas regionais e os resultados de urn consenso sao apresentados a seguir. Foi dado enfase a importancia da profilaxia, do cuidado na orientayao do paciente, visando prevenir as complicayoes e reduzir o numero de amputayoes. Uniterrnos: Diabetes melitus, angiopatias diabeticas, neuropatias diabeticas Solange Seguro Meyge Evangelista Medica contratada do Servic;;o de Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clinicas UFMG. Membro Titular do SBACV. Airton Delduque Frankini Chefe do Servic;;o de Cirurgia Vascular do Hospital Nossa Senhora Conceic;;oo. Membro Titular do SBACII. Eduardo Miguel Vergara Cirurgioo Vascular do Hospital Semper e do ServiC;;o de Clrurgia Vascular do Hospital Jooo XXIII. Maria Elizabeth R. de Castro Santos Medica do Servic;;o de Cirurgia Vascular do Santa Casa de Misericordia de Be/o Horizonte. Membro Titular do SBACII. Vania Braga Angiologista do Hospital Beneficente do Para. FORUM SBACV § MODULO 1: ASPECTOS INFECCIOSOS A - Qual 0 esquema terapeutico ideal para as infec'Yoes superficiais e profundas? Nas infec<;:5es superficiais, pele e tecido subcutiineo (paroniquias, ulceras, celulite minima) recomenda-se curativos com desbridamentos diarios para retirada do tecido necr6tico e remo<;:ao de secre<;:5es. 0 uso de antibi6ticos deve se basear no resultado da cultura e de antibiograma sempre que possivel. A monoterapia foi considerada suficiente na maioria dos casos, utilizando-se nas diversas regionais, uma cefalosporina de primeira gera<;:ao ou a clindamicina ou a ampicilina ou a amoxicilina. Foi consenso que nestes casos 0 tratamento pode ser mantido em regime ambulatorial com controles peri6dicos. Nas infec<;:5es profundas (musculos, tend5es e tecido 6sseo) ou em casos de celulite ampla e toxicidade sistemica, 0 tratamento deve ser, preferencialmente, em regime hospitalar, com medica<;:ao antibi6tica administrada por via parenteral. Como ha a necessidade de insia<;:ao do tratamento antimicrobiano imediato, antes mesmo do resultado da cultura, a antibioticoterapia de largo espectro foi preconizada. Enquanto se aguarda 0 resultado da cultura, deve-se iniciar a antibioticoterapia, de forma empirica, empregando-se associa9ao de droga que cubramGram+, Gram-, e anaer6bios (par ex: cefalosporinas de terceira gera<;:ao+ clindamicina), pois foi considerado que geralmente essas infec<;:5es tern carater polimicrobiano. A coleta de material de tecido infecta enviar para a cultura e antibiograma deve ser realizada em pianos profundos ap6s 0 desbridamento. Quase todas as regionais mencionaram a importiincia da identifica<;:ao do agente infeccioso atraves de cultura de secre<;:ao ou de tecidos afetados e a instala<;:ao da antibioticoterapia a partir da sensibilidade especifica. Nao foram CIR VASC ANGIOL 13: 07-10,...... 1997 ~ Alberto Coimbra Duque Responsavel por doenc;;as vasculares do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro. Nelson De Luccia Prof. Ass. Doutor do Disciplina de Cirurgia Vascular do Universidade de Sao Paulo. Paulo Kautfman Prof. Ass. Doutor do Disciplina de Clrurgia Vascular do Departamento de Clrurgia do F.M.U.SP Membro Titular do Co/eglo Brasileiro de Cirugioes. Reinaldo Jose Gallo Presldente do SBACII. Chefe do Servlc;;o de Cirurgla Vascular do Hospital de Ipanema. Prof. Assistente do Instituto de Pas Graduac;;oo Medica Carlos Chagas. Membro Titular do SBACV e do Co/egio Brasileiro de Cirurgi6es. Trabalho recebido em 03/02/97 Data do aceite: 03/02/97 discutidos porem os resultados das culturas e os tipos de agentes infecciosos mais frequentes. Os esquemas de antibi6ticos tern varia<;:5es nos diversos servi<;:os, mas passa sempre por clindamicina, cefalosporinas de terceira gera<;:ao e aminoglicosideos. o beneficio do uso do oxigenio hiperbarico como terapeutica das complica<;:5es infecciosas foi abordado em uma regional. ~ _=.__J o desafio do pe diabetico B - Como diagnosticar a osteomielite e 0 abscesso plantar? Abscesso plantar diagnostico de abscesso plantar e eminentemente clinico. Hiperemia, edema e abaulamento local, as vezes com flutuayao sao sinais suficientes para este diagnostico. A identificayao de uma porta de entrada: ulcera, calosidades, fissurayoes, deve ser avaliada. 0 Raio X simples e a ultrassonografia podem ser liteis, em casos duvidosos, mostrando aumento das partes moles e presenya de gas. A punyao ou explorayao cirurgica para confirmayao do diagnostico, tambem foi citada em casos selecionados, por algumas regionais. Osteomielite o diagnostico da osteomielite e feito pelo exame clinico criterioso e por Raio X simples do pe. A presenya de ulceras e fissuras que se extendem profundamente ate 0 plano osseo, associadas a lesoes osteoliticas correspondentes, detectadas ao Rx, foram considerados suficientes para fechar 0 diagnostico. Metodos auxiliares de diagnostico mais sofisticados como cintilografia os sea, tomografia computadorizada, ressonancia magnetica e sondagem ossea sao mais dispendiosos e foram considerados como dispensaveis na maioria dos casos. o C - Como realizar desbridamentos'no pe diabHico: drenagens superficiais X profundas X desbridamentos amplos? Devem ser realizadas drenagens amplas com remoyao dos tecidos desvitalizados, mantendo-se as estruturas viaveis. Que a extensao do desbridamento depende do grau de comprometimento tissular, eque este deve ser realizado 0 mais precoce possivel, foi o consenso nas regionais. Nas infecyoes profundas 0 desbridamento deve ser amplo, com drenagem de todas as lojas de infecyao, retirada de todo tecido necrosado, incluindo tendoes, bainhas tendinosas, fascias e eventualmente Solange Seguro Meyge Evangelista e cols. pequenas amputayoes quando houver osteomielite. A preocupayao em se tentar manter a estrutura do pe, sempre que possivel, desde que isso nao implique em risco de se manter focos infecciosos e consenso. 0 desbridamento deve promover boa limpeza e drenagem satisfatoria. 0 acompanhamento do paciente com reavaliayoes posteriores sucessivas para se definir a necessidades de novos desbridamentos, foi considerado fundamental . D - Como deve ser feito 0 curativo do pe diabHico? o aspecto considerado mais importante no curativo do pe diabetico e a limpeza mecanica com retirada de todo tecido necrotico e infectado, promovendo eficiente drenagem. 0 curativo tern a finalidade de proteyao, evitar contaminayao e promover cicatrizayao. Deve ser feito com 0 maximo de assepsia, diario ou duas vezes ao dia. Os esquemas de curativos foram bastante variados nas diversas das regionais. Lavagens locais abundantes e frequentes com soro fisiologico, ou mesmo agua e sabao sao utilizadas de uma maneira geral, e e consenso a conduta de se evitar produtos quimicos irritantes. As substancias topicas utilizados tambem variam. 0 uso de soluyoes de polivinil piridilona e ou ayucar local, e hipoclorito de sodio diluido e preconizada em muitos serviyos. 0 curativo com carvao ativado, Sulfadiazina de prata a 1%, pomadas desbridantes, acido acetico para pseudomonas, liquido de Dakin, agua oxigenada foram mencionados. Hit controversias sobre 0 usa de antibioticos topicos e pomadas a maioria dos serviyos contra indicandoos. Novos curativos como Biofill ganham aceitayao cada vez maior, mas ainda nao sao uma rotina devido ao custo. Ha portanto controversia quanta ao curativo ideal. A necessidade de acompanhameto diario pelo medico nas trocas de curativo, observando a evoluyao da lesao nos pacientes internados, foi enfatizada no VI forum. MODULO II: NEUROPATIA DIABETICA Quais as condutas para 0 tratamento do mal perfurante plantar? Foi dado enfase a necessidade de orientayao e educayao do paciente na profilaxia do quadro. Avaliayao e arientayao de terapia desde a fase inicial de alterayoes de musculatura intrinseca e extrinseca do pe. 0 uso de plantigrafia, tecnica de microfilamento bar6metro, sao consideradas importantes nessa avaliayao. A ulcera neurotr6fica plantar deve ser tratada com repouso no leito, curativos, desbridamentos diarios e antibioticos apropriados se houver infecyao. A distribuiyao dos pontos de pressao par toda a regiao plantar, com 0 usa de calyados adequados e palmilhas, ou bota de Unna com dedos descobertos para evitar micose, bern como a correyao das deformidades osteoarticulares e tratamento adequado das calosidades, constitui a melhor conduta para evitar a recidiva da lesao. A ressecyao da cabeya do metatarsiano e emprego da plastia VY sao preconizados por alguns serviyos. Retirada da hiperqueratose, imobilizayoes gessadas sao condutas destacadas. Mesmo nesses casos, apos a cicatrizayao da ulcera, e preciso lanyar mao das palmilhas e sapatos ortopedicos para evitar a sua recidiva. MODULO III: ARTERIOPATIA DIABETICA . A - Como diagnosticar a doen~a vascular no diabHico. Macroangiopatia X microangiopatia? o diagnostico e feito pelo exame clinico, uso de metodos nao invasivos e arteriografia .Avaliayao da funyao renal e exame de fundo de olho sao preconizados. A microangiopatia se caracteriza clinicamente pelo aparecimento de ulceras isquemicas em membros que geralmente, apresentam arterias tronculares pervias (pulsayoes arteriais presentes). Em geral, estes pacientes ja CIR VASC ANGIOL 13: 07-10, 1997 o Solange Seguro Meyge Evangelista e eols, desafio do pe diabetieo apresentam lesoes renais e oculares com as mesmas caracteristicas anatomopatalogicas, No exame histologico observa-se espessamento da intima das arteriolas e capilares, que resulta de urn espessamento da membrana basal. 0 espessamento da membrana basal impede a difusao de nutrientes atraves da parede capilar e dificulta a migrayao de leucocitos para as zonas de infecyao. 0 exame de fundo de olho pode revelar a presenya de lesoes microcirculatorias. A macroangiopatia tern as mesmas caracteristicas das lesoes ateroscleroticas do paciente nao diabetico, ocorrendo mais precocemente, evoluindo mais rapidamente acometendo os troncos arteriais em maior extensao. A diminuiyao ou ausencia das pulsayoes arteriais sera constatada. Assim as manifestayoes clinicas variam de acordo com 0 grau de isquemia: Claudicayao intermitente, dor isquemica de repouso e/ou presenya de lesoes troficas. A determinayao do indice pressorico tomozelo-brayo fica, muitas vezes, prejudicado devida a calcificayao arterial, frequente no diabetico. Metodos auxiliares de diagnostico, como medida da pres sao de artelhos utilizando a fotopletismografia, com "cuffs" pneumaticos adequados sao de grande imporUlncia porque as arterias colaterais digitais sao menos atingidas pela calcificayao, fornecendo valores confiaveis sobre a circulayao do pe, bern como informayao sobre 0 potencial de cicatrizayao de lesoes ou amputayoes locais~ A analise das ondas de velocidade de fluxo (monofasico), exame de fundo de olho, capilaroscopia, podem ser uteis dependendo de cada caso. A arteriografia foi 0 exame considerado como padrao ouro nas diversas regionais. Arteriografia por subtrayao digital e ressonancia magnetic a sao considerados uteis mas de dificil acesso devido ao custo. B - Ate onde compensa revascularizar ope diabetico e como faze-Io? Sempre se tentar a revascularizayao quando existe isquemia importante e desde que haj a tecido viavel para manutenyao da extremidade, e que se possa manter a estrutura funcional do pe com possibilidade de deambulayao futura. A arteriografia foi considerada exame fundamental quando se pensa em revascularizar 0 membro. A identificayao de urn tronco arterial distal pervio deve estimular a tentativa de revascularizayao. No entanto foi lembrado que, no diabe-' tico, a arteria dorsal do pe muitas vezes esta preservada, nem sempre aparecendo no exame angiografico. 0 emprego do mapeamento duplex nesses casos pode revelar a presenya dessa arteria e ser melhor que arteriografia para analisar arterias distais. Deve ser feita uma analise criteriosa do "run off' antes da revascularizayao. Em casos muito selecionados de lesoes localizadas foi citado a angioplastia, sendo porem 0 enxerto com veia safena autogena 0 metodo cirurgico mais indicado. Nas revascularizayoes distais, esta veia pode ser devalvulada e usada "in situ". As fronteiras da revascularizayao convencional foram ultrapassadas pela revascularizayao ultra distal, com enxertos ate as arterias do pe ou suas colaterais. A aplicayao de bypass curtos tern tido no diabetes vasto campo de aplicayao. Lembrado no forum que 0 territorio aorto-iliaco e geralmente poupado no paciente diabetico e que a arteria peronea e a menos atingida no territorio distal. C - Pequenas x grandes amputa.;i'ies: Quais as tecnicas a serem empregadas visando 0 maior aproveitamento funcional e 0 usn de proteses? As amputayoes no diabetico devem ser as mais economicas possiveis e distais, respeitando-se os limites para boa cicatrizayao e a soluyao protetica. Sempre que nao se controla a infecyao ou nao se pode revascularizar, as amputayoes devem ser realizadas em zonas com tecido viavel e livre de infecyao. Em determinadas circunstancias foi considerado preferivel fazer inicialmente, uma amputayao higienica (em guilhotina) CIR VASC ANGIOL 13: 07-10, 1997 para poder se definir melhor, num segundo tempo 0 nivel mais adequado da amputayao definitiva. Os niveis mais mencionados foram as amputayoes parciais do pe preservando 0 calcaneo, sendo lembrada a importancia da preservayao do joelho sempre que possivel para melhor reabilitayao. A desarticulayao do joelho e as amputayoes transfemorais com cotos mais longos, apresenta elevados indices de cicatrizayao, mas a autonomia funcional e mais dificil de ser obtida. A amputayao de Symes (tibio-tarsica) nao tern sido indicada, por ocasionar uma significativa incapacidade. o usa de metodos nao invasivos de diagnostico para a decisao do nivel da amputayao foi mencionado. MODULO IV: PROFILAXIA Como fazer a profilaxia do pe diabetico? Programas educacionais reduzem a amputayao em ate 40%. Programas educativos particularmente do paciente e de seus familiares e dentro da comunidades sao de importancia quando se pensa em termos de profilaxia de complicayoes no pe do paciente diabetico. 0 paciente deve ser conscientizado que seu pe tern menor sensibilidade e por isso devera evitar qualquer tipo de trauma, seja mecanico, quimico ou termico. Devem ser recomendadas como medidas profiliticas: o Inspeyao diaria dos pes e calyados. o Higiene rigorosa dos pes e dedos, secando bern os espayOS interdigitais para evitar micoses, o Cortar as unhas no contorno dos dedos (solicitar ajuda pois a retinopatia diminui sua visao). o Evitar andar descalyo. o Evitar usa de meias remendadas. o Usar calyados adequados que serao examinados diariamente antes do usa com a finalidade de se verificar a presenya de irregularidades . o Evitar calor local ou agua quente para lavar os pes. o Evitar objetos cortantes para • o desafio do pe diabetico calosidades. • Fazer 0 uso de palmilhas se indicadas. • Tratar ferimentos adequadamente. • Tratar micose interdigital. • Manter glicemias controladas, HAS, dislipidemias. • Pedir auxilio na inspect;ao dos pes semanalmente a urn familiar, para detectar precocemente qualquer tipo de Iesao retinopatia. • Visitas periodicas ao medico sao recomendaveis. Essa educat;ao deve ter carater multidisciplinar, envolvendo angio- Solange Seguro Meyge Evangelista e cols. logistas, endocrinologistas, ortopedistas, fisiatras, fisioterapeutas, infectologistas, clinicos, plasticos, psicologos e enfermagem treinada, podiatras. a paciente diabetico e urn doente cr6nico com patologia sistemica, sujeito a complicacoes graves que necessita de muita atent;ao. a interesse e carinho de familiares e a atent;ao e acompanhamento do medico sao fundamentais ao seu controle. a paciente deve ser visto como urn todo, como citado no forum em Minas: "Pe diabetico nao e 0 pe de alguem que e diabetico senao 0 dotado daquele pe" (prof. Leonardo Diniz). Challenge of the Diabetic Foot The diabetic patient and the complications to which he is subject are motives for reflexion and attention, really considered a challenge by some specialists. In the discussion of the diabetic foot subject in a national forum, it was cited that diabetic patients have about 15 times greater risk of suffering amputations than tM non-diabetic, 6% of Americans is diabetic, and 20% of the amputees die with in 2 years. The discussion around conducts concerning infectious, neuropathic arterial aspects was held in different regions, and the results of a consensus are presented as follows: There was emphasis on prophylaxis and the careful orientation of the patient, aiming at preventing complications and reducing the number of amputations. Keywords: Diabetes mellitus, diabetic angiopathy, diabetic neuropathy :: - 1.. MUELLER, M.l.: Etiology, Evaluation, and Treatment of the Neuropathic Foot. Critical Reviews in Physical and Rehabilitation Medicine, 3 (4): 289-309, 1992. 2. SHAMI S. K., SCURR 1 H.. The Foot in Diabetes Mellitus In Clinical Problems in Vascular Surgery 1991: 150165. 3. SIMS D.S., CAVANAGH P. R. and UBRECHT 1.S.: Risk Factors in the Diabetic Foot Recognition and Management. Physical Therapy, 68 (12): 1887-1902,1988. • .CIR VASC ANGIOL 13: 07-10, 1997