68 PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA V Artigos 24 a 28 REVELAÇÃO E LUZ NATURAL. FINITO, INFINITO E INDEFINIDO. CAUSAS FINAIS 24. Que depois de ter conhecido que Deus é, para passar ao conhecimento das criaturas, é necessário lembrar que o nosso entendimento é finito e o poder de Deus infinito. Depois de assim ter conhecido que Deus existe e que é o autor de tudo o que é ou que pode ser, seguiremos, sem dúvida, o melhor método de que nos podemos servir para descobrir a verdade se, do conhecimento que temos da sua natureza, passarmos à explicação das coisas que ele criou e se procurarmos deduzi-la das noções que estão naturalmente nas nossas almas, de tal modo que tenhamos uma ciência perfeita, isto é, que conheçamos os efeitos pelas suas causas. Mas, a fim de que possamos empreendê-lo com mais segurança, recordaremos, todas as vezes que quisermos examinar a natureza de alguma coisa, que Deus, que é o seu autor, é infinito e que nós somos inteiramente finitos. 25. E que é necessário crer em tudo o que Deus revelou, ainda que esteja poderíamos imaginar uma extensão tão grande que não concebêssemos, ao mesmo tempo, que pode haver uma maior, diremos que a extensão das coisas possíveis é indefinida. E porque não se poderia dividir um corpo em partes tão pequenas que cada uma dessas partes não possa ser dividida noutras mais pequenas, pensaremos que a quantidade pode ser dividida em partes cujo número é indefinido. E porque não podemos imaginar tantas estrelas que Deus não possa criar mais, suporemos que o seu número é indefinido, e assim por diante. 27. Que diferença há entre indefinido e infinito. E chamaremos a estas coisas indefinidas em vez de infinitas, a fim de reservar apenas para Deus o nome de infinito; tanto porque não notamos limites nas suas perfeições, como também porque estamos muito seguros de que os não pode haver. No que diz respeito às outras coisas, sabemos que elas não são assim absolutamente perfeitas, porque, ainda que nelas notemos, algumas vezes, propriedades que nos parecem não ter limites, não deixamos de conhecer que isso procede da imperfeição do nosso entendimento e não da sua natureza. 28. Que não é necessário examinar para que fim fez Deus cada coisa, mas somente por que meio quis que fosse produzida. acima do alcance do nosso espírito. De tal modo que, se ele fez a graça de nos revelar, a nós ou a alguns de nós, coisas que ultrapassam o normal alcance do nosso espírito, tais como os mistérios da Encarnação e da Trindade, não causaremos dificuldade em acreditá-las, ainda que não as compreendamos, talvez, muito claramente. Com efeito, não devemos achar estranho que haja na sua natureza, que é imensa, e no que ele fez, muitas coisas que ultrapassam a capacidade do nosso espírito. 26. Que não é necessário tentar compreender o infinito, mas somente pensar que tudo aquilo em que não encontramos nenhum limite é indefinido. Assim nunca nos embaraçaremos com as disputas acerca do infinito, visto que seria ridículo que nós, que somos finitos, empreendêssemos determinar-lhe alguma coisa e, por esse meio, supô-lo finito ao tentar compreendê-lo. É por isso que não nos preocuparemos em responder àqueles que perguntam se a metade de uma linha infinita é infinita, e se o número infinito é par ou não par, e outras coisas semelhantes, porque só aqueles que imaginam que o seu espírito é infinito parecem dever examinar tais dificuldades. Pela nossa parte, ao vermos coisas nas quais, segundo certo sentido, não notamos limites, não garantiremos por isso que são infinitas, mas considerá-las-emos somente como indefinidas. Assim, porque não Também não nos deteremos a examinar os fins que Deus se propôs ao criar o mundo, e rejeitaremos inteiramente da nossa filosofia a procura das causas finais: porque não devemos presumir tanto de nós próprios que possamos acreditar que Deus nos tenha querido participar os seus desígnios. Mas, considerando-o como o autor de todas as coisas, tentaremos somente encontrar, através da faculdade de raciocinar que ele pôs em nós, como é que aquelas que apreendemos por intermédio dos nossos sentidos puderam ser produzidas; e estaremos seguros, por aqueles seus atributos de que ele quis que tivéssemos algum conhecimento, que aquilo que tivermos uma vez apreendido, clara e distintamente, como pertencente à natureza dessas coisas tem a perfeição de ser verdadeiro. VI Artigos 29 a 47 TEORIA DO ERRO. A LIBERDADE. DEFINIÇÃO DA IDEIA CLARA E DISTINTA 29. Que Deus não é a causa dos nossos erros. E o primeiro dos seus atributos que parece dever ser aqui considerado 69