Trocas Gasosas em Exercício em Diferentes Estágios

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Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 6), 2000
Oliveira
e cols
Artigo
Original
Exercício em diferentes estágios evolutivos da cardiopatia chagásica crônica
Trocas Gasosas em Exercício em Diferentes Estágios
Evolutivos da Cardiopatia Chagásica Crônica
Fátima Palha de Oliveira, Roberto Coury Pedrosa, Antonio Giannella-Neto
Rio de Janeiro, RJ
Objetivo - Comparar as trocas gasosas em repouso e
no exercício de pacientes cardiopatas chagásicos crônicos divididos segundo a classificação clinica/hemodinâmica de Los Andes.
Métodos - Foram estudados 17 pacientes do grupo
IA (eletrocardiograma/ ecocardiograma normais), 9 do
grupo IB (eletrocardiograma normal e ecocardiograma
anormal), 14 do grupo II (eletrocardiograma/ecocardiograma anormais, sem insuficiência cardíaca congestiva) e
12 do grupo III (eletrocardiograma/ecocardiograma
anormais com insuficiência cardíaca congestiva) e 15 voluntários normais. Analisaram-se as variáveis: consumo
de oxigênio (VO2), produção de gás carbônico (VCO2), taxa
de trocas gasosas (R), volume corrente inspiratório (VCI)
e expiratório (VCE), freqüência respiratória, volume minuto (VE), freqüência cardíaca (Fc); carga máxima, pulso de
O2 e limiar anaeróbio ventilatório.
Resultados - Os pacientes dos grupos II e III apresentaram alterações significativas em relação ao grupo normal para as variáveis: VO2pico, VCO2pico, VCIpico, VCEpico, VE, Fc
e carga máxima. O grupo IA apresentou resultados significativamente melhores para essas mesmas variáveis que o
grupo III.
Conclusão - A capacidade funcional dos pacientes
dos grupos em fase inicial da cardiopatia chagásica crônica é superior à dos grupos em fase avançada e apresenta
uma redução que acompanha a perda do desempenho
cardíaco-hemodinâmico.
Palavras chaves: cardiopatia chagásica crônica, ergoespirometria, consumo de oxigênio
Hospital Universitário Clementino Fraga Fº - UFRJ
Correspondência: Fátima Palha de Oliveira – Rua das Laranjeiras, 136/203 –
22240-000 – Rio de Janeiro, RJ – e-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 26/11/99
Aceito em 15/3/00
Apesar da resposta ao exercício de pacientes com
cardiopatias de diferentes etiologias estar sendo alvo de
muitas investigações, constata-se que estudos relativos às
alterações da capacidade funcional de pacientes com a forma cardíaca da doença de Chagas são raros. No entanto, a
quantificação e análise da capacidade funcional nos diferentes graus da cardiopatia chagásica crônica é de interesse
prático, pois gera informações precisas da capacidade de
transporte e utilização do oxigênio, isto é, da capacidade
funcional dos pulmões e do sistema cardiovascular, muscular e metabólico, combinados. Esta avaliação fornece ao clínico dados para estabelecer prognóstico 1, sendo importante no acompanhamento da resposta terapêutica e na avaliação da adaptação desses pacientes durante um programa
de reabilitação. Baseado no nível de consumo de oxigênio
(VO2) e limiar anaeróbio alcançados no teste ergoespirométrico, o clínico pode decidir quanto à qualificação ou não do
paciente para o trabalho 2 e ainda na orientação do nível adequado para suas atividades diárias, e, juntamente com a
análise de outros parâmetros, decidir quanto à necessidade
de transplante cardíaco 3,4.
O presente estudo tem como propósito quantificar e
analisar a resposta de trocas gasosas em repouso e no exercício de pacientes cardiopatas chagásicos crônicos, relacionando os resultados com o grau de desenvolvimento da
doença segundo a classificação clínica/hemodinâmica de
Los Andes 5, modificada 6 (quadro I).
Métodos
Para participar do presente estudo, que foi desenvolvido durante os anos de 1997 e 1998, foram inicialmente avaliados 15 voluntários do sexo masculino, saudáveis e sem doença de Chagas (idade média = 36±9 anos; mínimo = 22 e
máximo = 51 anos), constituindo o grupo de controle (N).
Esses voluntários não estavam engajados em programas de
treinamento físico sistemáticos, embora alguns tenham declarado fazer atividades físicas esporádicas, não orientadas.
O grupo foi composto por alunos (4) da pós-graduação,
professores e funcionários (8) da UFRJ e os demais (3) eram
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Quadro I - Classificação clínica-hemodinâmica de Los Andes
Soro-positivo
Eletrocardiograma normal
Eletrocardiograma anormal
Ecocardiograma
Anormal
Ecocardiograma
Normal
Ecocardiograma
anormal
Sem ICC
Com ICC
Grupo IA
Grupo IB
Grupo II
Grupo III
Sem
Comprometimento
Cardíaco
(n=17)
Leve
Comprometimento
Cardíaco
(n=9)
Avançado
Comprometimento
Cardíaco
(n=14)
Severo
Comprometimento
Cardíaco + ICC
(n=12)
ECG- eletrocardiograma; ECO- ecocardiograma; ICC- insuficiência cardíaca congestiva.
externos à comunidade universitária. Os voluntários normais fizeram dois testes ergoespirométricos, com o espaço de
uma semana entre eles. Os resultados dos dois testes foram
usados para a análise da reprodutibilidade das medidas de
trocas gasosas feitas no laboratório, a qual gerou resultados
satisfatórios, permitindo o início dos testes com os pacientes. O resultado do primeiro teste dos normais foi usado na
comparação com os resultados dos pacientes.
A seleção dos pacientes para compor a amostra do estudo foi feita entre os 200 pacientes, acompanhados pelo
Serviço de Cardiologia – Ambulatório de Cardiopatia Chagásica do HUCFF e baseada nos seguintes critérios de exclusão: pacientes com hipertensão arterial sistêmica, doença pulmonar obstrutiva crônica, miocardiopatia de qualquer
outro tipo ou etiologia, disfunção de tireóide, disfunção imunológica conhecida, doenças orovalvulares reumáticas,
cardiopatias congênitas, coronariopatias obstrutivas, portadores de marcapasso cardíaco, pacientes com problemas
neuromusculares, atletas e pacientes que, ao fazerem o teste, não alcançaram o limiar anaeróbio.
Todos os pacientes da amostra eram do sexo masculino (idade 50±11 anos; mínimo = 20 e máximo = 72) com reação de hemoaglutinação indireta e imunofluorescência indireta positiva para T. cruzi, não apresentavam outras doenças associadas e estavam em condições clínicas estáveis
nos últimos três meses. Foram agrupados segundo a classificação clínica/hemodinâmica de Los Andes (quadro I),
baseada nos achados do eletrocardiograma, do ecocardiograma (modo M e bidimensional com Doppler intracavitário), e no exame físico. As alterações eletrocardiográficas foram classificadas de acordo com os critérios da New York
Heart Association. O código de Minnesota modificado
para cardiopatia chagásica 7 foi usado para padronizar a interpretação do eletrocardiograma. A avaliação da ecocardiografia consistiu na análise da função cardíaca segmentar
dos pacientes, e foi expressa em termos de afilamento ou
déficit de espessamento sistólico. A disfunção diastólica
foi expressa pelo padrão “déficit de relaxamento” e “padrão
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restritivo” 8. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi
calculada pelo método de Teicholz e cols. 9. Três observadores faziam a análise dos exames (ecocardiograma e eletrocardiograma) e, no caso de discordância entre eles, outra leitura era feita, por um dos investigadores, para se obter o resultado definitivo. O diagnóstico de insuficiência cardíaca
congestiva foi dado, segundo critério usado no Framingham Heart Study 10.
Dezessete pacientes pertenciam ao grupo IA (eletrocardiograma e ecocardiograma normais - sem comprometimento cardíaco) da classificação de Los Andes, nove ao
grupo IB (eletrocardiograma normal e ecocardiograma anormal - leve comprometimento cardíaco), 14 ao grupo II (eletrocardiograma e ecocardiograma anormais, sem insuficiência cardíaca congestiva - avançado comprometimento cardíaco) e 12 ao grupo III (eletrocardiograma e ecocardiograma anormais com insuficiência cardíaca congestiva - severo
comprometimento cardíaco). Esses pacientes atualmente
têm domicílio no Rio de Janeiro, mas nasceram em áreas
endêmicas (47% naturais da Bahia, 25% da Paraíba, 16% do
Ceará, havendo 5% de Minas Gerais e, apenas um, do Rio de
Janeiro) estando afastados da área endêmica por mais de 20
anos. Na consulta que antecedia o teste ergoespirométrico,
os pacientes que faziam uso de medicamentos foram orientados a suspendê-los 48h antes do teste. Não foram observadas problemas clínicos no decorrer do estudo.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local
(HUCFF), atendendo às diretrizes nacionais e internacionais
para pesquisa com seres humanos (1995), que regulamentam experimentos envolvendo pessoas. Os testes foram
realizados somente após o consentimento por escrito dos
pacientes.
Protocolo do exercício - Um cicloergômetro mecânico
de marca Monark foi usado em teste contínuo com incremento de cargas (15 Watts) minuto a minuto. Este protocolo
foi selecionado por ser melhor suportado por pacientes e
permitir o alcance de valores altos de VO2, com uma duração
total do teste em torno de 8 a 10min 11. A freqüência do pedal
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foi fixada em 60 rotações por minuto. O período de exercício
foi precedido de 4min de repouso e 2min de aquecimento
com carga zero e seguido de 12min de recuperação, sendo
3min de forma ativa (25 Watts) e 9 de forma passiva. Os sinais eletrocardiográficos (SDM 2000, Dixtal) e a freqüência
cardíaca foram registrados durante todo o teste. A interrupção do exercício foi feita com o aparecimento de sintomas
que impedissem a continuidade e/ou representassem risco
para o paciente. Foram considerados na análise apenas os
testes em que os pacientes atingiram o limiar anaeróbio de
modo a garantir que todos tivessem alcançado um nível
submáximo de exercício no teste.
As concentrações temporais dos gases inspirados e
expirados, em cada ciclo respiratório, foram medidas com um
analisador rápido de gases - espectrômetro de massa respiratório (Airspec MGA 2000) a partir de amostra succionada,
continuamente, junto ao bocal usado pelo paciente. O
espectrômetro de massa respiratório foi calibrado com ajuste linear com duas misturas gasosas conhecidas.
A medida do fluxo foi feita com um pneumotacógrafo
tipo Fleisch n° 3, aquecido a 36°C, acoplado a um transdutor
de pressão diferencial (Micro-Switch - 163PC01D36). A
calibração dos equipamentos (espectrômetro de massa respiratório, pneumotacógrafo e cicloergômetro) foi feita diariamente, antes do início de cada teste. Para a aquisição, análise
e gravação dos experimentos foi usado um microcomputador IBM-PC 486 compatível.
Os sinais de fluxo e concentrações gasosas foram
amostrados a uma taxa de 60 Hz pelo conversor análogo-digital do espectrômetro de massa respiratório. O programa
computacional empregado no processamento dos sinais e
cálculo dos parâmetros ergo-espirométricos, VIT2000, foi
desenvolvido e testado no Laboratório de Engenharia Pulmonar do Programa de Engenharia Biomédica da COPPEUFRJ 12. O sinal de fluxo foi calculado empregando-se um
ajuste polinomial de terceira ordem 13, sendo compensada a
amostra gasosa succionada durante a análise das concentrações gasosas pelo espectrômetro de massa respiratório
(1 ml.s-1). O VCI e o VCE foram calculados por integração numérica trapezoidal e expressos em BTPS (37 °C, 760mmHg e
saturado de vapor d’água), para cada ciclo respiratório. A
viscosidade gasosa instantânea foi calculada e empregada
para corrigir seu efeito nos fluxos e volumes gasosos 13 e
para a estimativa do tempo de atraso entre o fluxo e as concentrações gasosas 14, necessário para o cálculo dos volumes parciais dos gases respiratórios. Estes foram expressos em STPD (0°C, 760mmHg e seco) e obtidos pela integração numérica do produto entre o fluxo e frações gasosas,
sendo esses sinais previamente sincronizados. Como as medições foram efetuadas em nível de boca, a estimativa das
trocas gasosas alveolares foi feita, compensando as variações da capacidade residual funcional através das medidas
do gás nitrogênio 15. O VO2 eV CO2 foram calculados pelo produto dos volumes a cada ciclo pela freqüência respiratória
instantânea e expressos em STPD.
O quadro II apresenta as variáveis analisadas (9 em repouso e 17 em exercício). Os valores computados para as
variáveis referentes ao período de repouso, correspondem
à média dos últimos 30s desse período (que tem duração
total de 4min), quando os sinais respiratórios já estavam
estabilizados.
A resposta ao exercício de pacientes cardiopatas em
geral é deficiente devido a limitações do sistema de transporte de O2 inerentes a estes pacientes, que levam à instalação precoce da fadiga e à interrupção do teste. Portanto,
atingir o VO2máx , que é definido como a saturação da capacidade de captação e transporte de O2 para os músculos em
exercício, torna-se difícil e é acompanhado de risco em alguns casos. Foi, então, adotado no estudo o VO2pico (média
dos 30 últimos segundo da última carga pedalada em exercício) como índice que retrata a resposta ao exercício dos pacientes cardiopatas chagásicos.
Quadro II - Descrição das variáveis controladas
Variável
Sigla
Unidade
Consumo de oxigênio absoluto
Consumo de oxigênio relativo
% do VO2máx previsto para a idade
Produção de gás carbônico
Taxa de trocas gasosas
Volume corrente inspiratório
Volume corrente expiratório
Freqüência respiratória
Volume minuto
Freqüência cardíaca
%Freqüência cardíaca máxima prevista para a idade
Pulso de oxigênio
Limiar anaeróbio absoluto
Limiar anaeróbio relativo
% LA previsto para a idade
Limiar anaeróbio em %VO2pico
Carga máxima
V O2
VO2/massa corporal
% VO2máx previsto
VCO2
R =VCO2 /VO2
VCI
VCE
Freqüência respiratória
VE
FC
% Fcmáx prevista
Pulso VO2 / Fc
LA
LA/massa corporal
% LA previsto
LA% VO2pico
Carga máxima
ml.min-1 (STPD)
ml.kg-1.min-1 (STPO)
%
ml.min-1 (STPD)
ml (BTPS)
ml (BTPS)
atos.min-1
ml.min-1 (BTPS)
batimentos.min-1
%
ml.batimentos-1.min-1
ml.min-1 (STPD)
ml.kg-1.min-1 (STPD)
%
%
Watts
Quando acompanhadas de “pico” referem-se ao maior valor alcançado no final do exercício e de “rep” a valores de repouso. VO2máx previsto p/ idade = (-0,38 . idade)
+ 52,1; Itoh e cols. (1989); Fcmáx prevista para idade= 220 - idade; LA previsto p/ idade = (-0,22 . idade) + 32,3, Itoh e cols. (1989).
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O limiar anaeróbio foi expresso em relação ao V O2 em
ml/min-1 (STPD), sendo identificado por dois métodos ventilatórios, e denominados limiar anaeróbio em todas as etapas do estudo: LA1 - o valor de VO2 em que a taxa de troca
respiratória (R=VCO2/VO2) é igual ou maior que 1,0 e continua
aumentando nos ciclos respiratórios subseqüentes 16-18; e
LA2 - o ponto em que o equivalente ventilatório de oxigênio
(V E/V O2) aumenta sem um concomitante aumento do equivalente ventilatório de gás carbônico (V E/V CO2) 11. No primeiro método (LA1), foi possível identificar o limiar anaeróbio para todos os pacientes, mas no segundo, devido a sinais mais ruidosos, só foi possível a identificação do limiar
anaeróbio para 30 pacientes. Foi feita a comparação dos
dois resultados (LA1 e LA2) pelo teste t-Student emparelhado, que não apontou diferença significativa, para o nível
de 5%, entre eles (p= 0,29). Para efeito de tratamento estatístico, adotou-se, então, o LA1.
O tratamento estatístico foi feito com o programa Statistical Analysis System (SAS). Foi usada a análise de variância ANOVA one way e o teste de comparações múltiplas
de Dunnett (N x pacientes) e Tukey (paciente x paciente)
para especificar quais grupos diferiam entre si. O nível de
significância adotado nessas análises foi de 5% (p≤0,05).
Resultados
As tabelas I e II contêm as observações clínicas referentes aos grupos analisados.
Com relação às características físicas da amostra, os componentes do grupo N apresentaram idade (p= 0,0001) significativamente menor do que a dos grupos IA, II e III e estatura (p= 0,04) significativamente mais alta que os pacientes do grupo IB
No período de repouso, foram observadas diferenças
significativas entre o grupo N e pacientes para as variáveis
VCIrep, VCErep e freqüência respiratória. Observou-se ainda,
que, VCErep e VCIrep eram mais elevados no grupo N do que nos
grupos de pacientes e que freqüência respiratória tinha valor médio mais elevado no grupo III (tab. III).
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Os pacientes cardiopatas chagásicos que participaram
deste estudo tinham idade e altura que não diferiam estatisticamente, apenas massa corporal (peso corporal) dos pacientes dos grupos IA e II apresentaram diferença significativa (p=0,02) (tab. III).
No exercício, quando o grupo N foi comparado com os
grupos de pacientes, as diferenças significativas observadas foram com os grupos em estágio evolutivo mais avançado da doença (grupos II e III). Apenas para a variável carga máxima (p= 0,004) foi observada diferença significativa
entre o grupo N e o grupo IA. O grupo N diferiu do grupo IB
apenas em relação às variáveis VCIpico (p= 0,001) e LA%VO2pico
(p= 0,05) (tab. IV).
A comparação dos resultados de exercício considerando apenas os grupos de pacientes, permitiu a constatação
de que as diferenças são mais evidentes entre os grupos extremos da classificação de Los Andes (IA e III) (tab. IV).
Observa-se, ainda, na figura 1, que os valores médios dos
resultados dos grupos de pacientes para VCEpico, VCIpico,V O2, VCO2pico e para limiar anaeróbio decresceram com o aupico
mento do grau de comprometimento cardíaco. Quando
VO2pico e limiar anaeróbio são divididos pela massa corporal,
não foi observada diferença significativa entre os grupos.
A freqüência cardíaca no fim do exercício apresentou
valores médios nos grupos que decrescem de acordo com o
aumento do grau de comprometimento cardíaco (tab. IV). A
ANOVA, contudo, não apontou diferença significativa entre a média desta variável na comparação entre os quatro
grupos de pacientes. Não foi encontrada diferença significativa entre os grupos de pacientes, para as variáveis Rpico,
freqüência respiratória e VEpico (tab. IV).
Discussão
No que concerne ao comprometimento da cardiopatia
chagásica, em sua forma crônica, sabe-se que as lesões intracelulares evidenciadas em material de biópsias endomiocárdicas, apresentam-se mais acentuadas no grupo IB do
que no grupo IA onde as lesões detectadas são mínimas.
Tabela I - Observações clínicas nos grupos de pacientes chagásicos crônicos
Ecocardiograma
IDDVE
FEVE
ECG
Defeitos de condução intraventricular
Área eletricamente inativa
Sintomas
ICC
Morte
Grupos
N (n=15)
IA (n=17)
IB (n=9)
II (n=14)
III (n=12)
(mm/m2)
(%)
NA
NA
27±4
68±4
28±3
58±3
34±3
48±8
43±4
28±8
Dor no peito
Palpitações
Síncope
0
0
0
0
0
0
0
2
3
0
0
0
0
0
4
4
0
0
0
10
3
6
5
3
0
0
12
9
9
9
8
12
2*
0
IDDVE- índice diâmetro diastólico final de ventrículo esquerdo (normal= até 32mm/m2, anormal= 15% acima do limite normal - Keren, 1985); FEVE- fração de ejeção
de ventrículo esquerdo. Sintomatologia e parâmetros do eletrocardiograma (ECG) se referem a número de pacientes; NA- não avaliado; n- total de pacientes no grupo;
ICC- insuficiência cardíaca congestiva.* um paciente faleceu de morte súbita (taquiventricular), e outro com falência do miocárdio (deixou de tomar os medicamentos).
Resultados dos exames de rotina dos pacientes obtidos no Setor de Cardiopatia Chagásica do HUCFF.
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Tabela II - Achados laboratoriais de maior incidência nos grupos de pacientes chagásicos crônicos
Grupo (Los Andes)
Repouso
Eletrocardiograma
Exercício
15
17
Normais(N)
IA
Normal
ESV raras
ESV raras
ESV raras
09
14
IB
II
ESV raras
BCRD; HBAE;
ESV raras
ESV raras
ESV raras, aumentando
com o exercício
12
III
FA; área eletricamente
inativa ântero-septal
FA com resposta
ventricular baixa e variável;
ESV raras; EV em salvas
Total de pacientes
Dinâmico (24h) (Holter)
Ecocardiograma
ESV raras
ESV raras;
TA não repetitiva
ESV raras
ESV raras; TVNS
Dimensões intracavitárias normais
Dentro dos limites de normalidade
Acinesia septal e lateral
Acinesia ínfero- apical; diâmetros
intracavitários aumentados
FA com resposta baixa; Acinesia difusa; disfunção sistólica
ESV raras; EV em salvas
severa; diâmetros
intracavitários aumentados
FA- fibrilação atrial; TA- taquicardia atrial; HBAE- hemibloqueio anterior esquerdo; BCRD- bloqueio completo de ramo direito; TVNS- taquicardia ventricular nãosustentada; ESV- extra-sístole ventricular; ES- extra-sístole. Resultados dos exames de rotina dos pacientes obtidos no Setor de Cardiopatia Chagásica do HUCFF.
Tabela III- Comparação entre as medidas de repouso
Variáveis
Unidades
Idade
anos
Massa corporal
kg
Altura
cm
VO2rep
ml .min-1 (STPD)
VO2rep/ Massa corporal ml .kg1.min-1 (STPD)
VCO2rep
ml .min-1 (STPD)
Rrep
VCO2/VO2
VCI rep
ml (BTPS)
VCErep
ml (BTPS)
Freqüência respiratória
Atos.min-1
VErep (BTPS)
l .min-1
Fcrep
Batimentos.min-1
Normal
(n=15)
IA
(n= 17)
IB
(n= 9)
II
(n= 14)
III
(n= 12)
36 a, c, d ± 9
71 ± 8
172 b ± 7
296 ± 119
4,27 ± 1,88
263 ± 125
0,87 ± 0,15
1058 b, c, d ± 360
1105 c ± 356
16 d ± 8
15 ± 5,0
77 ± 11
47 ± 11
77c ± 9
169 ± 6
323 ± 78
4,24 ± 1,24
267 ± 65
0,86 ± 0,13
915 ± 293
969 ± 358
17 d ± 5
16 ± 5
83 ± 14
46 ± 12
67 ± 14
165 ± 6
282 ± 53
4,28 ± 0,68
222 ± 43
0,79 ± 0,08
749 ± 68
804 ± 91
18 ± 2
14 ± 2
73 ± 10
52 ± 10
65 ± 12
165 ± 7
266 ± 90
4,08 ± 1,06
220 ± 69
0,83 ± 0,10
780 ± 161
816 ± 143
18 ± 5
14 ± 2
72 ± 9
55 ± 9
68 ± 13
168 ± 6
361 ± 133
5,30 ± 1,61
297 ± 115
0,82± 0,10
798 ± 262
835 ± 330
22 ± 5
18 ± 5
77 ± 26
Definição dos símbolos no Quadro II; n- total de participantes; nível de significância adotado de p≤0,05; a- difere significativamente do grupo IA; b- difere
significativamente do grupo IB; c- difere significativamente do grupo II; d- difere significativamente do grupo III.
No estudo de Carrasco e cols 19 foi verificado uma alta incidência de anormalidades microscópicas (60%) no grupo IA
e, no grupo IB, as alterações no sistema contrátil apresentaram-se mais proeminentes do que no grupo IA. No grupo II,
foram observados fibrose e processos inflamatórios que se
apresentavam ainda mais acentuados no grupo III. Apesar
das constatações morfológicas do estudo de Carrasco e
cols., a presente investigação não constatou correspondentes diferenças significativas entre os resultados funcionais
dos grupos IA e IB (pacientes em fase inicial da doença). Da
mesma forma, não foram evidentes as diferenças dos grupos IA e IB com o grupo II, pois em apenas duas das 17 variáveis estudadas foi observada diferença significativa entre esses dois grupos. Considerando esses resultados,
pode-se supor que as alterações nos tecidos, verificadas em
estudos que fizeram análise em material de biópsias, caso estejam presentes na amostra estudada, não são suficientes
para determinar alterações significativas na capacidade funcional dos pacientes em fase inicial da cardiopatia chagásica crônica. Em outros termos, as manifestações clínicas/
laboratoriais na doença de Chagas dependem de uma massa crítica de comprometimento cardíaco. Outra explicação
para os resultados encontrados seria que a disautonomia
evidenciada na doença de Chagas é limitada ao controle eferente do coração, e não afeta a regulação do componente
vascular, ou seja, o distúrbio regulatório acarretado pela disautonomia compromete mecanismos de ajuste fino do desempenho cardiovascular 20.
Não foi detectada no nosso estudo diferença significativa entre os resultados no fim do exercício (tab. IV), do
grupo N com o IA e com o IB o que nos permite deduzir que
esses pacientes, que se encontram em estágio inicial da doença, ainda não apresentaram diminuição significativa da
capacidade funcional máxima em relação a indivíduos normais. Este resultado está de acordo com estudos precedentes 21,22 que também não obtiveram diferença significativa
entre normais e pacientes na forma indeterminada da doença de Chagas (grupo IA da classificação de Los Andes),
para as variáveis de exercício, mas é conflitante com outro
estudo 23. Essa discrepância pode refletir maior intolerância
ao exercício dos pacientes de uma amostra em relação a outra, e ainda pode ser decorrente de fatores relativos à diferentes metodologias ou equipamentos usados que podem
interferir na amostragem.
Os valores de VO2pico (p= 0,003) e VCO2pico (p= 0,002) foram significativamente menores nos grupos II e III em rela485
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Tabela IV - Comparação entre os resultados de exercício
Variáveis
Unidades
ml.min-1 (STPD)
VO2pico
VO2max massa corporal
ml.kg.min-1 (STPD)
%
%O2máx previsto
VCO2pico
ml .min-1 (STPD)
Rpico
VCipico
ml (BTPS)
VCepico
ml (BTPS)
Freqüência respiratória
atos.min-1
VEpico
l.min-1 (BTPS)
Fcpico
Batimentos.min-1
%Fcmáx prevista
%
Pulso O2 pico
ml.batimentos-1
LA
ml.min-1 (STPD)
LA/massa corporal
ml.kg-1min-1 (STPD)
%
LA %VO2pico
% LA previsto
%
Carga Máxima
Watts
Normal
(n=15)
IA
(n= 17)
IB
(n= 9)
II
(n= 14)
2121 c, d ± 682
31 d ± 12
81b ± 33
2493 c, d ± 843
1,17 ± 0,14
2587 b, c, d ± 526
2651 c, d ± 695
36 ± 8
94 c, d ± 21
167 c, d ± 13
91 ± 8
13 ± 4
1509 ± 579
22 ± 9
73 c, d ± 19
91 ± 42
172 a, b, c, d ± 22
1882 d ± 354
24 ± 5
72 ± 10
2161 d ± 422
1,15 ± 0,06
2251 c, d ± 461
2292 d ± 514
39 ± 9
89 ± 31
157 ± 21
91 ± 12
12 ± 2
1577 c, d ± 278
20 ± 4
84 ± 7
94 ± 13
131 d ± 31
1593 ± 665
23 ± 7
68 ± 17
1805 ± 745
1,13 ± 0,09
1974 ± 470
2108 ± 529
37 ± 7
77 ± 22
158 ± 18
91 ± 10
10 ± 3
1406 ± 617
21 ± 6
90 ± 15
93 ± 21
133 d ± 26
1578 ± 628
24 ± 9
76 ± 24
1837 ± 713
1,16 ± 0,09
1875 ± 423
1895 ± 500
36 ± 9
69 ± 27
143 ± 24
86 ± 12
11 ± 4
1163 ± 429
18 ± 5
77 ± 20
87 ± 25
109 ± 27
III
(n= 12)
1299 ± 373
19 ± 5
62 ± 13
1459 ± 499
1,11 ± 0,12
1719 ± 343
1776 ± 420
37 ± 5
66 ± 16
139 ± 25
85 ± 18
10 ± 3
1079 ± 312
16 ± 4
83 ± 10
80 ± 16
92 ± 18
Definição dos símbolos no Quadro II; n- total de participantes; nível de significância adotado de p≤0,05; a- difere significativamente do grupo IA; b- difere
significativamente do grupo IB; c- difere significativamente do grupo II; d- difere significativamente do grupo III.
ção ao grupo N, fato que reflete a menor capacidade funcional desses pacientes em relação aos normais estudados.
Esse resultado decorre do fato que em estágios mais avançados da cardiopatia chagásica crônica (grupos II e III), são
encontrados processos inflamatórios, degeneração e destruição contínua e progressiva das fibras cardíacas, áreas
com fibrose que levam à redução da forca de contração do
coração e cardiomegalias, degeneração dos gânglios intramurais e lesões dos nervos cardíacos que geram danos ao
sistema nervoso autônomo 24,25. O processo degenerativo
cardíaco observado na cardiopatia chagásica crônica restringe a capacidade do paciente de ajustar seu débito
cardíaco às necessidades de fornecimento de O2 aos músculos, que estão aumentadas durante o esforço, alterando a tolerância ao exercício que, parece ser primariamente determinada, pela reserva do débito cardíaco 26. Apresentando uma
capacidade de oferta de O2 aos músculos em exercício reduzida, os pacientes interrompem o exercício em níveis mais
baixos de consumo de oxigênio do que indivíduos normais.
Este fato ficou evidente nos resultados da variável carga
máxima (p= 0,004) alcançada em exercício, na qual o valor do
grupo N foi significativamente superior a todos os dos grupos (tab. IV), notando-se ainda que a carga alcançada pelos
pacientes de estágio mais avançado da doença (grupo III)
foi também significativamente inferior (p=0,001) a dos pacientes que encontravam-se em fase inicial da doença (IA,
IB). Como o grupo normal apresentou idade média inferior à
idade dos pacientes, como a captação máxima de oxigênio
decresce com o aumento da idade, a diferença entre N e os
grupos de pacientes, em parte, pode ser justificada, pela
variação observada em relação a idade entre esses grupos.
Na comparação realizada, considerando apenas os grupos
de pacientes, as diferenças não sofreram interferência da
idade, visto que não foi observada significância entre os
grupos para esta variável.
486
Ficou evidente nesta investigação a marcante diferença entre as variáveis mais expressivas obtidas na ergoespirometria dos pacientes de grupos extremos da classificação
de Los Andes, IA e III (tab. IV), fato que torna claro a associação entre o decréscimo da capacidade funcional dos pacientes à medida que a doença avança, (fig.1).
Índice de normalidade de V O2PICO e prognóstico na cardiopatia chagásica crônica - O conceito estabelecido de que
o V O2pico acima de 20ml.kg-1.min-1 representaria um índice de
normalidade para a capacidade funcional de cardiopatas 27
teve sua aplicação à cardiopatia chagásica crônica contestada 28, pois os autores verificaram que 37% dos pacientes com cardiopatia chagásica crônica com insuficiência
cardíaca congestiva (grupo III de Los Andes) alcançaram
valores de V O2pico acima deste valor. Corroborando com esse
estudo, verificou-se na presente investigação que 50% dos
pacientes do grupo III também alcançaram valores de V O2pico
acima de 20ml.kg-1.min-1. Foi observado ainda que o V O2pico
dos quatro grupos de pacientes estudados atingiu valores
VCIpico (ml BTPS)
VCEpico (ml BTPS)
VCOpico (ml.min-1STPD)
VO2pico (ml.min-1STPD)
LA (ml.min-1STPD)
GRUPOS
Fig. 1 - Variáveis de exercício dos grupos estudados, definições no quadro I.
Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 6), 2000
Oliveira e cols
Exercício em diferentes estágios evolutivos da cardiopatia chagásica crônica
que, de acordo com Mady e cols. 29, têm um boa taxa de sobrevivência. Apenas o grupo de pacientes com maior grau de
comprometimento cardíaco e com insuficiência cardíaca
congestiva (grupo III) obteve resultado médio para V O2pico
abaixo de 20ml.kg-1.min-1 (tab. IV). Dos 52 pacientes desse
grupo apenas um (grupo III) obteve valor de V O2pico menor
que 10ml.kg-1.min-1, 34% dos pacientes alcançaram resultado entre 10 e 20ml/kg-1/min-1, e 52% atingiram resultado acima de 20ml.kg-1.min-1. Desta forma, acredita-se que seja necessário um maior número de estudos relativos à variação
da capacidade funcional do paciente cardiopata chagásico
crônico de modo a se obter padrões relativos a esses pacientes, visto que peculiaridades da doença parecem gerar resposta ao exercício diferenciada dos cardiopatas de outras
etiologias.
Observa-se ainda que os pacientes do grupo III obtiveram os menores resultados para a variável %V O2máx previsto para a idade, obtido pela equação de Itoh e cols. 16, o
que expressa a interrupção precoce do exercício devido as limitações impostas pela doença.
V O2PICO/massa corporal - Na comparação feita considerando apenas os grupos de pacientes observa-se que, apesar do grupo IA apresentar massa corporal significativamente maior que a do grupo II, não foi obtida diferença significativa para a análise do consumo de oxigênio por unidade
de massa corporal entre estes dois grupos de pacientes
(tab. IV), levando a crer que esta diferença não interferiu na
análise. Apenas o grupo N apresentou diferença significativa em relação ao grupo III para a variável consumo de oxigênio por unidade de massa corporal (tab. IV), resultado que
indica uma melhor capacidade de absorção de oxigênio por
unidade de massa corporal dos indivíduos normais em relação aos pacientes em estágio avançado da cardiopatia chagásica crônica.
VCEPICO, VCIPICO, freqüência respiratória e VEPICO - É freqüente, em pacientes com doenças cardíacas, a presença de
anormalidades ventilatórias que incluem mudanças na estrutura, devido ao aumento da pressão venosa, e mudanças
funcionais 25,27,30. A limitação ao exercício, em pacientes cardiopatas, pode ocorrer devido à presença de dispnéia, que
está relacionada com a taquipnéia e com variações na VE 27
devido a alterações pulmonares. No presente estudo, observou-se que, no exercício, a freqüência respiratória em todos os grupos aumentou atingindo valores médios máximos entre 36 e 39 atos.min-1, não tendo sido observada diferença significativa entre os grupos. Por outro lado, foi observado que os valores médios mais elevados de VCEpico e
VCIpico pertencem ao grupo N e os mais baixos ao grupo III. O
VCIpico dos pacientes dos grupos IB, II e III apresentaram-se
significativamente reduzidos em relação ao grupo N. Como
conseqüência, a VEpico, que é o produto entre freqüência respiratória e VCEpico, apresentou-se significativamente menor
para os pacientes dos grupos II e III, em relação ao grupo N.
Na comparação feita entre os grupos de pacientes, verificou-se que a redução do VCEpico e do VCIpico é evidente nos
grupos de estágio mais avançado da doença (II e III). Esta
incapacidade dos pacientes em mobilizar um volume cor-
rente maior, durante o exercício, pode refletir a presença de
alterações ventilatórias nos pacientes de severo e avançado
comprometimento cardíaco. Em pacientes com doenças cardíacas e congestão pulmonar, o padrão respiratório pode ser
alterado pela congestão intersticial, ocorrendo uma aumentada freqüência respiratória e reduzido volume corrente para
um determinado nível ventilatório, em relação a indivíduos
normais 27. Foi observado em estudos com cardiopatas de
origem não chagásica, que para um mesmo nível de VCO2 esses pacientes apresentavam uma VE aumentada em relação
aos normais. A alteração dos espaços mortos anatômico e
fisiológico, que, em geral, está presente em cardiopatas, requer um maior trabalho respiratório na ventilação destes
pacientes em relação aos normais 27,30. Segundo Weber e
cols. 27 este fato pode ser observado pela análise da relação
entre VE e VCO2 durante o exercício. Constatando esta alteração em componentes da amostra analisada, a figura 2 apresenta as curvas da VE em função da VCO2 de um voluntário
do grupo N e um paciente do grupo III. Nota-se que a VE aumenta linearmente com a VCO2 em ambos os casos, indicando, que a pressão arterial de CO2 está estável, mas, para um
mesmo nível de VCO2, observam-se valores mais elevados de
VE para o paciente do grupo III, fato que caracteriza sua limitação ventilatória em relação ao indivíduo normal.
Freqüência cardíaca - Com relação à freqüência cardíaca alcançada em exercício (Fcpico), a diferença significativa
resultante da análise comparativa entre o grupo N e os grupos II e III retrata uma resposta esperada. Sabe-se que é característica dos pacientes em estado avançado da cardiopatia chagásica crônica, uma elevação inadequada da freqüência cardíaca no esforço físico devido a uma disfunção
autonômica, ocorrida por maior depressão parassimpática
em relação à simpática, característica da doença, e que é
agravada pela disfunção ventricular decorrente da cardiopatia chagásica crônica 22,25,31.
Apesar de não se ter obtido diferença significativa para a variável Fcpico quando foram comparados os quatro grupos de pacientes estudados, observa-se que o valor p (0,08)
está próximo do nível de significância adotado na análise
paciente
normal
Fig. 2 - Relação entre VE e VCO2 de um indivíduo normal e de um paciente do grupo III
durante o exercício. Observar que para um mesmo nível de VCO2 o paciente apresenta
uma VE mais elevada.
487
Oliveira e cols
Exercício em diferentes estágios evolutivos da cardiopatia chagásica crônica
(p≤0,05). De fato, a média da Fcpico do grupo IA, é mais elevada em 18bpm que a do grupo III. A interpretação deste resultado, frente às abordagens encontradas na literatura
quanto a anormalidades autonômicas na cardiopatia chagásica crônica 31, leva a crer que a amostra estudada apresenta
uma diminuição discreta da resposta cronotrópica, característica da cardiopatia chagásica crônica 31,32. Esta alteração
impossibilita os pacientes, principalmente os de estágios
avançado da doença, de ampliarem a tolerância ao exercício
pela melhora na competência cronotrópica, ou seja, fica limitada a capacidade do nódulo sinusal em aumentar a freqüência cardíaca em relação às necessidades metabólicas que
crescem com o exercício. Desta forma, o ajuste do débito cardíaco às necessidades do exercício, que é feito pelo aumento do volume sistólico e, em cargas mais elevadas, prioritariamente, pelo aumento da freqüência cardíaca, fica limitado
na cardiopatia chagásica crônica, provocando a interrupção
precoce do exercício. Os mais baixos valores alcançados pelos grupos II e III para a variável %Fcmáx prevista para a idade (tab. IV) são mais uma evidência da limitada resposta
cronotrópica desses pacientes.
Pulso de O2 - Em indivíduos saudáveis o pulso de O2,
que reflete o volume sistólico e a diferença arteriovenosa de
O211, apresenta valores mais elevados no exercício do que
pacientes com doenças que provoquem redução de volume
sistólico. Os maiores valores são encontrados em atletas,
pois estes atingem consumo de oxigênio maior com freqüência cardíaca mais baixa numa determinada carga de exercício. No presente estudo, apesar do pulso de O2 não apresentar diferença significativa entre os grupos, os valores mais
elevados foram encontrados no grupo N, decrescendo à
medida que aumentava o grau de comprometimento cardíaco, retratando, desta forma, uma resposta compatível com
as características dos grupos estudados.
Limiar anaeróbio - Pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, quando comparados a indivíduos normais,
têm o volume sistólico e débito cardíaco diminuídos 11, e, em
conseqüência, têm uma oferta de O2 inadequada aos músculos durante o exercício. O suprimento inadequado de O2
durante o exercício promove um desequilíbrio precoce entre
a produção e a remoção de lactato, que acarreta a instalação
de acidose metabólica e, conseqüentemente, um desequilíbrio no pH. Estudos têm indicado que a acidose celular interfere nas contrações musculares e está relacionada à instalação da fadiga 33, e, assim, envolvida com a tolerância dos
pacientes ao exercício.
Os resultados deste estudo evidenciam uma diminuição dos valores médios do limiar anaeróbio dos grupos,
conforme aumenta o grau de comprometimento cardíaco
dos paciente (fig. 1). A ausência de diferença significativa
encontrada entre os valores médios de limiar anaeróbio dos
grupos IA e IB indica que os pacientes que compõem esta
amostra apresentaram sinais ventilatórios de acidose metabólica em níveis de consumo de oxigênio semelhantes. As
alterações detectadas pelo ecocardiograma e a fração de
ejeção do ventrículo esquerdo (que é ligeiramente reduzida
do grupo IB em relação ao IA), apesar de indicar a presença
488
Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 6), 2000
de comprometimento cardíaco incipiente, não foi suficiente
para provocar alterações significativas do limiar anaeróbio
nos pacientes do grupo IB em relação ao IA. As diferenças
significativas para limiar anaeróbio, entre os valores médios
do grupo IA (sem alteração de eletrocardiograma e ecocardiograma) e os grupos II (ecocardiograma e eletrocardiograma alterados) e III (ecocardiograma e eletrocardiograma
alterados, com insuficiência cardíaca congestiva) (tab. IV),
indicam que, nesses casos, as alterações cardíacas decorrentes do avanço da cardiopatia chagásica crônica alteraram significativamente o limiar anaeróbio dos pacientes que
compõem a amostra estudada.
De acordo com os resultados encontrados, verifica-se
que o limiar anaeróbio é uma variável de forte poder de discriminação entre os diferentes graus de comprometimento
cardíaco (dados pela classificação de Los Andes), visto que
esta variável apresentou-se significativamente diferente em
3 dos 4 grupos de pacientes estudados (IA ≠ II e III) apresentando um expressivo valor de p= 0,008.
A análise do limiar anaeróbio alcançado pelos pacientes estudados em relação ao limiar anaeróbio previsto para
a idade, permitiu a verificação que os grupos em fase inicial
da cardiopatia chagásica (IA e IB) aproximaram-se mais dos
valores estimados do que os grupos em estágio mais avançados da doença (tab. IV), sendo também observada uma
redução progressiva do limiar anaeróbio com a evolução da
doença segundo a classificação de Los Andes.
Limiar anaeróbio/massa corporal - A análise do limiar
anaeróbio em relação à massa corporal dos pacientes não
apresentou diferença significativa entre os grupos de cardiopatia chagásica crônica para o nível de significância de 5%,
mas, como observa na tabela IV, este nível esteve próximo de
ser atingido (p= 0,06). Ressalte-se, contudo, que, tal como
recomendado para VO2/massa corporal, numa análise mais
criteriosa, deveria ser considerada a massa corporal magra do
paciente e não a massa corporal total que inclui tecido adiposo. Constata-se nesta variável a característica apresentada
pelas demais de diminuir à medida que o paciente apresenta
maior grau de comprometimento cardíaco. O resultado do
presente estudo para limiar anaeróbio/massa corporal encontra respaldo em estudo anterior 34, que encontrou diferença
significativa do limiar anaeróbio/massa corporal entre os grupos extremos da classificação de Los Andes.
Concluindo, observamos que a análise de trocas gasosas com pacientes na condição de repouso não forneceu informações que permitissem a identificação de respostas alteradas devido à cardiopatia chagásica crônica, não sendo,
portanto, uma técnica que forneça informações relevantes
ou ofereça vantagens às já utilizadas na clínica médica para
a avaliação destes pacientes em repouso.
Com relação a resposta ao exercício observou-se que
as variáveis VO2pico, VCO2pico, VCEpico, VCIpico, limiar anaeróbio e
carga máxima são as que melhor expressaram o decréscimo
da capacidade funcional decorrente da evolução da cardiopatia chagásica crônica, pois os resultados encontram significativamente alterados nos grupos de grau mais avançado da doença (dado pala Classificação de Los Andes).
Constatou-se que estas alterações são progressivas com o
Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 6), 2000
Oliveira e cols
Exercício em diferentes estágios evolutivos da cardiopatia chagásica crônica
agravamento da doença. Como estas variáveis retratam a
interação de todo o sistema de transporte e utilização de oxigênio, pode-se inferir que os resultados encontrados refletem uma diminuição progressiva da capacidade funcional na
cardiopatia chagásica crônica, traduzindo portanto a evolução do grau de comprometimento cardíaco dado pela classificação clínica/hemodinâmica de Los Andes.
Agradecimentos
À Rosângela Aparecida Martins Noé e Raquel Callegario Gomes da equipe de estatística da Comissão de Investigação Científica do HUCFF. Ao Centro de Tratamento Intensivo do HUCFF. Este trabalho foi parcialmente financiado pelo CNPq e PRONEX.
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