Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA (PTI) EM PEDIATRIA. SANDRA REGINA LOGGETTO: [email protected] A PTI, doença autoimune adquirida, é causa comum de sangramento em pediatria. Geralmente o paciente está em bom estado geral, teve infecção viral ou vacinação com vírus vivo atenuado nos últimos 30 dias, exame físico com petéquias e equimoses e hemograma apenas com plaquetopenia, geralmente abaixo de 10.000/mm³. Sangramentos mais importantes ocorrem em 36% dos casos (epistaxes, gengivorragia, hematúria, trato gastrointestinal), com cerca de 0,17% dos pacientes evoluindo com sangramento em SNC (Tarantino, 2007). Atinge principalmente crianças entre 18 meses e 6 anos de idade, porém encontramos PTI a partir de 2 meses até a adolescência. Plaquetopenia em menor de 2 meses de vida, deve-se pensar em PTI materna ou trombocitopenia aloimune neonatal. Fisiopatologia: Na PTI aguda as plaquetas são destruídas por auto-anticorpos (auto-Ac) IgG dirigidos a glicoproteínas IIb/IIIa e Ib/IX da sua membrana. Os complexos plaquetas-auto-Ac ligamse a células apresentadoras de antígenos (macrófagos ou células dendríticas) através dos seus receptores Fc-gama, sendo destruídas principalmente no baço e no fígado. As células T citotóxicas também podem estar envolvidas na destruição plaquetária onde, além de envolver glicoproteínas IIb/IIIa e Ib/IX, também podem gerar epítopos crípticos de outras glicoproteínas plaquetárias (Olsson, 2003). A PTI crônica pode ser secundária a defeito na regulação imune, como em outras doenças autoimunes, resultando na produção de Ac plaqueta-específico (Chu, 2000). A cronicidade da doença pode estar relacionada a polimorfismo molecular dos receptores Fc-gama nos macrófagos, como no genótipo Fc-gama RIIA-RR131. Diagnóstico: Baseado na história, exame físico, hemograma e análise do esfregaço periférico. O mielograma deve ser coletado sempre que houver alterações inexplicáveis das outras séries ou antes do uso de corticóides (Tarantino, 2007). Na PTI crônica pode-se ter história familiar ou pessoal de doença auto-imune e em 20% dos casos o FAN é positivo, mas sem critério diagnóstico para lupus eritematoso sistêmico. Dosagem de anticorpos antiplaquetários e screening para Helicobacter pylori não são úteis em crianças com PTI (Tarantino, 2007). Algumas patologias associadas a plaquetopenia são (Chu,2000; Bolton-Maggs, 2000): Características além da plaquetopenia Patologia Síndrome hemolítica urêmica e comprometimento sistêmico coagulação intravascular disseminada Leucemia aguda Não encontrou-se trombocitopenia isolada ao diagnóstico de leucemia linfóide aguda Anemia aplástica volume corpuscular médio elevado ou neutropenia moderada. Lactentes com síndrome de Down afastar leucemia megacarioblástica. Doenças congênitas com plaquetopenia: 1. Síndrome de Bernard-Soulier 1. sangramento importante e incompatível 2. Síndrome de Wiskott-Aldrich com a contagem plaquetária, plaquetas gigantes. 3. Doença de von Willebrand tipo IIb 4. Anemia de Fanconi 2. Imunodeficiência, eczema, volume plaquetário diminuído 3. fator von Willebrand anormal causa alteração na agregação plaquetária e trombocitopenia 4. fenótipo e genótipo característicos Trombocitopenia associada a Sintomatologia da doença de base esplenomegalias e hipertensão porta Trombocitopenia imune por doença do colágeno, lupus, Ac antifosfolípide HIV Drogas A PTI na infância raramente é secundária à exposição a drogas. Tratamento: Considerando-se que a PTI é doença auto limitada, já que 80% das crianças normalizam as plaquetas em 6-12 meses (Bolton-Maggs, 2000), e que a PTI crônica geralmente é assintomática, podendo normalizar as plaquetas em 1 a 2 anos (Buchanan, 2001), não devemos tratar a contagem plaquetária, mas sim o paciente. A abordagem da PTI aguda na infância é controversa. A conduta expectante é uma realidade, desde que os pais estejam orientados sobre a patologia e o acesso hospitalar em caso de sangramentos seja viável. Apenas petéquias e equimoses não necessitam tratamento. A Sociedade Americana de Hematologia sugere que pacientes com menos de 20.000 plaquetas/mm3 sejam tratados, bem como aqueles com menos de 50.000 plaquetas/mm3 com sangramento mucoso importante ou fatores de risco para sangrar. Já o Consenso Britânico valoriza a clínica do paciente, tratando quando houver sangramentos, e não o nível das plaquetas (Tarantino, 2007). Não há dúvidas quanto a necessidade de tratamento em casos de sangramentos. Considerando-se a literatura atual, podemos sugerir algumas opções terapêuticas: Dose Droga Eventos Indicação adversos PREDNISONA Hemorragia não grave Carcao,1998 4 mg/kg/dia por 4 dias nenhum METILPREDNISOLONA Hemorragia grave / risco de sangramento Ancona, 2002 30 mg/kg/dia EV por 3 Não avaliado dias IGEV Hemorragia grave / risco de sangramento Duru, 2002 0,8 g/kg/dia por 2 dias Cefaléia, náuseas, Ancona, 2002 1 g/kg/dia por 2 dias vômitos, febre, rash cutâneo ANTI-D Substituto da IgEV em alguns casos de El Alfi, 2006 50 mg/kg EV dose Febre, rash Tarantino,1999 única cutâneo, anemia pacientes Rh + e não esplenectomizados 25 mg/kg EV em dois dias Corticóide: diminui a produção de Ac anti-plaquetas e a destruição das plaquetas, age na estabilidade capilar e reduz sangramentos. Altas doses de corticóide (Carcao,1998; Ancona, 2002) são mais eficazes para a elevação do número de plaquetas quando comparadas a dose convencional de 2 mg/kg/dia. O uso crônico de corticóides é contra-indicado, mesmo que seja PTI crônica. Não usar mais de 3 semanas, mesmo que não haja resposta adequada. Imunoglobulina endovenosa: ocupa os receptores Fc dos fagócitos mononucleares, fazendo com que as plaquetas com Ac em sua superfície não sejam destruídas. Ainda atua em subgrupos de linfócitos T, na função das células B e reduz produção de autoAc. Tem resposta semelhante a altas doses de corticóides, porém a elevação das plaquetas com a IgEV é mais precoce (Beck, 2005). Está indicado nos casos sintomáticas, especialmente para se evitar a esplenectomia. Os eventos adversos mais comuns são cefaléia, náuseas e febre, porém devemos lembrar da meningite asséptica como evento mais raro. O efeito é transitório. As doses variam de 0,8 g/kg dose única a 1 g/kg/dia por 2 dias (Jolles, 2005). Anti-D: A imunoglobulina anti-D, ao aderir aos glóbulos vermelhos Rh positivos, podem diminuir a destruição plaquetária. Na dose de 25 mg/kg por dois dias, a resposta em relação a elevação das plaquetas e internação hospitalar foi semelhante quando comparada a IgEV 0,8 a 1g/kg (Tarantino,1999). A anti-D só é eficaz em paciente Rh positivo e com baço funcionante. Da mesma forma que a IgEV, o efeito é transitório, durando somente algumas semanas. Os efeitos adversos principais da anti-D são a hemólise aloimune e teste de Coombs direto positivo. Esplenectomia: Deve ser a última opção terapêutica, quando o paciente apresenta sangramentos persistentes que comprometem a qualidade de vida, sem resposta a qualquer terapia medicamentosa. Uma vez indicada, fazer profilaxia com penicilina, vacinação prévia contra bactérias encapsuladas (hemófilus, pneumococo e meningococo) e rápido tratamento dos episódios febris (Tarantino, 2007). Transfusão de plaquetas: reservada para hemorragias de risco de morte em combinação com altas doses de corticóide ou IgEV (Tarantino, 2007). O manuseio da PTI crônica é o mesmo da aguda, devendo-se orientar sobre as restrições das atividades físicas que possam resultar em traumas (esportes de contato, andar de bicicleta/skate/patins, empinar pipa na laje, etc). Deve-se evitar ácido acetilsalicílico, antiinflamatórios não-esteróides, anti-histamínicos e xaropes para tosse com guaiacolato, pois são anti-agregantes plaquetários. O anti-histamínico difenidramina pode ser utilizado. Vários agentes imunossupressores foram estudados (ciclofosfamida, azatioprina, ciclosporina, dapsona, interferon, danazol), mas sem dados que comprovem sua utilidade em crianças. O uso do anticorpo monoclonal anti-CD20 necessita mais estudos para comprovar sua real eficácia. Bibliografia consultada: Ancona KG, Parker RI, Atlas MP, Prakash D. Randomized trial of high-dose methylprednisolone versus intravenous immunoglobulin for the treatment of acute idiopathic thrombocytopenic purpura in children. J Pediatr Hematol Oncol 2002; 24:540–544. Beck CE, Nathan PC, Parkin PC, et al. Corticosteroids versus intravenous immune globulin for the treatment of acute immune thrombocytopenic purpura in children: a systematic review and meta- analysis of randomized controlled trials. J Pediatr 2005; 147:521–527. Bolton-Maggs, PH. Idiopathic thrombocytopenic purpura.Arch Dis Child2000;83:220-22. Buchanan, GR; Adix, L. Outcome measures and treatment endpoints other than platelet count in childhood idiopathic thrombocytopenic purpura.. Semin Tromb Hemost2001;27:277-85. Carcao,MD; Zipursk, A; Butchart, S et al. Short course oral prednisone therapy in children presenting with acute immune thrombocytopenic purpura. Acta Paediatr1998,424:71-4. Chu, YW; Korb, J; Sakamoto, KM. Idiopathic Thrombocytopenic Purpura. Pediatric in Review2000;21:95-103. Duru F, Fisgin T, Yarali N, Kara A. Clinical course of children with immune thrombocytopenic purpura treated with intravenous immunoglobulin G or megadose methylprednisolone or observed without therapy. Pediatr Hematol Oncol 2002; 19:219–225. El Alfy MS, Mokhtar GM, El-Laboudy MA, Khalifa AS. Randomized trial of anti-D immunoglobulin versus low-dose intravenous immunoglobulin in the treatment of childhood chronic idiopathic thrombocytopenic purpura. Acta Haematol 2006; 115:46–52. Jin, DK; Bussel, IB. Immune, posttransfusional amd neonatal thrombocytopenia. In:Young, NS; Gerson, SL; High, KA. ed. Clinical Hematology, 2006, cap 60 Jolles S, Sewell WAC, Misbah SA. Clinical uses of intravenous immunoglobulin. Clinical and Experimental Immunology 2005; 142:1-11 Olsson B, Andersson PO, Jernas M, et al: T-cell-mediated cytotoxicity toward platelets in chronic idiopathic thrombocytopenic purpura. Nat Med 9:1123-1124, 2003 Tarantino, MD; Madden, RM; Fennewald, et al. Treatment of childhood immune thrombocytopenic purpura with anti-D immune globulin or pooled immune globulin J Pediatr1999;134:21-6. Tarantino MD, Young G, Bertalone SJ, et al. Single dose of anti-D immune globulin at 75 microg/kg is as effective as intravenous immune globulin at rapidly raising the platelet count in newly diagnosed immune thrombocytopenic purpura in children. J Pediatr 2006; 148:489–494. Tarantino, MD; Bolton-Maggs, PHB. Update on the management of immune thrombocytopenic purpura in children. Curr Opin Hematol, 2007;14:526-534.