formao de cidadania e espao para a prosa de autor

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GRUPO DE TRABALHO E UMA TRIANGULAÇÃO FORA DE
TEMPOS E ESPAÇOS: UM DESLOCAMENTO PARA AUTORIA
Osmar de SOUZA
(Universidade Regional de Blumenau - FURB)
Resumo
O processo de escrever tem uma tradição muito centrada no indivíduo. A proposta deste
trabalho não elimina o esforço individual, mas concebe o ato de escrita como o resultado de
um grupo que trabalha em conjunto ainda que tenha interesses particulares. As contribuições
teóricas vêm de três campos diferentes: a Lingüística, a Filosofia e a Educação. Da
Educação, vem Paulo Freire, que defende o trabalho coletivo como um caminho para a
construção de conhecimentos; da Lingüística aparece Bakhtin pela importância que dá à
interação verbal; da Filosofia, busca-se em Foucault fundamento para compreender o
conceito de autor.
Palavras-chave: grupo de trabalho; escrever; tempos e espaços; autoria..
A proposta deste texto é discutir autoria, nomeadamente nos meios acadêmicos e
mais centradamente, em nível de pós-graduação, stricto sensu. O deslocamento vai para o
grupo de trabalho, como uma instância desafiadora para se constituir autoria e para
aproximações de vozes que, de maneiras distintas e às vezes complementares, reforçam
argumentos que serão defendidos neste texto.
Parte-se, então, de uma percepção de que os grupos de trabalhos, uma vez
estruturados, tendo uma agenda comum de atividades ao longo de um período, focalizando
pesquisas individuais, que desembocarão num produto final, como artigos, ensaios,
dissertações, ou teses, são de fato instâncias para se construir autoria, entendida desde agora,
como uma manifestação lingüístico-discursiva que garanta algum nível de individualização
nas idéias.
Para expandir a tese que se defende neste texto, busca-se triangular com três vozes
que vêm de lugares diferentes, de campos de estudos diferentes. Refere-se a Paulo Freire,
Bahktin e Foucault. O primeiro marca uma certa identidade na educação, não só no Brasil,
mas pelos lugares onde atuou, também pela repercussão de suas idéias em países avessos aos
apelos populares; o segundo muda a trajetória dos estudos lingüísticos, notadamente aqueles
ligados a Saussure e a Chomsky, olhando o funcionamento da linguagem a partir da interação
real; o terceiro é referência em diferentes campos de estudos, pela crítica às distintas maneiras
de se construir sujeitos e conhecimentos. Para este texto, interessam fundamentalmente idéias
acerca do conceito de autoria.
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1. A sempre presente contribuição de Paulo Freire
Escolhe-se de Paulo Freire o texto que talvez sumarize seus principais conceitos e
sua visão da educação tal como almejava. É verdade que a preocupação de Paulo Freire era
bem outra daquela que aqui está posta. Olhava fundamentalmente a educação como prática
para a liberdade no sentido mais amplo que essa palavra pode assumir. Mas essa liberdade
nunca era vista de maneira isolada, mas coletiva. Ninguém poderia ser verdadeiramente livre
enquanto se sentisse oprimido e fizesse seus pares também oprimidos.
A despeito dessa restrição, toma-se de Paulo Freire algumas idéias que se
consideram instigadoras para o foco deste texto. Discute-se o grupo de trabalho como uma
instância real de se construir autoria. No sentido que se quer dar a esta tese, entende-se um
grupo de trabalho como um conjunto de pesquisadores interessados em determinadas
temáticas e que discutem objetos de pesquisa de cada um de seus membros. Esses membros
vêm de histórias e de experiências diferentes; ingressam num programa de pós-graduação
nem sempre sabendo o que isso de fato significa.
Um grupo de trabalho assim delimitado passa por algumas fases: a) de
conhecimento; b) de percepções conceituais; c) de verticalização; d) de socialização e
consolidação. A primeira fase marca o encontro de histórias individuais deslocadas agora para
algum interesse comum naquele grupo. Esse interesse comum também é uma construção do
grupo, porque não está dado e pode ir se alterando com o passar do tempo. Por ser uma
construção coletiva, algumas categorias passam a ser objeto de debates. Nisso, vão se
construindo as percepções conceituais. À medida que os debates amadurecem, verticalizam-se
essas percepções e se encaminha algum tipo de individualização(retoma-se adiante este
conceito). Muito da individualização se amplia em momentos de socialização dentro do
grupo, mas muito mais em eventos, em que se encontram outros sujeitos, com outras histórias
e outras percepções.
Essas fases estão distribuídas ao livre arbítrio deste autor e não necessariamente
obedecem a esta ordem. Mas e onde entra Paulo Freire neste movimento? Talvez uma
primeira contribuição venha da idéia de que “os homens se libertam em comunhão”. O
investigador enquanto ficar em seus próprios pensamentos tentando definir seu objeto de
pesquisa é um prisioneiro de suas próprias percepções. A partir do momento em que
verbaliza, por escrito ou oralmente, em reunião do seu grupo, o sujeito se expõe e fica à mercê
da crítica de seus pares. Esse movimento nem sempre é pacífico; gera muitas tensões, choros
e até abandonos.
Mas, como se entende aqui, comunhão não significa “falsa generosidade” ou “gestos
de súplica”, nas palavras ainda de Paulo Freire. Quando um membro do grupo expõe o seu
objeto de interesse, em qualquer estágio em que se encontra, ele espera que seus pares
procedam a uma crítica severa, construtiva. Conta com críticas fundamentadas e, se for o
caso, encaminhamentos de sugestões, indicadores de leituras, questionamentos sobre
afirmações demasiadamente categóricas, incompletudes, entre outros. A falsa generosidade
ficaria por conta de elogios infundados. Gestos de súplica ocorrem quando se espera que o
grupo solucione todos os impasses em que o sujeito se encontra. Se a generosidade assumir
uma perspectiva comprometida, solidária, elencam-se argumentos para que o sujeito construa
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a sua pesquisa em bases muito mais seguras. Por outro lado, sabendo que as decisões finais
ficam para cada sujeito, este será afetado pelas vozes de seus pares, além daquelas oriundas de
suas leituras.
Intrinsecamente ligado a estes gestos de súplica, aparece o que Paulo Freire define
como educação prescritiva. Para ele, “a prescrição é contrária à liberdade”. Prescrição aqui
significa indicar para o sujeito qual o caminho a seguir. Às vezes em grupos encontram-se
membros que têm essa expectativa de seus parceiros. É diferente o encaminhamento quando o
sujeito expõe o problema, ouve seus colegas, faz uma sumarização dos indicadores,
amadurece as observações e encontra uma alternativa, traz ao grupo e o recoloca ao debate.
Percebe-se, assim, quão importante é o esforço individual, mas também a presença constante
de cada membro do grupo; a omissão, nesse caso, pode significar “falsa generosidade”.
Por último, nunca é demais lembrar a afirmação de Paulo Freire (1987) de que “os
oprimidos precisam reconhecer-se como homens, na sua visão ontológica de ser mais”. Como
já se disse antes, oprimido aqui tem outra dimensão daquela proposta por Paulo Freire.
Entende-se que o sujeito enquanto não se encontra com seu objeto de investigação é
oprimido; para se reconhecer como homem, aqui significado como pesquisador, busca outras
vozes, de seus parceiros e de seus autores (Bianchetti, 2004). Esse movimento passa
necessariamente pelas fases a que se referiu anteriormente dentro de um grupo de trabalho. É
nesse reconhecimento que se vê o grupo como uma instância real de autoria.
2. A sempre oportuna voz de Bakhtin
Sobre Bakhtin , cabem alguns esclarecimentos. Quando Saussure estabelece o objeto
da lingüística, define-o como sendo o estudo das línguas enquanto sistemas, em oposição ao
estudo das falas, para ele, de difícil sistematização empírica. Essas línguas seriam descritas
sincronicamente, ou seja, em determinados estágios, em oposição às descrições diacrônicas,
que se ocupariam das línguas em suas perspectivas históricas. Saussure ainda estabelece
outras oposições que fogem ao escopo deste texto. O que interessa é o conceito de sincronia,
um dos conceitos problematizados por Bakhtin. A dúvida deste autor era em que circunstância
uma língua seria sincrônica? Somente no momento em que dois indivíduos estivessem
interagindo, numa instância cultural que permitisse uma interação. O olhar de Bakhtin, então,
se desloca da língua, enquanto sistema, para a fala, enquanto realização material concreta.
Cabe ainda esclarecer a filiação a que cada um dos autores mencionados se filia:
enquanto Saussure tem uma forte influência dos neogramáticos europeus, portanto, com uma
preocupação muito mais ligada à filologia, Bakhtin vem marcado pelas idéias do marxismo,
em que o conceito de materialismo histórico é chave. Além disso, Bakhtin sofre uma ligação
muito estreita com os estudiosos da literatura, campo demasiadamente privilegiado pela
“individualização”, conceito estratégico para este texto.
Bakhtin concentra sua explicitação no conceito de signo, inerentemente ligado ao de
ideologia, explicável pela filiação a que já me referi. Para ele (1995), “o signo reflete e refrata
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a realidade”. O verbo refletir, de acordo com o Aurélio, entre outras acepções, se refere a:1)
reproduzir imagens de, espelhar, retratar; 2) deixar ver, revelar, mostrar, traduzir; 3) retratarse, representar-se,reproduzir-se. O mesmo dicionário é muito pouco explicativo para o verbo
refratar, mas dá explicações para o substantivo refratário: 1) que resiste a certas influências
químicas ou físicas; 2) que recusa submeter-se; desobediente, insubmisso. Na verdade, esses
dois verbos sintetizam a tensão cada vez mais verificável no uso da palavra. (signo) Como
usuários, tem-se a ilusão de que se reflete a realidade ao enunciá-la. Mas do outro lado há um
interlocutor que nem sempre acompanha e entende o que se quer realmente dizer. Nenhum
signo, nenhum texto conseguirá traduzir fielmente a realidade, apenas formaliza uma
representação.
Essa tensão entre o refletir e o refratar tem suas implicações nos grupos de trabalho.
Opera-se, verbalmente, ou por escrito, através da palavra. Nas fases iniciais, elas trazem os
sentidos construídos ao longo da história de cada um . Aos poucos, revelam-se as polissemias
de termos, dependendo da afinidade temática de cada grupo. A vida acadêmica é marcada
muitas vezes pela transgressão, pela desobediência, de onde um pouco do refratário, também
se constrói nos grupos. A autoria passa, nesse sentido, por certa resistência ao comum, para
perseguir a individualização. Não é isso desejável para a vida saudável da ciência?
Antes de continuar a refletir sobre Bakhtin, explicita-se o conceito de
individualização, a que se tem referido desde o início. Retoma-se adiante em Foucault, mas
para os participantes e eventuais leitores faz-se uma rápida explicação. Voltando ao dicionário
do Aurélio, na palavra individualização aparece apenas: “ato ou efeito de individualizar-se”.
Por individualizar, aparecem: “tornar individual; especializar, particularizar; caracterizar,
distinguir, individuar; tornar-se individual; distinguir-se”. No Dicionário Básico de Filosofia,
Japiassu e Marcondes (1996), só aparecem os termos individuação, individualidade,
individualismo e indivíduo. Assim, na falta tanto do verbo quanto do substantivo, vai-se ao
termo indivíduo, para daí fazer as derivações necessárias. Diz o Dicionário: “indivíduo, do lat.
Individuum”, 1) tudo aquilo que constitui uma unidade, não podendo ser dividido sem
descaracterizar-se como tal. Objeto simples, sem partes. Aquilo que é contável. Algo que
possui características próprias que o distinguem das outras coisas. 2) Do ponto de vista do
problema dos “universais”, discute-se se só os particulares são indivíduos, ou se também os
universais, tais como qualidades ou propriedades (brancura, justiça) também podem ser
considerados indivíduos.
Assim, quando se pensa autoria,orientada para a individualização, refere-se a um
texto que contenha um conjunto de elementos que marque aquele texto em oposição aos já
produzidos na Academia, no caso específico deste texto. Não necessariamente liga-se ao
inédito, porque aí se entra num terreno ainda mais complexo. Nesse sentido, o grupo de
trabalho acaba desempenhando uma função solidária decisiva, encaminhando sugestões para
aparar arestas que possam evitar as circularidades textuais e temáticas. Por circularidade
temática considera-se a repetição de determinados assuntos como objeto de investigação. A
circularidade textual implica o texto sem avanços nos argumentos.
Retornando a Bakhtin, o autor fala que a compreensão de um signo consiste em
aproximar o signo apreendido de outros signos já conhecidos. Esse movimento necessário à
compreensão e recepção textuais, em qualquer gênero de texto, implica os conceitos de
intertextualidade e polifonia. (Beaugrande e Dressler, 1981; Allen, 2001) O primeiro conceito
se relaciona à dependência que um novo texto sempre tem em relação a outros textos já
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construídos e reconhecidos socialmente. Na Academia, isso é desejável. Por outro lado, a
polifonia, se entendida como vozes que se misturam num mesmo texto, implica muita
vigilância por parte dos autores para evitar anular a sua própria voz no novo texto.
Retomam-se de Bakhtin ainda duas afirmações que se consideram relevantes para
este texto. A primeira fala que os signos só podem aparecer no terreno interindividual. Mas só
produz efeitos de sentidos se os indivíduos estiverem socialmente organizados. A segunda
traz o conceito de ideologia, que atravessa todo o livro de Bakhtin. Para ele, o signo é
fundamentalmente ideológico. Traz cadeias ideológicas que se estendem de consciência
individual em consciência individual, mas só se tornam consciência de fato na interação
social. Os processos construídos em grupos de pesquisas visam a dar substância aos
conhecimentos construídos paulatinamente, cooperativamente. Por este ângulo, vê-se que
Paulo Freire e Bakhtin têm algo comum a dizer.
O grupo de trabalho constitui uma instância privilegiada de indivíduos socialmente
organizados. Encontram-se em função de finalidades e interesses próximos, não
necessariamente comuns. As cadeias ideológicas mantêm-se e muitas vezes ressignificadas
nas interações reais. Talvez uma das tarefas dos grupos de trabalho esteja ligada à construção
de uma certa metalinguagem, para a fluência das discussões. Mesmo assim, as polissemias
são inevitáveis e até desejáveis.
Para o conceito de autoria, mais talvez do que as noções acima comentadas,
rapidamente, Bakhtin traz a noção de “excedente de visão” e de “dialogia”. O signo só se
realiza em instâncias concretas e se desliza conforme sejam os interlocutores. O grupo de
trabalho se propõe a ser o espaço do diálogo. Talvez resida aqui uma outra aproximação entre
Paulo Freire e Bakhtin. O diálogo supõe sentidos sempre em construção, em oposição a
sentidos estabilizados. A negociação é o pressuposto para o diálogo efetivo.
A noção de excedente de visão vem de outro texto de Bakhtin, “Estética da criação
verbal”. Neste, defende que cada sujeito tem uma visão do outro que não tem de si mesmo:
“o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, da sua visão e da sua memória;
memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe proporcionar um acabamento
externo. Nossa individualidade não teria existência se o outro não a criasse. A memória
estética é produtiva: ela gera o homem exterior pela primeira vez num novo plano de
existência” (Bakhtin, 1992: 55). O reconhecimento dessa limitação, mas ao mesmo tempo
uma característica humana, tem efeito positivo nos grupos de trabalho. Excedente de visão se
materializa na interação verbal, permite a discussão e uma outra visão de si, afetada pelas
vozes dos parceiros.
Possivelmente, alguém poderia supor que isso afetaria a “individualização” dos
textos. Até certo ponto sim, como já disse anteriormente, se pensarmos que a linguagem
realizada de algum modo sempre afeta os sujeitos em interlocução. Mas vêm outros
momentos em que a história individual vai se encarregar de proceder aos ajustes, sem
descuidar das comunidades científicas e discursivas a que se filia.
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3. A (des) construção de Foucault
Entrando em algumas posições assumidas por Foucault, a primeira a que já se
referiu várias vezes nesse texto, é a ligada à “individualização”. Foucault (1997) diz
textualmente que autor passou a existir no momento em que a história das idéias, dos
conhecimentos, das literaturas e das filosofias, puderam ser individualizadas. O que não se
discutiu quando se definiu neste texto a palavra individualização, a partir de dicionário
comum e de dicionário de Filosofia é que esta categoria implica sempre a alteridade.Em
linguagem, é um conceito fundamental. No dicionário de Filosofia já mencionado não aparece
nenhuma referência à alteridade, mas fica explicitada no conceito de “outro”.
Os autores explicitam que na teoria hegeliana da intersubjetividade, o problema do
outro opõe-se à filosofia cartesiana do cogito. A intersubjetividade é a mediação necessária ao
advento da consciência de si. Esse pensamento hegeliano, segundo ainda os mesmos autores,
é o ponto de partida da reflexão fenomenológica. Para eles, os fenomenólogos exploram o
campo da descoberta do outro enquanto outro e tentam mostrar o que há de irredutível na
experiência do outro. Ainda na mesma linha, para eles, a psicanálise lacaniana afirma que o
desejo do homem é o desejo do outro.
Penso-se que entender autor, em Foucault, passa por este conceito. O sujeito da
escrita se desvela, expõe-se ao outro. Na tradição da crítica literária, o outro atendia pelo
nome de crítico literário. O reconhecimento de uma autoria passava muito mais pelo teor
estético e muito menos por quem fosse o sujeito que escreveu. Numa perspectiva cronológica,
em termos de escolas literárias, a autoria supunha também a adesão a determinadas
características de época. E na Academia? Expor-se ao outro é inevitável, desde as avaliações
curriculares previstas até a uma exposição pública, culminada num parecer emitido acerca de
um artigo, ensaio, relatório, ou mesmo numa defesa, que, entre outras funções, legitima o
reconhecimento e a pertinência da autoria.
Uma segunda contribuição de Foucault se relaciona ao desaparecimento do sujeito
da escrita, ou à morte do autor, ao apagamento dos caracteres individuais do sujeito. Neste
texto está-se sempre falando da escrita num sentido público, portanto, de “prosa de leitor”, em
oposição à “prosa de escritor” (Cassany, 1999). Pela primeira, entende-se o texto definitivo,
para o outro, para a comunidade, ou para a Humanidade, como prefere falar Eco (1995).
Pensando assim, o que restaria de características do indivíduo? A morte do autor, então,
apresentada como metáfora, permite um sentido de submissão às regras de exigências sociais.
A academia é exigente.
Uma terceira remete à aderência que o nome de um autor tem relativamente a um
certo modo de ser do discurso, características de uma determinada comunidade discursiva. O
que caracteriza mesmo uma comunidade discursiva? Um grupo de trabalho é uma
comunidade discursiva? Swales (1990), entre outras características, prevê que o que marca
uma comunidade discursiva é um interesse comum e a construção de uma metalinguagem.
Esse movimento é um grande aprendizado. E nesse sentido, o Grupo de trabalho pode ser
entendido como uma comunidade discursiva.
Quando Foucault se refere à aderência a um certo modo de ser do discurso,
possivelmente esteja falando de comunidades discursivas mais amplas, como as ligadas à
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Filosofia, à Literatura, à Ciência, entre tantas. E nessas comunidades discursivas, certos
nomes acabam se pontificando e são referências. Mas para chegar a tal ponto o nome passa
pelo crivo da crítica de sua comunidade. Por isso, o autor passa a existir ao ser submetido à
punição. Punição é um conceito recorrente em Foucault, também em outros livros. Mas que
sentido assume aqui? Longe da invisibilidade que caracterizaria a tensão do sujeito que sabese vigiado ao mesmo tempo que finge não saber, na Academia, a condição de saber-se punível
vai-se construindo no grupo.
4. Olhares fora de tempos e espaços
É sempre muito complexo aproximar autores que viveram em países diferentes, com
situações sociais e políticas distintas e pertencendo a comunidades discursivas e científicas
também distintas. As aproximações que seguem ficam por conta do autor deste texto.
O primeiro ponto em comum que se consegue perceber é um olhar sobre o real. A
formação histórica dos três autores situa-se numa perspectiva material concreta. Ainda que o
real, do ponto de vista filosófico, passe também pela construção social, até certo ponto é uma
invenção ou reinvenção como querem alguns, materializa-se através de algo. Entre essas
materializações, a palavra, o signo é uma representação, incompleta, como já se viu nesse
texto. Autoria só pode ser discutida a partir do que foi enunciado por alguém, numa situação
histórica dada, afetada pelas ideologias que a atravessam. Mas a palavra não possui um
sentido pronto. O sentido sempre ficará circunscrito aos interlocutores, atualiza-se em cada
enunciação. Assim, o grupo de trabalho sempre é espaço para acordos, mas também para
novas aberturas, sempre atentas às exigências e manifestações sociais. O real, então, tem
sempre uma orientação sincrônica, em oposição a outra diacrônica.
O segundo liga-se à dialogia e deriva do primeiro, centrado na palavra. Se a palavra
reflete e refrata a realidade, é pelo diálogo que ganha dinamicidade e significância. A palavra
não dita impede a contra-palavra (Paulo Freire); se não houver a contra-palavra, cessa a
interação verbal (Bakhtin), sem a interação, o reconhecimento das individualizações pode
tornar-se apenas virtuais (Foucault). Um grupo de trabalho só tem sentido se se sustentar em
momentos de reflexão pelo diálogo, de onde emergem novos conhecimentos socialmente
produzidos. Mas o diálogo precisa assegurar a participação efetiva de todos os membros, para
que o caminho à individualização seja mais enriquecido.
A terceira aproximação fica no conceito de comunidade discursiva. O conceito de
comunhão (Paulo Freire) pressupõe indivíduos organizados, em função de interesses e
finalidades comuns. Esses interesses comuns passam pela construção de uma metalinguagem.
A comunidade discursiva avança pela interação, com e pela palavra e suas polissemias
(Bakhtin). As palavras deslizam de acordo com os sujeitos que as usam, em circunstâncias
sempre reais. O reconhecimento da individualização desloca-se sempre em comunidade
discursiva (Foucaul), de onde emerge o que pode/deve ser dito e quem tem legitimidade para
dizê-lo.
O quarto reside na própria percepção do que seja um texto. Um texto no sentido
strito não se constitui apenas pela repetição de dizeres, o que nos levaria a uma educação
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bancária; antes, constitui-se na tomada consciente da palavra, para o outro, tentando interagir
com o outro, numa generosidade necessária (Paulo Freire). Um texto é sempre a atualização
da palavra, significando e ressignificando sincronicamente (Bakhtin). Um texto visa sempre a
dar a pretensão de individualizar idéias (Foucault). Nesse triângulo, do dizer/ouvir consciente,
atualizado, revelando o indivíduo, constrói-se autoria. E a ação dos pares torna-se
fundamental nessa triangulação. É, portanto, o grupo de trabalho este espaço.
Assim, o grupo de trabalho constitui um espaço em que há uma comunidade
discursiva real, regida por circunstâncias que marcam os programas de pós-graduação. É real
por que se constitui a partir de regras previamente conhecidas e divulgadas e há uma adesão.
Mas as regras vão se ajustando de acordo com cada momento do grupo. Cada membro não é
apenas uma peça, mas um ser ativo, que tem vez, voz, compromissos, com ele mesmo e com
o grupo.
Para finalizar este texto, defende-se o grupo de trabalho como possibilidade de
construção de autoria, porque:
• Permite problematizar o conhecimento posto; confrontar proposições teóricas e as
manifestações concretas; transformar a sociedade através de sujeitos que percebam
a ciência como algo no aqui e agora, sem as mistificações que por vezes povoam a
cabeça dos incipientes. Nisso, o olhar de Paulo Freire auxilia e muito.
• Fundamenta-se na palavra manifestada, constantemente transformada em textos e
mais textos, até ganhar uma formalização mais definitiva. Nessa caminhada, o
Grupo desempenha também relevante papel, à medida que vai dando novos
contornos à palavra, em cada uma das manifestações textuais. Perceber a palavra
como não estática, eis o que Bakhtin vem nos dizer neste texto.
• Nutre-se pelo desejo cada vez mais consciente de significar. O significar implica
necessariamente expor-se ao público, neste caso, à comunidade científica,
discursiva a que se filia o sujeito. Cada membro do grupo não se encontra para ser
igual aos outros, mas para marcar a sua presença. Esta vai amadurecendo à medida
que seus pares começam a reconhecer a individualização de seus textos. Ainda que
esta direção seja extremamente complexa, a contribuição de Foucault é muito
atual.
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