TERRITORIALIZAÇÃO E GERENCIALISMO: CONFIGURAÇÕES DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO ESTADO NEOLIBERAL Eje 1. Consecuencias de la Crisis Mundial AUTORES: Evandro Alves Barbosa Filho*1 Vitória Régia Fernandes Gehlen** Maria Magaly Colares de Moura Alencar*** Cecile Soriano Rodrigues**** Maristela Pinto de Menezes***** 1 *Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CCSA. Av. dos Economistas, s\n. Sala C-06, GRAPp/CNPq/UFPE. Cidade Universitária, Recife - PE. CEP - 50.7400-590. Brasil. Email: [email protected] Teléfono: +55 81 96358133; +55 81 88653779 ** Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CCSA/Mestrado em Serviço Social Av. dos Economistas, s\n. Sala C-06, GRAPp/CNPq/UFPE. Cidade Universitária, Recife - PE. CEP - 50.7400-590. Brasil. Email: [email protected] *** Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CCSA. Av. dos Economistas, s\n. Sala C-06, GRAPp/CNPq/UFPE. Cidade Universitária, Recife – PE. CEP - 50.7400-590. Brasil. Email: [email protected] ****Universidade de Pernambuco – UPE NISC – Núcleo Integrado de Saúde Coletiva/Faculdade de Ciências Médicas – FCM Rua Arnóbio Marques, nº310, Santo Amaro. Recife – PE. CEP – 50.100-130. Brasil. E-mail: [email protected] Teléfono: +55 81 96346986 ***** Universidade de Pernambuco – UPE NISC – Núcleo Integrado de Saúde Coletiva/Faculdade de Ciências Médicas – FCM Rua Arnóbio Marques, nº310, Santo Amaro. Recife – PE. CEP – 50.100-130. Brasil. E-mail: [email protected] Teléfono: +55 81 99792442; +55 81 88401441 RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar as configurações da política social no Estado Neoliberal contemporâneo, por meio da análise teórica da adoção do gerencialismo e da territorialização das políticas sociais, característicos do Estado brasileiro pós-reformas neoliberais. Para tanto, realizou-se análise bibliográfica e documental. O corpus de pesquisa foi submetido à análise de discurso crítica, fundamentada na linguística crítica inglesa e na teoria materialista do Estado. O estudo identificou que tais configurações das políticas sociais têm uma matriz políticoideológica conservadora, sendo promovidas no Brasil a partir da década de 1990 e atualmente hegemônicas. Tal reorganização ocorreu sob a contrarreforma do Estado, mercantilizando-as total ou parcialmente; utilizando como recurso o espaço, em sua dimensão territorial, e adotando paradigmas de gestão oriundos do mercado, visando potencializar os processos de acumulação e reprodução social capitalista. PALAVRAS-CHAVE: Estado Neoliberal. Territorialização OBSERVACIONES: *Nosotros autorizamos publicar la ponencia **Se requiere suporte para la exposición con proyector de imágenes –PC Gerencialismo. 1- INTRODUÇÃO O neoliberalismo é uma teoria das práticas políticas e econômicas que propõe que o bemestar humano pode ser maximizado liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras dos indivíduos no âmbito das estruturas institucionais caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, sendo a principal função do Estado garantir melhores condições para que estas práticas se desenvolvam (ANDERSON, 2002). Segundo Hirsch (2010), o Estado neoliberal não pode ser reduzido à expressão “Estado mínimo”, pois esta indicaria uma ausência/retirada do Estado no processo de reprodução social. Para o autor, o que ocorre é um redirecionamento das ações estatais às necessidades de acumulação capitalista, em detrimento das necessidades sociais coletivas. E esta é a perspectiva assumida nesse trabalho. As tendências contemporâneas das políticas sociais são processos sócio-políticos de escala mundial (DEACON, 2007), determinadas pela transição do “Estado de Segurança” fordista para o “Estado competitivo” pós-fordista, denominado Estado Neoliberal ou Gerencial (HARVEY, 2005, 2008) e ascensão do capitalismo financeiro (HIRSCH, 2010). No Brasil, estas reorientações ocorrem em um contexto de profundas transformações na direção social atribuída à formulação e gestão das políticas sociais públicas. Isto indica novas funções e responsabilidades para o Estado, diferentes das características do modo de regulação fordista (CORELLA, 2005; HIRSCH, 2010). Novos sujeitos da sociedade civil e mercado são chamados para prover e/ou gerir políticas sociais, como as de saúde, educação e assistência social (SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). Do mesmo modo, são mobilizadas matrizes de pensamento orientadas pela concepção individualista ou liberal (LEFEBVRE, 2011; TEIXEIRA, 2010) para o desenho e/ou implementação das políticas sociais públicas. A finalidade desses esforços é formar capital humano e/ou infraestrutura que respondam às necessidades de acumulação e reprodução social capitalista e resultem em coesão social (DEACON, 2007; HARVEY, 2008; HIRSCH, 2010; SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). Diante disso, o objetivo deste artigo é analisar o conteúdo teórico-político dos processos de territorialização e adoção do gerencialismo ou gestão pós-burocrática, característicos das políticas sociais do Estado neoliberal ou gerencial, tendo como referência as práticas políticas neoliberais desenvolvidas no Brasil pós-contrarreforma. Para tanto, realizou-se análise bibliográfica e documental. O corpus de pesquisa foi submetido à análise de discurso crítica, fundamentada na linguística crítica inglesa e na teoria materialista do Estado. O estudo tem uma abordagem qualitativa. As principais técnicas de coleta de dados foram a análise bibliográfica e documental. O corpus da pesquisa foi submetido à análise de discurso crítica, fundamentada na linguística crítica inglesa e na teoria materialista do Estado. O desenvolvimento da análise bibliográfica se desdobrou: identificação; localização; compilação e fichamento da bibliografia analisada. Espera-se que este trabalho socialize e subsidie novas análises críticas sobre as tendências contemporâneas das políticas sociais e seu conteúdo teórico, ideológico e político, evidenciando a natureza neoconservadora que estas vêm assumindo diante de um Estado Neoliberal comprometido com a restauração do poder de classe. 2- O ESTADO GERENCIAL OU NEOLIBERAL A crise do capital, que eclodiu em 1974, pôs em cheque a forma de acumulação e de regulação social keynesiana-fordista (HISRCH, 2010; SALVADOR, 2010). Neste contexto, os países do capitalismo central sucumbiram em uma profunda recessão, vivenciando, depois de três décadas de crescimento econômico, uma combinação entre recessão e uma insignificante taxa de crescimento, a stagflation (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2008; TEIXEIRA, 2010). Diante desta nova conjuntura econômica, combinada ao surgimento e/ou expansão de uma nova direita e do recrudescimento de discursos neoconservadores como força político-ideológica (HARVEY, 2006, 2008; LAURELL, 2008), estão postas as condições à visibilidade e legitimação do neoliberalismo como prática política do Estado. Para os bancos de ideias neoliberais, a crise capitalista de 1974 é resultado direto do poder excessivo conquistado pelos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário (ANDERSON, 2002; SALVADOR, 2010). Estas considerações representam bem o conteúdo conservador dessa teoria econômica e política: para eles a ação política da classe trabalhadora organizada colocava em risco as bases da acumulação privada, por meio de sua luta por melhorias salariais e reinvindicações para que o Estado Social keynesiano desmercadorizasse muitas de suas necessidades sociais, através de políticas públicas universalistas financiadas pelo fundo público (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2006, 2008; SALVADOR, 2010). Segundo Hirsch (2010), o Estado neoliberal não pode ser reduzido à expressão “Estado mínimo”, esta indicaria uma ausência/retirada do Estado no processo de reprodução social. Para o autor, o que ocorre é um redirecionamento das ações estatais às necessidades de acumulação capitalista, em detrimento das necessidades sociais da classe trabalhadora. O estudo de Harvey (2008) corrobora com essa tese ao denominar o Estado Neoliberal não como Estado mínimo, mas sim como um Estado comprometido com a restauração do poder da classe dominante, perdido durante as décadas de “liberalismo embutido” do pacto fordista. Harvey defende que o compromisso do Estado neoliberal contemporâneo, “empreendedor”, é intervir permanentemente para criar as condições ideais à acumulação capitalista e ao livre mercado. Em algumas áreas como infraestrutura urbana, serviços de saúde e educação, o Estado empreendedor assume o papel de gestão ou provisão, mas o faz a partir de coalizões com agentes do mercado e não-governamentais e de racionalidades distintas ao do universalismo integrador (HARVEY, 2005). Nesta perspectiva, o Estado Gerencial deve ser restritivo no seu investimento em políticas sociais e generoso na abertura de novas esferas ao mercado por meio da terceirização e da privatização dos “salários sociais” (HARVEY, 2008; HIRSCH, 2010; SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). Conforme esse receituário, a estabilidade monetária deve ser o objetivo central de todos os governos (DEACON, 2007; HARVEY, 2010; SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). Sendo assim, uma disciplina orçamentária é fundamental e deve ser acompanhada por restrições nas despesas sociais e por uma taxa permanente de desempregados, naturalizando o exército de trabalhadores sobrantes (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2008). A finalidade dessas estratégias é enfraquecer os sindicatos e a função social do Estado Providência. Além disso, reformas fiscais devem ser realizadas com o objetivo de incentivar os agentes econômicos a poupar e investir, por meio de redução de impostos sobre as rendas mais elevadas e sobre os lucros das grandes empresas (ANDERSON, 2002; HARVEY, 2008; SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). O resultado dessas “reformas para o grande capital” deve ser uma desigualdade benéfica, para o livre mercado, que dinamizaria as economias capitalistas centrais, em risco por causa das políticas inspiradas nas proposições de Keynes e Beveridge, ou seja, a intervenção estatal anticíclica e a redistribuição de bens e serviços sociais (HARVEY, 2008; OLIVEIRA, 1988). A expectativa dos defensores do Estado neoliberal é de que o desenvolvimento social vem naturalmente, quando for alcançada a estabilidade monetária e reativados os incentivos ao livre funcionamento do mercado: desfiscalização, limitação dos investimentos e cobertura das políticas sociais, desregulamentação da economia entre outros (ANDERSON, 2002; BEHRING, 2003; HARVEY, 2008; MATIAS-PEREIRA, 2009; PEREIRA, 2008; SALVADOR, 2010; TEIXEIRA, 2010). 3. O Processo de Territorialização/Descentralização A discussão sobre o processo de territorialização das políticas sociais no contexto do Estado Gerencialista, perpassa o debate acerca da relação produção capitalista versus espaço. Para Harvey (2005) a dinâmica da acumulação capitalista tenta superar a espacialidade através da diminuição do tempo por meio da tecnologia. Sendo assim, a dimensão geográfica possui um papel relevante no processo de acumulação capitalista. No entanto, isto não é possível por que há uma necessidade constante de superação, frente às crises, para a garantia da reprodução do sistema econômico-político, sendo, para isso, necessários “ajustes espaciais” que possibilitem a continuidade do processo de acumulação. Segundo Massey (2009), não há como aniquilar o espaço pelo tempo, isto porque no desenvolvimento da técnica e da ciência, o que ocorre é diminuição do tempo (em virtude da tecnologia: “o aumento na velocidade dos transportes e comunicações”), enquanto o espaço se expande (espaços virtuais e reais de “relações/interações sociais, inclusive as de transportes e comunicação”). Esta realidade, dentro de Estado neoliberal, exige uma reorganização interna e novos arranjos institucionais (HARVEY, 2005) que possibilitem a fluidez do capital dentro dessa dinâmica. E isto ocorre na implementação das políticas sociais. Para Lefebvre (1976), o espaço constitui-se enquanto uma abstração concreta. Como tal é, simultaneamente, produto das ações sociais e estruturante das mesmas. É, ao mesmo tempo, uma realização material do trabalho humano e produto das relações sociais de produção. Em suas análises, o autor afirma ser o espaço uma mercadoria que encerra a realidade de todas as outras, bem como suas relações sociais. Assim, enquanto mercadoria representa um objeto material. Mas, diferente das demais, ele recria relações sociais ou ajuda a reproduzi-las. A produção do espaço é marcada por uma materialização através de um processo social específico com o qual reage, reagindo a si mesmo. Assim, faz-se, ao mesmo tempo, produto e produtor, meio de relações sociais e reprodutor de relações sociais. Essa relação é dialética e ontológica, o que origina a natureza multifacetada da produção do espaço na sociedade capitalista (LEFEBVRE, 1974). Para o autor, o capitalismo sobrevive em virtude de sua capacidade de recriar relações sociais imprescindíveis ao modo de produção em uma base contínua. Isto foi alcançado no decurso do seu processo histórico com a produção de um espaço distinto para si, por meio de um processo de dominação. A dominação do espaço ocorre por meio do aperfeiçoamento da técnica e da prática sobre a natureza. Para dominar um espaço, principalmente na sociedade moderna, em geral, a técnica impõe formas retilíneas, geométricas, “brutalizando” a paisagem. A dominação nasce com o poder político e vai cada vez mais se aperfeiçoando (LEFEBVRE, 1976). No entanto, o conceito de dominação só passa a ter sentido quando contraposto, de forma dialética, ao conceito de apropriação. A apropriação do espaço trata-se de um processo mais simbólico marcado pelo valor de uso (HAESBAERT, 2005). Alves (2010) aponta que apropriação contrapor-se-ia à racionalização para a dominação do espaço por meio do Estado e das empresas privadas; a apropriação do espaço seria uma alternativa da população em geral de ter acesso ao espaço. A noção ‘apropriação do espaço’, recobre um domínio diversificado de práticas sociais: culturais, simbólicas, afetivas (GUERRA, 1997), mas em relação constante e não-excludente com a dominação, como já dito anteriormente. É esse movimento que engendra a articulação espaçosociedade e confere ao espaço uma multiplicidade, a qual faz com que o espaço seja o lugar onde as relações capitalistas se reproduzem e se localizam com as suas manifestações de conflitos e contradições (ALENCAR & MENEZES, 2008). Valendo-se da teoria lefebvreana do espaço em suas análises, Haesbaert (2004) compreende o território como sendo um campo de possibilidades de construção de um “espaço diferencial”, que se opõe ao homogêneo, espaço abstrato, e contempla o uso, espaço social. Assim, a análise dialética do espaço possibilita a reflexão sobre as contradições presentes no espaço-mercadoria, uma abstração que se concebe mundialmente a partir do consumo do espaço (LEFEBVRE, 1991). Desta forma, Haesbaert compreende o espaço lefebvreano como um espaço feito território. De acordo com o autor, território possui dimensão simbólica e cultural. Por meio dela, uma identidade territorial é atribuída pelos grupos sociais como forma de apropriação sobre o espaço onde vivem. O território, em Haesbaert, possui uma dimensão mais concreta, de caráter políticodisciplinar e político-econômico. O território e os processos de des-territorialização seriam diferenciados pelos sujeitos que exercem o poder e controlam o espaço e os processos sociais nele em curso. Neste sentido, o conceito de território estaria relacionado com poder, como em Raffestin. No entanto, o que difere os dois autores é que o poder a que se refere Haesbaert (2004) não é apenas o político-administrativo, é tanto o poder no sentido político quanto o poder simbólico – os quais, para o estudioso, relacionam-se, respectivamente, aos processos de apropriação e dominação do espaço. Para Andrade (1995) o conceito de território estaria associado à idéia de poder, quer seja o poder público quer ao poder das grandes empresas. Andrade, ao contrário de Haesbaert (2004), estabelece uma distinção entre espaço e território. Território estaria associado à idéia de integração nacional, de uma área efetivamente ocupada pela população, pela economia. No território as relações capitalistas fazem-se presentes. No que se refere ao espaço, este seria mais amplo que o território, englobando-o. Não obstante a importância da compreensão das discussões e implicações conceituais sobre território, Schneider (2004) assinala que, no âmbito das políticas públicas, ocorre a instrumentalização do conceito território: é posta de lado sua carga teórico-conceitual e lhe conferido sentido prático por meio de enfoques e abordagens territoriais nas quais o território é compreendido como unidade de referência das ações do Estado, valorizando os atributos políticos, sociais e culturais das comunidades. O conceito de território, na última década, vem sendo incorporado na operacionalização das políticas sociais do Estado brasileiro, constituindo-se enquanto elemento fundamental para o processo de descentralização das políticas sociais. Neste sentido, o Sistema Único de Saúde (SUS) vale-se da noção de território para delimitar um espaço ocupado por um grupo social específico e com identidades em comum a ser assistido. A territorialização, nesta política, aparece como conceito técnico para a gestão da saúde e por meio do qual são regionalizadas áreas de abrangência das ações das equipes de saúde (CONASEMS, 2005). Na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o conceito de território é apresentado como relevante na medida em que considera as desigualdades e heterogeneidade socio-territoriais do país (BRASIL, 2004). Do ponto de vista da operacionalização da PNAS, por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), territorialização apresenta-se como instrumento técnico de delimitação das áreas de desigualdades a serem atendidas pelos programas e ações que compõem esta política. Nas políticas nacionais voltadas para espaço rural, a noção de território aparece como pertinente ao planejamento de programas e ações em conformidade com as potencialidades locais. Observa-se que o conceito de território nas políticas sociais brasileira é utilizado como instrumento de transferência dos serviços sociais (saúde, educação fundamental, habitação...) do âmbito do Governo Federal para os Estados e Municípios, como dito anteriormente, instrumento de efetivação do processo de descentralização, coerente com o receituário neoliberal para as políticas sociais (TEIXEIRA, 2010) e as recomendações do Plano Diretor de Reforma do Estado Brasileiro, criado em 1995, e que abriu para o mercado uma série de serviços sociais (SALVADOR, 2010). Segundo Behring, (2003) e Behring & Boschethi (2008), a compreensão da descentralização, enquanto processo de democratização do poder social e político do Estado, corrente durante o período do Movimento da Constituinte, na década de 1980, é tensionada na década seguinte. Nos anos 1990, a descentralização, como estratégias para incluir novos sujeitos sociais e democratizar a distribuição e gestão dos recursos estatais, é questionada. Ela é ressignificada por uma racionalidade economicista, como uma forma de combate ao déficit público, otimização dos investimentos estatais, tão caros ao processo de contrarreforma do Estado, e criação do Estado neoliberal. Ocorreu a configuração de um Estado residual/focalista para as políticas sociais e máximo para as necessidades de acumulação capitalista, e de controle sobre a tendência de queda de lucro capitalista (HIRSCH, 2010). Sendo assim, para o Estado Gerencial a descentralização das políticas públicas sociais tem como meta o equilíbrio financeiro do setor público (BEHRING, 2003; BEHRING & BOSCHETHI, 2008; HARVEY, 2008; HIRSCH, 2010; LAURELL, 2008; PEREIRA, 2008). No bojo deste processo, diversas responsabilidades são transferidas às municipalidades e demais níveis do Estado, sem a correspondente transferência de recursos e de poder decisório (HARVEY, 2005, 2008; SALVADOR; 2010). O que sinaliza que o objetivo é a desresponsabilização econômica e administrativa da esfera federal (COHN, 2002) e a materialização de políticas sociais pobres, sub-financiadas, focalizadas nos segmentos mais pobres da sociedade. 4. GERENCIALISMO OU GESTÃO PÓS-BUROCRÁTICA No âmbito da gestão das políticas sociais públicas, o ideário neoliberal propõe a substituição da administração burocrática, característica do Estado providência, por uma administração denominada gerencial (ANDREWS, 2010; FARAH, 2006; HARVEY, 2008). A partir do mix de ideias neoclássicas e da “teoria da escolha pública", foi elaborado um novo modelo de gestão e de reforma do Estado, o New Public Management, que ficou conhecido no Brasil por “administração pública gerencial” ou gestão pós-burocrática. Este modelo tomou como orientação geral os padrões administrativos oriundos do mercado (ANDREWS, 2010). Os argumentos que sustentam a adoção do gerencialismo nos países capitalistas são identificadas por Olías (2001 apud MATIAS-PEREIRA, 2009) como: redução do tamanho do setor público; maior autonomia e responsabilidade dos gestores (agências executoras); empowerment (delegação e descentralização); reinventing government (reengenharia administrativa); ênfase nos resultados e na necessidade de serem medidos (uso de indicadores de avaliação); equilíbrio financeiro (utilizador-pagador); orientação para os clientes; formas mais flexíveis de contratação de força de trabalho; ênfase na qualidade dos serviços públicos; transparência da informação sobre a gestão pública (accountability) (MATIAS-PEREIRA, 2009). Para Hood (1991 apud MATIAS-PEREIRA, 2009) a Administração Pública Gerencial pode ser sintetizada como a tentativa de redução ou remoção das diferenças entre setor público e privado, refletindo tanto as crenças nos métodos do livre mercado e das empresas privadas quanto a descrença nos servidores e nos órgãos públicos. Observa-se que a concretização deste padrão de gestão tem sido efetuada de várias formas, como por exemplo, por meio de privatizações; abertura de mercados antes protegidos; concessões de serviços públicos ao setor privado; além da criação de organizações e contratos com características específicas como agências reguladoras, parcerias público-privadas, entre outros (ANDREWS, 2010; MATIAS-PEREIRA, 2009). A “teoria da escolha pública”, que fundamentou a administração pública gerencial, foi criada por economistas norte-americanos no início dos anos 1960, mas teve pouca repercussão nas políticas públicas neste período, permanecendo restrita ao meio acadêmico. No final dos anos 1970, ela foi disseminada entre agentes governamentais de todo o mundo e passou a subsidiar o ideário de reformas administrativas em países que implantaram o neoliberalismo (MATIASPEREIRA, 2009). A definição da teoria da escolha pública apresentada por um dos seus principais promotores, Dennis Muller, evidencia quais são seus pressupostos: A teoria da escolha pública pode ser definida como o estudo econômico de decisões extramercado no processo de tomada de decisão ou, simplesmente, como a aplicação da economia à Ciência Política. O postulado básico da escolha pública, assim como para a economia, é do homem como um maximizador de utilidade egoísta e racional (MUELLER, 1984, p.39). Salienta-se que o autor deixa claro que o sentido atribuído à expressão “escolhas extramercado” refere-se à característica central da escolha pública: a aplicação da economia à política. Portanto, as escolhas mencionadas na definição referem-se a escolhas que são realizadas fora do mercado econômico propriamente dito, correspondendo a escolhas públicas. Para esta teoria, os mecanismos que regem o campo político são os mesmos que regem o campo econômico (HARVEY, 2008). Em comum, a teoria da escolha pública e o pensamento neoliberal têm como pressupostos o autointeresse, a troca e o individualismo (UDEHN, 1996 Apud ANDREWS, 2010). Depreendese, então, que, para esta teoria, o princípio do livre mercado é um pressuposto universal. As escolhas políticas não podem ser fundamentalmente diferentes de quaisquer outras escolhas que os indivíduos fazem, pois aqueles que têm um comportamento racional e autointeressado no mercado são os mesmos que fazem escolhas coletivas ou públicas em nome da comunidade (BUCHANAN, 1972). Segundo os teóricos da escolha pública, o autointeresse teria status universal, sendo todos os comportamentos sociais explicados a partir da premissa do homo economicus, o qual age racionalmente para maximizar suas vantagens e minimizar seus custos (ANDREWS, 2010). Tomando esse princípio como universal, Buchanan faz recomendações sobre a gestão de políticas públicas que ofertam serviços e bens coletivos. Para Buchanan (1975) e demais defensores do liberalismo econômico (liberismo), as intervenções do Estado na economia e no bem estar social geram uma “externalidade negativa”. Eles argumentam que os burocratas do Estado agem no sentido de maximizar seus interesses, que estariam fundamentalmente relacionados à expansão da máquina pública, pois supõem que os burocratas expandem seu poder quando aumentam os recursos disponíveis para as suas organizações. Segundo estes intelectuais, o padrão de gestão mais adequado para o Estado seria o de intervenção mínima na sociedade, pois assim conteria os interesses egoístas dos burocratas. Além da proposição de Estado para a “restauração do poder de classe”, outro fundamento teórico do gerencialismo é a separação entre agências formuladoras e executoras das políticas públicas. Essa lógica é oriunda da “teoria das agências”, segundo a qual, no setor público, os órgãos formuladores de políticas seriam os “principais”, que buscam realizar seus objetivos por meio de “agentes”, que seriam agências executoras de políticas públicas (ANDREWS, 2010). No Brasil, esses “agentes” podem ser órgãos governamentais (agências executivas), organizações sem fins lucrativos e filantrópicas, organizações sociais, organizações sociais de interesse público, consórcios públicos e fundações públicas de direito privado (ANDREWS, 2010; MATIAS-PEREIRA, 2009). Depreende-se, assim, que os fundamentos teóricos-políticos são coerentes ao ideário das reformas de natureza conservadora ou reacionária implantadas no mundo desde a década de 1970, por meio do projeto neoliberal de Estado. E aqueles subsidiaram a construção do paradigma gerencial de gestão pública como padrão de gestão hegemônico na contemporaneidade. Por meio de uma visão “estatofóbica”, o gerencialismo propõe contribuir para a viabilização do Estado mínimo e a mercantilização de várias esferas da vida social, antes protegidas pelo Estado Social e seus sistemas de seguridade ou seguros sociais públicos, questionando a cultura dos direitos da classe trabalhadora, confinando os direitos aos direitos do homo economicus. 5. CONCLUSÃO O processo ora discutido apresenta, de maneira geral, elementos contemporâneos de reorganização do movimento de produção e reprodução do capital, cuja capacidade de recriar-se já foi analisada por diversos teóricos atuais, dentre eles Harvey e Lefebvre apresentados neste trabalho. Na contemporaneidade, tal reorganização dá-se via reestruturação do Estado, o qual adquire caráter gerencialista, mercantilizando – direta e indiretamente – as políticas sociais ou adotando práticas gerenciais oriundas do mercado e utilizando como recurso o espaço, em sua dimensão territorial, visando possibilitar maior fluidez ao processo de acumulação capitalista e uma direção social neoconservadora às políticas sociais. Tais fatos vêm revestidos de um arcabouço político-ideológico (neo) liberal, promovido ao longo do processo de reestruturação produtiva, iniciada nos anos de 1970, ganhando força nas décadas seguintes, sendo hegemônico no Brasil desde a década de 1990, tendo como marco o Plano Diretor de Reforma do Estado. Diante de tais características das políticas sociais brasileiras, considera-se que o aprofundamento das análises críticas sobre a problemática poderá contribuir para a formulação de alternativas para a reversão dessa realidade, questionando tais orientações das políticas sociais e apontando para orientações centradas nas respostas às necessidades sociais das classes que vivem do trabalho. 6. REFERÊNCIAS ALENCAR, M.T.; MENEZES, A.V.C. Ação do Estado na Produção do Espaço Rural. Campo-Território: revista de geografia agrária. V.4, n 8, p. 121-174. Ago, 2009. ALVES, G. O Uso do Centro da Cidade de São Paulo e sua Possibilidade de Apropriação. FFLC: 2010. 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