Neoplasia localmente avançada de laringe na era

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cabeça e pescoço
Neoplasia localmente avançada
de laringe na era da preservação
de órgão: qual a melhor
estratégia terapêutica?
Genival B. de Carvalho
* Médico cirurgião de cabeça
e pescoço do Departamento de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço e
Otorrinolaringologia do Hospital
A. C. Camargo – São Paulo
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Contato: [email protected]
Laura Mannarini
* Médica otorrinolaringologista,
doutoranda em oncologia pela
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
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Contato: [email protected]
Luiz Paulo Kowalski
* Diretor do Departamento de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço e
Otorrinolaringologia do Hospital
A. C. Camargo – São Paulo; professor
livre-docente em oncologia pela
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
Contato: [email protected]
28
abril/maio 2011 Onco&
Introdução
O câncer de laringe é uma das neoplasias mais comuns das vias aéreas superiores, observando-se a
incidência mundial ajustada de 5,1 por 100 mil
homens, com mortalidade de 2,9 por 100 mil. Nas
mulheres, a estimativa mundial de incidência é de
0,6 por 100 mil, e a de mortalidade, 0,4 por 100
mil. No Brasil, a incidência ajustada é de 8,5 por
100 mil homens, com mortalidade de 4,6 por 100
mil. Nas mulheres, esses números são de 0,7 por
100 mil mulheres e 0,6 por 100 mil, respectivamente (GLOBOCAN 2002).
Segundo o Registro de Câncer de Base Populacional de São Paulo e o Instituto Nacional de Câncer
(INCA), no estado de São Paulo a incidência ajustada
de câncer de laringe é maior em relação ao valor nacional (14,9 por 100 mil homens e de 1,5 por 100
mil mulheres, com mortalidade de 6,2 por 100 mil
homens e 0,6 por 100 mil mulheres) (INCA, 2002).
O Registro Hospitalar de Câncer do Estado de
São Paulo aponta que, entre janeiro de 2000 e
setembro de 2009, foram registrados 6.370 casos
novos de tumores de laringe, 62,7% dos quais se
apresentaram em estádio clínico avançado (EC III
e IV) (Fundação Oncocentro do Estado de São
Paulo, 2009).
Até meados dos anos 1980, a terapia multidisciplinar no câncer avançado de laringe – estádios
III e IV – consistia em cirurgia e radioterapia pósoperatória. Num estudo multicêntrico retrospectivo
realizado entre 1980 e 1985, 116 pacientes portadores de carcinoma espinocelular de laringe estádios clínicos III e IV foram tratados com cirurgia
curativa e radioterapia pós-operatória e a sobrevida
geral foi de 68,3% em cinco anos (Nguyen et al.,
1996). Em outro estudo retrospectivo, de um total
de 817 pacientes portadores de carcinomas espinocelulares de laringe supraglótica, 36,2% eram
estádios III e IV e foram tratados com laringectomia
supraglótica alargada. A taxa de controle locorregional foi de 82,15% no estádio III e de 66,15% no
estádio IV. A sobrevida em cinco anos foi de 78,3%
para estádio clínico III e 55,3% para estádio clínico
IV. A deglutição foi avaliada como boa em 97,6%
dos pacientes (Vega et al., 1996).
Preservação da laringe
Nos últimos 20 anos foi demonstrada a eficácia dos
protocolos de radioterapia e quimioterapia no tratamento dos carcinomas localmente avançados da
laringe, cujos objetivos são o controle locorregional
da doença e a preservação de órgão.
O primeiro ensaio clínico randomizado foi o
Veterans Trial, publicado em 1991, que comparava
o percentual de sobrevivência e de preservação de
órgão em pacientes tratados com laringectomia total
e radioterapia adjuvante com aqueles pacientes submetidos a quimioterapia de indução com cisplatina
e 5-fluorouracil, seguida de radioterapia nos casos
de resposta clínica, e laringectomia total em caso de
ausência de resposta. Esse estudo evidenciou que a
quimioterapia de indução tinha permitido preservar
quase dois terços das laringes sem comprometer a
sobrevida global, tornando-se a base para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para a preservação da laringe com menos efeitos adversos na
sobrevida. Uma das opções mais utilizadas foi a
quimioterapia de indução seguida de radioterapia
nos respondedores (Carew et al., 1998).
Em um estudo com 80 pacientes portadores de
carcinomas de laringe estádio clínico III e IV submetidos a tratamento com radioterapia isolada ou
quimioterapia neoadjuvante, seguida de radioterapia, a sobrevida em cinco anos foi similar nos dois
grupos (24% para radioterapia isolada e 31% para
terapia combinada). A taxa de preservação da laringe
também foi similar (62% para o primeiro grupo e
63% para o segundo grupo), sendo observado que a
radioterapia isolada pode ser um tratamento factível
para esses pacientes (Keum et al. 1999).
Num estudo retrospectivo com 181 pacientes
portadores de carcinomas espinocelulares de
laringe supraglótica estádios III e IV, comparando
os tratamentos de radioterapia isolada, radioquimioterapia e cirurgia seguida de radioterapia, foi
evidenciado que os pacientes tratados com cirurgia
seguida de radioterapia e radioquimioterapia apresentaram sobrevida global e intervalo livre de
doença semelhantes. Os pacientes tratados com radioterapia exclusiva apresentaram uma evolução
pior que os outros dois grupos (Ganly et al. 2009).
Em 2003, Forastiere et al. publicaram os resultados do estudo randomizado RTOG 91-11, com
547 pacientes com câncer de laringe localmente
avançado. Os três grupos de tratamento foram:
quimioterapia de indução (cisplatina e fluorouracil)
seguida por radioterapia; radioterapia concomitante
a quimioterapia (cisplatina); e radioterapia isolada.
Tal tratamento previa a dose de 70 Gy em 35
frações de 2 Gy cada uma, administrada cinco dias
por semana. O critério de inclusão previa carcinoma espinocelular da laringe nos estádios III e IV,
para o qual o tratamento cirúrgico do tumor é a
laringectomia total.
Observou-se que em 84% dos pacientes tratados
por radioterapia concomitante a quimioterapia
houve preservação de laringe. A porcentagem foi
mais alta em relação aos outros dois grupos
[70% dos pacientes tratados por radioterapia exclusiva (P < ,001) e 74% dos pacientes tratados por
quimioterapia de indução e radioterapia com
(P = ,005)]. Esse estudo mostrou que a associação
terapêutica de radioterapia e quimioterapia promove
sobrevida semelhante à laringectomia total seguida
de radioterapia, com altas taxas de preservação da
laringe (cerca de 84%) e bons resultados funcionais
para tumores T3 e alguns tumores T4 (pacientes
com tumores T4 volumosos, que apresentavam
invasão de cartilagem ou invasão de base de língua
maior que 1 cm não foram incluídos nesse estudo).
A quimioterapia concomitante com cisplatina
100 mg/m2 nos dias 1, 22 e 43 tornou-se, em diversos países, o tratamento padrão dos tumores avançados da laringe (Forastiere et al., 2003).
Em 2004, entretanto, o mesmo grupo de
pesquisadores publicou uma correção a esse artigo,
sublinhando a possibilidade de preservação de
órgão também como modalidade cirúrgica, procedimentos não mencionados no artigo anterior
(Forastiere et al., 2004).
Alguns protocolos mais recentes têm utilizado a
quimioterapia de indução para selecionar pacientes.
Em 2009, Lefebvre et al. compararam o tratamento
sequencial com o tratamento alternado. Foram incluídos 450 pacientes (câncer de laringe ou hipofaringe, estádio T3-T4) randomizados entre dois
braços. Aqueles que apresentaram resposta menor
que 50% foram tratados com cirurgia, enquanto os
demais receberam associação de radioterapia. A
comparação entre essas duas abordagens demonstrou nos pacientes respondedores à quimioterapia
de indução que o tratamento com quimiorradioterapia não compromete o controle da doença nem a
sobrevida e permite a preservação da laringe em
40% a 60% desses pacientes (Lefebvre et al., 2009).
Preservação da laringe:
o papel da cirurgia
A preservação de órgão cirúrgica foi desenvolvida
principalmente nos últimos 50 anos. O controle do
tumor primário é obtido pela ressecção parcial da
laringe, mantendo as funções de respiração (a
traqueostomia, quando realizada, é temporária),
fonação e deglutição. O tratamento pode ser realizado por cirurgia aberta (laringectomia parcial
vertical, laringectomia horizontal supraglótica,
laringectomia supracricoidea) ou por cirurgia endoscópica a laser (Chawla et al., 2009).
As cirurgias parciais da laringe no tratamento
do câncer mostram melhores resultados em qualidade de vida para os pacientes se comparadas a
tratamento com cirurgia não conservadora e/ou
quimiorradioterapia (Weinstein, 2001).
Em 2001, Ambrosch et al. trataram o câncer
laríngeo supraglótico com cirurgia endoscópica a
laser e obtiveram resultados parecidos na sobrevida.
Dos 50 pacientes com carcinoma supraglótico T3 estádio III e IV, o estadiamento T avançado em 41% dos
casos era devido ao comprometimento do espaço préepiglótico, com fixação das pregas vocais em 18%
desses pacientes. A invasão do espaço paraglótico esteve presente em 26% dos casos. O controle local em
cinco anos foi de 86% dos pacientes tratados com
cirurgia a laser (Ambrosch et al., 2001). Mais estudos
“O câncer de laringe
é uma das neoplasias
mais comuns das
vias aéreas superiores, observando-se a
incidência mundial
ajustada de 5,1 por
100 mil homens,
com mortalidade de
2,9 por 100 mil.”
Onco& abril/maio 2011
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“A preservação de
órgão cirúrgica
foi desenvolvida
principalmente
nos últimos 50 anos.
O controle do tumor
primário é obtido
pela ressecção
parcial da laringe,
mantendo as funções
de respiração,
fonação e deglutição.”
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abril/maio 2011 Onco&
enfatizaram também o melhor resultado funcional da
laringectomia supraglótica endoscópica a laser, com
menor tempo de hospitalização e menor morbidade
(Peretti et al., 2006).
A principal razão para o sucesso do tratamento
com preservação de órgão cirúrgica é a manutenção
da funcionalidade laríngea associada a um efetivo
controle tumoral. Por essa razão é necessária uma
cuidadosa avaliação da extensão do tumor, tridimensionalmente e não só na extensão superficial.
Nos tumores que envolvem a glote, particularmente
a comissura anterior, pode haver subestadiamento,
como mostrado pelo grupo de Barbosa et al., 2005.
Nesse estudo, 52 pacientes (câncer glótico ou
supraglótico, estádio T1-4) foram avaliados préoperatoriamente por exame endoscópico e TC (com
cortes de 1 mm). Foi analisada depois a relação
com o estádio obtido pela avaliação da peça operatória. Somente em 40,38% dos casos o estadiamento endoscópico pré-operatório estava correto
(40% para T1; 29,41% para T2; 46,43% para T3; e
50% para T4). Por outro lado, o estadiamento préoperatório com TC era correto na maioria dos casos
(75%), em particular para o estádio avançado T3
(73,91%) e T4 (88,24%) (Barbosa et al., 2005).
Outro componente importante do sucesso terapêutico se refere à atenção sobre a mobilidade das
pregas vocais e das aritenoides, sendo a unidade
cricoaritenóidea a unidade funcional básica do
órgão (Tufano et al., 2002). Somente a seleção adequada dos casos com critérios rígidos permite o
controle local da doença (Laccourreye et al., 1997)
com boa qualidade de vida (Braz et al., 2005).
Nos últimos anos o uso de cirurgia de preservação (cirurgia aberta, endoscópica, robótica) vem
sendo abandonado nos EUA. A habilidade do
cirurgião parece ser uma variável prognóstica.
Olsen et al. referem que essa tendência se deve a
uma menor habilidade cirúrgica por parte de residentes e especialistas recém-formados na cirurgia
conservadora de tumores de cabeça e pescoço. Por
exemplo, no Hospital Johns Hopkins, entre dezembro de 2000 e março de 2006 foram realizados somente 24 laringectomias supracricoideas (SCL)
(Farrag et al., 2007), e no Hospital MD Anderson
Cancer Center entre 1997 e 2005 foram realizados
27 SCL (Lewin et al., 2008).
Revisão do conceito
Analisando os dados do programa de Vigilância,
Epidemiologia e Resultados Finais (SEER) norteamericano entre 1973 e 1999, Carvalho et al. 2005
evidenciaram que o prognóstico dos tumores de
laringe em estádios avançados entre 1974 e 1997
melhorou de 22,2% para 38,3%, com p=0,013.
Por outro lado, o prognóstico dos tumores iniciais de laringe piorou entre os anos 1983 e 1997
de 82,3% para 74,3%, com p=0,002. Em 2006,
Hoffmann et al. avaliaram 158.426 pacientes do
National Cancer Data Base (NCDB) portadores de
carcinoma espinocelular de laringe (qualquer localização) tratados entre 1985 e 2001, e o estudo retrospectivo mostrou uma piora na sobrevida global.
Os dados incluíram principalmente casos diagnosticados em estádio avançado do câncer glótico e estádio inicial e avançado do câncer supraglótico. A
observação específica sobre o grupo de pacientes
com câncer de laringe estádio T3N0M0 (qualquer
localização) mostrou uma sobrevida menor em
cinco anos no grupo tratado com quimiorradioterapia (59,2%) e no grupo tratado com radioterapia
isolada (42,7%) se comparado com o grupo tratado
com cirurgia e radioterapia adjuvante (65,2%) ou
sem radioterapia adjuvante (63,3%). Em contraste,
um subgrupo do estádio T3N0M0, os tumores com
localização glótica apresentam melhor sobrevida
(65,6%) com tratamento cirúrgico e também com
quimiorradioterapia concomitante. O tratamento
cirúrgico incluiu laringectomia total, laringectomia
subtotal/parcial e ressecção, sem diferenças nos resultados. A sugestão geral que se extrapola é a
menor eficácia terapêutica dos tratamentos não
cirúrgicos (Hoffman et al., 2006).
Os resultados menos satisfatórios do tratamento
não cirúrgico e seus gastos elevados sugerem que a
laringectomia total ainda deve ser considerada entre
as opções terapêuticas iniciais no tratamento do
câncer avançado de laringe para pacientes com
prognóstico mais comprometido ou com condições
clínicas que não favorecem tratamentos mais demorados e com exigência de seguimento muito rigoroso.
Em 2007, Chen Ay e Halpern M. avaliaram
10.590 pacientes do National Based Cancer Registry
data, dos quais 7.019 foram incluídos no estudo. Os
pacientes portadores de câncer avançado de laringe
(estádio III vs IV com qualquer T) foram tratados
com laringectomia total ou quimio-radio ou radioterapia isolada. Os pacientes com câncer de laringe estádio III mostraram resultados similares se tratados
com cirurgia (laringectomia total) ou quimiorradioterapia, em contraste com câncer estádio IV, que
mostra melhor sobrevida com tratamento cirúrgico.
Os autores reservam ainda observação específica
sobre o grupo de pacientes com câncer de laringe
T3, que, se submetidos a tratamento de preservação
de órgão não cirúrgica (quimiorradioterapia ou radioterapia), mostram aumentado risco de morte se
comparado com laringectomia total. No artigo,
destacam-se também alguns fatores associados a pior
prognóstico: sexo masculino, raça negra e o tipo de
seguro-saúde que pode não agilizar o acesso ao tratamento (Chen et al, 2007).
Fatores prognósticos
e melhor seleção terapêutica
Entre as probabilidades de estudo dos fatores que
possam influir no prognóstico, o conhecimento de
que o câncer é uma doença genética resultante de
mutações acumuladas no genoma focaliza também
a atenção sobre a biologia celular. Nas duas últimas
décadas houve um crescimento na quantidade de
dados genômicos e proteômicos publicados, que
têm ampliado as perspectivas de aplicações desse
conhecimento na detecção, no diagnóstico e no
planejamento terapêutico. Essas informações serão
possivelmente cada vez mais usadas para individualizar o tratamento, levando-se em conta o perfil
molecular individual (Ginzburg e McCarthy, 2001;
Jain, 2002; Barreto, 2008).
A identificação de assinaturas moleculares,
que incluem grupos de genes, transcritos de
RNAm, proteínas, lipídios, carboidratos e metabólitos, permite a correlação entre o estado alterado de expressão de tais marcadores e o
comportamento biológico do tumor (Liotta e Petricoin, 2000; Petricoin et al., 2002; Negm et al.,
2002; Barreto, 2005; Ludwig e Weinstein, 2005;
Nilsson et al., 2009). A disponibilidade e a aplicação de novos biomarcadores de predição da resposta terapêutica, bem como o emprego de novas
terapias com alvos moleculares, são promissoras
(Allison, 2008). Os biomarcadores têm sido classificados em marcadores de prognóstico (predição
do curso natural de um câncer individual), marcadores preditivos (predição do possível benefício
individual ao tipo de tratamento) ou marcadores
de resposta clínica (medida do efeito do tratamento a curto prazo) (Phan et al., 2009).
No estudo de Barreto et al. 2005 foram identificados classificadores moleculares que distinguiram
pacientes respondedores (R) de não respondedores
(NR) a tratamento de preservação de órgão não
cirúrgica (amostra de 35 pacientes com câncer localmente avançado de laringe e hipofaringe tratados
com protocolo de quimiorradioterapia combinada).
Através da metodologia de cDNA microarray, 100
genes foram combinados, identificando-se 4 trios e
27 quadras de genes que predizem, com 100% de
sensibilidade e especificidade, os pacientes classificados como respondedores ou não respondedores.
Como objetivo secundário da pesquisa, a autora
focalizou a atenção no estudo das vias metabólicas
potencialmente relacionadas ao mecanismo de ação
de quimiorradioterapia – a expressão das proteínas
envolvidas foi correlacionada com a assinatura gênica
dos pacientes, para identificar alterações possivelmente envolvidas na resistência ao tratamento clínico.
Foram selecionadas três vias para estudo: a via
Ras-Raf-Map-Kinase (Alroy 1997, Lewis et al.,
1998), a via P14K e AKT (Chan et al., 1999; Blumejensen, 2001; Vivanco, 2002) e a via Kinase C e
Jak/Stat (Yarden, 2001). Através do estudo dessas
vias metabólicas foram identificados seis genes candidatos: o receptor da interleucina 4 (IL4R), o receptor neutrófico da tirosina quinase tipo 2
(NTRK2) ou TRKB, a proteína ligante nucleotídeo
guanina alpha 12 (GNA12), o receptor do fator de
crescimento epidérmico (EGFR), o proto-oncogene
Met (CMET) e o fator do crescimento transformante
alpha (TGFalpha). Esses genes mostraram-se mais
diferencialmente expressos entre as comparações
R/NR no grupo das 35 amostras, a partir dos dados
obtidos por microarray. Após levantamento bibliográfico, foram sucessivamente escolhidos os melhores anticorpos para a realização de ensaios de
imuno-histoquímica. Até aquele momento não existia anticorpo disponível no mercado para imunohistoquímica para a proteína do gene humano
GNA12. Os dois anticorpos existentes para o gene
TRKB foram empregados: um que reconhece a proteína fosforilada e outro que reconhece a proteína
Onco& abril/maio 2011
31
não fosforilada. Finalmente, a análise de array apresentou TGFA superexpresso em pacientes NR,
seguido de validação imuno-histoquímica. Esse
gene pode ser relacionado com a resistência dos tumores ao tratamento (Barreto, 2009).
Na literatura há vários outros estudos imunohistoquímicos que avaliaram como a hiperexpressão
de algumas proteínas poderia estar associada ao pior
prognóstico. Destaca-se a expressão de proteínas
responsáveis pelo controle do ciclo celular, como o
receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR)
já mencionado no estudo de Barreto. Esse fator é envolvido no processo de crescimento das células neoplásicas e em sua capacidade de reparar os danos
causados pelos quimioterápicos (Putti, 2002).
Secades et al. mostraram que a hiperexpressão da
proteína do fator induzido pela hipóxia (HIF1alpha) era associada com um aumento no número
das cópias do gene HIF-1alpha e nível aumentado
de HIF-1alpha mRNA (Array CGH analysis of HIF1). O mecanismo de hiperexpressão parece baseado
na ativação do EGFR, justificando a presença de
hiperexpressão também em condições de normohipóxia. Assim, a célula poderia se preparar para
uma maior atividade funcional em ambiente hipóxico (Secades, 2009).
A agressividade biológica intrínseca de um
tumor hipóxico é explicada em parte pelo aumento
dos números de genes induzidos por hipóxia por
meio do HIF-1. Cerca de 50 genes são induzidos
pela hipóxia, via fator induzível pela hipóxia-1
(HIF-1). A proteína HIF-1 é estabilizada em tais
condições e se une às proteínas envolvidas na resposta à hipóxia como o fator de crescimento vascular endotelial (VGFR) (Kyzas, 2005), a proteína
transportadora de glicose 1 (GLUT-1) (Kunkel,
2003; Mineta, 2002) e a anidrase carbônica (AC IX)
(Koukoraski, 2001; Potter, 2004).
O gene CA IX é um dos mais induzíveis e mais
uniformemente induzidos e, devido a sua estabilidade e localização na membrana celular, é considerado um bom marcador de hipóxia. A sua
expressão se correlaciona com pobre resposta a
quimioterapia e radioterapia. Ele alcaliniza o meio
intracelular e acidifica o meio extracelular do tumor,
o que facilita a invasividade tumoral e a migração
celular (metástases), além de provocar resistência
aos quimioterápicos. A inibição da expressão do
32
abril/maio 2011 Onco&
CA IX faz o tumor ser sensível novamente tantos aos
quimioterápicos como à radioterapia (Thiry, 2006;
Pastorekova, 2006). A ativação do EGFR e da GLUT1 permite a indução de angiogenese e glicólise (Loncaster et al., 2001). Entre os fatores que podem
influir no prognóstico, destacam-se ainda a expressão das metaloproteinases (MMPs) 2 e 9, enzimas envolvidas no processo de degradação da
membrana basal da matriz extracelular. A atividade
proteolítica é relacionada à capacidade de invasão e
metástase (Rosenthal, 2006).
O problema dos tumores T4
Nos pacientes portadores de câncer de laringe que
não apresentam destruição importante do arcabouço laríngeo, as estratégias de preservação de
órgão não cirúrgicas permanecem como opções terapêuticas. Por outro lado, os pacientes portadores
de carcinomas espinocelulares T4 de laringe historicamente não são candidatos a preservação de órgão,
porque a invasão de cartilagem e a extensão extralaríngea são comumente consideradas contraindicação à preservação. Em pacientes com tumores
com extenso acometimento do espaço pré-epiglótico e paraglótico, destruição maciça da cartilagem ou extensa invasão subglótica ou com
importante extensão para partes moles, alguns autores recomendam que a preservação de órgãos seja
evitada, pois a curabilidade pode ser limitada e os
pacientes em que foi possível a preservação da
laringe apresentam sérios problemas para deglutição
e fonação. Por isso, nesses casos deve ser considerada a laringectomia total com radioterapia adjuvante como melhor tratamento (Jalisi et al., 2005).
Contrariamente aos resultados antes citados,
num estudo publicado em 2008 com 376 pacientes
portadores de carcinoma espinocelular de laringe
tratados com quimiorradioterapia, foram analisados
32 portadores de tumores T4 de laringe (29 supraglóticos). Destes, 23 foram classificados como T4
volumosos (20 por destruição da cartilagem
tireóidea e 3 por extensão para base de língua maior
que 1 cm). O controle locorregional nesses pacientes
foi semelhante, fosse o T4 considerado volumoso ou
não (71% x 70%). A sobrevida em quatro anos foi
de 56% nos casos considerados como T4 volumosos, com taxa de preservação de laringe de 81%.
A qualidade vocal foi avaliada em 20 pacientes, dos
quais 30% afirmavam qualidade vocal normal e
60% disfonia leve a moderada. Em relação à deglutição, 12 dos 20 pacientes necessitaram de gastrostomia durante o tratamento, mas somente três
continuaram seu uso após o término. Em 13 dos 20
pacientes foi necessária a realização de traqueostomia durante a quimiorradioterapia e 5 ainda permaneciam traqueostomizados após o término do
tratamento. Os autores desse estudo concluíram que
mesmo pacientes portadores de tumores T4 volumosos podem ser submetidos a tratamento quimiorradioterápico com altas taxas de preservação e
funcionamento laríngeo (Knab et al., 2008).
Em um estudo com 40 pacientes portadores de
carcinomas espinocelulares de laringe estádios III e
IV, sendo 11 pacientes tratados com quimiorradioterapia e 29 tratados com laringectomia total e radioterapia adjuvante, foi aplicado o questionário The
Functional Assessment of Cancer Therapy–Head and
Neck (FACT–H&N). Todos os pacientes estavam havia
pelo menos um ano livres de doença. Os pacientes
que foram submetidos ao tratamento cirúrgico apresentavam maior dificuldade para comunicação, e os
pacientes tratados com quimiorradioterapia apresentavam maiores queixas em relação à xerostomia, mas
não houve diferença significativa entre os grupos em
relação ao bem-estar físico, social, emocional e funcional (Trivedi et al., 2008). Outros autores demonstraram scores melhores em relação ao bem-estar
físico, social e funcional para o grupo tratado com
quimiorradioterapia (Boscolo-Rizzo et al., 2008).
Alguns protocolos têm utilizado quimioterapia de
indução para selecionar os pacientes. Aqueles que
apresentam resposta menor que 50% são tratados
com cirurgia, e os demais com associação de radioterapia e quimioterapia. Resultados desses estudos
comparando essas duas abordagens demonstraram
nos pacientes respondedores à quimioterapia de indução que o tratamento com quimiorradioterapia não
compromete o controle da doença nem a sobrevida e
permite a preservação da laringe em 40%-60% desses
pacientes (Lefebvre et al., 2009).
Em 2009, um estudo avaliou 32 pacientes, sendo
11 portadores de tumores EC T4 de laringe que
foram submetidos a quimioterapia de indução com
cisplatina ou carboplatina associado a 5-Fluorouracil
(5-FU), um ciclo, seguido de endoscopia. Destes,
quatro apresentaram resposta clínica e histológica
completa e foram tratados com quimioterapia exclusiva, 24 pacientes apresentaram resposta clínica parcial e foram tratados com radioquimioterapia e
outros quatro pacientes não apresentaram resposta à
quimioterapia de indução e foram tratados com
laringectomia, salvo um que não aceitou a cirurgia e
prosseguiu o tratamento com radioquimioterapia.
Nenhum dos quatro pacientes com resposta completa à quimioterapia de indução e que foram tratados
com quimioterapia exclusiva tiveram resposta duradoura – três persistiram com doença cervical e um
apresentou progressão local e cervical. Todos foram
tratados com cirurgia de resgate. Dos pacientes que
apresentaram resposta parcial à quimioterapia de indução e que foram tratados com quimiorradioterapia,
seis dos 24 pacientes apresentaram falha locorregional. O tempo de seguimento médio foi de 45,1 meses
e a sobrevida global estimada em três anos foi de
67,6%. A taxa de preservação da laringe foi de 78%.
Dos quatro pacientes que apresentaram resposta clínica completa após a quimioterapia de
indução, um estava vivo no terceiro ano de seguimento e três foram a óbito – um após a cirurgia de
resgate, um por metástase a distância e outro por
recorrência locorregional. Foi evidenciado que os
pacientes que apresentaram resposta completa no
tumor primário tiveram recorrência regional, sugerindo que a quimiossensibilidade do tumor
primário pode diferir das metástases.
Esses resultados demonstram que a efetividade
do tratamento regional deve incluir outra modalidade terapêutica, provavelmente o esvaziamento
cervical ou a radioterapia. A resposta a um único
ciclo de quimioterapia de indução pode identificar
pacientes candidatos a preservação de órgão com
altas taxas de sobrevida de preservação laríngea,
mas a quimioterapia não deve consistir em terapia
exclusiva (Divi et al., 2010).
“A principal razão
para o sucesso do
tratamento com
preservação de
órgão cirúrgica é
a manutenção da
funcionalidade
laríngea associada
a um efetivo controle tumoral.”
Conclusões
Nos tumores avançados que são irressecáveis, o tratamento padrão é a associação de quimioterapia com
radioterapia. Já nos casos ressecáveis persiste a controvérsia, sendo utilizadas no tratamento desses pacientes: quimioterapia de indução seguida da
associação de quimiorradioterapia ou quimiorradioterapia concomitantes apenas ou cirurgia seguida
de radioterapia ou radioquimioterapia.
Onco& abril/maio 2011
33
Referências bibliográficas
1. Dados Globocan 2002 disponíveisl em http://www-dep.iarc.fr/.
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