O papel da radiologia intervencionista no

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O papel da radiologia intervencionista
no diagnóstico e tratamento do câncer
O
S CUIDADOS COM O PACIENTE COM CÂNCER
Divulgação
VÊM EVOLUINDO DE FORMA IMPRESSIONANTE.
Charles Edouard Zurstrassen
* Médico diretor do Departamento
de Radiologia Intervencionista do
A.C.Camargo Cancer Center
Contato:
[email protected]
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MELHORIAS NAS TÉCNICAS CIRÚRGICAS, ESquemas quimioterápicos e na radioterapia têm
elevado de forma surpreendente a sobrevida e melhorado a qualidade de vida dos pacientes. Com os
avanços nos métodos de imagem e a necessidade
de buscar tratamentos mais eficazes e ao mesmo
tempo menos agressivos, vem crescendo na escola
oncológica a representatividade da radiologia intervencionista. Assim, é necessário conhecer métodos
de imagem, como a angiografia por subtração digital, a tomografia computadorizada e a ultrassonografia, isso associado ao conhecimento do arsenal
de instrumentação, que é fundamental, como cateteres, introdutores vasculares, drenos, balões, agulhas e próteses.
Neste texto, a proposta é demonstrar os principais tratamentos realizados pela radiologia intervencionista no cenário oncológico, aqui discriminados
em procedimentos vasculares e não vasculares, apenas para fins de entendimento.
Os procedimentos vasculares têm como base a
angiografia diagnóstica. Uma grande variedade de
situações em oncologia cursa com alterações do padrão vascular do órgão doente, o que nos permite
reforçar a hipótese diagnóstica e ainda realizar tratamento através do mesmo cateter.
Por meio dessas imagens conseguimos, por um
acesso vascular em um ponto remoto, nos guiar
pelo sistema circulatório, tanto arterial como venoso, a fim de alcançar o território alvo do estudo,
realizar o diagnóstico angiográfico e, dependendo
da situação, também realizar o tratamento.
Dos procedimentos intervencionistas vascula-
res, os mais utilizados pela especialidade em oncologia são a emboloterapia, as recanalizações vasculares e a quimioterapia intra-arterial.
A emboloterapia consiste na oclusão intencional
de um leito vascular definido através de um acesso
vascular à distância. Esse método pode ser empregado tanto no território arterial como venoso.
A embolização arterial é um dos procedimentos
mais realizados pela radiologia intervencionista na
oncologia. Quadros hemorrágicos em vísceras sólidas ou ocas são passíveis de tratamento eficaz, sem
a necessidade de explorações extensas. Para isso são
necessários um acesso vascular seguro e cateteres,
que, guiados por técnicas de angiografia, acessam
a área doente e, por meio da embolização, são capazes de interromper o sangramento.
Também é possível o tratamento do câncer através da embolização arterial. Com o uso da oclusão
superseletiva de um território vascular definido, podemos produzir necrose de tecido tumoral por intermédio da produção de efeito isquêmico. Entre as
lesões mais tratadas por esse método, podemos citar
o carcinoma hepatocelular e os tumores neuroendócrinos e colorretais metastáticos para o fígado.
No tratamento dos tumores hepáticos é frequentemente realizada a associação da embolização
com a quimioterapia intra-arterial, procedimento
chamado de quimioembolização transarterial. A administração de quimioterápicos diretamente no
tumor pela via arterial permite concentrações teciduais elevadas de droga, com menores concentrações sistêmicas e consequentemente menores efeitos colaterais. Associamos então o efeito isquêmico
da embolização com o citotóxico, da quimioterapia
intra-arterial.
Um procedimento cada vez mais frequente na
prática oncológica é a embolização superseletiva da
veia porta. Em pacientes candidatos a grandes ressecções do fígado, existe a preocupação de deixar
volume de tecido hepático suficiente para evitar a
insuficiência hepática no pós-operatório. Não é infrequente a necessidade de hepatectomias ampliadas, com a finalidade de ressecção de todo o tecido
tumoral, onde apenas dois segmentos hepáticos
estão livres de doença. Já é bem estabelecido que
existe risco importante de insuficiência hepática no
pós-operatório, quando o volume de fígado residual é inferior a 20% do volume total do fígado.
Essa proporção volumétrica é definida por tomografia ou ressonância nuclear magnética, na qual o
volume total do fígado e o futuro volume do fígado
remanescente são calculados. Nos pacientes submetidos à quimioterapia neoadjuvante e nos pacientes cirróticos, o remanescente hepático deve
corresponder a 30% e 40% do volume total do fígado, respectivamente.
O resultado da embolização superseletiva é o
desvio do fluxo portal para o território, produzindo
hipertrofia, com aumento do volume do tecido hepático. Depois de três a quatro semanas é realizado
novo estudo de imagem, no qual nova volumetria
é calculada. Alcançando-se os valores de segurança,
o paciente segue para a cirurgia de ressecção.
Quando tratamos pacientes oncológicos, não é
incomum observar territórios vasculares importantes comprometidos pelo câncer ou complicados
por seu tratamento, produzindo fenômenos isquêmicos – no caso das oclusões e estenoses arteriais –
e fenômenos congestivos – nas lesões vasculares venosas com comprometimento de seu fluxo.
Entre as lesões no território venoso podemos
citar a síndrome da cava superior, observada principalmente como complicação do câncer pulmonar
avançado, e as estenoses das anastomoses venosas,
como as de veia porta, ocorrendo em 2% dos casos
após o transplante do fígado.
Já no território arterial, a doença aterosclerótica,
observada principalmente em pacientes idosos, não
infrequentemente é causa de descompensação da
condição clínica nos pacientes oncológicos.
Com o intuito de restabelecer o fluxo sanguíneo
em um vaso com estenose significativa ou oclusão
total de sua luz, podemos lançar mão da angioplastia transluminal percutânea.
A angioplastia é um termo genérico. Ela pode
ser realizada por dilatação da lesão com um cateter
balão ou através do implante de uma prótese vascular, o stent. Na angioplastia com balão, posicionase o balão através da lesão para realizar a dilatação
da mesma. Nessa situação, o que ocorre é a fratura
da placa com ampliação da luz vascular. A angioplastia com balão é indicada nas lesões estenóticas
arteriais ou venosas.
O implante do stent justifica-se quando existe
um alto risco de oclusão com a angioplastia com
balão. Os stents são utilizados nas lesões vasculares
oclusivas de forma primária, ou quando ocorre dissecção ou recuo elástico após a dilatação pelo balão.
Eles também são indicados nas invasões vasculares
ou compressões extrínsecas. Um exemplo clássico
dessa situação é a invasão neoplásica da veia cava
superior na síndrome de cava superior.
Outra situação bastante interessante é a quimioterapia intra-arterial associada ao isolamento circulatório. Um exemplo dessa técnica é a infusão de
membro, utilizada no tratamento da metástase
em trânsito do melanoma acral de extremidades.
Quando a lesão é no membro inferior, realiza-se o
cateterismo superseletivo da artéria e veia femorais
do membro ipsilateral, e garroteia-se a raiz da coxa
com manguito de pressão. O sangue é então aspirado do sistema venoso, misturado com o quimioterápico, aquecido, e infundido pelo sistema arterial,
formando um sistema fechado. Terminado o tempo
de infusão, todo o efluente, contendo sangue e
quimioterápico, é drenado, descartado, sendo então
liberado o garrote. Através dessa técnica, é possível
conseguir altas concentrações de droga no tecido
tumoral, reduzindo significativamente a toxicidade sistêmica.
Pela técnica de infusão de membro conseguimos uma taxa de resposta completa de aproximadamente 40%. Além dos procedimentos vasculares
descritos acima, a radiologia intervencionista também conta com uma modalidade que podemos
chamar genericamente de procedimentos intervencionistas não vasculares. Os procedimentos não
“A embolização
arterial é um
dos procedimentos
mais realizados
pela radiologia
intervencionista na
oncologia. Quadros
hemorrágicos em
vísceras sólidas ou
ocas são passíveis
de tratamento eficaz,
sem a necessidade de
explorações extensas”
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vasculares têm como ponto em comum a utilização dos métodos de
imagem, como a fluoroscopia, o ultrassom ou a tomografia, como guias
para acesso de lesões antes só alcançadas através da cirurgia aberta.
As biópsias percutâneas exercem hoje um papel fundamental no
tratamento do câncer. A importância do diagnóstico histopatológico
consiste na correta identificação do tumor para programar então o tratamento específico. Com o auxílio do ultrassom ou da tomografia, podemos guiar uma agulha em tempo real através da pele, passando pelos
tecidos, até a lesão. Acessada a lesão, são coletadas amostras de tecido
e enviadas para análise.
plicados com a icterícia colestática. Também no cenário oncológico,
complicações de procedimentos cirúrgicos, como estenoses de derivações biliodigestivas e fístulas biliares, podem ser diagnosticadas e tratadas por procedimentos percutâneos.
Figura 2 Arteriografia superseletiva demonstra microcateterismo dos
ramos nutridores da lesão hepática hipervascular
Figura 1 Arteriografia hepática seletiva demonstra lesão hipervascular
em lobo hepático direito compatível com carcinoma hepatocelular
A ablação percutânea, especialmente a realizada por radiofrequência
(RF), consiste em um método de tratamento alternativo para várias neoplasias sólidas focais. Os benefícios desse método, quando comparados
com a cirurgia aberta, são menor morbidade, menor mortalidade, menor
custo e menor tempo de internação, além da possibilidade de inclusão
de pacientes de maior risco.
A ablação por RF consiste na produção de calor sobre o tecido tumoral, ocasionado pela resistência do tecido adjacente à energia por
RF. O sucesso de seu tratamento depende do balanço entre a completa
destruição do tecido tumoral e a redução de danos ao parênquima normal e às estruturas adjacentes. Excelentes resultados têm sido relatados
no tratamento de pequenas lesões hepáticas focais (< 3 cm de diâmetro). Também têm sido tratadas lesões focais nos pulmões e nos rins.
As colangiografias percutâneas, também chamadas de colangiografias transparietohepáticas, exercem papel fundamental no arsenal diagnóstico e terapêutico do carcinoma primário das vias biliares, assim
como no de outros tumores primários e secundários do fígado com-
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As colangiografias percutâneas são procedimentos invasivos e
envolvem riscos, sendo indicadas somente quando existem dúvidas a
respeito do diagnóstico ou como guia dos procedimentos biliares percutâneos. Os riscos são relacionados principalmente à instrumentação
da via biliar e à exposição ao meio de contraste.
Os procedimentos biliares percutâneos podem ser divididos em
três procedimentos principais: a drenagem biliar externa, a drenagem
biliar interna-externa e a drenagem biliar interna.
A drenagem biliar externa tem como principal finalidade tratar a
bile infectada antes de um procedimento definitivo, pela menor manipulação da via biliar.
No local de punção, avança-se um guia atraumático, que é posicionado próximo ao local de obstrução. Através desse guia avança-se
o dreno biliar. O dreno posicionado próximo à lesão permite o fluxo
de bile da via biliar para fora do paciente. Esse dreno é conectado a
um coletor estéril, onde a bile é então armazenada e depois descartada.
A drenagem biliar interna-externa é um procedimento mais trabalhoso e consequentemente mais arriscado, pois necessita da recanalização da doença biliar. No local de punção avança-se o guia até a obstrução
e, com movimentos delicados, tenta-se a passagem através da lesão, buscando-se a alça duodenal. Uma vez alcançada a alça, progride-se o dreno
sobre o guia, posicionando-se sua extremidade distal abaixo da papila
duodenal. A manipulação excessiva eleva o risco de infecção da via biliar,
assim como de apresentação de traumatismo e sangramento.
A drenagem interna-externa pode ser empregada em pacientes para
tratamento de estenoses benignas da via biliar, podendo ser também
realizada como ponte, precedendo a drenagem interna no paciente
com doença maligna irressecável. Em relação à drenagem externa, tem
a vantagem de permitir o fluxo fisiológico da bile para o duodeno.
A drenagem biliar interna é reservada para o tratamento da obstrução maligna irressecável. Entre os procedimentos descritos, é o mais
efetivo nesse cenário, com menor incidência de eventos como obstrução e colangite, além de proporcionar maior conforto ao paciente. Consiste na colocação definitiva de uma prótese metálica autoexpansível
sobre a lesão biliar, com o intuito de paliar a icterícia colestática.
Quando a lesão causadora da obstrução é passível de tratamento curativo através da ressecção, a presença do stent dificulta o procedimento cirúrgico e ele não deve ser implantado.
Comparando-se com a quimioterapia, a cirurgia e a radioterapia,
a utilização da radiologia intervencionista para tratamento do câncer
ainda é modesta, porém mantém-se em exponencial crescimento. No
Brasil, ainda são poucos os centros formadores de especialistas, e a
quantidade de mão de obra qualificada é muito pequena. Muita experiência vem sendo acumulada pelos centros de intervenção em oncologia em todo o mundo, e muitas situações obtiveram um progresso
Figura 3 Paciente com lesão pulmonar a esclarecer, submetido a biópsia percutânea guiada por tomografia. Imagem cedida gentilmente
por Rubens Chojniak, médico responsável pelo Departamento de Imagem do A.C.Camargo Cancer Center
surpreendente. Métodos de imagem, assim como o instrumental terapêutico, evoluem a cada dia e nos permitem hoje realizar tratamentos
mais complexos e com maior segurança, prevendo uma participação
cada vez maior da especialidade neste cenário.
Referências bibliográficas:
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5. Mourão S C, Baccin C E. Intervenção percutânea nas Vias Biliares. Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular. Revinter. 2006.
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