imagem O papel da radiologia intervencionista no diagnóstico e tratamento do câncer O S CUIDADOS COM O PACIENTE COM CÂNCER Divulgação VÊM EVOLUINDO DE FORMA IMPRESSIONANTE. Charles Edouard Zurstrassen * Médico diretor do Departamento de Radiologia Intervencionista do A.C.Camargo Cancer Center Contato: [email protected] 24 setembro/outubro 2013 Onco& MELHORIAS NAS TÉCNICAS CIRÚRGICAS, ESquemas quimioterápicos e na radioterapia têm elevado de forma surpreendente a sobrevida e melhorado a qualidade de vida dos pacientes. Com os avanços nos métodos de imagem e a necessidade de buscar tratamentos mais eficazes e ao mesmo tempo menos agressivos, vem crescendo na escola oncológica a representatividade da radiologia intervencionista. Assim, é necessário conhecer métodos de imagem, como a angiografia por subtração digital, a tomografia computadorizada e a ultrassonografia, isso associado ao conhecimento do arsenal de instrumentação, que é fundamental, como cateteres, introdutores vasculares, drenos, balões, agulhas e próteses. Neste texto, a proposta é demonstrar os principais tratamentos realizados pela radiologia intervencionista no cenário oncológico, aqui discriminados em procedimentos vasculares e não vasculares, apenas para fins de entendimento. Os procedimentos vasculares têm como base a angiografia diagnóstica. Uma grande variedade de situações em oncologia cursa com alterações do padrão vascular do órgão doente, o que nos permite reforçar a hipótese diagnóstica e ainda realizar tratamento através do mesmo cateter. Por meio dessas imagens conseguimos, por um acesso vascular em um ponto remoto, nos guiar pelo sistema circulatório, tanto arterial como venoso, a fim de alcançar o território alvo do estudo, realizar o diagnóstico angiográfico e, dependendo da situação, também realizar o tratamento. Dos procedimentos intervencionistas vascula- res, os mais utilizados pela especialidade em oncologia são a emboloterapia, as recanalizações vasculares e a quimioterapia intra-arterial. A emboloterapia consiste na oclusão intencional de um leito vascular definido através de um acesso vascular à distância. Esse método pode ser empregado tanto no território arterial como venoso. A embolização arterial é um dos procedimentos mais realizados pela radiologia intervencionista na oncologia. Quadros hemorrágicos em vísceras sólidas ou ocas são passíveis de tratamento eficaz, sem a necessidade de explorações extensas. Para isso são necessários um acesso vascular seguro e cateteres, que, guiados por técnicas de angiografia, acessam a área doente e, por meio da embolização, são capazes de interromper o sangramento. Também é possível o tratamento do câncer através da embolização arterial. Com o uso da oclusão superseletiva de um território vascular definido, podemos produzir necrose de tecido tumoral por intermédio da produção de efeito isquêmico. Entre as lesões mais tratadas por esse método, podemos citar o carcinoma hepatocelular e os tumores neuroendócrinos e colorretais metastáticos para o fígado. No tratamento dos tumores hepáticos é frequentemente realizada a associação da embolização com a quimioterapia intra-arterial, procedimento chamado de quimioembolização transarterial. A administração de quimioterápicos diretamente no tumor pela via arterial permite concentrações teciduais elevadas de droga, com menores concentrações sistêmicas e consequentemente menores efeitos colaterais. Associamos então o efeito isquêmico da embolização com o citotóxico, da quimioterapia intra-arterial. Um procedimento cada vez mais frequente na prática oncológica é a embolização superseletiva da veia porta. Em pacientes candidatos a grandes ressecções do fígado, existe a preocupação de deixar volume de tecido hepático suficiente para evitar a insuficiência hepática no pós-operatório. Não é infrequente a necessidade de hepatectomias ampliadas, com a finalidade de ressecção de todo o tecido tumoral, onde apenas dois segmentos hepáticos estão livres de doença. Já é bem estabelecido que existe risco importante de insuficiência hepática no pós-operatório, quando o volume de fígado residual é inferior a 20% do volume total do fígado. Essa proporção volumétrica é definida por tomografia ou ressonância nuclear magnética, na qual o volume total do fígado e o futuro volume do fígado remanescente são calculados. Nos pacientes submetidos à quimioterapia neoadjuvante e nos pacientes cirróticos, o remanescente hepático deve corresponder a 30% e 40% do volume total do fígado, respectivamente. O resultado da embolização superseletiva é o desvio do fluxo portal para o território, produzindo hipertrofia, com aumento do volume do tecido hepático. Depois de três a quatro semanas é realizado novo estudo de imagem, no qual nova volumetria é calculada. Alcançando-se os valores de segurança, o paciente segue para a cirurgia de ressecção. Quando tratamos pacientes oncológicos, não é incomum observar territórios vasculares importantes comprometidos pelo câncer ou complicados por seu tratamento, produzindo fenômenos isquêmicos – no caso das oclusões e estenoses arteriais – e fenômenos congestivos – nas lesões vasculares venosas com comprometimento de seu fluxo. Entre as lesões no território venoso podemos citar a síndrome da cava superior, observada principalmente como complicação do câncer pulmonar avançado, e as estenoses das anastomoses venosas, como as de veia porta, ocorrendo em 2% dos casos após o transplante do fígado. Já no território arterial, a doença aterosclerótica, observada principalmente em pacientes idosos, não infrequentemente é causa de descompensação da condição clínica nos pacientes oncológicos. Com o intuito de restabelecer o fluxo sanguíneo em um vaso com estenose significativa ou oclusão total de sua luz, podemos lançar mão da angioplastia transluminal percutânea. A angioplastia é um termo genérico. Ela pode ser realizada por dilatação da lesão com um cateter balão ou através do implante de uma prótese vascular, o stent. Na angioplastia com balão, posicionase o balão através da lesão para realizar a dilatação da mesma. Nessa situação, o que ocorre é a fratura da placa com ampliação da luz vascular. A angioplastia com balão é indicada nas lesões estenóticas arteriais ou venosas. O implante do stent justifica-se quando existe um alto risco de oclusão com a angioplastia com balão. Os stents são utilizados nas lesões vasculares oclusivas de forma primária, ou quando ocorre dissecção ou recuo elástico após a dilatação pelo balão. Eles também são indicados nas invasões vasculares ou compressões extrínsecas. Um exemplo clássico dessa situação é a invasão neoplásica da veia cava superior na síndrome de cava superior. Outra situação bastante interessante é a quimioterapia intra-arterial associada ao isolamento circulatório. Um exemplo dessa técnica é a infusão de membro, utilizada no tratamento da metástase em trânsito do melanoma acral de extremidades. Quando a lesão é no membro inferior, realiza-se o cateterismo superseletivo da artéria e veia femorais do membro ipsilateral, e garroteia-se a raiz da coxa com manguito de pressão. O sangue é então aspirado do sistema venoso, misturado com o quimioterápico, aquecido, e infundido pelo sistema arterial, formando um sistema fechado. Terminado o tempo de infusão, todo o efluente, contendo sangue e quimioterápico, é drenado, descartado, sendo então liberado o garrote. Através dessa técnica, é possível conseguir altas concentrações de droga no tecido tumoral, reduzindo significativamente a toxicidade sistêmica. Pela técnica de infusão de membro conseguimos uma taxa de resposta completa de aproximadamente 40%. Além dos procedimentos vasculares descritos acima, a radiologia intervencionista também conta com uma modalidade que podemos chamar genericamente de procedimentos intervencionistas não vasculares. Os procedimentos não “A embolização arterial é um dos procedimentos mais realizados pela radiologia intervencionista na oncologia. Quadros hemorrágicos em vísceras sólidas ou ocas são passíveis de tratamento eficaz, sem a necessidade de explorações extensas” Onco& setembro/outubro 2013 25 vasculares têm como ponto em comum a utilização dos métodos de imagem, como a fluoroscopia, o ultrassom ou a tomografia, como guias para acesso de lesões antes só alcançadas através da cirurgia aberta. As biópsias percutâneas exercem hoje um papel fundamental no tratamento do câncer. A importância do diagnóstico histopatológico consiste na correta identificação do tumor para programar então o tratamento específico. Com o auxílio do ultrassom ou da tomografia, podemos guiar uma agulha em tempo real através da pele, passando pelos tecidos, até a lesão. Acessada a lesão, são coletadas amostras de tecido e enviadas para análise. plicados com a icterícia colestática. Também no cenário oncológico, complicações de procedimentos cirúrgicos, como estenoses de derivações biliodigestivas e fístulas biliares, podem ser diagnosticadas e tratadas por procedimentos percutâneos. Figura 2 Arteriografia superseletiva demonstra microcateterismo dos ramos nutridores da lesão hepática hipervascular Figura 1 Arteriografia hepática seletiva demonstra lesão hipervascular em lobo hepático direito compatível com carcinoma hepatocelular A ablação percutânea, especialmente a realizada por radiofrequência (RF), consiste em um método de tratamento alternativo para várias neoplasias sólidas focais. Os benefícios desse método, quando comparados com a cirurgia aberta, são menor morbidade, menor mortalidade, menor custo e menor tempo de internação, além da possibilidade de inclusão de pacientes de maior risco. A ablação por RF consiste na produção de calor sobre o tecido tumoral, ocasionado pela resistência do tecido adjacente à energia por RF. O sucesso de seu tratamento depende do balanço entre a completa destruição do tecido tumoral e a redução de danos ao parênquima normal e às estruturas adjacentes. Excelentes resultados têm sido relatados no tratamento de pequenas lesões hepáticas focais (< 3 cm de diâmetro). Também têm sido tratadas lesões focais nos pulmões e nos rins. As colangiografias percutâneas, também chamadas de colangiografias transparietohepáticas, exercem papel fundamental no arsenal diagnóstico e terapêutico do carcinoma primário das vias biliares, assim como no de outros tumores primários e secundários do fígado com- 26 setembro/outubro 2013 Onco& As colangiografias percutâneas são procedimentos invasivos e envolvem riscos, sendo indicadas somente quando existem dúvidas a respeito do diagnóstico ou como guia dos procedimentos biliares percutâneos. Os riscos são relacionados principalmente à instrumentação da via biliar e à exposição ao meio de contraste. Os procedimentos biliares percutâneos podem ser divididos em três procedimentos principais: a drenagem biliar externa, a drenagem biliar interna-externa e a drenagem biliar interna. A drenagem biliar externa tem como principal finalidade tratar a bile infectada antes de um procedimento definitivo, pela menor manipulação da via biliar. No local de punção, avança-se um guia atraumático, que é posicionado próximo ao local de obstrução. Através desse guia avança-se o dreno biliar. O dreno posicionado próximo à lesão permite o fluxo de bile da via biliar para fora do paciente. Esse dreno é conectado a um coletor estéril, onde a bile é então armazenada e depois descartada. A drenagem biliar interna-externa é um procedimento mais trabalhoso e consequentemente mais arriscado, pois necessita da recanalização da doença biliar. No local de punção avança-se o guia até a obstrução e, com movimentos delicados, tenta-se a passagem através da lesão, buscando-se a alça duodenal. Uma vez alcançada a alça, progride-se o dreno sobre o guia, posicionando-se sua extremidade distal abaixo da papila duodenal. A manipulação excessiva eleva o risco de infecção da via biliar, assim como de apresentação de traumatismo e sangramento. A drenagem interna-externa pode ser empregada em pacientes para tratamento de estenoses benignas da via biliar, podendo ser também realizada como ponte, precedendo a drenagem interna no paciente com doença maligna irressecável. Em relação à drenagem externa, tem a vantagem de permitir o fluxo fisiológico da bile para o duodeno. A drenagem biliar interna é reservada para o tratamento da obstrução maligna irressecável. Entre os procedimentos descritos, é o mais efetivo nesse cenário, com menor incidência de eventos como obstrução e colangite, além de proporcionar maior conforto ao paciente. Consiste na colocação definitiva de uma prótese metálica autoexpansível sobre a lesão biliar, com o intuito de paliar a icterícia colestática. Quando a lesão causadora da obstrução é passível de tratamento curativo através da ressecção, a presença do stent dificulta o procedimento cirúrgico e ele não deve ser implantado. Comparando-se com a quimioterapia, a cirurgia e a radioterapia, a utilização da radiologia intervencionista para tratamento do câncer ainda é modesta, porém mantém-se em exponencial crescimento. No Brasil, ainda são poucos os centros formadores de especialistas, e a quantidade de mão de obra qualificada é muito pequena. Muita experiência vem sendo acumulada pelos centros de intervenção em oncologia em todo o mundo, e muitas situações obtiveram um progresso Figura 3 Paciente com lesão pulmonar a esclarecer, submetido a biópsia percutânea guiada por tomografia. Imagem cedida gentilmente por Rubens Chojniak, médico responsável pelo Departamento de Imagem do A.C.Camargo Cancer Center surpreendente. Métodos de imagem, assim como o instrumental terapêutico, evoluem a cada dia e nos permitem hoje realizar tratamentos mais complexos e com maior segurança, prevendo uma participação cada vez maior da especialidade neste cenário. Referências bibliográficas: 1. Belghiti J, Carr B, Greig P, Lencioni R, Poon R. Treatment before liver transplantation for HCC. Ann Surg Oncol. 2008;15:993–1000. 2. Kwan SW, Kerlan RK Jr, Sunshine JH. Utilization of Interventional Oncology Treatments in the United States. J Vasc Interv Radiol. 2010; 21:1054-60. 3. Bittles MA, Hoffer FA. Interventional radiology and the care of the pediatric oncology patient. Surg Oncol. 2007 ;16:229-33. 4. Ray CE Jr. Interventional radiology in cancer patients. Am Fam Physician. 2000.1;62:95-102. 5. Mourão S C, Baccin C E. Intervenção percutânea nas Vias Biliares. Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular. Revinter. 2006. Onco& setembro/outubro 2013 27