ISSN: 1981-8963 DOI: 10.5205/reuol.3529-29105-1-SM.0709201310 Piriz MA, Mesquita MK, Ceolin T et al. Informantes folk em plantas medicinais e as… ARTIGO ORIGINAL INFORMANTES FOLK EM PLANTAS MEDICINAIS E AS PRÁTICAS POPULARES DE CUIDADO À SAÚDE FOLK INFORMANTS ON MEDICINAL PLANTS AND THE POPULARS PRACTICES OF HEALTH CARE INFORMANTES FOLK EN PLANTAS MEDICINALES Y LAS PRÁCTICAS POPULARES DE CUIDADO DE LA SALUD Manuelle Arias Piriz1, Marcos Klering Mesquita2, Teila Ceolin, Marjoriê da Costa Mendieta 3, Rita Maria Heck4 RESUMO Objetivos: identificar os informantes folk e caracterizar as práticas terapêuticas no cuidado à saúde por meio de plantas medicinais. Método: trata-se de estudo qualitativo, descritivo e exploratório. Os sujeitos foram 3 agricultoras indicadas como grandes conhecedoras de plantas medicinais em uma comunidade rural de um município da região Sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu em julho e agosto de 2011, com utilização de entrevista semiestruturada (gravada), observação sistemática e fotografia das plantas medicinais, elaboração de genograma e ecomapa das famílias e o georreferenciamento dos locais das entrevistas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, sob o Parecer n. 072/2007. Resultados: as entrevistadas apresentaram grande conhecimento sobre o tema, citando 116 plantas medicinais utilizadas no cuidado à saúde, e esse saber foi adquirido, principalmente, no ambiente familiar. Conclusão: as informações reforçam a necessidade de o enfermeiro trabalhar sob a perspectiva do cuidado integral, respeitando as diferenças e o contexto social das pessoas. Descritores: Plantas Medicinais; Saúde da População Rural; Enfermagem. ABSTRACT Objectives: to identify the folk informants and characterize the therapeutic practices in health care through medicinal plants. Method: this is a qualitative, descriptive, and exploratory study. The subjects were 3 female farmers indicated as great connoisseurs of medicinal plants in a rural community in a town in the South Brazilian region. Data collection took place in July and August 2011, by using a semi-structured interview (recorded), systematically observing and photographing medicinal plants, preparing a genogram and an eco-map of families, and georeferencing the interviews’ location. The study was approved by the Research Ethics Committee of the School of Medicine of Universidade Federal Pelotas, under the Opinion 072/2007. Results: the women interviewed showed a great knowledge on the theme, citing 116 medicinal plants used in health care, and this knowledge was mainly acquired in the family environment. Conclusion: information reinforces the need that the nurse works from the integral care perspective, respecting the differences and the social context of people. Descriptors: Medicinal Plants; Rural Health; Nursing. RESUMEN Objetivos: identificar los informantes folk y caracterizar las prácticas terapéuticas en la atención a la salud por medio de plantas medicinales. Método: esto es un estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio. Los sujetos fueron 3 agricultoras indicadas como grandes conocedoras de plantas medicinales en una comunidad rural en una ciudad de la región Sur de Brasil. La recogida de datos se llevó a cabo en julio y agosto de 2011, con utilización de entrevista semi-estructurada (grabada), observación sistemática y fotograbación de plantas medicinales, preparación de genograma y eco-mapa de las familias y georeferenciación de los locales de las entrevistas. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación de la Facultad de Medicina de la Universidade Federal de Pelotas, bajo la Opinión 072/2007. Resultados: las encuestadas presentaron un gran conocimiento acerca del tema, citando 116 plantas medicinales utilizadas en la atención a la salud, y ese conocimiento fue adquirido, principalmente, en el ambiente familiar. Conclusión: las informaciones refuerzan la necesidad de que el enfermero trabaje desde la perspectiva de la atención integral, respetando las diferencias y el contexto social de las personas. Descriptores: Plantas Medicinales; Salud Rural; Enfermería. 1 Enfermeira, Mestranda em Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas/PPPGENF/UFPel. Pelotas (RS), Brasil. E-mail: [email protected]; 2Enfermeiro, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas (RS), Brasil. E-mail: [email protected]; 3Enfermeira, Professora Mestre em Enfermagem, Faculdade de Enfermagem/UFPel. Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas/PPPGENF/UFPel. Pelotas (RS), Brasil. Pelotas (RS), Brasil. E-mail: [email protected]; 4Enfermeira, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas (RS), Brasil. E-mail: [email protected]; 5 Enfermeira, Professora Doutora em Enfermagem, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas/UFPel. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem/UFPel Nível mestrado/doutorado. Pelotas (RS), Brasil. E-mail: [email protected] Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(9):5435-41, set., 2013 5435 ISSN: 1981-8963 Piriz MA, Mesquita MK, Ceolin T et al. INTRODUÇÃO Ao longo dos séculos, produtos de origem vegetal constituíram as bases para tratamento de diversas doenças, quer de forma tradicional, devido ao conhecimento das propriedades de determinada planta, que é passado de geração a geração, quer pela utilização de espécies vegetais como fonte de moléculas ativas.1 Nesta perspectiva, levar em conta as diferentes práticas socioculturais permite ao profissional de saúde compreender a maneira de pensar e agir dos indivíduos frente aos seus problemas de saúde, facilitando a comunicação entre eles, e possibilitando um cuidado coerente que favoreça a promoção da saúde e a formulação de políticas e programas voltados às reais necessidades destas populações.2 O sistema de cuidado à saúde pode ser dividido em três setores, o profissional, o folk e o popular. O profissional engloba as profissões de cura legalmente conhecidas e que seguem o modelo biomédico de assistência. No folk, encontramos profissionais de cura não reconhecidos por lei e que utilizam plantas medicinais, manipulações, exercícios e xamanismo. No popular, as pessoas do círculo familiar, amigos e vizinhos utilizam-se do senso comum, suporte emocional e práticas religiosas.3 As condições de saúde de determinada população refletem os fatores estruturais e simbólicos que trazem a percepção social do processo saúde e doença.4 Assim, após a implantação da Estratégia de Saúde da Família, no Brasil, os profissionais de saúde passaram a atuar de modo a contemplar não só o indivíduo e sua doença, mas a pensar um cuidado que visa promover à saúde de toda a família e comunidade, principalmente por meio da prevenção de doenças.5 A enfermagem, enquanto profissão do cuidado, precisa direcionar suas práticas a fim de ofertar um cuidado mais humano e integral aos usuários dos sistemas de saúde, compreendendo que as práticas populares de atenção possuem característica transcultural, perpassando por diversas culturas. Assim, os estudos etnobotânicos sobre plantas medicinais utilizadas por comunidades podem alicerçar estudos farmacológicos, fitoquímicos e agronômicos, promovendo significativa economia de tempo e dinheiro. Desse modo, é possível planejar a pesquisa realizada com conhecimentos empíricos, consagrados pelo uso contínuo e que devem ser testados em bases científicas.6 Outra perspectiva é que os informantes folk em plantas medicinais devem Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(9):5435-41, set., 2013 DOI: 10.5205/reuol.3529-29105-1-SM.0709201310 Informantes folk em plantas medicinais e as… ser considerados parte do sistema de cuidado à saúde, para que ocorra uma aproximação entre os saberes populares e as práticas da enfermagem. Neste contexto, o Brasil busca estabelecer diretrizes na área de plantas medicinais e saúde pública, como a aprovação em 2006 da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS) e da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Esta última, constitui parte essencial das políticas públicas de saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico e social como um dos elementos fundamentais para implementar ações capazes de promover melhorias na qualidade de vida da população.7 Desta forma, esta pesquisa justifica-se pela necessidade de intensificar os estudos acerca do uso de plantas medicinais por comunidades e inserir a enfermagem neste contexto, levando em conta os preceitos legais e seguros da utilização e a importância dos enfermeiros no aconselhamento sobre o uso correto destas terapias, embasando-se em estudos científicos de comprovação da eficácia dos compostos utilizados e nas políticas públicas que permeiam as práticas complementares. Para que a utilização das plantas medicinais seja reconhecida e valorizada na atenção primária à saúde como prática terapêutica fundamental e não apenas se atribua seu uso ao conhecimento popular e familiar, fora dos serviços de saúde.8 Os objetivos deste estudo são: Identificar os informantes referência (folk) em plantas medicinais; Caracterizar as práticas terapêuticas utilizadas no cuidado à saúde por meio das plantas medicinais. MÉTODO Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo9-10 que faz parte do projeto de pesquisa Plantas bioativas de uso humano por famílias de agricultores de base ecológica da Região Sul do Rio Grande do Sul, enfocando o uso de plantas medicinais utilizadas na saúde humana por pessoas referência neste assunto, em comunidades rurais. A pesquisa vem sendo desenvolvida desde o ano de 2007 pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas/Brasil e pela Embrapa Clima Temperado. O estudo foi realizado nos domicílios dos sujeitos, em um distrito rural da cidade de Pelotas, localizada na região Sul do Brasil. A comunidade rural situa-se a 31,5 km da área 5436 ISSN: 1981-8963 DOI: 10.5205/reuol.3529-29105-1-SM.0709201310 Piriz MA, Mesquita MK, Ceolin T et al. Informantes folk em plantas medicinais e as… urbana e caracteriza-se por ter uma população de maioria idosa, onde grande parte das famílias tem sua renda proveniente da produção de tabaco (Nicotiana tabacum). A referência quando se trata de agravos à saúde é a equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF). preparação de exsicatas, as quais foram utilizadas para identificação botânica. Os locais das entrevistas e as plantas citadas foram georreferenciados por meio de GPS (Global Positioning System) de navegação. A coleta de dados ocorreu nos meses de julho e agosto de 2011. Os sujeitos foram agricultoras, indicadas pela equipe da ESF e por usuários de grupos do Programa de Cadastramento de Hipertensos e Diabéticos (HiperDia) da Unidade Básica de Saúde (UBS), por possuírem grande conhecimento sobre plantas medicinais. Cabe ressaltar que, os profissionais desta ESF estão bastante integrados no contexto de plantas medicinais, buscando a implantação de um Horto Medicinal na UBS. Foram respeitados todos os preceitos éticos e legais da pesquisa em enfermagem, bem como a Resolução 196/96 de competência do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde que emana diretrizes sobre pesquisa com seres humanos.12 A partir da indicação, foi feita uma lista com os nomes, endereços e telefones dos sujeitos e então realizado o contato por telefone. Os instrumentos de pesquisa para coleta de dados foram a entrevista semiestruturada gravada, observação sistemática e a construção do genograma e ecomapa das famílias.11 Os sujeitos da pesquisa assinaram o Consentimento Livre e Esclarecido e o projeto recebeu parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Pelotas, Of. 072/2007. RESULTADOS Os sujeitos participantes do estudo totalizaram três agricultoras, as quais estão caracterizadas na Figura 1. Com relação às plantas medicinais, foi realizado registro fotográfico in loco. Em caso de dúvida do nome da planta, com a autorização da família do agricultor, foram coletados ramos em fase reprodutiva para Sujeito Idade (anos) Descendência Escolaridade Religião Atividades que realiza na propriedade Tempo que trabalha com plantas H.S.B. 79 Alemã Ensino fundamental completo Luterana Plantar, produção de leite e queijo e cuidar dos animais. 12 anos Luterana Evangélica I.P.U. 56 Alemã Ensino fundamental incompleto F.R. 82 Brasileira Alfabetizada Produção de leite, barrinhas de cereais, pão de abóbora, batatadoce, sucos, doces, conservas e cuidar dos animais. Plantação para Cooperativa Sul Ecológica. Plantar e cuidar da horta. 20 anos 60 anos Figura 1. Caracterização dos sujeitos abordados na pesquisa. Pelotas, RS, Brasil, 2011. Nesta pesquisa, todas as informantes eram mulheres e foram citadas como grandes conhecedoras de plantas medicinais. As três agricultoras já trabalham com as plantas medicinais há bastante tempo, o que faz com que possuam um vasto conhecimento. Quando questionadas com quem aprenderam a utilizar as plantas medicinais, a família foi citada como a principal fonte de informações. As mulheres abordadas são pessoas muito influentes na comunidade, sabem expor suas ideias de maneira diferenciada, denotando conhecimento superior aos demais agricultores da região sobre as plantas medicinais. Nos livros, nas reuniões, nos cursos. Eu depois vou te mostrar toda a minha gama de certificados que eu tenho (H.S.B, 79). Sim, nos livros [...]. Então, já vários cursos, encontros, até ganhamos um certificado também das plantas medicinais [...] (I.P.U, 56) No presente estudo, foram referidas 116 plantas medicinais, totalizando 144 citações etnobotânicas. Quanto à forma de preparo, predominou a infusão das folhas. A maioria das espécies é obtida na horta e quintal das residências dos sujeitos. A Figura 1 demonstra as oito plantas medicinais mais citadas pelas agricultoras. Nota-se também a influência da utilização de livros e cursos no aprendizado destas mulheres, como descrito nas falas a seguir: Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(9):5435-41, set., 2013 5437 ISSN: 1981-8963 DOI: 10.5205/reuol.3529-29105-1-SM.0709201310 Piriz MA, Mesquita MK, Ceolin T et al. Nome Popular Alecrim Arruda Bálsamoalemão Funcho Guaco Nome Científico Indicação Rosmarinus officinalis Utilizado para melhorar a memória e a circulação Galhos Ruta graveolens Pulgas, piolhos. Para o tratamento de infecções, dor de cabeça, inchaço e varizes. Folhas Crassulaceae sp. Indicado para tratar gastrite, bronquite, tosse, rinite e problemas nos olhos. Cura dor de ouvido. Foeniculum vulgare Para limpeza do sangue, tratamento dos vermes e barriga inchada em crianças Mikania sp. Utilizado como calmante e para tratar a tosse Picão-preto Bidens pilosa Sabugueiro Sambucus australis Tansagem Informantes folk em plantas medicinais e as… Plantago sp. Como antibiótico no tratamento de infecções. Lágrimas (infecção) nos olhos de recémnascidos. Para problemas renais. Para tratar sarampo e “sapinho” (Candida sp.) em crianças Usada como antibiótico para tratar infecções, problemas de garganta e intestinais Parte Utilizada Modo de Preparo Chá ou preparado no vinho (1 L de vinho, 1 copo de mel, 1 punhado de alecrim. Lava e seca o alecrim, passa no álcool de cereais. Faz a mistura e toma por um ano). Chá. Deixar curtir no álcool. Para o tratamento de varizes fazer o “pédilúvio” - botar em uma lata funda, água com o chá da planta em uma temperatura de 40ºC e colocar os pés até o joelho lá dentro. Para inchaço, fritar as folhas com banha de porco e fazer afumentação. Dose 1 cálice de manhã e 1 à noite. -- Folhas Chá. Fazer as gotas milagrosas e pingar no ouvido para dor. Para tosse, cortar a folha e por em um copo com 1 colher de açúcar cristal, deixar em repouso, até virar só a casquinha e o líquido dele formar o xarope. Para gastrite, 2a3 folhas em um copo de leite, tomar por 7 dias. Folhas Bater no liquidificador um punhado de folhas com um 1 copo de água. Chá. 3 vezes ao dia. Folhas Xarope, bala, chá. O xarope preparar com mel colocar tudo junto (o guaco e o mel). 1 colher de sopa em uma xícara d’água. Folhas Chá. Se as folhas estiverem secas a quantidade usada é menor. 1 colher para 1 xícara. Folhas Chá à noite. 1 colher para 1 xícara Chá. 1 colher para 1 xícara ou mastigar a folha. Semente /folhas Figura 2. As plantas medicinais mais citadas pelos sujeitos do estudo. Pelotas, RS, Brasil. 2011. Ao relatarem sobre como fazem a identificação das plantas medicinais, as agricultoras responderam: estão inseridas, através de grupos, rádio comunitária e demais espaços, como lemos nas falas a seguir: Pelo cheiro, pela folha e pela flor. (H.S.B.,79). Eu apanho e tem que ver por baixo das folhas, por cima pra ver se é a mesma coisa, se a nervura que eles dizem. Tem que ser, porque tem o chinchilo com a erva-de-bugre, são parecidos e aquela é tóxica. (I.P.U., 56) Olha, um pouco é, todas as segundas-feiras de manhã pela rádio. E nas reuniões que a gente faz, principalmente agora nós queremos reativar o grupo Espinheira-santa e tudo [...]. Então, se tem aquela reunião, ali na reunião ninguém sabe nada e todos são ouvidos. Porque alguma coisinha que eu não sei, elas podem saber. (H.S.B.,79) Estas falas reforçam o cuidado que as entrevistadas têm ao identificarem as plantas medicinais, observando e buscando identificálas morfologicamente. Quanto à transmissão do saber sobre plantas medicinais atualmente, duas agricultoras afirmaram que aquela não está acontecendo, porém uma delas refere repassar seus conhecimentos aos familiares. Ficou evidente que o repasse de conhecimento ocorre de forma mais efetiva para a comunidade na qual as agricultoras Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(9):5435-41, set., 2013 Sim, ali pra Cabana (espaço comunitário) também, então eles sempre procuram eu, que eu estou mais por dentro pra fazer as tinturas e os xaropes, tudo que eu sei. (I.P.U., 56) Outros locais como o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA), a igreja e a equipe de saúde da ESF, também foram citados como difusores de conhecimentos sobre plantas medicinais. No que se refere à resolutibilidade e acesso aos serviços de saúde, as três entrevistadas 5438 ISSN: 1981-8963 Piriz MA, Mesquita MK, Ceolin T et al. utilizam o SUS e frequentam quando necessário às unidades de ESF próximas as suas residências. Ao serem questionadas sobre como o sistema oficial de saúde vê as terapias alternativas de cuidado à saúde, responderam: Ora, de vez em quando o Dr. F., quando ele tem alguém com erisipela, com um cobreiro brabo, aí ele manda pra cá, porque ele sabe que isto aí eles não tem o que fazer. Mas até que a saúde (serviços de saúde) não tá muito de acordo com nós não, porque tá caindo grana grossa das multinacionais, porque eles não querem perder. (H.S.B., 79) [...] Por que o pessoal não está acreditando, e o pessoal da Medicina, muitos são completamente contra, então, eles fazem uma lavagem cerebral no aluno (acadêmico de medicina) e aquele vai levando para os outros e vai passando. Porque a planta medicinal, desde que eu me conheço por gente, era sempre usada. Por que hoje não? Por causa das multinacionais [...] (H.S.B., 79) Estas falas demonstram o entendimento destas mulheres acerca do motivo para o não estímulo do uso de terapias alternativas no cuidado à saúde dentro do sistema oficial e que ainda existe distanciamento entre as práticas populares e as empregadas dentro do SUS no Brasil. As plantas medicinais apresentam-se como uma possibilidade mais barata e de fácil acesso aos usuários, em relação aos fármacos sintéticos. A fala a seguir evidencia o entendimento da relação custo e benefício das plantas. Esta entrevistada cobra um valor para fornecer os preparados à base de plantas medicinais devido aos custos dos materiais. [...] Então, muitas vezes com R$ 5,00 a pessoa se cura, então alguns ficam até com vergonha, de dizer que vieram aqui e se curaram. (H.S.B.,79). Analisando os dados emergentes do estudo, nota-se que estas agricultoras são referência no conhecimento e cuidado com plantas medicinais na comunidade em que vivem, fazendo parte do sistema informal de saúde. Aprenderam a utilizar as plantas por meio do conhecimento familiar, mas também se utilizam de outros meios como os livros e cursos para este aprendizado. Reconhecem que as plantas medicinais são uma alternativa mais barata e eficaz e que o conhecimento, atualmente, não está sendo repassado de forma efetiva, ressaltando em algumas falas que o sistema de saúde brasileiro ainda encontra-se distanciado do uso de terapias alternativas no cuidado à saúde. Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(9):5435-41, set., 2013 DOI: 10.5205/reuol.3529-29105-1-SM.0709201310 Informantes folk em plantas medicinais e as… DISCUSSÃO Analisando a maior ocorrência do sexo feminino nesta pesquisa, acredita-se que estas parecem mais predispostas ao emprego de chás e remédios naturais. Portanto, as mulheres podem ser consideradas cuidadoras por excelência, pois culturalmente foram escolhidas para a realização dos cuidados no seio familiar.13 Já o perfil de pessoas mais idosas pode ser entendido como favorável aos estudos que abordam o tema de plantas medicinais no cuidado à saúde, pois possivelmente estas são as maiores detentoras deste saber, por se tratar de um conhecimento adquirido ao longo do tempo e das gerações.13 Percebeu-se também no estudo a grande influência familiar na transmissão do conhecimento sobre estas práticas. Este resultado assemelha-se a outra pesquisa14 na qual o conhecimento a respeito de plantas era transmitido principalmente por meio das gerações familiares, de forma oral. A busca de informações em livros, referida pelas agricultoras, também foi evidenciada em outros estudos, como aquele realizado em Ariquemes/Rondônia, com pessoas de prestígio na comunidade por conhecerem plantas medicinais, pois a maior parte de seus saberes foi adquirida através de livros.15 Entre as 116 plantas medicinais citadas neste estudo, 25 estão presentes na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 10 de 2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a qual lista 66 plantas medicinais com comprovações para variados sintomas através de estudos científicos, bem como dose, preparação e contraindicações.16 Dessa forma, compreende-se que o sistema de cuidado popular possui um foco humanístico, com ênfase em fatores familiares, práticos, econômicos e sociais, enfatizando a realização do cuidado. Em contraponto, o sistema de cuidado profissional possui um foco científico, dando destaque a fatos não familiares, menos práticos e abstratos, priorizando a cura com alguns cuidados. Nesta perspectiva, a enfermagem precisa se aproximar das práticas populares de cuidado e desta forma romper com o paradigma do modelo biomédico de atenção. Com isso, existe a necessidade que a formação acadêmica seja voltada à promoção da saúde e não apenas a recuperação. O Conselho Federal de Enfermagem (COFEn) do Brasil, através da resolução 197/1997, reconhece as terapias 5439 ISSN: 1981-8963 Piriz MA, Mesquita MK, Ceolin T et al. alternativas/complementares como especialidade e/ou qualificação do profissional enfermeiro. Para isso, o profissional deverá ter concluído um curso com carga horária total de 360 horas, os quais ainda existem em pequeno número no país.17 Outra limitação, para a prática da enfermagem com a utilização de plantas medicinais, é a falta de mais estudos científicos que elucidem os potenciais das ervas utilizadas, sendo que, à medida que forem sendo realizados, darão base para sua inserção na atenção primária à saúde.18 Outra perspectiva é que atualmente existem vários documentos já publicados pelo Ministério da Saúde, nos quais o enfermeiro pode embasar-se para a aplicação das terapias complementares. Para isso, é preciso interesse dos profissionais e a vontade de aprender sobre novas técnicas e terapias, sendo um grande desafio para a enfermagem moderna, o qual poderá trazer bons resultados, se bem implementado. É preciso refletir sobre essas implicações no cuidado de enfermagem e trazer à tona esta discussão nos espaços acadêmico e profissional, para que esta prática comece a fazer parte do cotidiano dos enfermeiros e demais profissionais da saúde, realizando um cuidado à saúde que articule o saber científico e o popular. CONCLUSÃO Este estudo apresenta considerável relevância, pois realizou resgate cultural acerca das plantas medicinais utilizadas no cuidado e manutenção da saúde dos indivíduos. Logo, valorizou o saber popular e os profissionais de cura (folk) não reconhecidos pelo sistema oficial de saúde. Entre os resultados encontrados, percebeuse a grande utilização de plantas medicinais cujo conhecimento é adquirido principalmente no ambiente familiar e no aprendizado através de livros e cursos, sendo que a mulher é a principal detentora do saber. Estas agricultoras possuem grande influência na comunidade onde vivem e se tornaram fontes de conhecimento e cuidado para diversos agravos à saúde. Elas percebem ainda que, o sistema oficial de saúde não está, na maioria das vezes, interligado às plantas medicinais, pois os profissionais desacreditam do poder curativo das plantas. Os resultados obtidos evidenciaram que o uso das plantas medicinais tem seu uso amplamente difundido e aceito pela população rural do município. Assim, como previsto nas Políticas de Saúde em que se Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(9):5435-41, set., 2013 DOI: 10.5205/reuol.3529-29105-1-SM.0709201310 Informantes folk em plantas medicinais e as… embasou este estudo, faz-se necessário e urgente que o Brasil construa uma rede de esforços para o desenvolvimento de medidas voltadas à melhoria da atenção à saúde, ao fortalecimento da agricultura familiar, à inclusão social e o investimento de recursos para a inserção das práticas complementares de cuidado nos serviços públicos de saúde. AGRADECIMENTOS Estudo realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Brasil (CNPq). REFERÊNCIAS 1. Carvalho ACB, Silveira D. Drogas vegetais: uma antiga nova forma de utilização de plantas medicinais. Brasília med [Internet]. 2010 [cited 2013 Apr 20];48(2):219-37. Available from: http://www.ambr.com.br/rb/arquivos/16.pdf . 2. Rosa LM, Silva AMF, Pereima RSMR, Santos SMA, Meirelles BHS. 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