uma análise a partir de queixas

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Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2014. ISSN 2317-9759
CONFIGURAÇÕES DOS DISCURSOS SOBRE QUESTÕES RACIAIS EM PONTA
GROSSA: UMA ANÁLISE A PARTIR DE QUEIXAS (NOTITIA CRIMINIS) 1
FERREIRA, Sabrina Heloisa Meira
SILVA, Ione Jovino da
Introdução
A Organização das Nações Unidas trouxe em 1948, a Declaração dos Direitos
Humanos, ratificada pelo Brasil em 27 de agosto de 1968,2 essa declaração caracteriza-se com
um verdadeiro divisor de águas, como menciona o Professor Almiro de Sena Soares Filho:
A declaração de direitos humanos da ONU significou um divisor de águas na
história da evolução e efetivação dos direitos e garantias fundamentais da
pessoa humana, porque a partir dela, estabeleceu-se a concepção dos direitos
humanos, sob o enfoque da especialização dos direitos e dos sujeitos a que
se destinam. Percebe-se então, a necessidade de proteção especifica aquelas
populações, grupos ou indivíduos afrodescendentes ou oriundos dos povos
do continente africano, uma vez que esse povo foi, historicamente, agredido,
de diversas formas, em sua dignidade. 3 (sic).
Ante ao exposto mencionado pelo Professor Almiro, faz-se mister, descrever sobre a
realidade no Brasil, isto é, o Brasil trata-se de um País com população miscigenada. Diante de
tal miscigenação de populações ora mencionada, calcula-se que podem existir conflitos.
Conflitos esses, que na maioria das vezes, caracterizam-se e possuem como consequência:
questões envolvendo crimes (fatos típicos ilícitos) referentes a alguma espécie de preconceito
ou discriminação, proveniente de cor, raça, etnia etc. Contudo, conhecer e posteriormente
distinguir os crimes (fatos típicos ilícitos) que possuem como consequência atingir alguém de
alguma forma, tendo como base suas características físicas, faz-se necessário para o
desenvolvimento do tema do presente trabalho.
Legislação Brasileira
Inicia-se, citando as normas brasileiras que tratam de tal matéria objeto do presente
exposto: O Código Penal Brasileiro, e a Lei 7.716/1989, complementada pela Lei nº 9.459,
de 13 de maio de 1997, trazem em seu teor, os fato típicos que dizem respeito a questões
ligadas a discriminação e preconceitos relacionados com os chamados fatores raciais, o
primeiro faz menção ao fato típico reconhecido como Injúria preconceituosa (qualificada),
presente em seu artigo 140 § 3º:
Art. 140 § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à
raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou
portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003).
1
O trabalho em tela é, fruto do projeto de iniciação cientifica: PROVIC/ FUNDAÇÃO ARÁUCARIA que
possui como título do plano de trabalho: Configurações dos discursos sobre questões raciais em Ponta
Grossa: uma análise a partir de queixas e processos, título da linha de pesquisa: Desigualdades no plano
simbólico: representação de diferenças em diversas linguagens. Orientadora: Professora Doutora Ione Jovino
da Silva.
2
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948
3
SOARES, Almiro de Sena Filho. Estudo da Legislação Penal de Combate ao Racismo. Disponível em:
http://www.mpdft.mp.br/pdf/unidades/nucleos/ned/Estudo_legislacao_penal_combate_racismo.pdf
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Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de
1997)4 (grifo nosso). 5
O Segundo fato típico que prevê tal matéria, como trata-se de uma Lei especifica traz
vários fatos típicos que possuem como consequência a discriminação ou preconceito referente
à cor, raça, etnia e etc. Contudo, como o objeto do presente trabalho, norteia-se em analisar as
queixas (notitia criminis) presentes na Comarca de Ponta Grossa, citar-se-á, apenas os fato
típico da mencionada lei, que foi de certa forma, subsumido aos casos concretos da
mencionada cidade, os quais posteriormente serão objetos de estudo.
Diante disso, faz-se menção ao artigo 20 da mencionada lei 7.716/1989, que possui
certas semelhanças com o artigo 140 § 3º do Código Penal mencionado anteriormente,
contudo traz demais condutas que podem ser subsumido ao presente fato típico:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela
Lei nº 9.459, de 15/05/97).(grifo nosso). Pena: reclusão de um a três anos e
multa. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)6
Com base no exposto, percebe-se que em vários momentos os fatos típicos ora citados,
especialmente os conceitos (em grifo), fazem menção a: Raça, etnia, cor, preconceito,
discriminação. Percebe-se, que tais subjetivos não são sinônimos ou algo do gênero. Sendo
assim, é necessário distinguir tais subjetivos. Nucci em sua obra Leis Penais e processuais
penais comentadas faz tal distinção:
Discriminar como regra significa estabelecer diferença entre seres e coisas
com prejudicial idade para a parte inferiorizada. O termo possui forte carga
negativa, inclusive emocional. Discrimina-se o ser humano considerado
indesejado em determinado ambiente por alguma razão. 7
Preconceito é a opinião formada a respeito de algo ou alguém sem cautela de
maneira açodada, portanto sem maiores dados ou detalhes em torno do
objeto de análise levando a julgamentos precipitados, invariavelmente
injustos, provocadores de aversão a determinadas pessoas ou situações. 8
Raça em sentido simplista, consultando-se determinado dicionário como:
“conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele,
a formação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo etc., são semelhantes e se
transmitem por hereditariedade, embora variem de individuo para
individuo”.9
Diferenciação entre injúria qualificada e crime de preconceito racial
A injúria racial (qualificada) reconhecida também como preconceituosa, como
mencionado anteriormente, está tipificada no artigo 140, § 3º do Código Penal Brasileiro e
consiste em ofender a honra de alguém, com a utilização de elementos referentes à raça, cor,
4
Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10622653/artigo-140-do-decreto-lei-n-2848-de-07-dedezembro-de-1940
5
Decreto-Lei nº. 2.848, de 07.12.1940. Código Penal.
6
BRASIL. Lei n.º 7.716 de 5 de Janeiro de 1989.
7
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e Processuais Penais Comentadas.6.ed.rev.reform.atual. São
Paulo. Revista dos Tribunais, 2012. Pp.207.
8
Id.
9
NUCCI, apud Dicionário Aurélio. Pp. 209.
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etnia, religião ou origem. Recentemente, a ação penal aplicável a esse crime tornou-se
pública condicionada à representação do ofendido, sendo o Ministério Público o detentor de
sua titularidade.
Nas palavras de Celso Delmanto: (...) comete o crime do artigo 140, § 3º do CP, e não
o delito do artigo 20 da Lei nº 7.716/89, o agente que utiliza palavras depreciativas referentes
à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da vítima. 10
Já o crime de racismo ou de preconceito racial como muitos doutrinadores costumam
assim conceituar, previsto na Lei 7.716/89, implica em conduta discriminatória dirigida a um
determinado grupo ou coletividade. Considerado mais grave pelo legislador, o crime de
racismo é imprescritível e inafiançável, que se procede mediante ação penal pública
incondicionada, cabendo também ao Ministério Público à legitimidade para processar o
ofensor. Redação esta, tendo como base o previsto na Constituição Brasileira em seu artigo 5º,
XLII, da CF, que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei”. 11
Objetivo
Caracteriza-se como objetivo do trabalho, descrever os denominados fatos típicos
ilícitos (crimes) motivados por questões raciais, injúria qualificada presente no artigo 140
parágrafo terceiro e o fato típico (crime) reconhecido como discriminação racial presente na
Lei 7.716/89 e obter conhecimento se os fatos típicos ilícitos (crimes) ora mencionados estão
presentes na Comarca de Ponta Grossa. Menciona-se também, a importância de tal tema,
principalmente, quando diz respeito a nossa cidade de Ponta Grossa, isto é, esses problemas
referentes a fatos envolvendo algum tipo de preconceito ou discriminação na esfera racial,
podem ocorrer todos os dias. Contudo, na maioria das vezes, sequer chegam ao conhecimento
da autoridade competente ou então chegam a ser noticiados na mídia por exemplo. Moramos
nessa cidade e na maioria das vezes não damos importância ou não temos conhecimentos
sobre o objeto desse trabalho e sobre outros temas que também são de relevante importância e
precisam se tornar objeto de estudo, não apenas pelo campo da geografia e também por outros
eixos tais como: Direito, história, e análogos.
A maioria da população, sequer possui conhecimento que discriminar, atribuir
preconceito a um individuo tendo como base sua cor é crime. E ainda, a falta de
conscientização em todas as cidades do Brasil, isto é, faz-se necessário abordagens, mediante
palestras, minicursos, propagandas e etc., que de certa forma, vão contra ao racismo
propriamente dito. Percebe-se nos dias atuais, que os crimes referentes a alguma espécie de
conflito envolvendo o termo cor, raça, só vem à superfície raramente, quando algum
individuo conhecido na mídia por exemplo, foi vítima dessa espécie de crime.
Metodologia
O método utilizado é o dedutivo, e as principais fontes de dados são: reportagens,
entrevistas de alguns magistrados, todas disponíveis em web sites e por ultimo uma
monografia que versa sobre o assunto em especifico.
10
11
DELMANTO, Celso e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar, p. 305.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 2014.
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Resultados e Discussões
Crimes provenientes de questões raciais existentes na comarca de Ponta Grossa
Ante todo o exposto, surgiu a necessidade, de obter conhecimento sobre a existência
de fatos típicos desse gênero na Comarca de Ponta Grossa. Sendo assim, houve uma conversa
com a Delegada adjunta da 13º subdivisão policial desta cidade, e esta nos forneceu uma
tabela que demonstra a espécie de crime cometido, sua data, vítima e acusado, a qual será a
Data
Início
de
Indiciado(s)
Vítima(s)
Natureza dos fatos típicos ilícitos (crimes)
05/11/2011 E.C.J
J.C.N. dos Santos e M. A. N. dos
Santos
Art. 129 e 147 c/c a lei 11.340/06 e art.140§3º do código penal.
06/05/2011 R.F.M
J.B.P
Art. 140§3º do código penal.
08/06/2011 I.C
A.A
Art. 140§3º do código penal.
05/07/2011 J.W.S
L.C.C. dos Santos
Art. 140§3º do código penal.
25/07/2011 A.G.C
A.F.M
Art. 140§3º do código penal.
24/11/2011 J.A.C.S
B.T.S.M
Art. 140§3º do código penal e art.21 do decreto de lei 3688/41
10/01/2012 N.A.G
O estado; I.B.P e outros
Art. 140§3º e 330 ambos do código penal.
01/03/2012 M.T
A.S.
Art. 140§3º , caput,cc/art. 61, I, H do código penal.
10/05/2012 C.R.B
M.S.
Art. 140§3º do código penal.
01/10/2012 M.R.
B.P.L
Art. 140§3º do código penal.
05/12/2012 L.R.
G.T.J.
Art. 140§3º do código penal.
13/12/2012 A apurar
J.C.C
28/12/2012 L.C.L.
M.H.R
Art. 140§3º do código penal e perturbação de tranquilidade.
M.P.S.
Art. 140§3º do código penal com aplicação da lei 11.340/2006
21/01/2013 M.b.s.
E.W.M
Art. 140§3º do código penal.
19/02/2013 A.S.A
E.A.A
Art. 140§3º do código penal e 141, II, III ambos do código penal.
28/02/2013 E.J.M
A.O.S
Art. 140§3º e 160, I ambos do código penal.
e
seguir exposta:
Com base na presente tabela, menciona-se que na maioria dos casos ora relacionados,
estes estão cominados com outra espécie de fato típico, como por exemplo: Em 8 casos
concretos dos 16 ora esmiuçados, estes estão cominados com os crimes de: lesão corporal,
ameaça, vias de fato, desobediência, circunstâncias agravantes, perturbação de tranquilidade,
medidas de proteção e extorsão indireta respectivamente. Diante disso, percebe-se que dentre
esses casos fornecidos e objeto da presente tabela, não há nenhum caso concreto tipificado
pela Lei 7.716/89, e sim tipificado pela injúria qualificada presente no artigo 140§3º do
Código Penal.
Considerações finais
Diante o exposto, menciona-se, que existe em nossa sociedade atual um
desconhecimento ou talvez uma omissão em falar sobre o assunto: discriminação,
preconceito, referente a questões raciais. A omissão está envolta, a casos concretos objetos de
questões raciais, que sequer chegaram a conhecimento da autoridade judicial competente,
estão presentes na denominada cifra negra da sociedade, isto é, a cifra negra constitui a
relação de crimes ocorridos, mas não registrados pelos órgãos oficiais, ou seja, forma a
diferença entre o número de crimes praticados e o número de crimes conhecidos pelas
autoridades competentes. Logo, a criminalidade real é maior que aquela registrada
oficialmente.
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O motivo pelo qual, a vítima que sofreu determinado preconceito ou discriminação,
por causa de suas características físicas afrodescendentes na maioria da vezes, acredita que
“denunciar” o individuo que lhe causou o ilícito penal é algo relativamente ineficaz ou então
desnecessário, argumentação essa levando em consideração, que Ponta Grossa possui uma
população em torno de 310.000.00 habitantes e segundo a anterior tabela, desde 2011 até final
de 2013, foram registrados apenas 16 crimes referentes a questões raciais. Diante disso,
percebe-se que a mencionada cifra negra, também esta presente na mencionada pesquisa, uma
vez que estipula-se que se houvesse o aviso por parte da vítima à autoridade competente, o
números de crimes ora objeto de estudos seria maior.
Por fim, cita-se com propriedade Lilia Moritiz Schuwarcz afirma ao falar sobre o
tema em sua obra:
12
(...) ninguém nega que exista racismo no Brasil, mas sua prática é sempre
atribuída a ‘outro’. Seja da parte que age de maneira preconceituosa, seja
daquela de quem sofre com o preconceito, o difícil é admitir a discriminação
e não o ato de discriminar. Além disso, o problema parece ser o de afirmar
oficialmente o preconceito e não o de reconhecê-lo na intimidade. Tudo isso
indica que estamos diante de um tipo particular de racismo, um racismo
silencioso e sem cara que se esconde por trás de uma suposta garantia da
universalidade e da igualdade das leis e que lança para o terreno privado o
jogo da discriminação. Com efeito, em uma sociedade marcada
historicamente pela desigualdade, pelo paternalismo das relações e pelo
clientelismo, o racismo só se afirma na intimidade.
Referências
BRASIL. Lei n.º 7.716 de 5 de Janeiro de 1989.
DELMANTO, Celso e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar,2012.
NUCCI,
Guilherme
de
Souza.
Leis
penais
e
Processuais
Comentadas.6.ed.rev.reform.atual. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2012.
Penais
SCHUWARCZ, Lilia Moritiz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na
intimidade. In: SCHUWARCZ, Lilia Moritiz. A História da vida privada no Brasil:
contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SOARES, Almiro de Sena Filho. Estudo da Legislação Penal de Combate ao Racismo.
Disponível
em:
http://www.mpdft.mp.br/pdf/unidades/nucleos/ned/Estudo_legislacao_penal_combate_racism
o.pdf
12
SCHUWARCZ, Lilia Moritiz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In:
SCHUWARCZ, Lilia Moritiz. A História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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