Interpretações sobre a noção de desenvolvimento em Marx: Uma revisão crítica Seminários de Pesquisa PPED Rio, 13/10/2014 Patrick Galba de Paula 1) Objetivos do estudo n Analisar as principais interpretações da noção de desenvolvimento existente na obra de Karl Marx surgidas no contexto do debate da Economia do Desenvolvimento (2o. pós-guerra). n Para isto, busca-se comparar as proposições das duas principais interpretações existentes com algumas análises de situações concretas, com as teorias da história e da alienação, com os fundamentos da teoria do valor e com o método da crítica da economia política construídos pelo autor. 2) Introdução n O debate sobre a “noção marxiana de desenvolvimento” surge no contexto da descolonização do pós 2a GM. n As principais teorias da economia do desenvolvimento comungam uma identificação imediata entre as noções de “desenvolvimento” e de expansão das relações sociais capitalistas de produção. n Os trabalhos de Baran, Frank e posteriormente da teoria da dependência questionam esta visão: A expansão capitalista poderia subdesenvolver regiões gerando formações sociais com características específicas, diferentes do capitalismo industrial dos países “centrais”. n Em resposta, uma ampla bibliografia buscou estabelecer qual seria a “noção de desenvolvimento” existente nos trabalhos de Karl Marx. O objetivo desta produção foi estabelecer se as formulações de Marx “autorizariam” ou não este neo-marxismo. 3) Principais interpretações: As duas teses n A interpretação “difusionista” de Marx: q q q q q A interpretação mais difundida, “ortodoxa”, de Marx; Noção de desenvolvimento histórico-filosófica e teleológica (Kiernan, 1974; Brewer, 1984; Palma, 1978* e Larrain, 1999*): “Progresso como o objetivo da história humana”; “Unilinear” - capitalismo como o único caminho para o “desenvolvimento” (Vujacic, 1988; Brewer, 1990); Tendências à “convergência”: Expansão capitalista levaria a um nivelamento internacional do desenvolvimento, “devido” à mais-valia relativa (Brenner, 1977) ou à convergência das taxas médias de lucro (Weeks, 2001); Nega relevância da teoria do valor para o assunto** (Palma, 1978; Brewer, 1990). 4) Principais interpretações: As duas teses • Tese da “mudança radical”: • • • • Aceita a existência de um período teleológica e históricofilosófico no trabalho de Marx’s até 1853-1877; A “mudança” de Marx é relacionada com suas análises da Ásia, Irlanda e/ou da chamada “via russa” (Shanin, 1984; Wada, 1984; Dussel, 1990; Kohan, 1998; Anderson, 2010); Após a “ruptura”, a noção de desenvolvimento de Marx seria “multilinear” e não-determinística; A expansão capitalista na “periferia” não levaria necessariamente à mesma situação dos países industriais (possibilidade de um subdesenvolvimento especificamente capitalista) (Mohri, 1979; Scaron, 1980; Di Meglio & Messina, 2012). 5) Principais interpretações – Quadro sinótico: Tese “difusionista” Mudança radical “Teoria da história” Filosofia da história / “Unilinearidade” Unilinearidade até 1853-77*/ após “Multilinearidade” Teoria do capital Tendência à formação de novos “capitalismos nacionais”/ “Homoficiência” / Tendência à “convergência” Tendência à “convergência” até os anos 1860 / Após isto move-se em direção a uma noção de subdesenvolvimento capitalista Noção de desenvolvimento Expansão das relações capitalistas de produção Não é oferecida nenhuma noção alternativa. Relevância da teoria do valor-trabalho de Marx Nega qualquer relevância** Não aborda o tema*** 6) Avaliação crítica - Filosofia da história / unilinearidade n n n n Aspectos da obra de Hegel cuja negação são elementos que conferem especificidade à obra de Marx. Marx rejeita de forma explícita este tipo de posição já na Ideologia Alemã (1846), e segue rejeitando toda concepção histórico-filosófica em seus escritos mais maduros (Grundrisse, O Capital, escritos sobre a Rússia, etc). Nos Grundrisse e nos escritos sobre a via russa Marx também rejeita a noção que advoga a necessidade de uma “fase capitalista" para qualquer "desenvolvimento" que venha a incorporar a ciência e a tecnologia à produção (não vê o “capitalismo como o único caminho”). Exceção: Artigos jornalísticos sobre a Índia (1853). 6a) Avaliação crítica - Filosofia da história / unilinearidade n A “teoria da história” de Marx é materialista: q q q q q Algumas características parecem estar presentes em todas as sociedades baseadas em trabalho humano; A principal é que o modo de produção das condições de vida revela como uma sociedade efetivamente é; O desenvolvimento das forças produtivas do trabalho permite relações sociais de produção mais complexas, assim como uma divisão social do trabalho mais sofisticada e uma maior socialização da existência humana; Entretanto, as relações sociais de produção existentes podem favorecer or obstar o desenvolvimento das forças produtivas em diferentes momentos; Este conflito se expressa (principalmente) na luta de classes, e seus resultados, para qualquer uma das sínteses possíveis, é resultado da ação humana; Qualquer modo de produção existente tem suas próprias leis de movimento específicas. Isto inclui o capitalismo! 7) Avaliação crítica - Tendência à convergência versus subdesenvolvimento n Marx analisa diversos casos nos quais a expansão das relações capitalistas de produção não leva ao surgimento de “capitalismos industriais” do tipo inglês. Ex.: Irlanda, Polônia, Índia, sul dos EUA... n Este tipo de subdesenvolvimento capitalista teria, para Marx, as seguintes características: q q q q q Expansão principalmente quantitativa das forças produtivas; Incipiente divisão do trabalho interna; Tendência de que a acumulação se centre na maior exploração do trabalho (mais-valia absoluta) e menos nos aumentos de produtividade (mais-valia relativa), derivada do visto acima; Taxas de crescimento comparativamente menores; Expressão do processo contraditório de formação da economia mundial como “totalidade” do capital. 8) Avaliação crítica - Relevância da teoria do valor para o tema: n n n n n O método de Marx (exposto na “introdução” dos Grundrisse) aponta que a reconstrução da realidade concreta no pensamento deve partir de uma categoria material; Parte do objeto em seu nível mais abstrato (aquele com menos determinações, alcançado pela análise – mercadoria – para o capital em geral) to reconstruir progressivamente o concreto no pensamento. A “reconstrução” da sociedade capitalista se daria na seguinte ordem: capital em geral, propriedade territorial e trabalho assalariado; Estado; comércio exterior; mercado mundial e crises; O quantum deste processo foi efetivamente percorrido em uma análise, no sentido da reconstrução mental do todo, é revelado pelo quantum de aspectos, contradições e sínteses do real foram adicionados e desenvolvidos em tal análise. Portanto, uma “teoria do desenvolvimento capitalista” fundada em tal método deveria buscar explicar a realidade concreta do modo de produção através do desenvolvimento de suas leis internas de movimento. Isto significa que ela não apenas poderia, mas deveria ser basear na teoria do valor. 8a) Avaliação crítica - Relevância da teoria do valor para o tema : n De acordo com “O Capital”, as principais tendências do capital (teoria do valor) são: q q q q q Produção é “regulada” pela Lei do Valor; Concentração de riqueza na forma de capital → Expansão → formação de um mercado mundial capitalista; Centralização do capital nas mãos de poucos → Monopólios; Crescimento da composição do capital → aumentos de produtividade e do uso de máquinas → Queda das taxas de lucro, etc. Não há qualquer tendência de “convergência” regional posta pelo capital; 9) Conclusões n Marx, desde os anos 1840, defendia a necessidade de uma teoria materialista da sociedade, contra qualquer filosofia da história de tipo hegeliano; n Além disso, não propõe uma teoria materialista estática, mas uma que busque capturar o movimento, as leis internas da reprodução social. Uma teoria materialista e dialética; n A “teoria da história” de Marx não era nem teleológica nem uma filosofia da história linear, como visto pelos difusionistas. n O tratamento de Marx para a sociedade capitalista observa uma evolução: Apesar das tentativas anteriores, é somente entre 1857-58 que Marx desenvolve um método para estudar a sociedade capitalista. n Este método, e a teoria social contida em O Capital, iniciam a reconstrução do real no pensamento e são a realização, ainda que parcial, de uma teoria social materialista buscada por Marx desde os anos 1840. n Portanto, não há tampouco uma “mudança radical”, uma nova formulação contra a anterior. Marx não era um hegeliano antes, nem negou suas posições em direção a um "multilinearismo” vago posteriormente. 10) Conclusões n A noção de desenvolvimento de Marx (dois níveis de abstração): q Sociedades em geral: q Não-linear; q Sofisticação das relações sociais possibilitada pela incremento das forças produtivas do trabalho; q q q q Sociedade capitalista: Desenvolvimento (realização) de suas leis internas; (não há tendência para a “convergência”); Possibilidade de um subdesenvolvimento capitalista; Considerando a formação de um mercado mundial subordinado à indústria, uma teoria marxiana do desenvolvimento deveria buscar explicar como a operação da lei do valor na economia mundial determina sua situação concreta, i.e., o objetivo seria obter uma concretização internacional da teoria do valor. Obrigado! Onde encontrar os textos: Dissertação: “Duas teses sobre Marx e o desenvolvimento: Considerações sobre a noção de desenvolvimento em Marx”. (disponível no site do IE). n Artigo (resume a parte principal da dissertação): “Duas teses sobre Marx e o desenvolvimento” Revista Outubro, número 22 http://revistaoutubro.com.br/blog/ n “Main interpretations on Marx’s notion of development” Science & Society (New York), Vol. 79:3 (July, 2015). n www.academia.edu – Perfil “Patrick de Paula”.