Mobilização popular pela reforma política

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Política
(Foto: Divulgação/Croqui Oscar Niemeyer)
Mobilização popular
pela reforma política
DEMOCRACIA Desde setembro do ano passado, quando foi realizada uma consulta popular em todo o
país, vem crescendo a mobilização popular em favor de uma ampla reforma política no Brasil. Para além
da efetividade legal dessas manifestações, elas demonstram a exigência da população de mudanças
estruturais no nosso sistema político
André Luiz Risco Padilha
N
o ano passado, o Brasil foi às
ruas pedir por mais saúde, educação, transporte de qualidade
e o fim da corrupção. Após dias de
manifestação, pouco foi feito no âmbito político. A expectativa de mudança ficou então para as eleições
majoritárias. Passados o carnaval e
a tão aguardada Copa do Mundo, fi-
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nalmente chegamos ao período eleitoral. Durante a campanha, os brasileiros se viram diante de propostas,
mas também de muitos escândalos
de corrupção, sendo o principal deles o da Petrobrás, que envolveu diversos partidos políticos numa grande operação de desvio de dinheiro.
Diante de um quadro tão negativo, o
brasileiro se pergunta: será possível
termos uma política mais honesta e
menos corrupta?
Foi no meio desse cenário que
surgiu novamente um debate sobre a
necessidade urgente de se fazer uma
grande reforma política no país. No
sentido de acelerar esse processo,
cem entidades da sociedade civil or-
ganizaram uma grande mobilização
em nível nacional e realizaram um
plebiscito nacional pela realização
de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. A consulta contou com cerca de 8 milhões
de votos, dos quais 97,05% foram
pelo SIM.
A ação aconteceu no dia 7 de setembro e envolveu cerca de dez milhões de pessoas. Em urnas espalhadas por diversos pontos das capitais
e em milhares de cidades do país,
ou em voto eletrônico na internet, a
população foi convidada a responder
uma única pergunta: “Quer uma assembleia constituinte exclusiva para
fazer a reforma do sistema político
do país? Sim ou não?”
Para se ter uma ideia do nível de
participação da população com o
plebiscito, o número de votantes foi
cinco vezes maior do que a marca
atingida por outra iniciativa popular
que mudou o sistema eleitoral – a Lei
da Ficha Limpa. O movimento a favor da aprovação dessa lei reuniu 1,5
milhão assinaturas.
Para os organizadores do Plebiscito da Reforma Política, a ação foi
um sucesso. Segundo Caio Magri,
diretor executivo do Instituto Ethos,
em primeiro lugar o sucesso se deu
porque várias entidades de todos os
lugares do país se juntaram numa
campanha unificada em favor da
reforma política. Com isso, o tema
ganhou repercussão nacional e chegou a todos os Estados e ao Distrito
Federal, mesmo fora dos veículos de
comunicação tradicionais.
A iniciativa foi um sucesso também por outro motivo; segundo Martins, o processo de consulta acabou
sendo pedagógico. Os cidadãos e as
cidadãs tomaram conhecimento da
importância do sistema político atual, das propostas que existem para
reformá-lo, do porquê de uma assembleia constituinte exclusiva. Enfim,
por causa do plebiscito, a sociedade
teve uma rara oportunidade de discutir assuntos fundamentais para o país
melhor que desejamos construir.
Além disso, o representante do
Ethos é da opinião de que a participação no plebiscito deixou claro
que as pessoas querem mudanças no
sistema político e entendem que isso
é tarefa para uma assembleia constituinte exclusiva. Assim sendo, não
há como o Congresso fazer “vista
grossa” a essa demanda.
Contradições da reforma
Mas a opinião de que o plebiscito foi um grande sucesso não é
partilhada por todos. Ao contrário
dos organizadores do Plebiscito,
O grupo de trabalho que vai discutir propostas para a reforma política no país é instalado na Câmara dos Deputados
(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
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(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
O grupo de trabalho que vai discutir propostas para a reforma política no país é instalado na Câmara dos Deputados
o cientista político, Ranulfo Paranhos, da Universidade Federal de
Alagoas (Ufal), por exemplo, afirmou que, “se observarmos a forma
como foi conduzido o plebiscito,
pode ter sido um esforço grande da
sociedade civil organizada, representada por sindicatos e associações,
mas não torna o resultado um instrumento legal”. O princípio de imparcialidade “passou longe”, segundo
ele.
O cientista político levanta sérias
questões sobre as propostas da reforma política defendida no plebiscito: financiamento exclusivamente
público das campanhas, fim das coligações proporcionais e unificação
das eleições municipais e nacionais.
Esses temas, que já estão presentes
na proposta de Reforma Política em
discussão no Congresso Nacional há
mais de 15 anos, merecem, segundo Paranhos, um aprofundamento
maior.
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Atualmente o financiamento das
campanhas tem origem no Fundo
Partidário e nas doações privadas.
“O que se discute é a exclusividade
de recursos do Fundo Partidário e a
proibição do financiamento feito por
empresas e pessoas comuns, inclusive o próprio candidato ficaria impedido de financiar sua campanha”,
explica Ranulfo. Isso, segundo o entrevistado, implica em proibir a pessoa que acredite no seu candidato de
doar verba para a campanha dele.
O cientista político considera
que, nesse âmbito, o sistema implementado nos Estados Unidos poderia
servir de modelo. Atualmente, neste país, as doações são feitas pelos
eleitores de forma muito sistemática
pela Internet e isso representa um
avanço para o sistema. “Não tem
lógica você proibir que alguém doe
dinheiro a outro. O que precisamos
é de um sistema de controle e fiscalização mais eficiente. Impedir que
empresas doem verbas para campanhas políticas não vai nivelar a con-
corrência entre candidatos ricos e
pobres. Ao contrário, esse tipo de lei
pode levar a uma corrupção eleitoral
ainda maior, com formação de ‘caixa
dois’”, argumenta ele.
Outro ponto criticado por Paranhos foi a proposta do fim das coligações proporcionais, segundo a
qual os partidos ficariam impedidos
de unirem-se para disputar eleições
aos cargos de vereador e de deputado estadual ou federal. A justificativa
para isso é que ao votar num candidato derrotado, o eleitor pode contribuir para a eleição de outro de partido diferente e que pertence à mesma
coligação. Mas, Paranhos considera
que, com essa mudança, os partidos
menores seriam protelados e, por
esse motivo, eles “apresentam objeção a esse tipo de propostas porque
serão os mais prejudicados”.
Paranhos recordou outras questões importantes, que estão presentes
na proposta de reforma política, e
que, de maneira geral, precisam ser
revistos como, por exemplo, o fim da
suplência para senadores, voto secreto nas casas legislativas e reeleição
para os cargos executivos. No entanto, o mais importante é, segundo ele,
“que essa reforma aumente a transparência do comportamento político, que assegure menos privilégios,
reduza os custos da máquina pública
e faça com que o eleitor se sinta mais
integrado ao corpo politico”.
No que diz respeito à realização
de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política, Paranhos afirmou que essa proposta não
faz sentido, argumentando que “se
de um lado os organizadores desse
movimento ensejam maior participação popular, do outro, o plebiscito é exatamente para que um grupo
específico de parlamentares discutam
a reforma política”. Outra questão de
fundo mais legal que ele levantou foi
o fato de que não existe Constituinte
específica. “Se for estabelecida uma
Constituinte no Congresso Nacional,
ela terá poderes, inclusive, de mexer
em cláusulas pétreas, de garantias a
direitos conquistados nesses últimos
26 anos de Constituição; não há restrição à Constituinte”, explicou.
Na opinião do estudioso, não é
possível consolidar a democracia governando com plebiscito ou retirando poderes de representatividade dos
parlamentares. “Muito pelo contrário” – explicou ele –, “nos melhores
modelos democráticos no mundo, os
poderes do Executivo são menores
do que no Legislativo. A lógica que
está colocada é inversa ao que se espera para melhoria e consolidação
das nossas instituições”.
Despertar a discussão
Já para o cientista político Emerson Assis, o “Plebiscito da Reforma
Política”, como ficou conhecido,
embora tendo sido um evento informal, que partiu de segmentos da sociedade civil organizada, teve a importância de “despertar e sedimentar
a discussão da reforma política entre
o povo brasileiro”. Mesmo se, segundo ele, não está claro com qual
instrumento legal será feita a reforma política, podendo ser feita por
plebiscito ou referendo.
Assis chamou a atenção para
o fato de que, nas declarações das
principais lideranças do Congresso
Nacional no último período, há uma
tendência a se optar pelo referendo,
porque, por meio deste instrumento,
eles poderiam preparar uma proposta de reforma e o povo atuaria no final do processo, aprovando-a ou rejeitando-a. Mas ele é da opinião que
o plebiscito seria mais democrático,
“já que o cidadão poderia participar
mais diretamente votando especificamente nas propostas apresentadas, ao invés de meramente referendar o que o parlamento já votou”.
Em seu discurso depois da reeleição, realizado na noite do dia 26
de outubro, a presidenta Dilma manifestou a sua opinião favorável ao
plebiscito. Referindo-se à reforma
política como “a primeira e mais importante” a ser feita no seu mandato,
ela assumiu o compromisso de “deflagrar essa reforma que é responsabilidade constitucional do Congresso e que deve mobilizar a sociedade
num plebiscito, por meio de uma
consulta popular”. Acrescentou ainda que, por meio do plebiscito, “nós
vamos encontrar a força e a legitimidade exigida nesse momento de
transformação para levarmos à frente a reforma política”.
Assis considera que esse compromisso da presidenta Dilma já
acena para uma mudança importante
em direção à reforma política, mas
considera que o processo não será
simples. “Não significa que todas as
propostas discutidas serão acatadas:
existem muitos interesses e a negociação faz parte do jogo democrático”, concluiu.
Lei de Iniciativa
Popular
Nos últimos meses, a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), juntamente com outras
entidades da sociedade civil e
da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), tem
concentrando esforços numa
grande mobilização nacional
com o objetivo de recolher 1,5
milhão de assinaturas necessárias para a apresentação da reforma política como um Projeto
de Lei de Iniciativa Popular. Segundo os dirigentes da entidade,
seria esse o caminho mais eficaz
para a efetivação de uma reforma política no Brasil.
O presidente nacional da entidade, Marcus Vinicius Furtado
Coelho, explicou que o OAB é
contra a ideia de convocar uma
Constituinte para elaborar a reforma política. Ele considera
que o Projeto de Lei de Iniciativa Popular é o modo mais ágil
de efetivar a reforma do sistema
político porque o seu conteúdo
não prevê nenhuma alteração
na Constituição Brasileira e,
portanto, a sua aprovação seria
mais fácil porque não depende
de maioria qualificada no Congresso.
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