10 ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA ZOURAIDE GUERRA ANTUNES COSTA “ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS EPIDEMIOLÓGICAS DA FEBRE AMARELA NO BRASIL, NAS ÁREAS FORA DA AMAZÔNIA LEGAL, NO PERÍODO DE 1999 A 2003.” Brasília, Distrito Federal 2005 2 ZOURAIDE GUERRA ANTUNES COSTA “ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS EPIDEMIOLÓGICAS DA FEBRE AMARELA NO BRASIL, NAS ÁREAS FORA DA AMAZÔNIA LEGAL, NO PERÍODO DE 1999 A 2003.” Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, como requisito do Mestrado Profissional em Vigilância em Saúde para obtenção do título de “Mestre em Saúde Pública”. Orientador principal: Prof. Paulo Chagastelles Sabroza Segundo orientador: Prof. Dr. Afonso Diniz Costa Passos Banca examinadora: Prof. Dr. Afonso Diniz Costa Passos Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas Prof. Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos Brasília, Distrito Federal 28 de março de 2005 3 “Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o sujeito do estudo se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria.” (Paulo Freire) 4 Aos meus pais, Antonio Antunes de Araújo e Felícia Guerra Antunes, em algum lugar da espiritualidade, que me ensinaram o valor da dignidade e da honradez humanas. Professores escolhidos para me orientar na Escola da Vida, ele incutiu em nós, seus filhos, que o tesouro denominado “sabedoria” é o único que conquistamos e não nos pode ser retirado; ela, entre inúmeras lições ministradas, ressaltou o capítulo do compartilhamento e da solidariedade, que apreendi e fiz dele um estilo de vida. 5 A Fabio, companheiro de minha vida, luz de minha alma. Mesmo sendo um homem das Ciências Exatas, não me impede de sonhar. 10 AGRADECIMENTOS Minha participação no mestrado foi impulsionada pela possibilidade de transformar uma paixão em ferramenta de compromisso e responsabilidade profissionais para com a Saúde Pública brasileira. Vi despontar uma oportunidade de aproximar as experiências vividas na prática com o aprofundamento teórico, na esperança de alargar os horizontes para a compreensão do comportamento de uma doença, que durante quatro séculos, constituiu-se em um grande desafio à Medicina e ainda hoje, apesar da existência de uma vacina altamente eficaz, deixa a comunidade científica perplexa diante de suas manifestações inesperadas. A razão que me moveu a escolher a Febre Amarela como tema foi a minha inserção direta, desde o início da década de 1990, na vigilância deste importante problema de saúde pública, bem como a angústia, sempre presente, ao lidar com as incertezas nessa experiência. Nessa trajetória e, em especial neste momento de investigação, ressalto a importância de lembrar e agradecer a tantos companheiros que comigo compartilharam e proporcionaram as mais diferentes contribuições: A Paulo Chagastelles Sabroza, meu orientador, pela orientação, confiança e apoio dispensados. Seu olhar aguçado sempre vislumbrando mil e uma possibilidades onde tudo se mostrava obscuro foi de fundamental importância para me dar segurança na condição de iniciante nos caminhos da pesquisa científica. A Afonso Diniz Costa Passos, meu co-orientador, que desde a etapa da qualificação, com muita simplicidade se propôs a traçar um caminho prático para evitar tropeços na caminhada. Às amigas Raquel Santos e Claudete Costa, bibliotecárias da Fundação Nacional de Saúde, que facilitaram a busca de referências. Em especial, à Raquel, que cuidou com muito carinho dos ajustes nas referências bibliográficas. Às companheiras da Biblioteca do Instituto Evandro Chagas, Vânia Barbosa da Cunha Araújo, Maria José Mateus e Maria Izaleth Batista do Carmo, pela paciência e compreensão diante das infindáveis listas, nunca medindo esforços para localizar os artigos, especialmente as “raridades”. A Rosely Cerqueira, Coordenadora da Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses (COVEV) e grande amiga, que apostou na minha capacidade de realizar este trabalho. Sua suavidade e seu sorriso sempre presentes falaram muito mais do que a palavra expressa. A ela devo minha participação no mestrado. 7 Aos colegas e companheiros da COVEV, que me incentivaram em todos os momentos, compreenderam e minimizaram as minhas ausências. A Vera Lúcia Silva, amiga de todas as horas, pelo estímulo constante durante esses dois anos, em especial por conduzir os rumos do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela enquanto eu me dedicava às atividades do mestrado. A Wanderson Kleber de Oliveira, por disponibilizar os pontos de GPS do “surto do Serro”, pela solidariedade, paciência e habilidade em me ajudar com as ferramentas de geoprocessamento e do EpiInfo, bem como pelos “insights” valiosos nas discussões. Sua contribuição foi fundamental para a realização deste trabalho. A Guilherme Medina, da equipe do Professor Paulo Sabroza, pelo árduo trabalho de “tradução” e manejo dos croquis de campo e pela difícil tarefa da análise dos dados espaciais. A Walter Ramalho, pela importante ajuda nas questões metodológicas. A Gandhia Vargas Brandão, pela revisão ortográfica, pela ajuda nas dúvidas com os textos em inglês e, especialmente, pelo incentivo constante. À querida amiga Suely Tuboi, por ter disponibilizado os pontos de GPS do “surto de Divinópolis”, mas principalmente por estar permanentemente a meu lado, mesmo estando a milhas de distância. A Rodrigo Gurgel, pela digitação do banco de dados e assessoria constante no manejo da informática. À amiga e irmã espiritual Ângela Maron, que há anos acompanha a minha trajetória profissional e meu esforço na busca do conhecimento, cuja amizade, boas energias e palavras de incentivo à distância me sustentaram nesses dois últimos anos. Aos companheiros de vigilância da febre amarela nos estados, que ao longo dos anos vêm acreditando e apoiando nossos esforços de buscar inovações para melhorar o controle da febre amarela em nosso País. Aos companheiros das Secretarias Estaduais de Saúde, Regionais de Saúde e Núcleos de Apoio às Endemias (NACE) pela generosidade em disponibilizar croquis de campo, resgatar pontos de GPS e outros dados importantes para o desenvolvimento deste trabalho: Jesuína Castro e Renato Freitas de Araújo (Bahia); Maria Amélia Torres e Marco Antonio Almeida (Rio Grande do Sul); Cristiane de Oliveira (Distrito Federal); Luiz Eloy 8 Pereira (Instituto Adolfo Lutz, São Paulo); Gediselma Borges Madalena Lima e Ivaneusa Gomes de Ávila Maciel (Goiás); Irenício Marques de Souza, Albertino Martins de Oliveira, Waldomir Alves Bezerra, Claudio Henrique Pace Neves, Sebastião José Rodrigues, Lindomar de Pontes e Abílio Antonio de Macedo Filho (NACE de Jataí); Rejane Souza Pereira (Secretaria Municipal de Saúde de Jataí); José Macdovel da Costa, Antonio Pinto Machado, Gésio Inácio de Almeida e Emílio Peixoto Filho (NACE de Morrinhos); Adair e Udival (NACE de Formosa); Talita Chamone e Francisco Leopoldo Lemos (Minas Gerais); João Resende e Edimarcos Xavier (Regional de Montes Claros, Minas Gerais). À querida colega Janice Magalhães Lamas, pela profunda manifestação de amizade e profissionalismo, ao se colocar à minha disposição e conseguir administrar seu precioso tempo na Clínica de Mamografia de Brasília, dedicando parte dele ao repasse de conhecimento científico e metodológico em um momento crítico dessa trajetória. Aos meus filhos, Fabio Domingues da Costa Júnior, Thiago Guerra Costa e Pedro Guerra Costa, às minhas noras e filhas, Gandhia Vargas Brandão, Adriana Mendonça e Lívia Pinheiro Costa, aos meus queridos netinhos, Clara Lua Vargas Guerra e Luan Pinheiro Costa, por terem compreendido que o abandono e os momentos roubados para dedicar às tarefas estudantis nesses dois anos eram necessários. Às minhas queridas irmãs e irmão, Antonio Antunes Júnior, Zuleide Guerra Antunes Zerlotini, Zélia Maria Guerra Antunes, Zulene Guerra Antunes e Silva e Felícia Guerra Filha, que em todas as oportunidades demonstraram apoio irrestrito e orgulho pela minha coragem de enfrentar uma pós-graduação, apesar de todos os percalços desse momento de minha vida. Em especial, a vocês duas que moram em Brasília, nunca esquecerei o quanto fizeram para manter a nossa família unida nos fins de semana. Aos queridos amigos de muitos anos e aos novos que foram sendo incorporados à minha vida, por entenderem a minha necessidade de reclusão e terem evitado os convites para os freqüentes encontros. Aos colegas de mestrado, em especial às queridas amigas e amigos, sempre presentes, Beth, Zezé, Rosa Terzela, Maria da Paz, Rui e Alexandre, que me apoiaram nos momentos em que o mundo parecia ter desabado sobre a minha cabeça. Em seus ombros depositei dúvidas, ansiedades e até lágrimas, mas também compartilhei conquistas e alegrias. Aos coordenadores do MPVS, Maria do Carmo Leal e Carlos Machado de Freitas, pelo apoio incondicional no delicado momento em que o trecho da estrada havia se fechado. 9 Enfim, meu agradecimento sincero aos que me enviaram mensagens de fé e otimismo pelo correio eletrônico e a tantos outros que, de uma forma ou de outra, puderam expressar sua amizade e contribuíram para me manter no caminho. À Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que possibilitou a realização deste trabalho. 10 RESUMO A permanência do ciclo silvestre da febre amarela no território brasileiro tem estimulado estudos sobre sua complexa epidemiologia. No Brasil, esta doença tem um caráter endêmico e permanente nas regiões Norte e Centro Oeste, porém nos últimos cinco anos tem se manifestado de forma epidêmica fora da Amazônia Legal. Este trabalho tem como objetivo verificar a ocorrência e as características da febre amarela nas regiões fora dos limites da Amazônia Legal e compará-las com algumas características dos casos procedentes desta região no período de 1999 a 2003, analisando a reemergência de um padrão epizoóticoepidêmico. O referencial teórico aborda aspectos históricos, o ciclo básico da febre amarela silvestre, a espacialização de doenças, a teoria de foco natural de doenças e o processo infeccioso. Dois bancos de dados foram analisados, um relativo aos casos humanos e outro às mortes de primatas não humanos, ambos construídos na Gerência Técnica de Febre Amarela a partir de notificações oriundas das Secretarias Estaduais de Saúde. Foram confirmados 281 casos de febre amarela silvestre no período, sendo 176 (62,6%) fora da Amazônia Legal. Foram registradas mortes de primatas não humanos em 176 localidades de 100 municípios em cinco estados situados fora da Amazônia Legal. Observou-se que o processo epizoótico em primatas que, em geral, permite o aparecimento de casos humanos de febre amarela, encontrase difundido atualmente para além da Amazônia Legal. A distribuição espacial desses eventos permitiu identificar sua ocorrência em áreas antropizadas dos diferentes biomas e bacias hidrográficas, predominando em locais com vegetação do tipo savana. São discutidas também as perspectivas de utilização das informações espaço-temporais de marcadores de epizootias no aperfeiçoamento da vigilância e controle de ações prospectivas. Palavras chave: febre amarela, epizootia, foco de doenças, epidemiologia, análise espacial. 11 SUMMARY The permanence of the sylvatic cycle of yellow fever in Brazilian territory has stimulated a series of studies about the complex epidemiology of this disease. Historically, yellow fever is endemic in Northern and Central-Western areas of Brazil, but in the last five years epidemics have occurred outside the Amazon region. We conducted a study with the objective of verifying the occurrence and characteristics of yellow fever outside the Legal Amazonian limits, and compared the characteristics of cases occurring between 1999 to 2003, analyzing the reverse-emergency of an epizootic-epidemic pattern. The theoretical reference approached historical aspects, the basic cycle of sylvatic yellow fever, the geographical limits of the disease, the theory of natural focus of diseases and the infectious process. Two databases were analyzed; one related to yellow fever virus infection in humans, and another related to yellow fever-related deaths in non-human-primates. Both databases were compiled by the Technical Coordination for Yellow Fever (COVEV) in the Ministry of Health’s National Health Surveillance Secretariat (SVS), based on reports originating from State Secretariats of Health. Among a total of 281 confirmed human sylvatic yellow fever cases, 176 (62.6%) occurred outside the Legal Amazon region. Deaths among non-human primates were registered in 176 areas of 100 municipalities in five states located outside the Legal Amazon area. It was observed that the epizootic process among non-human primates was related to the emergence of yellow fever infection among humans which has now spread beyond the Legal Amazonian. The spatial distribution of those events allowed the identification of occurrence in areas of the different biomes and hydrographical basins modified by humans, most commonly in areas with savannah-type vegetation. Using perspectives of space and time information related to epizootic markers to improve surveillance and strengthen prospective actions to improve control of yellow fever were also discussed. Key words: yellow fever, epizootic, foci of diseases, epidemiology, spatial analysis. 12 SUMÁRIO Assunto RESUMO SUMMARY CAPÍTULO 1. 1.1. 1.2. 1.3. 1.3.1. 1.3.2. CAPÍTULO 2. 2.1. 2.2. 2.3. 2.3.1. 2.3.2. 2.3.3. 2.3.4. CAPÍTULO 3. 3.1. 3.1.1. 3.1.2. 3.1.3. 3.1.4. 3.1.5. 3.1.6. 3.2. 3.2.1. 3.2.1.1. 3.2.2. Descrição INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS Introdução Justificativa do estudo Objetivos Geral Específicos REVISÃO DO CONHECIMENTO E DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS Aspectos históricos Situação do problema no Brasil após 1950 Marcos conceituais A espacialização do processo enzoótico-epizoótico da febre amarela Características do ciclo básico da febre amarela Padrão de dispersão espaço-temporal do processo enzoóticoepizoótico Estratificação de áreas de risco para febre amarela silvestre no Brasil ANÁLISE DOS DADOS EPIDEMIOLÓGICOS DE FEBRE AMARELA DA SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL Material e métodos Fontes de dados e procedimentos utilizados Critérios adotados para a definição de casos e marcadores de situações Variáveis selecionadas para análise Procedimentos laboratoriais considerados para comprovação de febre amarela Procedimentos utilizados na análise dos dados e apresentação dos resultados Aspectos éticos Resultados Comparação das características epidemiológicas dos casos de febre amarela da Área Extra Amazônica e Amazônia Legal Resumo comparativo dos atributos dos casos ocorridos na área Extra Amazônica e na Amazônia Legal Características epidemiológicas dos casos humanos e descrição dos registros qualitativos das investigações epidemiológicas dos surtos registrados no período de 1999 a 2003, fora da Amazônia Legal Página 10 11 18 18 21 22 22 22 24 24 35 39 39 44 46 48 51 51 52 54 55 56 57 58 59 59 68 69 13 Assunto 3.2.2.1. 3.2.2.2. 3.2.2.3. Descrição Investigação epidemiológica do surto de Goiás – 1999/2000 Investigação epidemiológica do surto da Bahia – 2000 Investigação epidemiológica do surto de Minas Gerais – 2001 3.2.2.4. Investigação epidemiológica do surto de Minas Gerais – 2002/2003 Resultados da análise das características sócio-ambientais dos focos de ocorrência dos surtos 3.2.3. Página 69 74 78 86 91 3.2.3.1. 3.2.3.2. 3.2.3.3. 3.2.3.4. Aspectos sócio-ambientais do foco de Goiás – 1999/2000 Aspectos sócio-ambientais do foco da Bahia – 2000 Aspectos sócio-ambientais do foco de Minas Gerais – 2001 Aspectos sócio-ambientais do foco de Minas Gerais – 2002/2003 91 94 96 98 3.2.4. Comparação de características epidemiológicas e ambientais entre os quatro focos de ocorrência de surtos de febre amarela 101 3.3. Características da distribuição espacial das epizootias em primatas não humanos suspeitas e confirmadas de febre amarela notificadas no período de 1999 a 2003 fora da Amazônia Legal DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Fatores que podem ter influído na validade dos resultados deste estudo Fatores relacionados à metodologia CAPÍTULO 4. 4.1. 4.1.1. 4.1.2. 4.1.3. 4.2. Fatores ligados ao conhecimento relativo ao “hospedeiro acidental” (humano) Fatores relacionados ao meio ambiente 108 113 115 115 117 117 4.3.1. Fatores que poderiam influir na diferença de morbidade da febre amarela nas regiões da Amazônia Legal e nos surtos ocorridos fora dessa área Fatores ligados ao “hospedeiro acidental” (humano) – comparação de características epidemiológicas Discussão dos resultados comparando-se os diferentes surtos de febre amarela em áreas fora da Amazônia Legal Surto de Goiás – 1999/2000 4.3.2. Surto da Bahia – 2000 128 4.3.3. Surto de Minas Gerais – 2001 133 4.3.4. Surto de Minas Gerais – 2002/2003 136 4.4. Discussão dos resultados da distribuição espacial das epizootias em primatas não humanos suspeitas e confirmadas de febre amarela no período de 1999 a 2003 Discussão do processo epidêmico-enzoótico do período de estudo 4.2.1. 4.3. 4.5. 118 118 123 123 141 143 14 Assunto CAPÍTULO 5. Descrição CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Página 146 5.1. Conclusões 146 5.2. Recomendações para o aprimoramento da vigilância epidemiológica da febre amarela no SUS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 147 6. 152 LISTA DE TABELAS E QUADROS Descrição Página Tabela 1. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por ano 59 segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 2. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área 61 de ocorrência segundo evolução. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 3. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por sexo 61 segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 4. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por faixa 62 etária segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 5. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área 63 de ocorrência segundo situação vacinal. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 6. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área de ocorrência segundo atividade no momento da exposição. Brasil, 1999 a 2003 64 Tabela 7. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área de ocorrência segundo zona de residência. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 8. Matriz de concordância dos casos de febre amarela registrados por UF de infecção segundo UF de residência. Brasil, 1999 a 2003 Tabela 9. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela por área de ocorrência segundo critério de confirmação. Brasil, 1999 a 2003 65 Tabela 10. Número e percentual de amostras positivas para febre amarela por tipo de exame laboratorial realizado segundo área de ocorrência do caso. Brasil, 1999 a 2003 Quadro 1. Comparação das características epidemiológicas dos casos de febre amarela ocorridos na área Extra Amazônica com os ocorridos da Amazônia Legal, 1999 a 2003 Tabela 11. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo sexo. Goiás, 1999 a 2000 Tabela 12. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Goiás, 1999 a 2000 Tabela 13. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo situação vacinal. Goiás, 1999 a 2000 Tabela 14. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo ocupação. Goiás, 1999 a 2000 Tabela 15. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados que se infectaram em Goiás segundo UF de residência. Goiás, 1999 a 2000 66 67 60 68 71 71 71 72 72 15 Descrição Página Tabela 16. Freqüência e percentual de amostras positivas para febre amarela segundo tipo de exame laboratorial realizado. Goiás, 1999 a 2000 Tabela 17. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo zona de residência. Bahia, 2000 Tabela 18. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Bahia, 2000 73 Tabela 19. Freqüência e percentual de amostras positivas segundo tipo de exame realizado. Bahia, 2000 76 Tabela 20. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo sexo. Minas Gerais, 2001 81 Tabela 21. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Minas Gerais, 2001 81 Tabela 22. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo atividade no momento da exposição. Minas Gerais, 2001 82 Tabela 23. Freqüência e percentual de amostras positivas para febre amarela segundo tipo de exame realizado. Minas Gerais, 2001 83 Tabela 24. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo zona de residência. Minas Gerais, 2001 83 Tabela 25. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo município de infecção. Minas Gerais, 2001 84 Tabela 26. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo município de residência. Minas Gerais, 2001 84 Tabela 27. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Minas Gerais, 2002 a 2003 87 Tabela 28. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo ocupação. Minas Gerais, 2002 a 2003 88 Tabela 29. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo zona de residência. Minas Gerais, 2002 a 2003 88 Tabela 30. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo município de infecção. Minas Gerais, 2002 a 2003 89 Tabela 31. Freqüência e percentual de amostras positivas para febre amarela segundo tipo de exame realizado. Minas Gerais, 2002 a 2003 90 Quadro 2. Atributos dos casos de febre amarela silvestre confirmados nos quatro surtos ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003 101 Quadro 3. Atributos das áreas afetadas nos quatro surtos de febre amarela silvestre ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003 102 Quadro 4. Imagens de satélite, limites do Kernel e localização de casos nos focos de febre amarela humana ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003 103 Quadro 5. Classificação do uso do solo e da cobertura vegetal nos quatro focos de febre amarela humana ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003 105 75 76 16 LISTA DE FIGURAS Descrição Página Figura 1. Número de casos de febre amarela e doses de vacina aplicadas. Brasil, 35 1950 a 2003 Figura 2. Provável rota da disseminação da onda epizoótico-epidêmica de febre amarela no Brasil, de 1934 a 1940 Figura 3. Progressão da onda epizoótica na América Central, 1948 a 1954 Figura 4. Áreas de risco para febre amarela silvestre. Brasil, 1997 a 2003 Figura 5. Distribuição dos municípios com casos de febre amarela por município de infecção. Brasil, 1999 a 2003 Figura 6. Distribuição percentual de casos de febre amarela por faixa etária segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Figura 7. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2000, destacando-se a localização do surto registrado no Estado de Goiás Figura 8. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Goiás, 1999 a 2000 Figura 9. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Bahia, 2000 46 47 49 61 62 70 74 77 Figura 10. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2000, destacando-se a localização do surto registrado no Estado da Bahia 77 Figura 11. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Minas Gerais, 2001 85 Figura 12. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2001, destacando-se a localização do surto registrado no Estado de Minas Gerais 86 Figura 13. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2002 a 2003, destacando-se a localização do surto registrado no Estado de Minas Gerais Figura 14. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Minas Gerais, 2002 a 2003 Figura 15. Aspectos da vegetação de Alto Paraíso de Goiás, GO 89 90 92 Figura 16. Aspectos da vegetação de Alto Paraíso de Goiás, GO Figura 17. Construção de armadilha para captura de vetores silvestres pela equipe de Nicolas Degallier em Alto Paraíso de Goiás, 2000 Figura 18. Aspectos paisagísticos e da vegetação de Coribe, BA 93 94 Figura 19. Aspectos paisagísticos e da vegetação de Coribe, BA 96 Figura 20. Praia no Rio Lambari, Bom Despacho, MG Figura 21. Aspectos paisagísticos, Rio Pará, MG Figura 22. Aspectos da vegetação de Serro, MG 97 98 100 Figura 23. Aspectos da vegetação de Sabinópolis, MG 100 95 17 Descrição Página Figura 24. Focos de casos humanos de febre amarela na Região Extra Amazônica. Brasil, 1999 a 2003 106 Figura 25. Principais cidades, rios e focos de casos humanos de febre amarela na Região Extra Amazônica. Brasil, 1999 a 2003 106 Figura 26. Principais cidades, rodovias e focos de casos humanos de febre amarela na Região Extra Amazônica. Brasil, 1999 a 2003 107 Figura 27. Municípios com casos humanos confirmados de febre amarela silvestre e epizootias suspeitas em primatas não humanos fora da Amazônia Legal. Brasil, 1999 a 2003 Figura 28. Municípios com casos humanos confirmados de febre amarela silvestre e epizootias suspeitas em primatas não humanos fora da Amazônia Legal, segundo o tipo de vegetação. Brasil, 1999 a 2003 Figura 29. Provável rota de difusão territorial do vírus da febre amarela no Brasil, de 1998 a 2003 109 111 112 18 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS 1.1. Introdução A febre amarela foi considerada o maior flagelo já vivido pelo homem nas áreas de colonização recente das Américas e da África, nos séculos XVIII e XIX. Até os primeiros anos do século XX foi a mais importante doença epidêmica no Novo Mundo (SOPER, 1944; TOMORI, 1999). No Brasil, foi grande protagonista na história sanitária do País, desde o século XVII até o final do século XIX, registrando-se epidemias nos grandes centros urbanos com elevadas taxas de mortalidade (FRANCO, 1969). Na primeira metade do século XX, com as descobertas de sua etiologia, epidemiologia, meios de transmissão e de prevenção, foram adotadas medidas específicas que resultaram no desaparecimento da febre amarela urbana nos países das Américas (WHO, 1971), inclusive no Brasil. Permaneceu em muitos deles a modalidade silvestre, cujo ciclo é complexo e ainda não plenamente conhecido, o que dificulta a compreensão de certos fenômenos epidemiológicos. Em nosso país, os registros de febre amarela constantes do banco de dados do Ministério da Saúde datam do ano de 1930. O coeficiente de incidência médio anual tem variado em torno de 0,02 casos/100.000 habitantes/ano e a taxa de letalidade média, em torno de 44,6% (BANCO DE DADOS DO PVCFA/MS). Embora o risco de adoecer por febre amarela seja baixo, esta enfermidade ainda é tratada de forma diferenciada pelos organismos internacionais de saúde, sendo uma das três doenças sujeitas ao Regulamento Sanitário Internacional, o que impõe pronta notificação de qualquer evento suspeito que sinalize a circulação do vírus em uma área. E por apresentar grande potencial epidêmico, geralmente com altas taxas de letalidade durante os surtos, bem 19 como por seus impactos adversos sobre o turismo e o comércio, reveste-se de grande relevância como problema de saúde pública. Estudos têm mostrado que a atividade da transmissão no ciclo silvestre é afetada tanto por fatores ecológicos como por outros relacionados ao comportamento humano (VAINIO & CUTTS, 1998; PATZ & KOVATS, 2002). Algumas variáveis ambientais, como temperatura, umidade, pluviosidade e duração da estação chuvosa, além de serem decorrentes de condições regionais e locais, podem também ser influenciadas por determinantes mais gerais, conforme se verificou entre 1999-2000 em uma epidemia explosiva no centro-oeste do Brasil (VASCONCELOS ET AL., 2001a), como a presença do fenômeno El Niño ou do processo de aquecimento global. Como resultado, poderiam ser observadas mudanças nas áreas de ocorrência de casos humanos, atingindo grupos populacionais que não eram até agora considerados vulneráveis, e aumento do risco de introdução do vírus em ciclos urbanos e periurbanos, com a participação de vetores mais endofílicos e antropofílicos. Do mesmo modo que em outras doenças propagadas por vetores, a transmissão, a vigilância, a contenção e o controle dependem da complexa interação entre as populações de hospedeiros, vetores, reservatórios, patógenos e o meio ambiente. Embora reconhecendo a complexidade da rede de determinações e interações envolvidas na produção das endemias, o maior uso dos dados disponíveis nos bancos de registros permanentes dos serviços de saúde pode vir a possibilitar uma melhor compreensão destes processos e o aprimoramento de modelos de vigilância e monitoramento tornando-os mais adequados para esta atual conjuntura, caracterizada pela velocidade das transformações sociais, ambientais e pela difusão de situações de risco. 20 A investigação destas situações de risco envolve essencialmente uma abordagem ecológica do problema e a revalorização da aplicação do método descritivo como recurso relevante para a produção de conhecimentos relativos aos problemas de saúde. “A análise da distribuição das doenças e de seus determinantes nas populações no espaço e no tempo é um aspecto fundamental da Epidemiologia” (MEDRONHO & PEREZ, 2003, p. 57). Recentemente têm sido bem exploradas as perspectivas das análises que consideram a distribuição espacial das doenças e de seus determinantes ambientais e sociais, tanto pelas possibilidades trazidas por novas técnicas analíticas, tais como o geoprocessamento e o processamento de imagens, como por uma maior abertura em relação à incorporação de conceitos de outros campos do conhecimento aos marcos da epidemiologia, como a geografia, o método da complexidade e a perspectiva ecossistêmica da saúde. Mesmo a simples visualização de eventos de saúde em um mapa, a despeito de seu aspecto “estático”, reflete de forma sintética processos históricos, geográficos e ambientais que influenciam e são influenciados pela ação do homem (MEDRONHO & PEREZ, 2003). Tempo, lugar e pessoa, que constituem a tríade básica da epidemiologia descritiva, são também o objeto da geografia, considerando-se que esta estuda a relação entre sociedade e espaço (BARCELLOS, 2000). Muitas doenças possuem padrões geográficos bem definidos e o seu mapeamento torna-se importante quando se considera a necessidade de vigilância diante de epidemias. Assim, a determinação dos locais geográficos onde acontecem ou podem vir a ocorrer os eventos epidemiológicos é fundamental tanto para contribuir na identificação das causas de sua ocorrência como para propor ações capazes de evitá-las ou, pelo menos, reduzí-las. 21 Com esse olhar, a questão central que nos move a realizar este trabalho é descrever a distribuição espacial dos surtos de febre amarela silvestre ocorridos fora da Amazônia Legal, nos últimos cinco anos, bem como as evidências de circulação do vírus entre os hospedeiros primários. Com isso pretende-se buscar indícios que possam estabelecer ligação com o conhecimento atual sobre os focos naturais da doença, bem como outros modelos de explicação para o seu surgimento em curto espaço de tempo em áreas distantes da sua região de transmissão conhecida. 1.2. Justificativa do estudo A elaboração de propostas viáveis para o controle de febre amarela no Brasil deve advir de dados quantitativos e qualitativos acerca da freqüência e distribuição espacial da doença, sobretudo nas áreas não endêmicas. O Brasil tem a maior área enzoótica do mundo para a febre amarela silvestre. Muitos fatores podem atuar no ciclo silvestre da doença deslocando-a de seu foco natural, onde o vírus se propaga continuamente através de hospedeiros primários, e contribuir para a expansão da área epizoótica além das áreas de risco pré-estabelecidas. O processo epizoótico em primatas não humanos que, em geral, torna possível a ocorrência de casos humanos de febre amarela, encontra-se difundido atualmente para além da Amazônia Legal e o mapeamento de casos humanos e epizootias pode permitir a identificação das características do processo. As características dos doentes e dos locais de transmissão onde ocorreram surtos podem contribuir para que se reconheça um padrão epidemiológico distinto, tanto do observado na área endêmica da Amazônia Legal, como daquele relativo a casos esporádicos, infectados durante contatos com vetores na floresta durante atividades ocupacionais ou de lazer. Questões relacionadas ao agente hospedeiro, ao vetor reservatório, bem como a seres humanos suscetíveis e infectados podem influir no perfil 22 epidemiológico da doença e ser responsáveis por surtos na dispersão do vírus da febre amarela fora da Amazônia Legal. Condições geográfico-ecológicas especiais determinam a concentração de doentes, porém o controle biológico pelo homem por meio de vacinação e inseticidas, quando indicados, pode contrabalançar o risco potencial da transmissão humana e de epidemias. Identificar os padrões de distribuição da doença no tempo e espaço irá permitir compreender melhor a complexa epidemiologia da transmissão da enfermidade. 1.3. Objetivos 1.3.1. Geral Descrever os surtos e as características da febre amarela silvestre no Brasil no período de 1999 a 2003, nas regiões fora dos limites da Amazônia Legal, e comparar as características dos casos amazônicos com aqueles notificados nesta área, analisando a reemergência de um padrão epizoótico-epidêmico. 1.3.2. Específicos 1.3.2.1. Revisar o conhecimento acumulado sobre a epidemiologia da febre amarela no Brasil, com ênfase nas categorias relevantes para a caracterização do padrão silvestre e a distribuição espaço-temporal do processo enzoótico-epizoótico. 1.3.2.2. Descrever as características epidemiológicas dos casos confirmados de febre amarela silvestre que ocorreram fora da Amazônia Legal e compará-las com aquelas dos casos registrados naquela região. 1.3.2.3. Descrever os surtos de febre amarela silvestre ocorridos durante a dispersão do vírus fora da Amazônia Legal no período do estudo, com ênfase às características ambientais dos focos. 23 1.3.2.4. Descrever a distribuição espacial das epizootias em primatas não humanos suspeitas e confirmadas de febre amarela. 1.3.2.5. Propor a utilização dos resultados deste estudo para revisar o modelo de vigilância e monitoramento da febre amarela, enfatizando o componente de vigilância de epizootias em primatas não humanos, no Sistema Único de Saúde. 24 CAPÍTULO 2. REVISÃO DO CONHECIMENTO E DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS 2.1. Aspectos históricos Febre amarela é uma enfermidade hemorrágica viral aguda causada por um arbovírus do gênero Flavivirus, família Flaviviridae. Sua apresentação clínica clássica caracteriza-se por um quadro de insuficiência hépato-renal que pode levar à morte em até dez dias por falência múltipla de órgãos. Até recentemente, a história da procedência do vírus da febre amarela não era considerada completamente esclarecida, por faltarem registros seguros que identificassem em que parte do mundo foi originada, se na América Tropical ou na África Ocidental. Os que defendiam a origem africana acreditavam que essa enfermidade teria sido trazida ao Novo Mundo pelos navios que faziam o tráfico de escravos (CARTER, 1931; MONATH, 2001; MCCARTHY, 2001). Franco (1969), em revisão histórica da febre amarela no Brasil, referese a vários estudiosos que procuraram dar sustentação a essa teoria: Pym (1815), Audouard (1824), Scott (1939) e Faget (1859). Esse mesmo autor faz referência a diversos episódios da “praga epidêmica” na América Central durante os séculos XV e XVI. O primeiro deles foi em 1495, na ilha Espanhola (Haiti), durante a segunda expedição de Cristóvão Colombo, logo após intensa batalha travada entre os espanhóis e os indígenas. Uma epidemia com sintomas semelhantes aos da febre amarela fez numerosas vítimas fatais. A partir de então, começaram a surgir resenhas, notas e monografias referindo-se a uma doença epidêmica existente no Novo Mundo, desconhecida na Europa (FRANCO, 1969). Embora alguns pesquisadores tenham encontrado vestígios de surtos epidêmicos provenientes das selvas que invadiam os povoados na civilização maia (BUSTAMANTE, 25 1958 APUD FRANCO, 1969) antes da chegada dos espanhóis em terras americanas, o primeiro relato identificável é de um manuscrito maia de 1648, o qual descreve uma doença epidêmica que cursava com vômito negro, em Yucatan, no México (CARTER, 1931). Portanto, era provável que a febre amarela poderia ter se originado em qualquer um dos dois continentes, considerando que ambos se abriram ao comércio europeu entre meados e final do século XV e que as comunicações entre a América Tropical e a África Ocidental iniciaram precocemente e passaram a ser regulares, proporcionando o intercâmbio de doenças infecciosas (ARJONA, S.D) Estudos recentes, utilizando técnicas de biologia molecular, possibilitaram estabelecer relações filogenéticas entre as cepas circulantes nos dois continentes, comprovando a origem africana do vírus (WANG ET AL., 1996; MUTEBI ET AL., 2001). As cepas da África Ocidental mostraram-se semelhantes à cepa Asibi (Ghana27), a primeira isolada no mundo, enquanto as demais – Centro Leste da África e cepas da América do Sul – apresentaram deleção genótipo-específica de alguns nucleotídeos. Além disso, observou-se duplicação de determinada seqüência nucleotídica dos vírus da África Ocidental. A árvore filogenética sugeriu que a duplicação teria ocorrido após sua introdução nas Américas (WANG ET AL., 1996). Não obstante a comprovação da origem do vírus, o primeiro registro de epidemia conhecido no continente africano data de 1778, ocorrido entre tropas britânicas em San Luís, no Senegal, clinicamente descrito como a mesma doença das zonas tropicais das Américas (HADDOW, 1968). A partir desse episódio, surtos da enfermidade passaram a ocorrer com freqüência e alta gravidade (FRANCO, 1969; STRANO ET AL., 1975). No século XIX há relatos de inúmeras epidemias na África Ocidental, a grande maioria delas no Senegal – em número de 12 –, seguido de Serra Leoa – 6 epidemias –, Costa do Congo, Ilhas Canárias e em vários outros países (VAINIO & CUTTS, 1998). 26 Repetidas vezes a febre amarela foi introduzida nos portos marítimos da Europa e dos Estados Unidos através de navios infestados com mosquitos Aedes aegypti que garantiam a transmissão entre os tripulantes (MONATH, 2003). Na Europa, há relatos de surtos de febre amarela a partir de 1649, em Gibraltar, na Espanha, para onde foi trazida por navios na rota da África para as Índias Ocidentais e, posteriormente, em 1723, na cidade de Lisboa, em Portugal, de onde se espalhou para Londres, na Inglaterra (VAINIO & CUTTS, 1998). Entretanto, a primeira epidemia geralmente aceita na Europa ocorreu em 1730, em Cadiz, Espanha, com o registro de 2.200 mortes. Entre 1730 e 1878 surtos importantes ocorreram em Portugal, Espanha, França, Itália e Inglaterra, dizimando populações e paralisando indústrias e comércios (STRODE, 1951; VAINIO & CUTTS, 1998). O continente americano foi palco de epidemias devastadoras em suas regiões tropicais e subtropicais, fazendo com que a febre amarela se tornasse na doença mais temida no decorrer dos séculos XVIII e XIX. As rotas comerciais entre as colônias da América do Norte e das Índias Ocidentais propiciaram a introdução da febre amarela em terras norteamericanas, através de navios onde a água era armazenada em barris de madeira, os quais serviam de criadouros para o mosquito Aedes aegypti. O primeiro registro epidêmico teria sido em 1668, tendo sido descrito como “particularmente destrutivo” nas cidades de Nova York e Filadélfia (STRODE, 1951). Epidemias de febre amarela atacaram os Estados Unidos repetidamente nos séculos XVIII e XIX. No curso da história, a Filadélfia sofreu 20 epidemias, Nova York 15, Boston 8 e Baltimore 7 (STRODE, 1951; WARREN, 1951 APUD FRANCO, 1969). No final do século XVIII (1793), a cidade de Filadélfia, à época capital dos Estados Unidos, foi atingida por uma das mais severas epidemias registradas no país, que vitimou 10% da população (POWELL, 1949 APUD MONATH, 2003). A doença não era autóctone, as 27 epidemias eram importadas através de navios vindos do Caribe. Antes de 1822, a febre amarela atacou cidades ao norte, como Boston, mas após esse ano ficou restrita ao sul. Imigrantes brancos recém-chegados nas cidades portuárias do sul eram os mais vulneráveis enquanto a população branca e negra local gozava de considerável resistência. Cidades portuárias foram os primeiros alvos, mas ocasionalmente, nos anos 1800s, a doença se espalhava até além do Rio Mississipi. As cidades de Nova Orleans, Mobile, Savannah e Charleston foram as mais atingidas (PATTERSON, 1992). Muitas outras cidades foram igualmente atingidas, mas a epidemia de febre amarela com impacto mais devastador na história recente dos Estados Unidos, ocorreu em 1878, no Vale do Mississipi, levando a óbito cerca de 13.000 pessoas e causando uma perda econômica de mais de 100 milhões de dólares (STRODE, 1951; MORRIS, 1995). A última epidemia registrada nesse país foi em 1905, em Nova Orleans, com 8.399 casos e 908 óbitos (SOPER, 1972; MONATH, 2003). Nesse mesmo ano foram identificados casos importados de Nova Orleans em várias províncias de Cuba (CURBELO, 2000). A febre amarela começou a atacar o território cubano em 1620. A partir de então, principalmente do ano 1649, em que a epidemia foi mais extensa (mortalidade de 121,72/100.000 habitantes), a doença permaneceu entre as populações da ilha em forma endemo-epidêmica, mantendo-se durante os séculos XVII, XVIII, XIX e início do século XX, até o ano de 1909 (CURBELO, 2000). A descoberta do vetor transmissor do temido vômito negro, o mosquito Stegomyia fasciata (Aedes aegypti), pelo cientista cubano Carlos Finlay em 1881, confirmada pela Comissão Reed em 1901, facilitou a execução das grandes medidas de saneamento ambiental geral. Tais ações possibilitaram que já em 1909 não houvesse mais casos de febre amarela na ilha, extinguindo-se um terrível flagelo que ocasionara milhares de mortes de espanhóis e 28 cubanos. Calcula-se que de 1850 a 1904 morreram em toda a ilha de Cuba 103.976 pessoas por febre amarela (CURBELO, 2000). A ocorrência da febre amarela no Caribe entre 1620 e 1900 foi documentada por Scott (SCOTT, 1939 APUD LEWIS, 1991). Durante esse período a região foi devastada por terríveis epidemias que se espalharam repetidamente através das ilhas causando perdas enormes. No decorrer dos séculos XVIII e XIX a maioria das epidemias incidiu, com alta mortalidade, em tropas européias e tripulações de navios em guerra no Caribe. É digno de nota que em 1869, durante epidemia na ilha de Trinidad, há relato de morte de macacos nos arredores das cidades afetadas em conseqüência da febre amarela (KINGSLEY, 1871 APUD LEWIS, 1991). Porém, essa relação só foi estabelecida várias décadas mais tarde em episódio de febre amarela silvestre ocorrido e documentado no Brasil por Fred Soper (1933). Na construção do Canal do Panamá, iniciada no final do século XIX pela França, morreram milhares de trabalhadores, a maioria de febre amarela, malária, dengue e cólera. Em 1904, já sob a responsabilidade do governo americano, o presidente Theodore Roosevelt incorporou a descoberta da Comissão Reed em seu plano de construção, pressupondo que a febre amarela e a malária seriam o maior impedimento para a execução do projeto e que as mesmas medidas antimosquito que haviam exterminado a febre amarela em Cuba e Estados Unidos seriam igualmente efetivas no Panamá. Assim, as rigorosas medidas higiênicas e de combate aos mosquitos possibilitaram a redução dos casos de malária e da taxa de mortalidade por febre amarela (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1990). Na América do Sul, a febre amarela que seguiu a rota do Atlântico em 1849, começando no Rio de Janeiro e estendendo-se para o sul, não chegou ao Chile, porém atingiu, em 1857, Montevidéu, no Uruguai, e Buenos Aires, na Argentina (LAVAL, 2003). 29 Na segunda metade do século XIX, uma grande epidemia de febre amarela propagou-se por todo o litoral das Américas e estendeu-se pela costa do Oceano Pacífico, do México ao Peru. No Atlântico, alastrou-se até o Porto de Santos, Brasil. Fora do litoral, a doença penetrou na Bacia Amazônica. A gravidade sanitária daquele momento pôde ser traduzida pela situação da cidade de Buenos Aires que, em 1871, vivenciou a maior epidemia de febre amarela de sua história sanitária (SABATTINI ET AL., 1998); a doença atingiu 13.761 pessoas, dizimou grande parte da população e foi responsável pelo esvaziamento da cidade, expulsando os sobreviventes para outras regiões. Posteriormente, a febre amarela não poupou nenhum país na América do Sul, nem mesmo o Chile. Embora os relatos sobre a existência da doença nesse país sejam contraditórios, em 1912 foi documentado um surto de grandes proporções em Tocopilla, que registrou 1.101 casos e 394 mortes, para onde o vírus teria sido levado pelo vapor britânico "Condor" procedente de Guayaquil, no Equador. As medidas profiláticas estabelecidas contra o mosquito Aedes aegypti obtiveram resultados rápidos e positivos, pois possibilitaram sua completa erradicação de todos os lugares em que prevalecia e, desde então, não se voltou a apresentar um único caso de febre amarela no Chile (LAVAL, 2003). Em anos recentes ocorreram surtos na América Central, em 1950-1957, e em Trinidad, em 1954, quando foram registrados os últimos casos de febre amarela urbana na região do Caribe (WHO, 1971; LEWIS, 1991). A primeira epidemia descrita no Brasil data de novembro de 1685, no Recife, Pernambuco, sendo a hipótese mais aceita ter sido trazida em barco procedente de São Tomé, na África, que teria feito escala em São Domingo, nas Antilhas, onde a enfermidade dizimava a população (FRANCO, 1969; TEIXEIRA, 2001). A agressividade do comportamento da doença nessa capital pode ser deduzida de relatos históricos da época, os quais mostraram que entre 25 de dezembro e 10 de janeiro 30 foram sepultadas no Recife quase seiscentas pessoas (PIMENTA, 1708 APUD FRANCO, 1969). Dentre os aspectos positivos demandados por essa epidemia, destacam-se a primeira campanha profilática posta em prática, oficialmente, no Novo Continente e o primeiro livro sobre febre amarela escrito no Brasil, o “Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco”, ambos da autoria do médico português João Ferreira da Rosa. A febre amarela permaneceu no Recife pelo menos por dez anos, apresentando-se em caráter esporádico e, às vezes, recrudescendo na época do inverno. Em 1686, irrompeu em Salvador, Bahia, havendo relatos de sua presença no estado até meados de 1692, período em que cerca de 25.000 pessoas adoeceram e 900 morreram (FRANCO, 1969). Seguiu-se um longo período de silêncio epidemiológico no país que durou cerca de 150 anos, sugerindo que as epidemias não teriam ocorrido, pelo menos de forma significativa (FRANCO, 1969; AMARAL & TAUIL, 1983). Tal silêncio foi rompido pela sua re-emergência no porto de Salvador, em 1849. Desta vez, manifestou-se dias após a chegada de um navio americano procedente de Nova Orleans, com escala em Havana, ambas as cidades infectadas pela doença. A partir da Bahia, propagou-se para o norte e para o sul do país, surgindo, a princípio, nas cidades litorâneas e avançando posteriormente para o interior, atingindo dezesseis províncias do Império no período compreendido entre 1849 e 1861. Embora haja referências anteriores sobre a ocorrência de febres com “icterícia preta” (1811) e “febres biliosas” (1813) na cidade do Rio de Janeiro (FRANCO, 1969), considera-se que a capital federal tenha sido atingida pela primeira vez em dezembro de 1849, após a chegada da barca americana “Navarre”, procedente do porto de Salvador. Instalou-se ali uma epidemia de grande vulto que se disseminou por toda a cidade e, durante os nove meses que se seguiram acometeu, aproximadamente, 90.658 pessoas, com 31 4.160 casos fatais, numa população de 166.000 habitantes. O caos sanitário que se instalou na capital do país foi fator determinante para uma ação governamental enérgica. Assim, em fevereiro de 1850 a febre amarela se estabeleceu como problema de saúde pública, quando foram formalizados instrumentos legais específicos “para prevenir e atalhar o progresso” da doença (AVISO Nº 10, DE 14 DE FEVEREIRO DE 1850), tais como: avisos, providências, regulamento sanitário e outras medidas de caráter coletivo e de disciplina dos espaços urbanos (FRANCO, 1969; BENCHIMOL, 2001). Debelada a epidemia, possivelmente casos esporádicos continuaram a ocorrer, pois há relatos da disseminação da doença para outros países a partir do porto do Rio de Janeiro: para as cidades portuguesas do Porto (1851 e 1856) e Lisboa (1857), para Montevidéu e Buenos Aires (1857). Na capital federal a doença encontrou condições adequadas para permanecer por 59 anos, contabilizando 58.063 óbitos nesse período (FRANCO, 1969). O início do século XX foi marcado pela descoberta do modo de transmissão da febre amarela. Em janeiro de 1901, antes mesmo de William Gorgas iniciar o controle do Aedes aegypti nas ações contra a febre amarela em Havana, Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, deflagrava a primeira campanha contra o mosquito na cidade de Sorocaba. Outros trabalhos exitosos foram empreendidos em outras cidades paulistas, porém a campanha contra a enfermidade no Rio de Janeiro, de 1903 a 1907, foi considerada uma das páginas gloriosas da medicina brasileira, que consagrou o nome de Oswaldo Cruz e projetou o Brasil no cenário internacional (ALMEIDA, 2000; REZENDE, 2001). Decorridos dez anos dessa obra gigantesca, o Rio de Janeiro vivenciou novamente uma grande epidemia urbana, entre maio de 1928 e setembro de 1929, a última registrada no Brasil, que computou 738 casos e 478 óbitos, com uma taxa de letalidade de 64,8%. A 32 ocorrência dessa epidemia revelou a dificuldade de se manter serviços permanentes contra o Aedes aegypti, pois não era possível garantir um bom nível de eficiência sem os recursos necessários, que eram retirados quando terminada a ameaça imediata das epidemias (FRANCO, 1969). A Fundação Rockfeller, criada em 1913, desempenhou importante papel nos países afetados pela febre amarela, com os quais se comprometeu a colaborar na erradicação da doença. Sua atuação junto ao governo brasileiro iniciou-se em 1923. A base dos trabalhos da Fundação era a teoria dos chamados “focos-chave”, que consistia na eliminação dos locais onde procriava o Aedes aegypti em alguns centros endêmicos. Segundo essa teoria, uma vez eliminadas as condições de procriação do vetor no foco principal, este se extinguia e a febre amarela desapareceria espontaneamente das cidades e aldeias circundantes. E, para isso, não seria necessária a eliminação completa das larvas do mosquito, mas apenas uma redução de sua densidade a níveis iguais ou inferiores ao “índice crítico” de 5% (FRANCO, 1969). Os resultados positivos da estratégia adotada pela Fundação puderam ser observados imediatamente após a realização das primeiras campanhas de saneamento em centros endêmicos, como Recife, Manaus e Salvador, nos quais a doença ia se extinguindo e desaparecendo espontaneamente das aldeias ligadas a esses centros. Todavia a teoria dos “focos-chave” logo se mostrou inadequada diante dos constantes relatos de casos em comunidades rurais e reintroduções da doença nas cidades onde havia sido eliminada. Em 1930, sob o comando de Fred Soper, a Fundação Rockfeller adotou nova estratégia de ação antivetorial visando à erradicação do Aedes aegypti, por meio de uma rigorosa organização hierárquica do serviço, do tipo piramidal. Com essa estrutura, em 1933, os métodos adotados conduziram à erradicação do mosquito em uma série de cidades brasileiras, muito antes da introdução do DDT (BENCHIMOL, 2001). 33 Nesse ínterim, foi descoberto o ciclo silvestre da doença, em 1932, no Vale do Canaã, Estado do Espírito Santo (SOPER, 1933). O fato teve repercussões de caráter epidemiológico seríssimas, pois significou a derrota do sonho brasileiro e da própria Fundação Rockfeller de erradicação da febre amarela, uma vez que os métodos de combate ao vetor urbano não poderiam ser empregados para combater os vetores silvestres. Impôs-se, então, uma revisão dos conceitos vigentes sobre a epidemiologia da enfermidade, obrigando os pesquisadores a reavaliar o problema de prevenção da modalidade urbana. Ao mesmo tempo, a febre amarela das matas passou a ser objeto de intervenções visando ao seu controle por representar uma ameaça permanente para os povoados e cidades. Nessa época, no período de 1934 a 1940, foi documentado o primeiro e maior surto de febre amarela silvestre no Brasil, com a ocorrência também de casos em áreas urbanas. Registraram-se 1.038 casos da forma silvestre e 21 urbanos, atingindo nove estados: Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo, alcançando inclusive o Paraguai e parte da Província de Missiones, Argentina (BARRETO, 1949; FRANCO, 1969; SOPER ET AL, 1972; BANCO DE DADOS DO PVCFA). Era de consenso geral que para evitar epidemias urbanas provocadas por surtos silvestres seria necessário erradicar o Aedes aegypti. Neste sentido, em 1934, o Serviço Nacional de Febre Amarela passou a por em prática a estratégia de erradicação do mosquito, vindo a ser adotada oficialmente pelo Governo do Brasil somente em 1942. Exceção feita a dois surtos ocorridos em 1937 e 1938, respectivamente, nos estados de São Paulo e Santa Catarina, nos anos que se seguiram à implantação das medidas anti-aedes observou-se uma redução gradativa dos casos urbanos, até seu desaparecimento a partir de 1939. Reapareceu em 1942 no território do Acre, onde três casos ocorreram na pequena cidade de Sena Madureira, conseqüentes a um surto silvestre na zona rural. Desde 34 esse episódio, não mais se registraram casos de febre amarela urbana em território brasileiro (FRANCO, 1969; TAUIL, 1998). Em 1947 tornaram-se conhecidas as propriedades inseticidas e larvicidas do DDT, cuja ação residual o elegeu como arma estratégica eficaz na luta contra o Aedes aegypti, aliado ao petróleo, já de uso corrente. Assim, o objetivo da erradicação, considerado impossível, dada a grande extensão geográfica do país e a ampla dispersão do vetor em todos os estados e territórios, foi alcançado e reconhecido pela Organização Sanitária PanAmericana durante a XV Conferência Sanitária Pan-Americana realizada em Porto Rico, em 2 de outubro de 1958 (FRANCO, 1969). O impacto do programa brasileiro não passou despercebido aos países empenhados na luta antiaédica, muitos dos quais já adotavam os métodos aqui utilizados (FRANCO, 1969). Em 1947, antes mesmo da certificação do Brasil, a Organização Sanitária Pan-Americana aprovou um plano de erradicação continental do Aedes aegypti, que resultou, em 1962, na sua eliminação em 18 países do continente americano (OPAS, 1966; TAUIL, 1998). O sucesso obtido foi prejudicado pelo fato de alguns países do continente não terem aderido ao plano, o que possibilitou a reinfestação de vários dos que haviam logrado sua erradicação (TEIXEIRA & BARRETO, 1996). No Brasil, em 1967, o mosquito foi detectado na cidade de Belém, vindo a ser eliminado em 1973 (AMARAL & TAUIL, 1983). Posteriormente, em 1976, foi encontrado na área portuária de Salvador, de onde se dispersou, gradativamente, para outros estados. Atualmente, os registros do Ministério da Saúde, de agosto de 2003, assinalam sua presença em 3.794 municípios brasileiros, situação que causa preocupação devido ao risco de ocorrência de casos urbanos de febre amarela. 35 2.2. Situação do problema no Brasil após 1950 Todos os anos, África e América do Sul notificam casos à Organização Mundial de Saúde. Recentemente, no período de 1990 a 1999, foram notificados na África 11.297 casos e 2.648 óbitos, sendo a Nigéria o país com maior ocorrência. No mesmo período, a América do Sul notificou 1.939 casos e 941 óbitos, distribuídos em sete países, sendo que Peru, Bolívia e Brasil, foram, nessa ordem, os países com maior número de casos. Entretanto, estima-se que o número real seja pelo menos 10 vezes maior (MONATH, 2001) ou mesmo 500 vezes maior que o dos dados oficiais (WHO, 1986, 1990, 2005). No Brasil, a partir de 1950 até 2003, foram investigados e confirmados 1.240 casos de febre amarela, todos considerados de transmissão silvestre, levando em conta o local provável de infecção (BANCO DE DADOS DO PVCFA/MS). Na Figura 1 está representada a evolução histórica do processo epidêmico nesse período. Figura 1. Número de casos de febre amarela e doses de vacina aplicadas. Brasil, 1950 a 2003. 36 Observa-se que até 1997 a incidência de casos apresentava uma certa regularidade, com epidemias sugerindo um padrão cíclico de cinco a sete anos, alternados por períodos com pequena ocorrência de casos. Entretanto, a partir de 1998 esta tendência se modificou, com aumento progressivo do número de casos, ao mesmo tempo em que se observaram modificações de caráter espacial no perfil epidemiológico de ocorrência. Durante os anos de 1999 e 2000 houve um deslocamento para o sul e para o leste que permaneceu em 2003, à medida que iam ocorrendo surtos e epidemias que extrapolavam as áreas de risco préestabelecidas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001; VASCONCELOS ET AL., 2003). Esse comportamento parece sugerir uma reemergência da doença, semelhantemente ao que se observou a partir de 1995 no Peru e na Bolívia, países vizinhos ao Brasil com os quais compartilhamos ecossistemas. Nesses países houve uma intensificação da circulação viral acompanhada de alta letalidade, mostrando uma reemergência não esperada (ROBERTSON ET AL., 1996; GUBLER, 2004). Nesse período de 53 anos algumas epidemias merecem destaque, quer pelo grande número de casos registrados, quer pela abrangência no território nacional. Entre fins de 1950 e meados de 1953 uma epidemia que teve início em Goiás disseminou-se no Estado, registrando-se atividade viral em 16 municípios, propagando-se para Minas Gerais, onde atingiu 26 municípios. Seguiu para Mato Grosso, afetando 12 municípios, e depois para São Paulo, onde se disseminou amplamente para 39 municípios, não tendo havido transmissão apenas nas regiões leste e sul do território paulista. No caminho para o sul do país alcançou o Paraná, onde se estancou após deixar um saldo de 46 casos em 13 municípios. Ao final do período, foram contabilizados 310 casos, dos quais 129 (42%) ocorreram no Estado de São Paulo, 68 em Minas Gerais, 46 no Paraná, 43 em Goiás e 24 em Mato Grosso. Casos isolados foram detectados também no leste da Bahia, leste do Maranhão e no Acre (FRANCO, 1969; BANCO DE DADOS DO PVCFA/MS). Cabe destacar que só eram aceitos como casos da 37 doença aqueles confirmados no laboratório, com o exame de amostras de fígado obtidas por viscerotomia, portanto é provável que o real número de casos tenha sido muito superior aos registros existentes, já que nem todos evoluem para o óbito e muitos podem ter ocorrido em áreas longínquas, não alcançáveis pelos serviços de viscerotomia. Ainda assim, expressa a força de transmissão do vírus da febre amarela, cujo padrão epidêmico só voltou a se repetir cerca de 50 anos depois. A partir daí, o país vivenciou a ocorrência de epidemias de menor magnitude, mas nem por isso menos relevantes. Em 1973, uma epidemia em Goiás, com 60 casos confirmados, envolveu 36 municípios na transmissão (PINHEIRO ET AL., 1978). Na década seguinte, em 1984, uma epidemia na Região Norte deixou um saldo de 45 casos, com 64,4% deles no Pará (TRAVASSOS DA ROSA ET AL., 1984). Em 1993, foram registrados 83 casos no país, dos quais, 74 (89,1%) no Maranhão (VASCONCELOS ET AL., 1997a). Na virada do século, entre os anos de 1998 e 2003, observou-se a repetição do processo epizoótico-epidêmico continental dos anos 50. Uma epidemia de grandes proporções teve lugar no Centro Oeste, particularmente nos estados de Tocantins e Goiás, provavelmente como parte de uma onda que teve como ponto de partida a Região Norte, no início de 1998. De Goiás disseminou-se para o nordeste e atingiu o oeste da Bahia e no sentido oeste alcançou o Estado de Mato Grosso. Em sua marcha para o sudeste passou por São Paulo, atingindo dois municípios na fronteira com Minas Gerais. Neste Estado ocorreram dois surtos explosivos em diferentes regiões, em anos consecutivos. Não houve detecção de casos humanos nos estados do Sul, porém foram registradas epizootias no Paraná e no Rio Grande do Sul. À exceção de São Paulo e Distrito Federal, em todos os estados com ocorrência de casos da doença houve registro de morte de primatas não humanos associadas ao vírus da febre amarela. Nesse percurso o vírus amarílico atingiu as cinco regiões brasileiras e nos estados citados deixou um saldo de 315 casos, dos quais 98 ocorreram em Minas Gerais, 64 38 em Goiás, 64 no Pará, 22 em Tocantins, 20 em Mato Grosso, 18 no Amazonas, 13 em Roraima, 10 na Bahia e seis casos isolados em São Paulo, Distrito Federal, Acre e Rondônia (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001; VASCONCELOS ET AL., 2003; BANCO DE DADOS DO PVCFA/MS). Em todas as situações epidêmicas dos últimos 50 anos o impacto do uso da vacina contra febre amarela foi bastante evidente, resultando na rápida redução do número de casos (Figura 1). A produção da vacina no Brasil iniciou-se em 1937 (cepa 17 DD, procedente da amostra africana Asibi) e nesse mesmo ano foi usada pela primeira vez em maior escala, durante um surto de febre amarela ocorrido em municípios de Minas Gerais recém-infectados pela febre amarela silvestre. A vacinação começou no mês de junho, em Varginha, principalmente em trabalhadores rurais das plantações de café, estendendo-se, posteriormente, para Lavras, Três Corações e Três Pontas, para toda a população a partir de dois anos de idade. Até o final daquele ano foram vacinadas 38.077 pessoas (FRANCO, 1969; BENCHIMOL, 2001). A partir de 1946, quando foram delimitadas pela primeira vez as duas “zonas endêmicas” para febre amarela no Brasil – a área endêmica, que se estendia por toda a Amazônia e incluía os municípios de Ilhéus e Itabuna, da zona cacaueira da Bahia e a área epidêmica, abaixo desse limite (BRASIL, 1950) –, a vacina passou a ser utilizada na área endêmica ou enzoótica, de forma sistemática a cada cinco anos, às vezes em campanhas de vacinação em massa ou mesmo como intensificação da vacinação de rotina. Em todos esses anos tem sido comprovado que quando adequadamente aplicada, impede a transmissão humana, sendo, portanto um meio eficaz para prevenir a doença. Em abril de 1991, com a criação da Fundação Nacional de Saúde, a execução das atividades de vacinação passou a ser de responsabilidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI). As estratégias para a operacionalização passaram a ser estabelecidas em 39 conjunto com a Gerência Técnica de Febre Amarela e Dengue, incluindo: vacinação regular, por equipes móveis, campanhas de multivacinação, campanhas de intensificação e vacinação de bloqueio. A idade para iniciar a vacinação foi estabelecida recentemente para os 9 meses de idade (PORTARIA 597/MINISTÉRIO DA SAÚDE, DE 08 DE ABRIL DE 2004). 2.3. Marcos conceituais 2.3.1. A espacialização do processo enzoótico-epizoótico da febre amarela A vinculação de problemas de saúde pública com o meio ambiente tem sido referenciada desde os tempos antigos e aparece em quase todos os tratados da medicina desde Hipócrates (WISLOW, 1967). Entretanto, somente na terceira década do século XX a compreensão da relação entre o espaço como totalidade organizada e a ocorrência de doenças adquire maior materialidade, a partir dos estudos desenvolvidos por Pavlovsky sobre os processos de transmissão de doenças, mais especificamente das doenças transmitidas por vetores, em 1939, na União Soviética (PAVLOVSKY, 1989; CZERESNIA & RIBEIRO, 2000). Pavlovsky estabeleceu o conceito de foco natural das enfermidades, relacionandoo com uma paisagem geográfica específica, modificada ou não por ação antrópica, delimitada por certas comunidades bióticas, que apresentam as condições favoráveis para a circulação de agentes. A paisagem do foco é concebida como uma categoria epidemiológica, com suas características relacionadas àquelas do ecossistema local (SILVA, 1997). Na lógica de Pavlovsky, hospedeiros animais, vetores e agentes patogênicos são todos membros de uma patobiocenose associada a um território geográfico particular (PAVLOVSKY, 1989). Nesse ambiente a doença circula entre animais, aos quais os agentes patogênicos são transmitidos por vetores, especialmente artrópodes. O homem não é um elemento essencial desse foco natural, porém, eventualmente sua ação nesse espaço pode 40 resultar em desequilíbrio e, em conseqüência, na eliminação ou amplificação da extensão do foco e de seu potencial para reprodução dos parasitas e produção de doenças. (ROSICKY, 1967). Quando isso ocorre, ou seja, quando o homem passa a ocupar os focos naturais, “esta (a doença) passa a ter como que uma personalidade própria e se incorpora no contexto ecológico, sendo vista como parte integrante do ecossistema.” (SILVA, 1997:589). Embora Pavlovsky tenha trazido uma nova conotação de espaço enquanto lugar de transmissão de parasitas, como foi mencionado por Silva e reforçado por Czeresnia & Ribeiro, existem limitações em sua teoria, na medida em que não explica o comportamento de uma doença quando ela transcende o seu meio natural e se incorpora a uma sociedade humana (SILVA, 1997; CZERESNIA & RIBEIRO, 2000). O desenvolvimento dos fundamentos da teoria de focos naturais permitiu a realização de vários estudos posteriores para explicar os processos de produção das doenças. Rosicky aprofundou a discussão sobre a estrutura biótica do foco natural mostrando sua estreita conexão com a estrutura espacial. Esta consiste na distribuição espacial dos componentes dos ciclos e na composição de ecossistemas específicos, com as relações biocenóticas importantes para a formação e existência de um foco natural. Segundo este autor, o agente patogênico não se distribui de forma homogênea no território; em algumas partes sua existência depende da densidade populacional de reservatórios e vetores, o que a torna limitada por um certo tempo, enquanto que em outras partes as condições são mais adequadas para manutenção e permanência do agente por um longo tempo (ROSICKY, 1967). Este ponto nos remete ao conceito de nosoárea apresentado por Sinnecker, que corresponde àquela unidade espacial onde o agente infeccioso é mantido permanentemente e fatores ecológicos e sociais são precondições da ocorrência de enfermidades. Estas são distribuídas de formas distintas nos territórios e as atividades humanas nestes espaços podem 41 promover ou inibir o desenvolvimento de doenças. Para este autor, o processo infeccioso (epidêmico-epizoótico) é um sistema multifatorial que envolve elementos básicos (hospedeiros, reservatórios, processo de transmissão e suscetibilidade da população) e fatores geográficos, ecológicos e sociais que atuam como “ativadores” desses elementos (SINNECKER, 1976). Uma outra proposta relativa aos estudos das relações entre espaço e saúde foi formulada paralelamente por um geógrafo francês, na metade do século XX. A teoria do complexo patogênico de Maximilian Sorre surgiu nos anos 1940 englobando, além dos elementos citados por Pavlovsky – hospedeiros, agente patogênico e seus vetores –, todos os seres que condicionam ou comprometem sua existência (SORRE, 1947). Esse autor procurou trabalhar a importância da ação humana na formação e na dinâmica do complexo patogênico. Portanto, a compreensão desse complexo deve ser apreendida no conjunto de três planos onde se desenvolve a atividade humana: na geografia – plano físico – nas ciências sociais e nas ciências biológicas (BARRETO, 2000; LEMOS & LIMA, 2002). As contribuições brasileiras no campo da Geografia Médica tiveram a sua origem no higienismo e na proximidade cultural do país com a França, num período de intensas mudanças marcadas pelo fim da escravidão e do Império. Limitavam-se ao estudo da distribuição geográfica de certas doenças transmissíveis e de seus vetores, principalmente a febre amarela. A partir do final do século XIX, a reforma sanitária se impôs nas cidades brasileiras, constituindo-se em experiências urbanísticas que visavam ao controle das epidemias. Médicos e engenheiros sanitaristas, que se colocaram à frente na tarefa de sanear o espaço urbano, conferiram enorme prestígio aos estudos geográficos, que se consolidaram como um dos principais discursos ideológicos de parcelas significativas da elite intelectual brasileira (BENCHIMOL, 2001). 42 Posteriormente, com o desenvolvimento da tradição da Medicina Tropical, o pensamento de Pavlovsky e Sorre, principalmente do primeiro, orientou discussões e fundamentou bases conceituais em geografia médica na América Latina. No Brasil, Samuel Pessoa (1978) ao estudar as endemias tropicais, especialmente as transmitidas por vetores, afirmou que: O meio geográfico cria, indiscutivelmente, condições constantes e necessárias para a incidência e propagação de inúmeras moléstias reinantes nos trópicos e, principalmente em relação às doenças metaxênicas... como por exemplo, a malária, a febre amarela, as filarioses transmitidas por mosquitos, a esquistossomose por moluscos. (Pessoa, 1978:151). Ainda na década de 1970, mas no contexto do projeto desenvolvimentista do Governo Militar Brasileiro, a questão da distribuição geográfica das doenças foi considerada de interesse estratégico. Para Lacaz (1972), no seu Introdução à Geografia Médica no Brasil, Quando se estuda uma doença, principalmente as metaxênicas (doenças que possuem um reservatório na natureza e um vetor biológico no qual se passa uma das fases do ciclo evolutivo do agente infectante), sob o ângulo da Geografia Médica, devemos considerar, ao lado do agente etiológico, do vetor, do reservatório, do hospedeiro intermediário e do Homem suscetível, os fatores geográficos representados pelos fatores físicos (clima, relevo, solos, hidrografia, etc.), fatores humanos ou sociais (distribuição e densidade da população, padrão de vida, costumes religiosos e superstições, meios de comunicação) e os fatores biológicos (vidas vegetal e animal, doenças predominantes, grupos sanguíneos da população, etc. (Lacaz, 1972:1). Mais recentemente, a tradição dos estudos das relações entre espaço e saúde, na perspectiva da epidemiologia social foi retomada quando pesquisadores da área da saúde (CARVALHEIRO, 1983; SILVA, 1986) procuraram articular os modelos ecológicos da Medicina Tropical com o conhecimento teórico e metodológico da geografia crítica, a partir da leitura dos textos de Milton Santos (SANTOS, 1980, 2002). 43 Novas propostas de análises da espacialização dos processos endêmicoepidêmicos procuraram articular as análises da dinâmica dos processos de produção de doenças e a construção social do espaço (SABROZA ET AL, 1992; SILVA, 1997; COSTA & TEIXEIRA, 1999). A utilização das categorias do espaço no campo da saúde tem também sido facilitada com a incorporação de novas ferramentas, como a cartografia e geoprocessamento (BARCELLOS, 2000) e vem contribuindo para identificar padrões de distribuição de eventos que ocorrem no tempo e no espaço. Desta maneira, esse arsenal tecnológico abre novos caminhos para incrementar o potencial descritivo e analítico da epidemiologia dos processos enzoótico-epizoóticos. A febre amarela se encaixa nos moldes dessas discussões. Nos últimos cinco anos a atividade do vírus amarílico tem se manifestado de forma intensa no Brasil, com reativação ou ativação de novos focos da doença em áreas silenciosas há cerca de meio século, instigando cientistas a teorizarem sobre a possibilidade de explosões de focos múltiplos (VASCONCELOS ET AL., 2001a). Do mesmo modo, o reaparecimento da febre amarela nos anos 1930 em diversas colônias africanas distantes umas das outras e sem conexão entre elas, das quais a doença desaparecera na década de 1920, havia sido explicado pela persistência de foco natural latente (LEAGUE OF NATIONS, 1932). Seguindo a teoria de Sorre, Bejarano desenvolveu em 1971 modelos de complexos patogênicos das doenças transmissíveis, incluindo a febre amarela. Segundo esse autor, o complexo patogênico da febre amarela pode expressar-se em uma forma geral, que compreende os elementos, fatores ou condições abióticas e bióticas necessárias para que a doença ocorra ou não; pode se expressar ainda em formas especiais, que compreendem os elementos, fatores ou condições que concorrem para a sua apresentação em diferentes regiões, 44 zonas e localidades, de acordo com os elementos que compõem a paisagem. Em qualquer forma que se apresente, o conhecimento de sua dinâmica e da maneira como se estruturam permite assinalar em que elo da transmissão do agente patogênico se pode atuar com o conhecimento científico e a tecnologia disponível para desintegrá-los e assim proteger o homem (BEJARANO, 1971). 2.3.2. Características do ciclo básico da febre amarela Os aspectos epidemiológicos e ecológicos da febre amarela são diferentes nos dois continentes onde ocorre. Na África, identificam-se três níveis de transmissão: silvestre, rural e urbano, envolvendo diferentes espécies de mosquitos do gênero Aedes, zonas ecológicas e padrões de chuvas distintos (VAINIO & CUTTS, 1998; VASCONCELOS, 2003). Nas Américas, o vírus da febre amarela foi mantido em dois ciclos de transmissão: urbano, ausente desde os anos 50, no qual o vírus é transmitido de um hospedeiro humano para outro através da picada da fêmea infectada do mosquito Aedes aegypti; e silvestre, que permanece ativo em vários países. Este é uma zoonose típica que ocorre nas selvas, onde os hospedeiros naturais são primatas não humanos, os quais desempenham o papel de amplificadores e disseminadores do vírus (HERVÉ ET AL., 1985; DEGALLIER ET AL., 1992; MONDET ET AL., 1996); os vetores são mosquitos silvestres, principalmente os dos gêneros Haemagogus – em especial o Hg. janthinomys, no Brasil – e Sabethes, que desempenham o papel de reservatórios para o vírus (HERVÉ ET AL, 1985; VASCONCELOS, 2003). Essas espécies são fortemente primatofílicas e também antropofílicas, têm atividade diurna, especialmente nas horas de maior luminosidade e mais quentes do dia, sendo mais abundantes nas copas das árvores, lugar preferencial dos macacos (HERVÉ & TRAVASSOS DA ROSA, 1983). O homem entra nesse ciclo, acidentalmente, e esse contato ocasional propicia o surgimento de casos de febre amarela silvestre, quase 45 sempre esporádicos e, às vezes em forma de pequenos surtos conseqüentes à migração de pessoas não imunes (VASCONCELOS ET AL., 2001b; VASCONCELOS, 2003). O descobrimento do ciclo silvestre estimulou investigações em vários países que, entre outras contribuições, levaram ao reconhecimento do padrão cíclico envolvendo macacos e mosquitos silvestres. A suscetibilidade dos macacos ao vírus da febre amarela testada em laboratório foi comprovada em todas as espécies estudadas (SOPER, 1942; STRODE, 1951), em maior ou menor grau, entretanto nem todas têm a mesma importância na manutenção do ciclo silvestre, em razão de hábitos e distribuição geográfica. É o caso do Saimiri, Cebus e Aotus, todos da Família Cebidae (WHO, 1971; STRANO ET AL., 1975). O primeiro é suscetível, apresenta alta letalidade, mas é encontrado apenas ao norte na América do Sul e na Amazônia brasileira, fato que não permite a propagação da doença no continente. O macaco Cebus, vulgarmente conhecido como “macaco prego”, é amplamente distribuído no território brasileiro, não sendo encontrado apenas no Rio Grande do Sul, mas parece ter um papel secundário como hospedeiro no ciclo; o aumento do número de macacos desta espécie em relação a outras espécies em áreas recém-afetadas por febre amarela fala a favor de sua relativa imunidade ao vírus. O Aotus ou “macaco da noite”, embora habite as bacias dos rios Amazonas, Orinoco e Madalena – os grandes focos sul-americanos do vírus amarílico – tem hábitos noturnos e dorme de dia em ocos de árvores, o que dificulta o contato com os mosquitos, cujas atividades são exclusivamente diurnas. No entanto, por ser muito suscetível ao vírus, pode contribuir para a manutenção do ciclo em áreas onde não existam outros primatas (STRANO ET AL., 1975). Ao contrário destes, o Ateles ou “macaco aranha” e, em especial, o Alouatta, conhecido como “macaco berrador” ou “guariba”, ambos da Família Atelidae, desempenham papel importante na manutenção da febre amarela silvestre. Este último tem ampla 46 distribuição nas Américas, sendo encontrado desde a Argentina até o sul do México e é altamente suscetível ao vírus da febre amarela. Sua função no ciclo silvestre é tão dominante que o repentino silêncio nas matas serve de sinal aos habitantes para a circulação do vírus amarílico (STRANO ET AL., 1975). 2.3.3. Padrão de dispersão espaço-temporal do processo enzoótico-epizoótico Tem sido possível acompanhar o processo geográfico de certas epidemias através do traçado de mortes desses animais. Um exemplo foi o que ocorreu no Brasil, durante a epidemia de 1934 até 1940 (Figura 2), quando o vírus amarílico se deslocou desde o Estado de Mato Grosso até Santa Catarina e Espírito Santo através de sete ondas epizoóticoepidêmicas anuais sucessivas (SOPER, 1942; TAYLOR, 1951; HERVÉ & TRAVASSOS DA ROSA, 1983). Figura 2. Provável rota da disseminação da onda epizoótico-epidêmica de febre amarela no Brasil, de 1934 a 1940 (Foto FR (SFA-EC) 12-5 de A. Fialho. Pesquisa no Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz realizada por Rose Olyveira e Jean Maciel). Importante destacar que, como relata Pessoa (1949), citando Soper (1942), a epidemia além de atingir estados do Centro Oeste e do Sul, estendeu-se até o Sudeste, 47 incluindo os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, mostrando o potencial do complexo patogênico de se expressar no bioma Mata Atlântica. Posteriormente, na América Central, no final da década de 1940 até meados dos anos 1950, uma onda epizoótica provavelmente originada dos focos colombianos, em novembro de 1948, contaminou bandos de macacos Alouatta suscetíveis à oeste do Canal do Panamá, cruzou essa barreira em 1950 e atravessou a América Central nos seis anos que se seguiram (BOSHELL, 1957; SMITH, 1971; OMS, 1974), fazendo um percurso de 1.200 km (Figura 3). Figura 3. Progressão da onda epizoótica na América Central, de 1948 a 1954 (Transcrito de Bull Soc Pathol Exot 64(5), p. 686.) Ao final dessa extensa onda epizoótica ocorreu um grande surto nas selvas do sudeste mexicano, no período de 1957 a 1959, resultando nos últimos casos de febre amarela silvestre no México (ALBA-GARCIA & SALCEDO-ROCHA, 2002). Outros exemplos 48 dessas excursões metaenzoóticas foram observados em 1966, nos três estados da região sul do Brasil, que atingiu o noroeste da Argentina, onde foram registradas extensas epizootias nas províncias de Corrientes e Missiones e a primeira epidemia de febre amarela silvestre reconhecida neste país (BEJARANO, 1974); posteriormente, em 1979, observou-se fato semelhante em Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia (GROOT ET AL., 1996). 2.3.4. Estratificação de áreas de risco para febre amarela silvestre no Brasil O Brasil tem a maior área enzoótica para febre amarela silvestre no mundo, cerca de 5 milhões de km², o que representa quase dois terços de seu território (VASCONCELOS ET AL., 1997a; TAUIL, 2002). Constituída pelos estados da região Amazônica e Centro Oeste, além do estado do Maranhão, nela estão inseridos 1.112 municípios com uma população de 29.327.171 habitantes (Figura 4). Nessa área a doença se mantém em seu foco natural, onde o vírus se propaga continuamente através de grupos de hospedeiros primários, originando ondas de transmissão que se movimentam pela selva (PEREIRA & HINRICHSEN, 1987), propiciando o surgimento de casos em humanos. Segundo Mondet (2001), a Bacia Amazônica é o grande reservatório endêmico do vírus amarílico no Brasil, mas reconhece uma área epizoótica - atualmente denominada de transição – fora da bacia Amazônica, na qual o vírus circula epizoótica e ocasionalmente entre primatas não humanos e se manifesta de forma epidêmica na população humana, em função do estado imunológico e da abundância de vetores. Em caráter esporádico, o vírus apareceria nos estados da Bahia, Minas Gerais e São Paulo, mudando para outra bacia hidrográfica. As epidemias nessas regiões seriam diretamente ligadas à área endêmica, precedidas de epizootias, geralmente despercebidas. 49 Há cerca de duas décadas, estudiosos já defendiam essas excursões do vírus para além da região Amazônica; ao estudar uma epidemia que ocorreu entre dezembro de 1972 e março de 1973, em Goiás, não encontraram o elo de ligação e atribuíram o fato a uma falha da vigilância (PINHEIRO ET AL., 1978). 2001 1997 2003 Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde/MS Figura 4. Áreas de risco para febre amarela silvestre. Brasil, 1997 a 2003 Devido ao caráter pouco sistemático dessas incursões virais para além da Amazônia, as áreas de risco para febre amarela silvestre são reavaliadas periodicamente pelo Ministério da Saúde (Figura 4) com a finalidade de estabelecer políticas de intervenção distintas. A epizoótica ou de transição é a que tem sofrido maiores alterações, com ampliação 50 de seus limites. Atualmente esta área abrange uma faixa que vai da região centro-sul do Piauí, oeste da Bahia, noroeste de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, composta por 1.149 municípios com uma população de 22.347.837 habitantes. A área indene corresponde àquela onde não há evidências da circulação do vírus amarílico e abrange os estados da região nordeste, sudeste e sul; em 2003 foi estabelecida uma área indene de risco potencial, que são zonas contíguas e com ecossistemas semelhantes à área de transição, de maior risco para circulação viral. Compreende os municípios do sul de Minas Gerais e da Bahia e a região centro-norte do Espírito Santo. 51 CAPÍTULO 3. ANÁLISE DOS DADOS EPIDEMIOLÓGICOS DE FEBRE AMARELA DA SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL 3.1. Material e métodos - Tipo de estudo. A pesquisa desenvolvida se caracteriza como um estudo descritivo, a partir de dados secundários, na qual o problema da febre amarela é analisado em dois níveis: o individual, quando são analisadas características dos casos humanos confirmados e suas distribuições temporal e geográfica, e a ecológica ou coletiva, quando foram estudadas algumas características epidemiológicas e sócio-ambientais de surtos e epizootias de febre amarela silvestre registrados no período considerado. O estudo apresenta ainda algumas particularidades de cunho comparativo, ao procurar identificar diferenças e similaridades entre os casos registrados fora da Amazônia Legal e aqueles desta região, e entre as características dos quatro surtos investigados. - Período do estudo: O período de estudo foi aquele compreendido de 1999 a 2003, um ano após a implantação de normas e diretrizes para a reorganização da proposta de vigilância da febre amarela no Brasil. - Área de abrangência do estudo: Para a análise das características epidemiológicas dos casos registrados foi considerada como área de estudo o conjunto do Território Nacional, de modo a possibilitar a comparação da freqüência de atributos nas duas áreas consideradas: a Amazônia Legal, entendida como a região composta pelos estados do Amazonas, Pará, Amapá, Acre, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, e a outra definida pelo conjunto das demais unidades federadas do País. Para o estudo das características dos surtos humanos e epizootias registrados e investigados no período, foi considerada como área de abrangência a região composta pelas 52 unidades federadas não incluídas na Amazônia Legal: todas das Regiões Sudeste e Sul, todas da região Nordeste, exceto o Maranhão, e ainda Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul, da Região Centro-Oeste. - Objetos do estudo: Este estudo focalizou três objetos: • O padrão epidemiológico dos casos humanos de febre amarela registrados no Brasil, analisado a partir dos casos registrados e confirmados classificados pela CID-10 código A95, no período considerado. • O conjunto dos quatro surtos de febre amarela identificados fora da Amazônia Legal no período do estudo. • A ocorrência de registros de epizootias suspeitas de febre amarela em primatas não humanos nas Unidades Federadas fora da Amazônia Legal, durante o período do estudo. 3.1.1. Fontes de dados e procedimentos utilizados Foram utilizados dados secundários de sistemas de registro contínuo do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela (PVCFA), dados acumulados durante as investigações epidemiológicas dos surtos e indicadores demográficos e ambientais das bases de dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerando-se os diferentes objetos de estudo, utilizou-se: • Para analisar o padrão epidemiológico dos casos confirmados de febre amarela silvestre a fonte de dados foi o banco do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela digitado na Gerência Técnica de Febre Amarela (GT-FA) do Ministério da Saúde, estabelecido como “padrão ouro”. O banco foi construído a partir da instalação do módulo de entrada de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), permitindo sua alimentação mediante a digitação dos dados das fichas de investigação individual 53 recebidas das Secretarias Estaduais de Saúde (SES), referentes a todos os casos confirmados de febre amarela no período de 1999 a 2003. Contém as mesmas variáveis do banco de dados oficial do SINAN, contemplando os 79 (setenta e nove) campos da Ficha de Investigação Individual de Febre Amarela. A construção desse banco teve como finalidade primária possibilitar a comparação com as informações digitadas no nível municipal, no banco do SINAN, verificando sua consistência e confiabilidade, para posterior recomendação às SES sobre a necessidade de melhorar a qualidade dos dados, quando necessário. A opção pelo uso desse banco se deveu ao resultado desfavorável encontrado em recente avaliação da consistência do banco de dados oficial realizada pela equipe técnica da GT-FA (novembro de 2003), que mostrou equivocadamente a existência de 52 (cinqüenta e dois) casos confirmados classificados como febre amarela urbana no Brasil, além de 36 casos inconclusivos e 726 com classificação final ignorada no período eleito para este estudo. • Para analisar os surtos de casos em humanos ocorridos na dispersão do vírus da febre amarela fora da Amazônia Legal a principal fonte de dados foi o banco do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela. Como fontes secundárias foram utilizados boletins e relatórios de investigações epidemiológicas dos surtos, elaborados à época de sua ocorrência, tanto pelas equipes do Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde (EPI-SUS) e Programa Nacional de Imunizações (descrição dos dois surtos de Minas Gerais), como das Secretarias Estaduais de Saúde (surto da Bahia). Informações sobre dados ambientais foram coletadas em sítios WEB especializados, como os do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), IBGE, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). 54 • Para descrever a distribuição espacial das epizootias suspeitas e confirmadas de febre amarela em primatas não humanos a fonte de dados foi o banco de registro de epizootias do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela digitado na GT-FA do nível central. O registro desses eventos foi feito em planilhas do Excel a partir de informações recebidas das SES, indicando a localidade, quando possível, o município e o mês de ocorrência da epizootia. Informações sobre dados ambientais foram coletadas em sítios WEB especializados, já referidos anteriormente. 3.1.2. Critérios adotados para a definição de casos e marcadores de situações a) Caso confirmado de febre amarela por critério laboratorial: “Todo caso suspeito que tenha pelo menos uma das seguintes condições: detecção de anticorpos do tipo IgM pela técnica de MAC-ELISA em indivíduos não vacinados ou com aumento de 4 vezes ou mais nos títulos de anticorpos do tipo IgG, pela técnica de Inibição da Hemaglutinação; isolamento do vírus da febre amarela; achados histopatológicos compatíveis com febre amarela; detecção de antígenos virais e detecção de genoma viral.” (BRASIL, 1999). b) Caso confirmado de febre amarela por critério clínico-epidemiológico: “Caso suspeito de febre amarela que evoluiu para óbito em até 7 dias, sem confirmação laboratorial, no início ou curso de um surto ou epidemia em que outros casos já tenham sido comprovados laboratorialmente” (BRASIL, 1999). A partir do ano 2000, passou-se a utilizar também a seguinte definição: c) Caso confirmado de infecção por febre amarela: “Todo indivíduo assintomático ou oligossintomático originado de busca ativa que não tenha sido vacinado e que apresente sorologia (MAC-ELISA) positiva para febre amarela”(BRASIL, 2002). d) Epizootia suspeita de febre amarela: “Primata não humano de qualquer espécie, não domesticado, encontrado morto (incluindo ossadas) ou doente, em qualquer local do território nacional” (BRASIL, 2004). e) Epizootia confirmada de febre amarela: “Epizootia suspeita com resultado laboratorial específico positivo para febre amarela ou epizootia suspeita na qual não foi possível a coleta de amostra, ocorrida em local onde há isolamento de febre amarela em vetores ou caso humano confirmado” (BRASIL, 2004). 55 3.1.3. Variáveis selecionadas para análise Foram selecionadas as seguintes variáveis, de acordo com o objeto de análise: - Para analisar o padrão epidemiológico dos casos confirmados de febre amarela silvestre: - Variáveis relativas às pessoas: • sexo e idade (em anos e agrupada por faixas etárias de 1-9 anos, 10-19 anos, 20-49 anos, 50 anos e mais); • ocupação ou tipo de atividade realizada pelo indivíduo no momento da exposição. Na categoria “trabalhador urbano” foram incluídos indivíduos de diferentes ocupações ou atividades que eventualmente se expõem ao ciclo silvestre, quais sejam, telefonista, comerciante, enfermeiro, cozinheiro, professor, mecânico, borrifador e autônomo. Na categoria “atividades do domicílio” foram incluídos indivíduos que permanecem a maior parte do tempo no ambiente doméstico, tais como donas de casa, crianças e estudantes; • situação vacinal (situação do indivíduo em relação à vacina contra febre amarela), comprovada mediante apresentação da carteira de vacinação. O indivíduo que recebeu a vacina até dez dias antes do início dos sintomas foi considerado não vacinado, uma vez que este é o tempo requerido para a indução da imunogenicidade da vacina (MONATH, 1999); • exame laboratorial comprobatório do caso; critério de classificação do caso (critério utilizado para confirmação do caso, se laboratorial ou clínico-epidemiológico). - Variáveis relativas ao lugar: • Zona de residência (rural ou urbana) e local provável de infecção: município e unidade federada onde o indivíduo se expôs ao ciclo silvestre da doença; • condição de autoctonia do caso. 56 - Variáveis relativas ao tempo • data do início dos sintomas (data em que o indivíduo apresentou o primeiro sintoma da doença). Para os casos assintomáticos detectados em busca ativa considerou-se a data da coleta do soro. - Para analisar os surtos ocorridos na dispersão do vírus da febre amarela fora da Amazônia Legal: • características ambientais das áreas de ocorrência; • incidência semanal (padrão da curva epidêmica); • localização dos casos segundo local provável de infecção; • principais atividades econômicas das áreas afetadas. - Para descrever a distribuição espacial das epizootias suspeitas e confirmadas de febre amarela em primatas não humanos: • variáveis relativas aos animais: gênero e espécie de primata não humano encontrado doente ou morto (carcaças); critério de confirmação da epizootia (se laboratorial ou vínculo epidemiológico); • variáveis relativas ao lugar: município e unidade federada de ocorrência da epizootia: bioma e tipos de vegetação predominantes na área de ocorrência da epizootia; bacia hidrográfica da região de ocorrência da epizootia. 3.1.4. Procedimentos laboratoriais considerados para comprovação de febre amarela Os exames laboratoriais considerados para comprovação do caso (em humanos e em primatas não humanos) foram aqueles utilizados pelo Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela: 57 • sorologia (detecção de IgM pela técnica de MAC-ELISA) e/ou aumento de 4 vezes ou mais nos títulos de anticorpos do tipo IgG, pela técnica de Inibição da Hemaglutinação; • isolamento do vírus da febre amarela no sangue ou em tecidos; • histopatologia; • imunohistoquímica. 3.1.5. Procedimentos utilizados na análise dos dados e apresentação dos resultados Para análise das variáveis dos casos e surtos foram utilizados os recursos de estatística descritiva do software EpiInfo 2000 versão 3.2.2. e do Excel. Quando indicada a realização de testes de hipótese, foi aplicado o Qui-Quadrado, adotando-se o valor de p < 0,05 como nível crítico de significância. Os resultados foram apresentados nas formas de tabelas, gráficos, fotos e mapas. Foram utilizadas neste estudo imagens do satélite Landsat 7 ETM+ (bandas 5, 4 e 3), ano de 2000, adquiridas no site da National Space Agency (NASA) – www.nasa.gov e da EMBRAPA – www.embrapa.gov.br. As bases digitais de dados cartográficos vetoriais foram retiradas do aplicativo SigEpi (2001), elaborado pelo Programa Especial de Análise de Saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Já os casos humanos de febre amarela e os de primatas não humanos com suspeita de febre amarela foram georreferenciados por Geographic Positioning System (GPS) na projeção Universal Transversa de Mercator (UTM) ou, na ausência desta informação, através de croquis de reconhecimento geográfico (RG) fornecidos por servidores da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), atualmente em exercício nas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. 58 As imagens de satélite foram georreferenciadas na projeção longitude e latitude Datum SAD69 e as demais bases de dados foram configuradas na mesma projeção, de modo a compatibilizar as diferentes bases cartográficas. Para se obter uma estimativa de intensidade de pontos por área na delimitação dos focos, através de análise Kernel (análise da área de influência) foi utilizado o programa Spring, versão 4.0, adquirido no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – www.inpe.br, onde foi considerado um raio de 75 km para cada localidade com 1 caso de febre amarela. Para reconhecer padrões homogêneos segundo o uso do solo e do tipo de vegetação, as imagens dos focos foram classificadas. Nessa classificação foram utilizadas imagens adquiridas da EMBRAPA, com a banda 5 no canal vermelho, a banda 4 no canal verde e a banda 3 no canal azul, onde foram colhidas amostras de pixels para cada classe temática, as quais serviram como padrão para o agrupamento dos demais pixels da imagem e geração do mapa de cobertura vegetal e uso do solo. Esta etapa também foi elaborada no programa Spring 4.0. Para a elaboração final dos mapas foi utilizado o programa MapInfo, versão 7.0, onde foram agrupados os diversos planos de informação específicos para cada mapa. 3.1.6. Aspectos éticos Este trabalho utilizou dados secundários disponíveis no nível nacional. Foi preservada a identidade dos casos, uma vez que a análise foi realizada de forma agregada. O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ, tendo sido aprovado de acordo com o Parecer Nº 87/04, CAAE Nº 0013.0.031.000-04, em 10/11/2004. 59 3.2. Resultados Neste item apresentaremos os resultados da análise comparativa entre os casos das áreas Extra Amazônica e Amazônia Legal, a descrição qualitativa das informações não estruturadas, coletadas durante as investigações dos surtos e os resultados quantitativos referentes aos bancos de dados. 3.2.1. Comparação das características epidemiológicas dos casos de febre amarela da Área Extra Amazônica e Amazônia Legal No período de 1999 a 2003 foram confirmados 281 casos de febre amarela silvestre no Brasil. A maioria (176 casos) ocorreu fora da Amazônia Legal, o que representa 62,6%. O ano 2000 foi o de maior ocorrência de casos da doença (n = 84), com 30% do total, seguido do ano de 1999, com 77 casos (27,4%) e 2003, com 63 casos registrados (22,4%). O ano de 2002 apresentou o menor número de registros (n = 16 casos). A Tabela 1 mostra o número e percentual dos casos ocorridos por ano e por área de estudo. Tabela 1. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por ano segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Ano Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % 1999 12 15,6 65 84,4 77 100,0 2000 68 81,0 16 19,0 84 100,0 2001 32 78,0 9 22,0 41 100,0 2002 7 43,8 9 56,2 16 100,0 2003 57 90,5 6 9,5 63 100,0 Total 176 62,6 105 37,4 281 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS 60 A distribuição dos municípios com casos de febre amarela por ano de ocorrência segundo município de infecção é apresentada na Figura 5. Legenda: Casos de FA Amazônia Legal Extra Amazônica Figura 5. Distribuição dos municípios com casos de febre amarela por município de infecção. Brasil, 1999 a 2003 A distribuição dos casos de acordo com a evolução é apresentada na Tabela 2. Do total de casos, 159 (56,8%) evoluíram para cura e 121 (43,2%) foram a óbito. Essa elevada 61 taxa de letalidade foi semelhante nas duas áreas (43,2% e 43,3%), não havendo, portanto, diferença entre o risco de um caso morrer por febre amarela na Amazônia Legal ou fora dela. Para um dos casos a evolução foi considerada ignorada. Tabela 2. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área de ocorrência segundo evolução. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Evolução Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % Cura 100 56,8 59 56,7 159 56,8 Óbito 76 43,2 45 43,3 121 43,2 Total 176 100,0 105 100,0 280 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui-Quadrado = 0,00; p = 0,98 Na Tabela 3 está representada a freqüência e percentual dos casos por gênero. O sexo masculino foi o mais atingido, numa razão de 5:1 em relação ao sexo feminino. Quando se comparou esse resultado nas duas áreas de ocorrência observou-se o mesmo padrão, sem diferença estatisticamente significante. Tabela 3. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por sexo segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Sexo Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % Feminino 28 15,9 17 16,2 45 16,0 Masculino 148 84,1 88 83,8 236 84,0 Total 176 100,0 105 100,0 281 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui-Quadrado = 0,00; p = 0,95 A freqüência dos casos por idade está representada na Tabela 4 e Figura 6. Na Amazônia Legal a mediana da idade foi de 21 anos com intervalo de 11 meses a 72 anos, enquanto na Extra Amazônica a mediana foi de 36 anos com intervalo de 3 a 82 anos. A 62 maior concentração dos casos foi observada entre 20 e 49 anos de idade em ambas as áreas. As faixas etárias menos prevalentes foram as de 1 a 9 anos na Extra Amazônica e 50 anos e mais na Amazônia Legal, mostrando haver significância estatística (p = 0,00). Tabela 4. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por faixa etária segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Faixa etária (anos) Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % 1 – 9 anos 4 2,3 17 16,2 21 7,5 10 - 19 anos 14 8,0 31 29,5 45 16,0 20 - 49 anos 125 71,0 54 51,4 179 63,7 50 anos e + 33 18,7 3 2,9 36 12,8 Total 176 100,0 105 100,0 281 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui-Quadrado = 53,08; p = 0,00 Figura 6. Distribuição percentual de casos de febre amarela por faixa etária segundo área de ocorrência. Brasil, 1999 a 2003 63 A situação vacinal dos casos, apresentada na Tabela 5, evidenciou que 217 (90,8%) indivíduos não eram vacinados contra febre amarela e 22 (9,2%) tinham história anterior de terem recebido uma dose da vacina. Destes, 13 (14,8%) adquiriram a infecção na Amazônia Legal. Esse achado teve significância estatística (p = 0,02). A data da vacina só foi informada para 5 pessoas e apresentou uma variação de 14 dias a 5 anos em relação à data do início dos sintomas. Destes, apenas dois casos eram procedentes da área Extra Amazônica (Minas Gerais): um recebeu a vacina 14 dias e outro, 1 ano 11 meses e 14 dias antes dos primeiros sintomas da doença. Oito pessoas foram vacinadas entre 0 e 4 dias antes do inicio dos sintomas, tendo sido consideradas não vacinadas. Em 42 casos (14,9%) não foi possível obter informação sobre o estado vacinal. Tabela 5. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área de ocorrência segundo situação vacinal. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Vacinado Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % Sim 9 6,0 13 14,8 22 9,2 Não 142 94,0 75 85,2 217 90,8 Total 151 100,0 88 100,0 239 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui-Quadrado = 5,14; p = 0,02 A atividade no momento da exposição, mostrada na Tabela 6, foi informada em 272 casos. Predominou a de trabalhadores rurais (144 casos), representando 52,9% de todos os casos confirmados. Quando foram consideradas separadamente as duas áreas verificou-se que esse grupo representou 44,4% na Amazônia Legal e 57,8% na Extra Amazônica. O grupo correspondente a atividades no domicílio apareceu em segundo lugar em ambas as áreas, com 16,8% (n = 29) fora da Amazônia e 32,3% (n = 32) na Amazônia Legal, totalizando 61 casos (22,4%). Essas duas categorias juntas representaram 75,3% do total de casos. Os turistas e indivíduos que desempenhavam alguma atividade de lazer apareceram numa proporção de 64 10,7% (29 casos), sendo 21 casos na região Extra Amazônica e 8 na Amazônia Legal. Houve significância estatística (p = 0,04). Tabela 6. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área de ocorrência segundo atividade no momento da exposição. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Atividade no momento Extra Amazônica Amazônia Legal Total da exposição N % N % N % Trabalhador rural 100 57,8 44 44,4 144 52,9 Atividades do domicílio 29 16,8 32 32,3 61 22,4 Turismo + lazer 21 12,1 8 8,1 29 10,7 Trabalhador urbano 11 6,4 6 6,1 17 6,3 Trab. da construção civil 7 4,0 7 7,1 14 5,1 Caminhoneiro 5 2,9 2 2,0 7 2,6 Total 173 100,0 99 100,0 272 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui-Quadrado igual a 11,20; p = 0,04 A Tabela 7 apresenta a distribuição dos casos de acordo com a zona de residência. A maior parte dos casos era de moradores de zona rural (n = 178), correspondendo a 64,5%. Ao se comparar essa variável nas duas áreas de estudo, observou-se que na área Extra Amazônica 57,1% (n = 100) eram residentes na zona rural, enquanto na região da Amazônia Legal essa proporção foi de 77,2% (n = 78). Apenas um indivíduo residia em zona considerada urbana/rural e em quatro casos da Amazônia Legal a zona de residência era ignorada. Houve significância estatística (p = 0,00). 65 Tabela 7. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados por área de ocorrência segundo zona de residência. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Zona de residência Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % Urbana 75 42,9 23 22,8 98 35,5 Rural 100 57,1 78 77,2 178 64,5 Total 175 100,0 101 100,0 276 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui-Quadrado = 11,24; p = 0,00 A Matriz de Concordância (Tabela 8) mostra a distribuição dos casos em relação à autoctonia. Observou-se que houve transmissão em doze Unidades Federadas (UF). Considerando-se a UF de residência em relação à UF onde ocorreu a infecção, verificou-se que 244 pessoas (86,8%) infectaram-se na própria UF onde residiam e 37 (13,2%) adquiriram a doença em UF diferente de sua residência. Seis UFs apresentaram 100% de concordância entre ser a UF de infecção e a UF de residência, sendo três delas pertencentes à Amazônia Legal (AC, RO e RR) e três à área Extra Amazônica (BA, DF e SP). A UF que registrou o maior número de casos autóctones foi Minas Gerais (n = 97), equivalendo a 34,5% do total. Do total de pessoas que se infectaram e adoeceram em Goiás, 25 (64,1%) eram residentes em outras unidades federadas. 66 Tabela 8. Matriz de concordância dos casos de febre amarela registrados por UF de infecção segundo UF de residência. Brasil, 1999 a 2003 UF de UF de Residência Infecção AC AL AM AP BA DF GO MG MT PA PR RJ RN RO RR SP TO Ext* Total AC AL AM AP BA DF GO MG MT PA PR RJ RN RO RR SP TO Ext* 1 - 1 - 14 1 - 1 - 10 - 2 - 19 39 - 1 - 2 2 - 97 - 1 17 1 - 39 - - 1 - 1 - 1 - 6 - 4 2 1 - 16 - 1 - 1 15 10 2 64 98 19 41 1 6 2 22 - Total 1 1 15 1 10 24 41 97 18 40 0 1 1 1 6 7 16 1 281 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS (*) Ext.= Exterior. Um caso que se infectou no Amazonas era residente no Texas, Estados Unidos. A Tabela 9 mostra a freqüência e percentual dos casos segundo critério de confirmação. Predominou o critério laboratorial, com 265 casos (94,3%). Na Amazônia Legal o percentual de confirmação laboratorial (98,1%) foi maior que na área Extra Amazônica (92,0%), havendo significância estatística (p = 0,03). 67 Tabela 9. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela por área de ocorrência segundo critério de confirmação. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Critério de confirmação Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % Laboratorial 162 92,0 103 98,1 265 94,3 Vínculo epidemiológico 14 8,0 2 1,9 16 5,7 Total 176 100,0 105 100,0 281 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Qui -Quadrado = 4,46; p = 0,03 A técnica laboratorial mais utilizada para confirmação diagnóstica (Tabela 10) foi o MAC-ELISA (teste imunoenzimático de captura de IgM), com 210 amostras positivas (61,6%). A segunda técnica mais utilizada foi a imunohistoquímica (n = 53), que confirmou 15,5% dos casos, seguida pelo exame histopatológico, positivo em 48 casos (14,1%). Esse padrão foi mantido nas duas áreas de estudo. Observou-se que 60 casos foram confirmados por mais de uma técnica laboratorial (não mostrados na tabela), sendo 45 deles na área Extra Amazônica e 15 na Amazônia Legal. De igual modo, 27 casos tiveram mais de dois exames laboratoriais comprobatórios, dos quais, 22 foram infectados na área Extra Amazônica. Observou-se ainda que do total de 260 casos confirmados laboratorialmente, seis o foram através de quatro diferentes exames, dos quais cinco se infectaram na área Extra Amazônica. 68 Tabela 10. Número e percentual de amostras positivas para febre amarela por tipo de exame laboratorial realizado segundo área de ocorrência do caso. Brasil, 1999 a 2003 Área de ocorrência Tipo de exame Extra Amazônica Amazônia Legal Total N % N % N % IgM (MAC-ELISA) 87 68,5 123 58,6 210 61,6 Isolamento de vírus 6 4,7 24 11,2 30 8,8 Imunohistoquímica 18 14,2 35 16,4 53 15,5 Histopatológico 16 12,6 32 15,0 48 14,1 Amostras examinadas 127 100,0 214 100,0 341 100 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS 3.2.1.1. Resumo comparativo dos atributos dos casos ocorridos na área Extra Amazônica e na Amazônia Legal No Quadro 1 é apresentado um resumo das características eleitas para comparação entre as duas áreas analisadas, destacando-se aquelas que apresentaram significância estatística. Quadro 1. Comparação das características epidemiológicas dos casos de febre amarela ocorridos na área Extra Amazônica com os ocorridos da Amazônia Legal, 1999 a 2003 Extra Amazônica Amazônia Legal QuiQuadrado Valor de p Feminino Masculino 15,9 84,1 16,2 83,8 0,00 0,95 Idade mediana(1) (anos) Intervalo (anos) Atividades de turismo+lazer (%) Sim Não Atividades rurais (%) Sim Não Critério de confirmação (%) Laboratório Vínc. Epid. Vacinado contra FA (%) Sim Não) Zona de residência (%) Rural) Urbana 36 (3 – 82) 21 (11 m - 72) 53,08 (1) < 0,05 11,9 88,1 7,6 92,4 1,32 0,25 56,8 43,2 41,9 58,1 5,83 < 0,05 92,0 8,0 98,1 1,9 4,47 < 0,05 6,0 94,0 14,8 85,2 5,14 < 0,05 57,1 42,9 77,2 22,8 11,24 < 0,05 Características epidemiológicas Sexo (%) (1): Para testar a diferença em relação a esta variável foi usado o Qui-Quadrado calculado para a variável idade considerada em estratos como na Tabela 4. 69 3.2.2. Características epidemiológicas dos casos humanos e descrição dos registros qualitativos das investigações epidemiológicas dos surtos registrados no período de 1999 a 2003, fora da Amazônia Legal 3.2.2.1. Investigação epidemiológica do surto de Goiás – 1999/2000 Em maio de 1999, a Secretaria de Saúde de Goiás (SES/GO) recebeu a notificação de um óbito por febre amarela que teria sido atendido em um hospital de Goiânia, proveniente de Figueirópolis, município situado ao sul do Estado de Tocantins. Outras evidências da circulação do vírus amarílico no estado vizinho, tais como a existência de seis casos suspeitos no município de Paranã e a ocorrência de morte de macacos em Palmeirópolis, limite com Minaçu (norte de Goiás), levaram a SES/GO a intensificar a vacinação contra febre amarela em Minaçu e municípios vizinhos. Decorridos sete meses, casos esporádicos da doença continuaram a ocorrer na região norte de Tocantins, porém sem notificações no sul do estado. No mês de dezembro de 1999, na semana epidemiológica nº 49, foi notificado o primeiro óbito suspeito de febre amarela no Estado de Goiás, tendo iniciado os primeiros sintomas em 9/12/1999. Tratava-se de um óbito por doença febril íctero-hemorrágica de uma criança de 6 anos de idade procedente da zona rural de Minaçu, município situado na região norte de Goiás, limítrofe ao Estado de Tocantins. Na investigação do caso foram identificados dois irmãos do paciente, com 7 e 8 anos de idade, que apresentavam quadro clínico semelhante, vindo a comprovaremse laboratorialmente como febre amarela de transmissão silvestre. Com o surgimento de novos casos nos municípios de Niquelândia, Goiás, Colinas do Sul e Alto Paraíso de Goiás, desencadeou-se um processo epidêmico intenso, que teve este município como foco principal. Houve registro de epizootias em primatas não humanos em 32 municípios, dos quais 15 apresentaram transmissão humana; ao mesmo tempo, foram constatados casos 70 humanos em 32 municípios sendo que em 17 deles não houve informação sobre atividade do vírus entre macacos. Ao final, 49 municípios apresentaram evidências de circulação do vírus. Na Figura 7 observa-se a localização espacial do surto com os municípios onde ocorreram casos humanos. Goiás Figura 7. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2000, destacando-se a localização do surto registrado no Estado de Goiás Findo o surto, foram confirmados, durante o período considerado, 64 casos da doença no estado, dos quais, 36 (56,3%) sobreviveram e 28 evoluíram para óbito, registrandose uma taxa de letalidade de 43,8%. A distribuição por sexo é apresentada na Tabela 11. A maior proporção dos casos (76,6%) ocorreu em pessoas do sexo masculino com uma razão de 3,3:1 em relação ao sexo feminino. 71 Tabela 11. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo sexo. Goiás, 1999 a 2000 Sexo N % Feminino 15 23,4 Masculino 49 76,6 Total 64 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS A mediana da idade foi de 31 anos, variando de 3 a 75 anos. A maioria dos casos (71,9%) estava na faixa etária de 20 a 49 anos (Tabela 12). Tabela 12. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Goiás, 1999 a 2000 Faixa etária (anos) N % 1 - 9 anos 4 6,3 10 - 19 anos 5 7,8 20 - 49 anos 46 71,9 50 anos e + 9 14,1 Total 64 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Na Tabela 13 está apresentada a distribuição dos casos quanto ao estado vacinal contra febre amarela. Observa-se que 47 pessoas (73,4%) não tinham história de vacinação prévia e 6 delas (9,4%) apresentaram comprovante de vacinação. Tabela 13. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo situação vacinal. Goiás, 1999 a 2000 Vacinado N % Sim 6 9,4 Não 47 73,4 Ignorado 11 17,2 Total 64 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS 72 A Tabela 14 mostra a freqüência dos casos em relação à ocupação no momento da exposição. Vinte e duas pessoas (34,9%) eram trabalhadores rurais e 10 (15,9%) praticavam ecoturismo ou desenvolviam outra atividade de lazer, como pescaria e passeios a fazendas. Em um caso não se obteve essa informação. Tabela 14. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo ocupação. Goiás, 1999 a 2000 Ocupação N % Trabalhador rural 22 34,9 Atividades no domicílio 18 28,6 Turista + lazer 10 15,9 Trabalh. construção civil 4 6,3 Caminhoneiro 1 1,6 Outros 8 12,7 Total 63 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Em relação à procedência dos casos, a maior parte (57,8%) residia em zona urbana (n = 37) e 27 casos (42,2%) eram moradores da zona rural. Do total de infectados, 39 (60,9%) eram residentes em Goiás e 25 pessoas (39,1%) residiam em outras Unidades Federadas, das quais predominou o Distrito Federal, com 29,7% dos casos (Tabela 15). Tabela 15. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados que se infectaram em Goiás segundo UF de residência. Goiás, 1999 a 2000 UF de residência N % GO 39 60,9 DF 19 29,7 SP 4 6,2 MT 1 1,6 RJ 1 1,6 Total 64 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS 73 Em Goiás, o município que apresentou o maior número de pessoas infectadas foi Alto Paraíso de Goiás, com 10 casos (15,6%), seguido de Planaltina, com 7 casos (10,9%), Niquelândia e Minaçu, ambos com 5 casos confirmados, que corresponde a 7,8% do total. Esses três municípios localizam-se próximos a Alto Paraíso de Goiás. Quanto ao critério de confirmação, 4 casos (6,2%) foram confirmados por vínculo epidemiológico e 60 (93,8%) por critério laboratorial. Destes, 87 amostras (de soro ou tecidos) foram positivas em algum teste realizado, conforme observado na Tabela 16: o teste imunoenzimático de MAC-ELISA apresentou positividade em 52 amostras (59,8%); entre os que evoluíram para óbito, 17 (19,5%) tiveram amostras de vísceras positivas através de imunohistoquímica e 15 (17,2%) pela histopatologia (Tabela 16). Tabela 16. Freqüência e percentual de amostras positivas para febre amarela segundo tipo de exame laboratorial realizado. Goiás, 1999 a 2000 Tipo de exame N % IgM (MAC-ELISA) 52 59,8 Isolamento de vírus 3 3,4 Histopatológico 15 17,2 Imunohistoquímica 17 19,5 Amostras examinadas 87 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS A curva epidêmica é apresentada na Figura 8. A data dos sintomas do primeiro caso confirmado foi 9/12/1999 e do último, 01/06/2000. Houve uma maior concentração entre as semanas 52/1999 e 3/2000, período em que foram confirmados 24 casos. A epidemia estendeu-se por 19 semanas, tendo apresentado o pico máximo da curva na semana epidemiológica 7. 74 Figura 8. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Goiás, 1999 a 2000 3.2.2.2. Investigação epidemiológica do surto da Bahia – 2000 Em 10/04/2000, a Secretaria de Saúde da Bahia foi notificada de um óbito ocorrido em um hospital de Brasília, Distrito Federal, de um lavrador de 26 anos de idade, por doença febril ictérica, procedente da Fazenda Olho D`Água, localizada no município de Coribe, Bahia. Dois dias depois, um irmão desse paciente, apresentando sintomas semelhantes, faleceu quando estava sendo transportado para o mesmo hospital. Os resultados de exames laboratoriais confirmaram a suspeita de febre amarela de transmissão silvestre, o que evidenciou uma situação de emergência epidemiológica no estado da Bahia e deixou as autoridades de saúde em estado de alerta. Os últimos registros de febre amarela no Estado datavam de 1950, ocorridos na região leste. 75 Posteriormente, cerca de um mês depois, foram notificados mais dois casos suspeitos. Eram dois jovens irmãos, que foram participar de uma pescaria na Fazenda São José, município de Coribe, distante cerca de 4 quilômetros da primeira. Na investigação epidemiológica realizada nos locais prováveis de infecção foram coletadas amostras de sangue de 17 (dezessete) trabalhadores rurais sem história prévia de vacinação anti-amarílica, evidenciando-se a presença de anticorpos IgM para febre amarela em seis indivíduos assintomáticos, demonstrando, assim, infecção recente pelo vírus da febre amarela. Nas proximidades havia carcaças de macacos identificados por moradores como Cebus apella. Na pesquisa entomológica realizada em campo, entre 23/05/2000 e 07/06/2000, foram capturados 1.635 exemplares de culicídeos, dos quais 1.359 (83,1%) eram da espécie Ochlerotatus scapularis. Os principais vetores da febre amarela (Haemagogus janthinomys e Sabethes chloropterus) foram capturados em pequena quantidade (22 exemplares). Findo o surto, foram confirmados 10 casos com três óbitos, registrando-se uma taxa de letalidade de 30%. Todos os casos eram de indivíduos do sexo masculino, sendo que oito deles (80%) residiam e trabalhavam na zona rural do município de Coribe. Dois eram residentes na zona urbana do vizinho município de Jaborandi e se infectaram em Coribe (Tabela 17). Tabela 17. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo zona de residência. Bahia, 2000 Zona de residência N % Urbana 2 20,0 Rural 8 80,0 Total 10 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS 76 A mediana de idade foi de 27 anos, com intervalo de variação de 13 a 52 anos. A distribuição por faixa etária apresentada na Tabela 18 mostra que 60% dos casos (n = 6) tinham idade entre 20 e 49 anos e 30% (n = 3) eram jovens com idade de 10 a 19 anos. Tabela 18. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Bahia, 2000 Faixa etária (anos) N % 1 - 9 anos - - 10 - 19 anos 3 30,0 20 - 49 anos 6 60,0 50 anos e + 1 10,0 Total 10 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Nenhum dos casos era vacinado contra febre amarela e todos foram confirmados laboratorialmente. Nove (90%) foram confirmados através do teste imunoenzimático de MAC-ELISA; dos três casos que evoluíram para óbito foi possível realizar exame histopatológico em dois, os quais tiveram resultado compatível com febre amarela, sendo que um deles também resultou positivo na imunohistoquímica (Tabela 19). Três casos tiveram mais de um exame laboratorial confirmatório. Tabela 19. Freqüência e percentual de amostras positivas segundo tipo de exame realizado. Bahia, 2000 Tipo de exame N % IgM (MAC-ELISA) 9 64,3 Isolamento de vírus 2 14,3 Histopatológico 2 14,3 Imunohistoquímica 1 7,1 Amostras examinadas 14 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS 77 Figura 9. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Bahia, 2000 A Figura 9 representa a curva epidêmica. Teve uma duração de 7 semanas com pico na semana epidemiológica 15. Na leitura desta curva deve-se levar em conta a inclusão dos casos assintomáticos e oligossintomáticos encontrados na busca ativa, cuja coleta de soro foi realizada na semana 15. A localização espacial do surto é mostrada na Figura 10. Bahia Figura 10. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2000, destacando-se a localização do surto registrado no Estado da Bahia 78 As medidas de controle acionadas imediatamente, bem como o envolvimento de parcerias importantes da região, como donos de fazendas, sindicatos dos trabalhadores da agricultura e do INCRA, professores de escolas rurais e Agentes Comunitários de Saúde possibilitaram o rápido controle do surto (SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA, 2000). Entre as ações desencadeadas em Coribe e nos municípios vizinhos, destacam-se: a) reunião com todos os Secretários de Saúde dos 15 municípios que compõem a 26ª DIRES para discussão do risco epidemiológico para febre amarela e da definição de vacinar 100% da população de cada município; b) vacinação em massa, com estratégia casa a casa, na zona rural. Foram vacinadas 13.241 pessoas em Coribe, elevando a cobertura vacinal acima de 100%, uma vez que 2.659 habitantes já haviam recebido uma dose da vacina em 1999. Em toda a 26ª DIRES foram aplicadas 264.825 doses de vacina, ressaltando-se que a média de doses aplicadas nos dois últimos anos na Regional era de 16.186; c) intensificação da vigilância de doenças febris íctero-hemorrágicas nos serviços de saúde da região; d) levantamento de índice de infestação por Aedes aegypti na zona urbana do município de Coribe; e) pesquisa entomológica com captura de vetores silvestres em todas as localidades de percurso dos casos (SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA, 2000). Foi isolado o vírus da febre amarela em mosquitos da espécie Ochlerotatus scapularis coletados através de isca humana na Fazenda São José, município de Coribe. 3.2.2.3. Investigação epidemiológica do surto de Minas Gerais – 2001 Em janeiro de 2001, foi notificado um óbito de um lavrador de 51 anos, residente em Martinho Campos, município situado na região centro oeste de Minas Gerais, inserido administrativamente na Regional de Saúde de Divinópolis (DRS-Divinópolis). O paciente desenvolveu um quadro febril hemorrágico agudo com evolução de nove dias. Outros casos 79 semelhantes de febre hemorrágica com falência hepática surgiram em municípios vizinhos, levantando-se a suspeita de febre amarela, que foi confirmada posteriormente por sorologia. Numa primeira avaliação, a situação mostrava-se grave: sete municípios não estavam na relação daqueles que compunham a área de risco delimitada no Estado. Além disso, a análise das coberturas vacinais para febre amarela nos 54 municípios da DRSDivinópolis, em série histórica de 1997 a 2000, evidenciou grande heterogeneidade. Onze municípios (20,37%) estavam com cobertura acima de 100%, 21 (38,88%) apresentavam cobertura de 80 a 99% e 22 (40,75%) com coberturas menores de 80%. Na investigação do surto houve uma somação de esforços multiprofissional e multiinstitutcional que contou com a participação de técnicos do EPI-SUS, da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), de diferentes segmentos da Secretaria de Saúde de Minas Gerais (SES/MG, DVE, FUNED), DRS/Divinópolis, órgãos afins (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros), Faculdade de Enfermagem de Divinópolis e as Secretarias Municipais de Saúde dos municípios envolvidos. Assim, para efeito de aplicação das medidas de controle contra a epidemia, foi delimitada uma área de risco de transmissão que englobava 100 municípios: além da DRSDivinópolis, foram incluídos 37 municípios da DRS-Metropolitana e nove da DRS-Sete Lagoas. As atividades de intensificação da vacinação contra febre amarela tiveram início em 23 de fevereiro e foram encerradas em 31 de março. Na zona urbana incluíram as Unidades de Saúde, rodoviárias e escolas. Na zona rural, vacinação casa a casa, além de postos de vacinação instalados nas principais rodovias. Para o desenvolvimento dos trabalhos de campo foram locados 43 veículos pelo Ministério da Saúde, além dos disponibilizados pela SES/MG, totalizando 77 veículos. Foram treinados 87 vacinadores e seis supervisores para acompanhar as ações. 80 Ao final do período, foram vacinadas 1.191.361 pessoas na DRS-Divinópolis, alcançando-se coberturas vacinais de 100% em 40 municípios, 80-99% em oito; seis municípios não obtiveram coberturas acima de 80%. Na DRS-Metropolitana as coberturas atingiram 91%, com a aplicação de 3.930.011 doses de vacina. Em relação à pesquisa entomológica, quatro equipes do Estado de Minas Gerais (FUNASA Regional e SES) realizaram capturas de vetores em 17 municípios, particularmente nos locais prováveis de infecção e proximidades das residências dos casos, identificando os gêneros Ochlerotatus, Haemagogus e Sabethes em áreas silvestres e Aedes nas localidades urbanas. O vírus da febre amarela foi isolado em “pool” de mosquitos Haemagogus janthinomys. Foram intensificadas as ações de controle do Aedes aegypti nas sedes municipais com vistas a evitar a transmissão urbana. Foram notificadas epizootias em 27 municípios de Minas Gerais entre os meses de janeiro a julho de 2001, e durante todo o ano 31 municípios registraram morte de macacos no Estado. No município de Leandro Ferreira foi recolhido um cadáver da espécie Callihtrix penicillata, recém falecido, porém a pesquisa de antígenos virais foi negativa. Para assegurar o atendimento médico adequado aos pacientes foram ministradas palestras para os médicos da região, concomitante com a organização da rede assistencial e estabelecimento de unidades hospitalares de referência. Além disso, foi implantado protocolo de monitoramento de eventos adversos graves à vacina contra febre amarela, o que permitiu a detecção de um óbito temporalmente associado à mesma. Entre 1 de janeiro e 8 de maio foram notificados 99 casos suspeitos de febre amarela, dos quais 32 foram confirmados. Metade dos casos confirmados (n = 16) evoluiu para óbito, alcançando-se uma taxa de letalidade de 50%. 81 Em relação à distribuição por sexo, a maioria (29 casos) era do sexo masculino, o que representa 90,6%, numa razão de 9,6:1 em relação ao sexo feminino (Tabela 20). Tabela 20. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo sexo. Minas Gerais, 2001 Sexo N % Feminino 3 9,4 Masculino 29 90,6 Total 32 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Quanto à distribuição por idade, a mediana encontrada foi de 40 anos, com intervalo de 16 a 69 anos. Na Tabela 21 é apresentada a freqüência segundo faixa etária. Observa-se que a maior concentração de casos (65,6%) foi no grupo etário de 20 a 49 anos de idade. Não houve registro em menores de 10 anos de idade. Tabela 21. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Minas Gerais, 2001 Faixa etária (anos) N % 1 - 10 anos - - 10 - 19 anos 4 12,5 20 - 49 anos 21 65,6 50 anos e + 7 21,9 Total 32 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Em relação à situação vacinal, um caso relatou e comprovou ter recebido uma dose de vacina contra febre amarela 14 dias antes do início dos sintomas, o que fez levantar a suspeita de evento adverso grave. Entretanto, o seqüenciamento genético do vírus isolado do paciente durante a investigação concluiu tratar-se de caso de doença pelo vírus silvestre. 82 A atividade realizada no momento da exposição foi informada em 31 casos (Tabela 22), tendo predominado o grupo de trabalhadores rurais (41,9%) e de indivíduos que desenvolviam atividades de lazer em ambiente silvestre (19,4%). Tabela 22. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo atividade no momento da exposição. Minas Gerais, 2001 Atividade N % Trabalhador rural 13 41,9 Lazer/pescaria 6 19,4 Atividades do domicílio 6 19,4 Caminhoneiro 3 9,7 Trabalhador urbano 2 6,5 Trabalhador da construção civil 1 3,2 Total 31 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS A confirmação foi feita por critério laboratorial em 29 casos (90,6%) e por critério clínico-epidemiológico em 3 casos (9,4%). A Tabela 23 apresenta a distribuição das amostras de material biológico dos casos, que resultaram positivas de acordo com o tipo de exame realizado. Tabela 23. Freqüência e percentual de amostras positivas para febre amarela segundo tipo de exame realizado. Minas Gerais, 2001 Tipo de exame N % IgM (MAC-ELISA) 26 72,2 Isolamento de vírus 2 5,6 Histopatológico 4 11,1 Imunohistoquímica 4 11,1 Amostras examinadas 36 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS O teste imunoenzimático de MAC-ELISA foi a técnica laboratorial que apresentou o maior percentual de confirmação de amostras (72,2%). Quatro casos tiveram 83 confirmação através de mais de um teste laboratorial, sendo que um deles foi positivo mediante quatro técnicas diferentes (MAC-ELISA, isolamento de vírus, histopatologia e imunohistoquímica). As tabelas 24, 25 e 26 mostram a distribuição dos casos de acordo com a zona de residência, município de infecção e município de residência, respectivamente. A maior parte dos casos (n = 24) residia em zona urbana, com um percentual de 75% (Tabela 24). Um caso, que não relatou exposição ocupacional ou turística a área silvestre, morava em residência urbana de bairro periférico, próximo a nascente com vegetação, não sendo possível concluir se houve transmissão urbana. A busca ativa desencadeada na vizinhança, com vacinação casa a casa, precedida de coleta de soro, não detectou nenhum outro infectado. Cabe destacar que muitas cidades da região possuem as áreas urbanas muito próximas de veredas (mata selvagem). Tabela 24. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo zona de residência. Minas Gerais, 2001 Zona de residência N % Urbana 24 75,0 Rural 8 25,0 Total 32 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS A transmissão se deu em 12 municípios. Dos casos confirmados, seis (19%) tinham o município Leandro Ferreira como local de residência e 7 (21,9%) como local provável de infecção, tendo sido o município com maior número de casos. Os municípios de Bom Despacho, Nova Serrana e Santo Antonio do Monte registraram 4 casos (12,5%) cada um. Um menor número de casos foi confirmado em outros oito municípios da região (Tabela 25). 84 Tabela 25. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo município de infecção. Minas Gerais, 2001 Município de infecção Leandro Ferreira Bom Despacho Nova Serrana Sto Antonio do Monte Serra da Saudade Martinho Campos São Gotardo Dores do Indaiá Conceição do Pará Pitangui Pará de Minas Luz Total N % 7 4 4 4 3 2 2 2 1 1 1 1 32 21,9 12,5 12,5 12,5 9,3 6,3 6,3 6,3 3,1 3,1 3,1 3,1 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Com exceção de um caso residente em outra Unidade Federada (Alagoas), todos os demais eram residentes em Minas Gerais (Tabela 26). Tabela 26. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo município de residência. Minas Gerais, 2001 Município de residência Leandro Ferreira Nova Serrana Sto Antonio do Monte Belo Horizonte Contagem Martinho Campos Bom Despacho Divinópolis Conceição do Pará Dores do Indaiá Pará de Minas Luz São Gotardo Maceió Serra da Saudade Total Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS N 6 4 4 3 3 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 32 % 18,8 12,5 12,5 9,4 9,4 6,3 6,3 3,1 3,1 3,1 3,1 3,1 3,1 3,1 3,1 100,0 85 A curva epidêmica está representada na Figura 11. Teve uma duração de 9 semanas, com o início dos sintomas do primeiro caso em 14/01/2001 e do último em 13/03/2001. Apresentou uma concentração de 59,4% dos casos entre as semanas epidemiológicas 6 e 9 (n = 19), com o pico máximo na semana epidemiológica 9. Figura 11. Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Minas Gerais, 2001. A localização espacial do surto é mostrada na Figura 12. No destaque, o Estado de Minas Gerais, com a localização dos municípios com transmissão, ressaltando-se o Município de Leandro Ferreira (em azul claro), que registrou o maior número de casos. 86 Figura 12. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 2001, destacando-se a localização do surto registrado no Estado de Minas 3.2.2.4. Investigação epidemiológica do surto de Minas Gerais – 2002/2003 Em 24 de dezembro de 2002, o Hospital de Serro, Minas Gerais, pertencente à DRS/Diamantina, começou a atender pacientes moradores da localidade rural denominada Lucas, no município de Serro, que apresentavam febre e icterícia acompanhadas ou não de hemorragia. O encontro de anticorpos tipo IgM específicos contra o vírus da febre amarela em quatro doentes confirmou o início de um surto silvestre da doença, que atingiu outros municípios vizinhos. Serro foi o município que registrou o maior número de casos, porém houve transmissão também em Sabinópolis, Alvorada de Minas e Materlândia, todos pertencentes à DRS-Diamantina, além dos municípios de Guanhães e Senhora do Porto, ambos da DRSItabira. Nas matas da região foram identificados primatas não humanos dos gêneros Alouatta (guariba), Cebus (guigó) e Callithrix (soim), este último observado com freqüência no peridomicílio. Na localidade Lucas foi identificada epizootia em Callithrix, próxima a 87 residências de casos confirmados, em janeiro de 2003. Foi realizada investigação entomológica nos municípios envolvidos no surto, tendo sido capturados mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes (102 exemplares), entretanto até o momento não foi possível realizar as provas laboratoriais para tentativa de isolamento viral. Decorridos três meses, quando o último caso foi detectado, foram notificados 93 casos suspeitos de febre amarela silvestre, dos quais 63 (67,7%) foram confirmados e 30 (32,3%) descartados. Vinte e três pessoas morreram, sendo a taxa de letalidade pela doença igual a 36,5%. O sexo masculino representou 85,7% dos casos confirmados (n = 54), numa relação de 6:1 em relação ao sexo feminino. Na Tabela 27 está representada a distribuição dos casos por faixa etária. Observase uma pequena proporção de casos entre 10 e 19 anos de idade (3,2%), porém a maior concentração ocorreu em pessoas com idade entre 20 e 49 anos (71,4%), seguindo-se o grupo de indivíduos com 50 anos e mais (25,4%). A mediana de idade foi de 39 anos (intervalo: 16 anos a 82 anos). Tabela 27. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo faixa etária. Minas Gerais, 2002 a 2003 Faixa etária N % 1 - 9 anos - - 10 - 19 anos 2 3,2 20 - 49 anos 45 71,4 50 anos e + 16 25,4 Total 63 100,0 4 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Um caso (1,6%) tinha registro de vacinação na carteira há cerca de um ano e onze meses antes da data de início dos sintomas; os demais, 52 (82,5%) não relataram história anterior de vacinação e em 10 casos (15,9%) não foi possível obter essa informação. 88 A distribuição dos casos segundo a ocupação no momento da exposição é mostrada na Tabela 28. A maior freqüência foi observada entre trabalhadores rurais (n = 54), que representou 87,1% dos casos. Para um caso não foi possível obter a informação. Tabela 28. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo ocupação. Minas Gerais, 2002 a 2003 Atividade N % Trabalhador rural 54 87,1 Lazer/pescaria - - Atividades do domicílio 5 8,1 Caminhoneiro - - Trabalhador urbano 1 1,6 Trabalh. Construção civil 2 3,2 Total 62 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Nas tabelas 29 e 30 estão distribuídos os casos de acordo com a procedência. Observa-se que 54 (85,7%) residiam e trabalhavam em área rural (Tabela 29). Tabela 29. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo zona de residência. Minas Gerais, 2002 a 2003 Zona de residência N % Urbana 8 12,7 Rural 54 85,7 Urbana/rural 1 1,6 Total 63 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS Todos os infectados eram do Estado de Minas Gerais. Os municípios de Serro e Sabinópolis foram os mais atingidos, os quais registraram 39,7% e 34,9% dos casos, respectivamente (Tabela 30). 89 Tabela 30. Freqüência e percentual dos casos de febre amarela registrados segundo município de infecção. Minas Gerais, 2002 a 2003 Município de infecção N % Serro 25 39,7 Sabinópolis 22 34,9 Senhora do Porto 6 9,5 Alvorada de Minas 6 9,5 Guanhães 3 4,8 Materlândia 1 1,6 Total 63 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS A localização do surto é mostrada na Figura 13. Figura 13. Mapa do Brasil com registro de atividade do vírus da febre amarela em 20022003, destacando-se a localização do surto registrado no Estado de Minas Gerais. A confirmação se deu por critério laboratorial em 57 casos (90,5%) e por vínculo epidemiológico em 6 casos (9,5%), nos quais não foi possível realizar exames laboratoriais. O 90 exame que mais confirmou casos foi o teste de MAC-ELISA, com 32 amostras positivas (50,8%), seguido do isolamento de vírus, que foi positivo em 11 casos (Tabela 31). Tabela 31. Freqüência e percentual de amostras positivas para febre amarela segundo tipo de exame realizado. Minas Gerais, 2002 a 2003 Tipo de exame N % IgM (MAC-ELISA) 32 50,8 Isolamento de vírus 11 17,4 Histopatológico 10 15,9 Imunohistoquímica 4 15,9 Amostras examinadas 63 100,0 Fonte: Banco de dados do PVCFA/SVS/MS A curva epidêmica é apresentada na Figura 14. O surto durou onze semanas. O pico mais alto ocorreu na semana epidemiológica 3, decorridas quatro semanas do aparecimento do primeiro caso. Vinte e dois casos (35%) foram registrados nesta semana. Entre as semanas 1 e 6 concentraram-se 84,1% dos casos (n = 53). Figura 14 . Curva epidêmica. Surto de febre amarela silvestre. Minas Gerais, 2002 a 2003. 91 3.2.3. Resultados da análise das características sócio-ambientais dos focos de ocorrência dos surtos 3.2.3.1. Aspectos sócio-ambientais do foco de Goiás – 1999/2000 O epicentro do surto de febre amarela ocorrido em Goiás entre dezembro de 1999 e início do ano 2000 foi o município de Alto Paraíso de Goiás. Distante 230 km de Brasília/DF, está localizado na Rodovia GO-118, no limite do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O principal rio que corta o Parque Nacional é o Rio Preto, afluente do Rio Tocantins, que comporta inúmeras cachoeiras. O bioma presente no trecho goiano da Bacia do Tocantins é o Cerrado, caracterizado por árvores esparsas e vegetais rasteiros. Existem matas de galerias (matas primárias contínuas) geralmente confinadas a estreitos cinturões ao longo dos rios e encostas de morros, com árvores que alcançam 15 a 25 metros de altura, espaçadas de tal forma que a luz solar atinge o solo (Figuras 15 e 16). Figura 15. Aspectos da vegetação de Alto Paraíso de Goiás, GO (Foto cedida pela SES/GO) 92 Figura 16. Aspectos da vegetação de Alto Paraíso de Goiás, GO (Foto cedida pela SES/GO) O município de Alto Paraíso de Goiás apresenta uma grande variação altimétrica, que vai de 600 até cerca de 1.676 m, o que torna o clima bastante ameno. No Estado de Goiás, a estação chuvosa ocorre entre outubro e maio, o clima é tropical semi-úmido, com duas estações bem definidas, verão úmido e inverno seco. Dados relativos a balanço hídrico e temperatura obtidos junto ao Instituto Nacional de Meteorologia mostraram que intensa quantidade de chuvas caiu sobre o Estado de Goiás no período de dezembro de 1999 a março de 2000, correspondendo ao verão. A precipitação variou de 281/mm em março a 390/mm no mês de janeiro (média de 326,5/mm nesse período), diminuindo a partir do mês de abril e chegando a zero em junho. No mesmo período, a temperatura média atingiu o máximo de 24,1ºC nos meses de janeiro e março, diminuiu a partir de maio, registrando-se a temperatura média mais baixa (20ºC) no mês de junho. O município possui uma crescente estrutura voltada para o turismo, com pousadas, hotéis e áreas de camping. Uma das mais importantes atividades econômicas na região de Alto Paraíso é o artesanato ligado à confecção de arranjos decorativos com plantas 93 regionais. Feitos principalmente com flores, frutos e sementes e comercializados com o nome “Flores do Cerrado”, esses arranjos dão empregos a diversas pessoas e chegam atingir o mercado externo. Alto Paraíso de Goiás é o santuário goiano da ecologia, do misticismo, das terapias naturais, do espiritualismo e da paz. Ali estão instalados mais de 40 grupos místicos, filosóficos e religiosos sendo reconhecida pelos espiritualistas de todo mundo como uma das regiões do planeta destinadas a receber seres escolhidos pelos planos superiores da vida, Alto Paraíso se destaca no Brasil e no mundo como a Capital Brasileira do Terceiro Milênio. O paralelo 14, que atravessa a lendária cidade de Machu Pichu, no Peru, também passa sobre Alto Paraíso, em um local denominado Jardim Zen, onde pedras e flores compõem um cenário místico, originando fantásticas histórias sobre discos voadores e seres extraterrestres. Visitantes de todas as partes são atraídos pela maravilha selvagem e praticamente intacta do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (www.chapada.com/portugues/altoparaiso.htm , acessado em 19/08/2004). Na virada do ano de 1999 para 2000, centenas de turistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília atenderam ao chamado da mídia para o “Reveillon do Milênio” em Alto Paraíso, e muitos deles adoeceram, alguns até morreram de febre amarela. A ameaça vinda das matas assustou os moradores das grandes capitais, o que levou milhares de brasileiros aos postos de vacinação. A epidemia foi notícia nos principais jornais do país. Sob o título “Cientista francês caça mosquito Janthinomys”, o Jornal de Brasília disparou: Uma trilha de guerrilha, tal qual as que conheci na realidade, quando vivi, como jornalista, a Guerra de Angola, na África. Os mesmos percalços e suspense de uma expedição de risco pela floresta fechada. Só então o cientista francês Nicolas Degallier viu-se frente a frente com o Haemagogus janthinomys, o mosquito da febre amarela silvestre. Nicolas levantou a calça, expôs a perna e, em segundos, uma onda de Janthinomys veio picá-lo. Com um "puçá" o francês sugava rapidamente o mosquito. Estávamos no epicentro do foco de febre amarela silvestre, na mata que 94 cerca o pequeno vilarejo de Moinho, a seis quilômetros de Alto Paraíso, o que significa dizer, a 256 quilômetros da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ali foram encontrados sinais de que a epidemia de febre amarela silvestre mata os seres da floresta: dois macacos mortos (JORNAL DE BRASÍLIA, 19/1/2000, p. 1-B) (Figura 17). Figura 17. Construção de armadilha para captura de vetores silvestres pela equipe de Nicolas Degallier em Alto Paraíso de Goiás, 2000 (Foto cedida pela SES/GO). 3.2.3.2. Aspectos sócio-ambientais do foco da Bahia – 2000 O município de Coribe está situado no sudoeste da Bahia, banhado pelos rios Formoso e Corrente, na Bacia do Médio São Francisco. Administrativamente, faz parte da 26ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES) – Santa Maria da Vitória. Situa-se a uma altitude de 657 metros acima do nível do mar, com sol abundante durante todo o ano e clima semi-árido, típico do polígono da seca, com temperaturas elevadas e chuvas escassas e irregulares entre os meses de outubro e março, com 4 a 5 meses secos durante o ano. A pluviosidade anual varia, em média, entre 0 e 100 mm, na estação seca (inverno) e no período chuvoso (verão), respectivamente. O município de Coribe está inserido em área de tensão ecológica entre os biomas Caatinga e Cerrado, em que a vegetação predominante mistura espécies de ambos, porém os ecossistemas encontram-se bastante antropizados, com a substituição de espécies vegetais 95 nativas por cultivos e pastagens. Sua população total é de 15.148 habitantes, com 5.695 habitantes na zona urbana e 9.453 na zona rural, distribuídos em uma área de 2.845 km2 (IBGE, 2000). Tem a sua base econômica fundamentada principalmente no binômio agricultura/pecuária, e hoje se constitui na mais nova fronteira agrícola da Bahia, com ênfase à produção de soja, café, milho e algodão (http://www.coribe.hpg.ig.com.br/ acessado em 13/Out/2004). A localidade de ocorrência do surto de febre amarela, Fazenda Olho D`Água, também conhecida como Assentamento Lagartixa, dista cerca de 25 quilômetros da sede do município de Coribe. Caracterizava-se, à época, como uma área de assentamento do INCRA, onde as moradias apresentavam aspecto provisório, algumas com cobertura de plástico, situadas em meio à mata (Figuras 18 e 19). Figura 18. Aspectos paisagísticos e da vegetação de Coribe, BA (Foto cedida pela SES/BA) 96 Figura 19. Aspectos paisagísticos e da vegetação de Coribe, BA (Foto cedida pela SES/BA) 3.2.3.3. Aspectos sócio-ambientais do foco de Minas Gerais – 2001 O surto de febre amarela de Minas Gerais em 2001, teve lugar, predominantemente, na Regional de Saúde de Divinópolis (DRS-Divinópolis), envolvendo também municípios da região metropolitana de Belo Horizonte (DRS-Metropolitana) e da Regional de Saúde de Sete Lagoas (DRS-Sete Lagoas). A DRS-Divinópolis está situada na região centro oeste de Minas Gerais, aproximadamente a 150 km de Belo Horizonte, sendo composta por 54 municípios. Tem uma população total de 1.027.967 habitantes (IBGE, 2001), com aproximadamente 86% vivendo na zona urbana e 14% na zona rural. É uma região de clima tropical, contando apenas com duas estações, inverno seco e verão chuvoso, com temperaturas médias variando entre 27º e 22ºC. Ocupada pelo segundo maior bioma brasileiro, o Cerrado, tem a savana como vegetação predominante, em seu estrato gramíneo-lenhoso composto predominantemente por árvores esparsas e vegetais rasteiros, apresentando extensas áreas antropizadas. Ao longo dos cursos d’água, as florestas de galeria fazem parte da fisionomia da savana, em terrenos relativamente 97 férteis, dotados de locais agradáveis para a prática de pescaria e banhos de rios, como foi possível observar nos rios Lambari, Picão e Pará, que cortam a região e fazem parte da Bacia do Rio São Francisco (Figuras 20 e 21). O Centro Oeste destaca-se como uma das regiões mais populosas de Minas Gerais, tendo apresentado a terceira maior taxa de crescimento populacional no Estado (14,93%) entre 1991 e 2000, sendo superada apenas pela região Central e Triângulo Mineiro. São 987.765 habitantes (Censo 2000), 845.505 deles vivendo na zona urbana e 142.260 habitantes na zona rural, com um grau de urbanização de 85,60%, o terceiro maior do Estado. Figura 20. Praia no Rio Lambari, Bom Despacho, MG (Foto cedida por Roberto Dusi) 98 Figura 21. Aspectos paisagísticos, Rio Pará, MG (Foto cedida por Roberto Dusi) A atividade econômica principal está no setor de serviços, atualmente em franca expansão, tendo à frente o turismo de negócios firmando-se como tendência regional. No parque industrial destaca-se a metalurgia (maior produtor de utensílios de alumínio do país), confecções (pólo nacional com mais de 700 empresas instaladas), bebidas e alimentos. Na pecuária, destacam-se a produção de leite, suínos e aves (SCAVAZZA, 2003). 3.2.3.4. Aspectos sócio-ambientais do foco de Minas Gerais – 2002/2003 Entre dezembro de 2002 e março de 2003, ocorreu um surto de febre amarela na região nordeste do Estado de Minas Gerais. Serro foi o município mais atingido, porém houve transmissão também em Sabinópolis, Alvorada de Minas e Materlândia, todos da Regional de Saúde DRS-Diamantina, além do registro de autoctonia nos vizinhos municípios de Guanhães e Senhora do Porto, ambos da DRS-Itabira (DIMECH ET AL., 2003). Nessa região vive uma população aproximada de 1 milhão de pessoas com cerca de 75% vivendo em área rural, cuja atividade econômica predominante caracteriza-se pela 99 prática de agricultura e pecuária rudimentares. É uma região montanhosa, cortada por muitos córregos, ribeirões e rios, como o Ribeirão do Lucas e Rio Guanhães, que fazem parte da bacia hidrográfica do Rio Doce. A região insere-se no bioma Cerrado, em que a vegetação predominante é o cerrado em suas formações florestais savana e campos rupestres. Parte da mesma está inserida em área de tensão ecológica, de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica, onde a cobertura vegetal se caracteriza por campos de altitude e vegetação de florestas semi-caduciformes. O solo é árido, em maior parte, sendo castigado regularmente por secas e enchentes. A fitofisionomia predominante já foi muito descaracterizada pela ação antrópica com as derrubadas para o aproveitamento de lenha para carvão, atividade econômica muito praticada na região. Vastos reflorestamentos com plantações de eucalipto substituíram grandes trechos do cerrado original nas superfícies planas das chapadas, sendo utilizadas para celulose e carvão vegetal o que, de uma certa forma, ameniza um pouco a situação, pois criam utilidade econômica para algumas parcelas do solo. Ainda assim, remanescentes do cerrado misturam-se aos restos das matas de galeria ao longo dos ribeirões, ao tempo em que se observam árvores típicas da Mata Atlântica (www.ambientebrasil.com.br , acessado em 19/08/2004) (Figuras 22 e 23). 100 Figura 22. Aspectos da vegetação de Serro, MG (Foto cedida por Wanderson Kleber de Oliveira) Figura 23. Aspectos da vegetação de Sabinópolis, MG (Foto cedida por Wanderson Kleber de Oliveira) O clima é marcado por temperaturas cujas médias anuais giram em torno dos 18ºC. A média das máximas é de aproximadamente 23,8ºC enquanto que a média das mínimas encontra-se próximo dos 14ºC. Os meses mais frios são junho, julho e agosto, e no 101 verão, o mês de janeiro destaca-se como o mais quente, com a máxima de 27,8ºC (as informações referem-se a normais climatológicas do INMET para o período 1961 - 2000 da estação de Diamantina, por não existirem dados climáticos específicos para a região). A maior quantidade de chuvas concentra-se no mês de janeiro, com um montante de 307 mm. O inverno é seco, sendo julho o mês de menor índice pluviométrico. A umidade relativa varia ao longo do ano em torno de 70%, sendo agosto o mês que apresenta o valor mais baixo. Em dezembro, quando a disponibilidade hídrica é maior, a umidade relativa do ar chega a quase 82%. 3.2.4. Comparação de características epidemiológicas e ambientais entre os quatro focos de ocorrência de surtos de febre amarela Nos Quadros 2 e 3 é apresentado um resumo dos principais atributos dos casos registrados nos quatro surtos e das áreas afetadas. Quadro 2. Atributos dos casos de febre amarela silvestre confirmados nos quatro surtos ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003. Atributo Goiás Bahia Minas Gerais 1 Minas Gerais 2 76,6 23,4 31 (3 – 75) 100,0 27 (13 - 52) 90,6 9,4 40 (16 - 69) 85,7 14,3 39 (16 - 82) Atividades de turismo + lazer (%) 15,9 20,0 19,3 Atividades rurais (%) 31,7 80,0 41,9 Casos com < 20 anos (%) 14,1 30,0 12,5 Percentual (%) de autoctonia no LPI(1) Casos vacinados contra FA (%) 61,0 100,0 98,4 100,0 9,4 - - 1,6 57,8 20,0 75,0 - 43,8 30,0 50,0 36,5 19 7 9 11 Sexo Masculino (%) Feminino (%) Idade mediana (anos) Intervalo (anos) Casos de transmissão silvestre residentes em zona urbana (%) Letalidade (%) Duração do surto (semanas) (1) LPI = local provável de infecção (a unidade de análise foi o município) 87,1 3,2 102 Quadro 3. Atributos das áreas afetadas nos quatro surtos de febre amarela silvestre ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003. Atributo Goiás Bahia Minas Gerais 1 Minas Gerais 2 49 1 35 6 Haemagogus janthinomys Ochlerotatus scapularis Haemagogus janthinomys Haemagogus janthinomys Alouatta Cebus Callithrix Callithrix Endêmica Indene Transição + Indene Indene Entre 500 e 1000 Entre 500 e 800 Entre 500 e 1100 Entre 500 e 1100 42,8 50,1 28,4 52,2 Rio Tocantins/ Rio Araguaia Rio Paraná Rio São Francisco Rio São Francisco Rio Doce Cerrado Área de tensão ecológica entre Caatinga e Cerrado Cerrado Área de tensão ecológica entre Cerrado e Mata Atlântica Nº municípios atingidos (casos e epizootias) Vetor predominante PNH(1) predominante na epizootia Área de estratificação epidemiológica do PVCFA Altitude (limites em metros) Uso do solo (cultura, solo exposto, área edificada) (%) Bacia hidrográfica Bioma (1) PNH = primata não humano O Quadro 4 apresenta e compara as imagens de satélite dos quatro focos de febre amarela identificados no período, considerando também a localização dos casos registrados segundo provável local de ocorrência, a distribuição da rede rodoviária e a malha fluvial. 103 Quadro 4. Imagens de satélite, limites do Kernel e localização de casos nos focos de febre amarela humana ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003. Focos de Goiás – 1999/2000 Foco de Minas Gerais – 2001 Foco da Bahia – 2000 Foco de Minas Gerais – 2002/2003 No Estado de Goiás observou-se que a maior parte dos casos se concentrou numa faixa de vegetação classificada como cerradão ou cerrado alto, que atravessa o norte da fronteira com Tocantins até o Distrito Federal, na bacia do Tocantins-Araguaia. Verificou-se também a presença de dois focos menores, não contínuos, um no limite do Estado de Minas Gerais, na bacia do Paraná, e outro no limite com Mato Grosso, na bacia do Araguaia. Já no foco da Bahia destaca-se uma pequena área de vegetação mais densa, onde se concentraram os casos. Os dez casos registrados ocorreram em apenas duas localidades bem próximas a um entroncamento rodoviário. 104 Os casos do foco de Minas Gerais - 2001 concentraram-se em área já bastante modificada por atividades antrópicas, com pequenos trechos de vegetação de mata rarefeita distribuída de forma descontínua, acompanhando as margens dos rios. Uma das características importantes é a extensão da malha fluvial e também a importância da rede rodoviária, dado que a área se localiza próxima da cidade de Belo Horizonte. O foco de Minas Gerais - 2002/2003 se mostrou como aquele onde a área estava mais modificada pelas atividades humanas. Os fragmentos florestais, alem de descontínuos, apresentaram-se rarefeitos. Os casos se concentraram em localidades próximas a um entroncamento rodoviário, com solo exposto e, portanto, muito desmatadas. Como foi observado, as paisagens dos diferentes focos foram bem distintas, indo desde o foco difuso de Goiás, onde havia uma vegetação de cerradão preservada, inclusive integrando como corredor diferentes áreas de preservação ambiental, até o foco de Minas Gerais, na cabeceira do Rio Doce, já profundamente desmatada há muitos anos, por atividades de extração de madeira para produção de carvão. Todos os focos ocorreram em áreas próximas de rodovias e de rios. O Quadro 5 mostra as imagens classificadas dos focos segundo a vegetação predominante e as mais diversas formas de utilização do solo, além dos casos georreferenciados segundo provável local de ocorrência. As imagens classificadas permitem visualizar melhor a participação dos diferentes tipos do uso do solo nos distintos focos, observando-se o efeito de mosaico em todos eles. Destaca-se a ocorrência de focos em áreas de transição, ecótonos, entre vegetação preservada como o cerradão, cerrado, mata ciliar e áreas de cultura (Quadro 5). 105 Quadro 5. Classificação do uso do solo e da cobertura vegetal nos quatro focos de febre amarela humana ocorridos no Brasil no período de 1999 a 2003. Foco da Bahia – 2000 Foco de Goiás – 1999/2000 Foco de Minas Gerais – 2001 Foco de Minas Gerais – 2002/2003 Localidade com caso de febre amarela A Figura 24 apresenta a distribuição espacial dos focos de febre amarela humana na área Extra Amazônica, de modo a mostrar a distância entre eles e suas áreas de abrangência, determinadas através de uma estatística Kernel. Pode-se observar que enquanto o foco de Goiás se mostrou difuso, distribuindo-se em uma grande área, os outros focos e, principalmente o da Bahia, apresentaram-se com características típicas de focos limitados. 106 Limite da área de estudo Focos de FA Figura 24. Focos de casos humanos de febre amarela na Região Extra Amazônica. Brasil, 1999 a 2003 Bacia do Rio Tocantins Bacia do Rio São Francisco Bacia do Rio Paraná Bacia do Rio Doce Legenda: Rios principais Limite dos focos Municípios com mais de 50.000 hab. Figura 25. Principais cidades, rios e focos de casos humanos de febre amarela na Região Extra Amazônica. Brasil, 1999 a 2003 107 As Figuras 25 e 26 seguintes mostram as relações espaciais entre os focos e as bacias hidrográficas da região, a rede rodoviária e as cidades com mais de 50.000 habitantes. Na Figura 25 observa-se a proximidade dos focos em diferentes bacias: a dos rios Tocantins-Araguaia, do São Francisco, do Paraná e do Doce, mostrando como o processo enzoótico-epizoótico se deslocou amplamente nas regiões Centro Oeste e Sudeste, alcançando áreas que não estão diretamente interligadas através de vegetação florestal. Legenda: Rodovias Limite dos focos Municípios com mais de 50.000 hab. Figura 26. Principais cidades, rodovias e focos de casos humanos de febre amarela na Região Extra Amazônica. Brasil, 1999 a 2003. Na Figura 26 observa-se a proximidade dos focos de cidades com mais de 50.000 habitantes, principalmente nos estados de Goiás e Minas Gerais. A distribuição das estradas de rodagem mostra que esses focos são próximos de rodovias e até mesmo de entroncamentos rodoviários, localizando-se em áreas com forte pressão antrópica. 108 3.3. Características da distribuição espacial das epizootias em primatas não humanos suspeitas e confirmadas de febre amarela notificadas no período de 1999 a 2003 fora da Amazônia Legal No período deste estudo foram notificadas mortes de primatas não humanos em 171 localidades de 100 municípios em cinco estados situados fora da Amazônia Legal. Das 171 notificações, dezoito (10,5%) foram confirmadas laboratorialmente (8 em Goiás, 6 em Minas Gerais, 3 no Rio Grande do Sul e 1 na Bahia). Na Bahia a confirmação se deu de forma indireta, mediante o isolamento do vírus da febre amarela em mosquitos silvestres Ochlerotatus scapularis capturados no local da epizootia, uma vez que só foram encontrados cadáveres dos animais mortos, impróprios para exames. De igual modo, uma epizootia no município de Minaçu, Goiás, foi confirmada pelo isolamento de vírus em Haemagogus janthinomys coletados durante a investigação. O maior número de registros de epizootias foi no Estado de Minas Gerais, com 49 municípios envolvidos (49%), seguido de Goiás, com 36 municípios (36%), Rio Grande do Sul, com 13 municípios (13%), Bahia, com registro em um município e Paraná, onde o mesmo município notificou epizootias em dois anos consecutivos. Considerando o município de ocorrência, 25 epizootias (25%) geraram casos humanos (15 municípios de Goiás, 9 de Minas Gerais e 1 da Bahia). 109 Figura 27. Municípios com casos humanos confirmados de febre amarela silvestre e epizootias suspeitas em primatas não humanos fora da Amazônia Legal. Brasil, 1999 a 2003. No mapa do Brasil apresentado na Figura 27 foi feita a distribuição espacial das epizootias notificadas como suspeitas de febre amarela e dos casos humanos confirmados fora da Amazônia Legal, tendo como unidade de análise o município provável de infecção. De um modo geral, observou-se uma proximidade geográfica entre os dois eventos. No Rio Grande do Sul não houve registro de casos humanos, apesar de ter ocupado o terceiro lugar em notificações de epizootias. Em 84 eventos foi informado o gênero do primata não humano envolvido. Cabe ressaltar que em cinco localidades de Goiás foram encontrados macacos dos gêneros Alouatta e Cebus na mesma epizootia e em Minas Gerais foi citado um primata vulgarmente conhecido como “macaco da Angola”, o qual não pôde ser identificado como nenhum dos gêneros conhecidos. Desta forma, totalizaram-se 89 informações sobre os gêneros dos primatas, assim distribuídos: Alouatta (guariba) esteve presente em 48 epizootias (53,9%), seguido do Cebus 110 (macaco prego) e do Callithrix (soim), ambos citados em 20 situações (22,5%) e o “macaco da Angola”, citado uma vez (1,1%). A análise por estado permitiu observar algumas particularidades: (a) o gênero presente em todas as epizootias do Rio Grande do Sul foi o Alouatta; (b) apenas a espécie Cebus apella foi encontrada na Bahia e no Paraná; (c) em Minas Gerais foram notificadas epizootias em 49 municípios, em um total de 106 localidades, porém o gênero só foi identificado em 41 casos. Neste Estado, o gênero Callithrix predominou sobre os demais, tendo sido citado em 20 eventos (48,8%), seguido do Alouatta, com 16 registros (39%) e, por último, o Cebus, encontrado em 5 (12,2%) situações; (d) em Goiás só houve informação sobre o gênero em 20 casos, sendo 11 (55%) identificados como Cebus e nove (45%) como Alouatta. Ao proceder à distribuição espacial das epizootias no mapa do Brasil observou-se que nas regiões Sudeste e Centro Oeste a altimetria variou entre 400 e 1300 metros, enquanto na região Sul as áreas de distribuição eram mais planas, localizadas entre 100 e 700 metros de altitude. Com a utilização de mapas temáticos para identificação dos tipos de vegetação (Figura 28), observou-se que a maioria dos eventos (epizootias e casos humanos) ocorreu em paisagens de savanas (cerrado), especialmente em Goiás e Minas Gerais, com grandes extensões de áreas de vegetação secundária e atividades agrícolas. Verificou-se também a ocorrência de ambos os eventos em áreas de savana estépica no semi-árido baiano e em áreas de tensão ecológica em Minas Gerais (caracterizadas por vegetação de floresta estacional semi-decidual, savana e campos de altitude). As epizootias do Rio Grande do Sul ocorreram com ausência de casos humanos, em áreas com vegetação do tipo estepe, caracterizada por campos com formações gramíneo-lenhosas, intercaladas com capões de matas. 111 Figura 28. Municípios com casos humanos confirmados de febre amarela silvestre e epizootias suspeitas em primatas não humanos fora da Amazônia Legal, segundo o tipo de vegetação. Brasil, 1999 a 2003 Em relação à bacia hidrográfica, observou-se a ocorrência de epizootias nas seguintes: Bacia do Tocantins (Goiás), Bacia do São Francisco (Minas Gerais e Bahia), Bacia do Rio Doce (Minas Gerais), Bacia do Paraná (Goiás, Minas Gerais e Paraná), Bacias do Uruguai e do Guaíba (Rio Grande do Sul). As temperaturas médias das áreas com epizootias variaram de acordo com o tipo de clima, já descrito na caracterização ambiental dos focos. Nas áreas de clima tropical alternadamente úmido e seco – Minas Gerais, Goiás, trechos da Bahia –, as médias térmicas situam-se entre 20 °C e 28 °C. Nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, localizados abaixo do trópico de Capricórnio, o clima é subtropical úmido, com temperaturas médias anuais abaixo de 20 ºC, sendo a média do mês mais frio inferior a 18 °C. Cabe ressaltar que a primeira epizootia do Rio Grande do Sul ocorreu no município de Garruchos, no primeiro dia do mês de maio, quando a temperatura local já estava em declínio pelo início da estação fria. 112 O processo epizoótico-epidêmico da febre amarela no Brasil, no período de 1998 a 2003 é apresentado esquematicamente na Figura 29. 1998 1999 3 1999 2000 2000 1999 2000 Legenda: 2000 Área de ocorrência do evento Amazônia Legal 2000 2001 2002 2003 A N O S Extra Amazônica Tipo do evento Casos humanos 2001 2002 Epizootias Casos e epizootias 2001 2002 2003 Fonte: SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE/MS Figura 29. Provável rota de difusão territorial do vírus da febre amarela no Brasil, de 1998 a 2003. Pode-se observar que após a ocorrência do evento no Estado do Pará, em 1998, progressivamente foram atingidos os estados de Tocantins e Goiás em direção sul. A partir do ano da ocorrência da febre amarela silvestre em Goiás, os estados vizinhos, como Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo foram também atingidos, vindo a alcançar, posteriormente, dois dos estados do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul, sugerindo uma propagação espaço-temporal que podemos considerar uma onda enzoótica-epizoótica e não apenas um conjunto de eventos isolados. 113 CAPÍTULO 4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A análise da distribuição espacial dos eventos relacionados à presença do vírus da febre amarela fora da Amazônia Legal no período de 1999 a 2003 permitiu encontrar resultados que contribuirão para melhor conhecimento do comportamento da doença no Brasil e uma melhor orientação das ações de vigilância e controle. O fato de envolver animais silvestres, em cujo ciclo o homem entra esporadicamente, é fator impeditivo para a erradicação da doença e para a intervenção efetiva sobre os processos de transmissão. Entretanto a incorporação de novas abordagens possibilita a produção de conhecimentos que podem permitir o melhor direcionamento de recursos visando ao seu controle. Neste trabalho, apesar do seu foco principal ter sido a descrição da distribuição da doença em áreas fora da Amazônia Legal, comparamos os atributos epidemiológicos dos casos com as características daqueles ocorridos nos focos endêmicos tradicionais da Amazônia Legal. Esta abordagem permite prever se a implantação de um programa de vigilância de epizootias poderá contribuir para a redução da morbimortalidade por febre amarela e para evitar o risco de reurbanização no Brasil, já que o complexo causal da doença depende relativamente pouco de fatores socioeconômicos, podendo ser controlada com investimentos unidirecionais (PEREIRA, 1995) através de uma vacina reconhecidamente eficaz e passível de ser usada em grande escala. Há de se considerar que o sucesso do controle da doença está em identificar fatores ambientais e comportamentais que explicam como vão sendo produzidos os processos endêmico-epidêmicos (SABROZA ET AL, 1972), em conhecer a distribuição dos vetores, reservatórios e hospedeiros, em identificar comportamentos de riscos, e em identificar e proteger o grupo de suscetíveis. 114 A distribuição da febre amarela no Brasil no período estudado contabilizou 62,6% do total de casos conhecidos como tendo ocorrido fora da zona endêmica da Amazônia Legal. Tem sido descrito que as incursões do vírus amarílico para fora da bacia Amazônica – mais especificamente, na área considerada de transição – se dão em caráter esporádico, ocasiões em que circula epizoóticamente entre primatas não humanos e se manifesta de forma epidêmica na população humana (MONDET, 2001; VASCONCELOS ET AL., 2001a). Em termos comparativos, neste estudo ecológico a febre amarela apresenta uma distribuição geográfica e temporal distinta, considerando que no curto período de cinco anos ocorreram quatro surtos com casos humanos fora da bacia Amazônica. Vários fatores intervêm na complexa cadeia de eventos da doença, o que pode explicar diferentes resultados, comparando-se áreas endêmicas com não endêmicas ou diferentes regiões geográficas não endêmicas. No ciclo silvestre da febre amarela a transmissão do vírus se dá entre macacos através da picada de diferentes espécies de mosquitos silvestres infectados dos gêneros Haemagogus e Sabethes e, em algumas ocasiões, o homem entra no espaço de transmissão, quando então pode vir a ser infectado. A partir daí, acredita-se que, se houver condições adequadas, pode vir a ser iniciada uma nova cadeia de transmissão, inter-humana, também intermediada por mosquitos, adaptados ao ambiente urbano. Assim, características do agente patogênico, do hospedeiro, dos reservatórios vetores e do meio ambiente devem ser consideradas para se entender diferentes manifestações espaciais da doença. A importância da reemergência do ciclo urbano da febre amarela no Brasil é tão grande que a compreensão dos fatores fundamentais do ciclo básico da febre amarela silvestre e seus padrões de difusão pode ser considerada uma questão de interesse estratégico, pois transcende a área da saúde. 115 4.1. Fatores que podem ter influído na validade dos resultados deste estudo 4.1.1. Fatores relacionados à metodologia A diferença da freqüência de febre amarela, nas diversas regiões não endêmicas investigadas, pode ser explicada em parte pela variação regional do grau de exposição ao risco. No entanto, aspectos de natureza conceitual e metodológica podem também explicar parte dessas diferenças. A duração do tempo de avaliação é um fator que influi nos resultados, principalmente na análise de padrões de ciclicidade. Períodos curtos fornecem pouca informação. Não incluímos na análise epidemiológica dos casos período anterior a 1999, considerando-se a maior precisão dos dados após a implantação de normas e diretrizes pelo Ministério da Saúde para a vigilância epidemiológica da febre amarela no Brasil. A definição do que deve ser considerado um “caso” é crucial para a validade de estudos de morbidade. O progresso científico e tecnológico, bem como situações epidemiológicas distintas, requerem revisões periódicas das definições de “caso”, de modo a incorporar novos conhecimentos e tornar mais útil a produção de informação e a comparação estatística de diferentes áreas geográficas e épocas. Segundo Pereira, entre os fatores que influenciam o diagnóstico da doença, pode-se relacionar a própria disponibilidade de serviço de saúde na localidade, o seu nível de competência e complexidade, sua maior ou menor acessibilidade à população, a continuidade do atendimento que proporciona e o comportamento das pessoas diante das instituições e dos problemas de saúde (PEREIRA, 1995). Neste estudo foram utilizados somente casos humanos confirmados pelos métodos de diagnóstico disponíveis ou, em raras situações, por vínculo epidemiológico diante da impossibilidade de realização de exames laboratoriais específicos. 116 Outra questão metodológica diz respeito à representatividade dos casos, uma vez que a subnotificação pode ocorrer em grau variável nas diversas regiões comparadas e serem responsáveis pelas diferenças nas variações geográficas ou quando se comparam características da febre amarela fora da área endêmica com as particularidades dos focos endêmicos. Grandes variações podem refletir a cobertura desigual dos registros, resultante do grau de acesso dos pacientes aos serviços de saúde. Ademais, casos subclínicos de febre amarela geralmente não são alcançados pelas estatísticas, exceto quando se realiza busca ativa ou investigações especiais, portanto as notificações raramente representam todos os casos ocorridos, o que reflete diretamente na elevada letalidade da doença que traduz a notificação de casos clínicos graves (TAUIL, 1998; MONATH, 2001; VASCONCELOS ET AL., 1997b, VASCONCELOS, 2003). Por outro lado, a investigação epidemiológica nos focos costuma identificar, a partir do caso índice, um conjunto de outros casos, produzindo um agregado e distorcendo padrões de distribuição espacial. Questões metodológicas, tais como a forma de obtenção dos dados ou a maneira de analisá-los, constituem ameaças à validade. Com vistas a reduzir tais ameaças, os dados utilizados neste estudo foram todos retirados do Banco do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela do Ministério da Saúde, estabelecido como “padrão ouro”. Outro ponto relacionado à qualidade da informação diz respeito à determinação do local provável de infecção humana e epizootias suspeitas e confirmadas de febre amarela em macacos. Certamente teria sido mais preciso se as coordenadas geográficas de todos os locais de ocorrência dos eventos houvessem sido marcadas à época das investigações epidemiológicas, com a utilização de equipamentos tecnologicamente mais avançados, como o GPS. No atual estudo, muitos deles, especialmente os referentes aos locais das epizootias, 117 só foram marcados após decorridos meses e até anos, mediante a utilização de croquis de campo desatualizados, que não contemplam as novas localidades. Em relação às variáveis selecionadas, como se trata de uma análise de dados secundários dos serviços de saúde, muitas vezes evidenciaram-se perdas que eventualmente poderiam interferir na validade da análise. 4.1.2. Fatores ligados ao conhecimento relativo ao “hospedeiro acidental” (humano) Vários fatores que não foram considerados neste estudo poderiam ter sido responsáveis pelas diferenças geográficas ou pelo aglomerado de casos nas diferentes áreas estudadas. Dentre eles, podem ser citados: fatores comportamentais relacionados a estilo de vida, hábitos culturais e sociais que possibilitem diferentes níveis de exposição ao ciclo natural da doença (que podem variar com a idade e o sexo); mobilidade de migrantes contaminados em período virêmico, que podem carregar o vírus para áreas distantes do foco natural e disseminar a doença; disponibilidade de hospedeiros suscetíveis na região afetada; maior ou menor suscetibilidade para adquirir infecção; estado imunológico; atratividade aos vetores locais como fonte de repastos sanguíneos e, finalmente, acessibilidade aos serviços de saúde. 4.1.3. Fatores relacionados ao meio ambiente Um dos problemas constatados foi a insuficiência de informação relativa aos componentes do processo infeccioso básico da febre amarela nos focos naturais, principalmente nas áreas fora da Amazônia. Isto se refere tanto à dinâmica populacional dos vetores como aos hospedeiros vertebrados e à interface com o meio ambiente modificado pelo trabalho humano. Os dados de registro permanente dos serviços de saúde e aqueles das investigações dos surtos ainda estão direcionados para o registro e a confirmação laboratorial 118 dos casos, havendo pouca integração entre as atividades de vigilância epidemiológica e vigilância ambiental. Fatores biológicos referentes a aspectos do vírus e vetores (reservatórios) podem afetar a transmissão da febre amarela. Por exemplo, os vetores com mais tempo de vida podem não ter tempo suficiente para sobreviver ao longo período extrínseco de incubação do vírus nas condições naturais; podem existir em número suficiente para tornar-se epidemiologicamente eficazes sob quaisquer condições de suprimento de vírus e distribuição de hospedeiro não imune; além disso, o grau de contato com o vírus e com os hospedeiros receptivos pode ser determinante para a produção da infecção. Por sua vez, o vírus pode sofrer variações no período extrínseco de incubação, dependendo da espécie de mosquito; pode ainda ter dificuldade de adaptação e de interação com o ambiente onde é introduzido (SOPER, 1942). Fatores físicos, como pluviosidade, altitude, vegetação, umidade relativa do ar, condições de temperatura e de saneamento ambiental, conforme já amplamente comentado na revisão da literatura, podem favorecer a adaptação e perpetuação dos vetores (LEARMONTH, 1988; PEREIRA, 1995), mantendo a endemia e/ou propiciando condições de estabelecimento do padrão enzoótico-epizoótico. 4.2. Fatores que poderiam influir na diferença de morbidade da febre amarela nas regiões da Amazônia Legal e nos surtos ocorridos fora dessa área 4.2.1. Fatores ligados ao “hospedeiro acidental” (humano) – comparação de características epidemiológicas A ocorrência do maior número de casos de febre amarela fora da Amazônia Legal possivelmente reflete a grande massa de pessoas vacinadas na região endêmica brasileira, onde a tradição com o uso da vacina vem sendo desenvolvida desde a década de 1930. Exceto 119 um surto em Tocantins e outro no Pará, em 1999 (não apresentados aqui por não serem objetos deste trabalho), a maioria dos casos na Amazônia Legal ocorreu em caráter esporádico, como era de se esperar pelos relatos de outros autores (MONDET, 2001; VASCONCELOS ET AL., 2001b, 2004; VASCONCELOS, 2003). Ao contrário, na área Extra Amazônica a doença ocorreu em forma de surtos, onde grande parte da população não tem história de vacinação. Faz-se necessária uma ressalva quanto ao Estado de Goiás que, por fazer parte da área endêmica, tem prática no uso da vacina desde que foi introduzida no país; este fato, porém, não impediu a ocorrência de epidemias, provavelmente por apresentar coberturas vacinais heterogêneas e devido ao fluxo de pessoas não vacinadas procedentes de outras áreas do Brasil e do exterior. Foram observados casos de febre amarela em 22 indivíduos com história de vacinação anterior, alcançando 14,8% dos casos registrados na Amazônia Legal e 6% dos casos ocorridos fora dessa área. Conforme a norma do PNI, todos os casos considerados vacinados possuíam registro na carteira de vacinação do SUS. A análise desse achado ficou prejudicada pelo fato de não ter sido possível obter a informação sobre a data da aplicação da vacina para todos os casos. Entretanto, reveste-se de importância epidemiológica, pois reforça que a soroconversão após vacinação, embora bastante elevada, não atinge 100% em todas as pessoas, como demonstrado por vários autores (SMITH ET AL., 1938, ARYA, 1999 E LANG ET AL., 1999 APUD MONATH, 2003). Por outro lado, devido aos problemas operacionais nas áreas endêmicas, pode-se considerar que a explicação mais provável seja a dificuldade de conservação da vacina em condições de campo, nestas áreas remotas, com alta umidade e temperatura. Na literatura mundial existem poucos relatos de indivíduos vacinados com a cepa 17 D que tenham desenvolvido a doença. Elliot faz referência a três casos ocorridos em soldados ingleses e aliados servindo na África Ocidental durante a Segunda Guerra Mundial 120 (ELLIOT, 1944 APUD MONATH, 2003); Ross relata um caso fatal em europeu trabalhando em Uganda, África, em 1952 (ROSS ET AL., 1953 APUD MONATH, 2003). Em nenhum destes casos foi esclarecido se houve problemas de armazenamento e manuseio após a reconstituição ou, simplesmente, se houve falha pessoal de resposta imune à vacina. Em 1988, uma mulher espanhola que havia sido vacinada cinco anos antes e possuía um certificado internacional válido, contraiu febre amarela em viagem à África; neste caso, ao tempo em que atribuem a falha vacinal a algum defeito imunológico, os próprios autores refutam a idéia pelo fato da paciente ter sido sempre uma pessoa saudável (NOLLA-SALAS ET AL., 1989). Em 1998, há relato de mulher indígena com história de vacinação prévia há treze anos, que adoeceu e morreu por febre amarela na Guiana Francesa; os autores comentaram que embora possa ter havido falha vacinal, demonstrada pela ausência de anticorpos neutralizantes nove anos após a aplicação da vacina, a justificativa mais provável seria estocagem inadequada da vacina (HERAUD ET AL., 1999). Entre nossos casos, encontrou-se uma criança vacinada na Amazônia Legal aos 6 meses de idade, que contraiu a doença aos 11 meses, fato que levanta a questão da idade mínima para a introdução da vacina no Calendário Básico em áreas endêmicas. Em relação à taxa de letalidade no período, observou-se que foi muito elevada e se manteve igual em ambas as áreas. Considerando que as epidemias despertam o interesse dos profissionais de saúde levando a uma maior suspeita diagnóstica, tratamento oportuno e busca ativa de casos suspeitos no foco, propiciando a detecção de casos leves e benignos, era de se esperar níveis de letalidade mais baixos, principalmente na área Extra-Amazônica. Entretanto, pelo fato de grande parte da população da Amazônia Legal e do Estado de Goiás já ter recebido pelo menos uma dose de vacina contra febre amarela, torna-se difícil encontrar outros doentes durante a investigação de campo, como verificado na epidemia de 1999/2000, 121 em Goiás. Isto sugere, entretanto, uma alta força de transmissão nos focos, de modo que os poucos indivíduos suscetíveis estiveram sob alto risco nas duas áreas. Outro fator importante foi observado durante o surto de 2001 em Minas Gerais. Houve perda, por hemólise, de aproximadamente 110 amostras de soros de indivíduos suspeitos coletadas durante busca ativa. Presume-se que muitas delas poderiam apresentar positividade nos testes sorológicos, considerando-se que as formas que apresentam evolução benigna, com ou sem sintomas, representam cerca de 90% de todos os quadros clínicos da virose (VASCONCELOS ET AL., 1997b; VASCONCELOS, 2003). Isso foi observado em 1993 durante a investigação de um surto de febre amarela no Estado do Maranhão (VASCONCELOS ET AL., 1997a), em que a detecção de grande número de formas leves e assintomáticas possibilitou registrar uma letalidade de 14,9%, a menor taxa encontrada em um surto desta virose no Brasil, nos últimos 30 anos. Na situação verificada em Minas Gerais ocorreu um problema decorrente de falha operacional, que possivelmente contribuiu para o registro da elevada taxa de letalidade. As diferenças na distribuição por idade foram significantes, quer seja na mediana (21 anos na Amazônia Legal e 36 na Extra Amazônica), quer seja na discriminação por faixas etárias. Se considerarmos apenas dois grupos etários - menor e maior de 20 anos - ficam mais evidentes as diferenças proporcionais por área de ocorrência. Enquanto na Amazônia Legal os percentuais foram de 45,7% e 54,3%, na Extra Amazônica foram iguais a 10,3% e 89,7%, respectivamente. A alta freqüência de casos em menores de 20 anos na região da Amazônica Legal parece refletir um padrão mais seletivo de exposição ao foco natural, possivelmente associado a uma maior mobilidade deste grupo populacional decorrente de atividades de lazer ou, mais provavelmente, de atividades ocupacionais, devido à necessidade de obtenção de alimento e de gerar renda familiar; e uma menor freqüência relativa à faixa etária mais jovem na área 122 Extra Amazônica pode refletir a cobertura vacinal que vem se acumulando nas áreas de transição. A literatura tem mostrado que as diferenças de distribuição dos casos de febre amarela silvestre por idade e gênero variam de acordo com o grau de contato com a mata nos diversos grupos de população, dependendo das condições locais (SOPER, 1942). Em nossos resultados, essas diferenças podem ser um reflexo dos hábitos culturais, como ocorre durante a extração de palmito e açaí, produtos alimentícios típicos da região Amazônica. Por questões de sobrevivência, famílias inteiras adentram as matas, onde erguem habitações temporárias, geralmente sem paredes que as protejam contra os mosquitos, e nelas permanecem enquanto durar a estação daqueles produtos. Resultados semelhantes foram encontrados por outros autores ao estudar uma epidemia ocorrida na região sudeste do Estado do Maranhão, entre 1993 e 1994, os quais relacionaram seus achados à prática de coleta de feijão por mulheres e crianças (VASCONCELOS ET AL., 1997a). De qualquer modo, considerando que a vacina contra febre amarela foi inserida no Calendário Básico (Programa Ampliado de Imunizações - PAI) em 1998, essa constatação é, no mínimo, preocupante, pois reflete a dificuldade de adotar estratégias adequadas para atingir determinadas parcelas da população que habitam áreas de difícil acesso aos serviços de saúde. A ocupação no momento da exposição, um dos fatores sociais a influir nos resultados, embora tenha apresentado significância estatística, não mostrou grandes disparidades entre as duas áreas, predominando em ambas os trabalhadores rurais (44,4% na Amazônia Legal e 57,8% na Extra Amazônica). Entretanto, apontou a emergência da categoria “turistas/lazer” como um novo grupo de risco fora da Amazônia Legal, particularmente nos anos 2000 e 2001. Este grupo tende a crescer em importância epidemiológica na medida em que aumenta o leque de ofertas de locais de ecoturismo e de 123 prática de atividades de lazer e esportes radicais no Brasil, inclusive veiculados pela mídia. O caráter de informalidade que o caracteriza coloca um desafio para o Programa Nacional de Imunizações no que concerne à inovação de estratégias diferenciadas que permitam alcançálo e protegê-lo, visto ser constituído, em grande parte, de jovens e adultos. 4.3. Discussão dos resultados comparando-se os diferentes surtos de febre amarela em áreas fora da Amazônia Legal 4.3.1. Surto de Goiás – 1999/2000 Entre o final do ano de 1999 e início do ano 2000, ocorreu um surto de febre amarela silvestre em Goiás, que atingiu todas as regiões do estado, e acometeu moradores de área urbana de outros estados que fizeram ecoturismo em área silvestre e pessoas que desenvolviam atividades relacionadas ao ambiente rural, pessoas não vacinadas contra febre amarela, adultos do sexo masculino, em maior freqüência. O surto durou dezenove semanas. Segundo a estratificação epidemiológica do Programa de Vigilância e Controle de Febre Amarela, o Estado de Goiás está situado na área considerada endêmica para febre amarela silvestre. Neste estado, a distribuição dos casos ocorreu em 32 municípios, mostrando ampla dispersão territorial do processo enzoótico-epizoótico, caracterizando o que podemos considerar padrão de um foco difuso, segundo o modelo de Rosicky (1967). No banco de dados do PVCFA estão registradas sete epidemias no Estado de Goiás nos últimos 73 anos. A primeira, em 1935, faz parte da grande onda epidêmicoepizoótica que teria se iniciado em 1934 em Mato Grosso e terminou em 1940 no Espírito Santo e em Santa Catarina. A passagem dessa onda em Goiás resultou em 49 casos da doença em 14 municípios. A segunda epidemia, em 1945, registrou 84 casos em 28 municípios da região centro-leste do estado. Em 1951, a doença apresentou-se pela terceira vez de forma 124 epidêmica, atingindo doze municípios e deixando um saldo de 29 casos. Em 1958, um surto em cinco municípios próximos à capital, inclusive nesta, registrou dezesseis casos. A quinta epidemia, ocorrida entre dezembro de 1972 e maio de 1973 (PINHEIRO ET AL., 1978), foi a que envolveu o maior número de municípios na transmissão da doença; confirmaram-se 60 casos em 36 municípios distribuídos nas regiões central e sul do estado, não atingindo nenhum dos municípios que hoje compõem o Estado de Tocantins. Esta epidemia alcançou inclusive área do entorno de Brasília, a capital federal. A sexta epidemia ocorreu em 1980 e envolveu quinze municípios com um total de 19 casos confirmados. Por sua distribuição geográfica e temporal a epidemia de 1972/73 foi muito semelhante à sétima “epidemia da virada do Milênio”, objeto deste estudo. Ambas tiveram ampla abrangência territorial e igual duração, entretanto, há uma diferença fundamental: a primeira parece ter sido um foco epidêmico limitado ao Estado de Goiás sem propagação para outros estados, apesar da ocorrência de dois casos no município de Paracatu (Minas Gerais), e um caso em Barra do Garças (Mato Grosso), ambos em áreas de fronteira com Goiás. A sétima epidemia ocorreu na virada do milênio, em que milhares de turistas deslocaram-se até Alto Paraíso para desfrutar o “Reveillon do Milênio”. A grande concentração de pessoas suscetíveis, a presença suspeita do vírus amarílico na área, demonstrada pela morte de macacos Allouatta (guariba) durante o mês de dezembro, além da alta pluviosidade registrada no final do ano em todo o Estado de Goiás, provavelmente favoreceram e asseguraram a circulação viral, que, a partir dali, disseminou-se para vários municípios goianos e para outros estados. Analisando a epidemia de 1972/73, limitada ao Estado de Goiás, pesquisadores atribuíram tal comportamento às altas coberturas vacinais contra febre amarela nos estados vizinhos, bem como ao intenso desmatamento ocorrido naquelas áreas, que poderiam atuar como barreira para deter a disseminação do vírus (PINHEIRO ET AL., 1978). 125 Alguns fatores ecológicos podem ter sido responsáveis ou pelo menos ter contribuído para a ocorrência da “epidemia da virada do Milênio”. Embora não esteja completamente esclarecido como as alterações climáticas afetam a força de transmissão de muitos patógenos e os ciclos de vida de seus vetores, existem evidências acumuladas que atestam, direta ou indiretamente, a vulnerabilidade desses seres a mudanças climáticas e ambientais. A epidemia de 1999/2000 deve ser analisada como parte de um cenário mais amplo, cuja manifestação inicial se deu na Ilha de Marajó, no Estado do Pará, em fevereiro de 1998, prosseguindo durante 1999 com registro de casos em alguns municípios do sul do estado. Alcançou o Estado de Tocantins em meados de 1999, onde se observou atividade viral em 26 municípios, 19 dos quais apenas com registro de mortes de macacos. Como já visto, o Estado de Goiás foi atingido no final daquele ano, tornando-se palco de uma dramática epidemia em que foi possível observar e acompanhar a manifestação explosiva do vírus amarílico e seu elevado potencial de disseminação espacial. Tem sido citado freqüentemente que fatores meteorológicos como temperatura, chuva e umidade afetam a dinâmica de transmissão de doenças transmitidas por vetores (GUBLER ET AL, 2001; PATZ & KOVATS, 2002); na febre amarela há demonstração de que as taxas de transmissão alcançam níveis muito altos quando esses fatores ambientais se encontram elevados (STRODE, 1951; BOSHELL, 1957; REITER, 1988; MONATH, 2003), dado que essas condições propiciam o aumento da população de mosquitos e parecem elevar a freqüência de picadas. A longevidade dos mosquitos também é beneficiada pela umidade relativa (VAINIO & CUTTS, 1998) e essa característica favorece a disseminação de um surto, caso não sejam aplicadas medidas de controle, porquanto uma vez infectado, o mosquito mantém a capacidade de transmitir o vírus até o final de sua vida. 126 Nossos resultados estão em concordância com aqueles encontrados em 1949 por Causey & Santos, ao realizar estudo sobre variações pluviométricas e sua relação com prevalência de vetores silvestres e incidência de febre amarela em Passos, Minas Gerais (CAUSEY & SANTOS, 1949 APUD KUMM, 1950). O pico da pluviosidade foi registrado no mês de dezembro, observando-se maior prevalência de mosquitos Haemagogus em janeiro e incidência máxima de casos de febre amarela em fevereiro. Estudo semelhante realizado em 1945 na Colômbia por Gast-Galvis & Bates mostrou que o pico das chuvas observado no mês de maio foi seguido por alta prevalência de Haemagogus em junho e um mês mais tarde pelo pico de casos de febre amarela (GAST-GALVIS & BATES, 1945 APUD KUMM, 1950). Surtos de febre amarela na África – Gâmbia, 1978 e Nigéria, 1986 – têm sido associados a períodos de chuvas intensas nos países afetados (GERMAIN ET AL., 1980; MONATH, 1995 APUD MONATH, 1997). Estudando fatores de risco para explicar a recrudescência de febre amarela na África Ocidental após a década de 1970, Monath chama atenção para o aumento da atividade do vírus amarílico no oeste do Senegal coincidindo com o surgimento de epidemias em outros países africanos. O padrão observado sugeriu que fatores ecológicos influenciando a atividade viral ocorreram de modo simultâneo em uma extensa região geográfica. Dentre eles, a intensidade de chuva que se antecipou às epidemias na Nigéria e Gâmbia, destacou-se como um dos mais importantes para explicar a amplificação do vírus (MONATH, 1977). Mais recentemente, estudando a situação epidemiológica da febre amarela no verão de 1999/2000 no Brasil, Vasconcelos et al. (2001a) relatam que naquele período a quantidade de chuvas foi considerada a mais alta para todas as regiões do país, especialmente nas áreas onde houve registro de casos da doença, nas quais as altas taxas de precipitação foram seguidas pelo aumento da população de mosquitos. 127 No campo experimental, Smith (1971), lançando mão de um modelo matemático simples, mostrou que a transmissão do vírus amarílico pode ser esperada em níveis máximos quando a temperatura e a umidade relativa estão muito elevadas. Portanto, parece ser consenso que fatores relacionados ao clima exerçam efeitos diretos ou indiretos na prevalência de mosquitos e, conseqüentemente na incidência de febre amarela. Por outro lado, no Brasil, o verão coincide com o período das férias escolares e da grande maioria da população trabalhadora, que aproveita esse período para se dedicar a atividades de lazer, geralmente diurnas e ao ar livre, aumentando a exposição a picadas de mosquitos, como aconteceu em Goiás, com as inúmeras opções de atividades ecoturísticas. Outros fatores não relacionados a condições climáticas poderiam também ter contribuído para a ampla circulação do vírus da febre amarela em Goiás. Por exemplo, embora a taxa de reprodução de primatas seja baixa, especialmente quando suas populações são dizimadas, já haviam sido decorridos quase dez anos desde a última epidemia no estado, tempo suficiente para reposição da população de macacos, resultando diretamente no aumento da oferta de contato de vetores infectados com animais suscetíveis, e conseqüentemente, na possibilidade de amplificação e disseminação do vírus. Concluindo, parece-nos pertinente supor que a alta pluviosidade e a alta temperatura observadas, assim como a abundância de hospedeiros suscetíveis, possam ter contribuído para a intensa disseminação do vírus amarílico no Estado de Goiás. Isto concomitante com o fluxo de pessoas suscetíveis para a área resultou em uma situação epidêmica. 128 4.3.2. Surto da Bahia - 2000 No início do ano 2000, ocorreu um surto de febre amarela silvestre no Estado da Bahia, que atingiu duas localidades de um único município, distantes 4 km entre si. Este surto acometeu moradores de área rural que desenvolviam atividades agrícolas, não vacinados contra febre amarela, todos adultos jovens do sexo masculino, residentes na Bahia. O surto durou sete semanas. Segundo a estratificação epidemiológica do Programa de Vigilância e Controle de Febre Amarela, todo o Estado da Bahia estava situado, à época, na área indene para febre amarela silvestre. A ocorrência desse surto, portanto, foi uma surpresa. Há 52 anos não havia registro de febre amarela na Bahia. Em 1946, quando foram delimitadas pela primeira vez as áreas de risco para febre amarela no Brasil, os municípios baianos de Ilhéus e Itabuna, situados na região sudeste do Estado, em área de Mata Atlântica, foram classificados pela United Nations Relief and Rehabilitation Administration (UNRRA) como “epizoóticos”. Conceitualmente, seriam focos naturais da doença, nos quais o ciclo silvestre estaria presente e casos humanos poderiam ocorrer, acidentalmente, de forma constante ou esporádica (BRASIL, 1950). A pergunta que se coloca é, se durante os últimos 50 anos não houve, de fato, atividade do vírus amarílico na região. Provavelmente não. Embora não se possa comprovar que tenham ocorrido mortes de hospedeiros naturais dentro da mata, as quais possam ser atribuídas à febre amarela, parece improvável que casos humanos tenham passado despercebidos, visto que a exuberância dos casos clássicos teria chamado a atenção dos médicos. Assim, a prolongada ausência de registro de casos da doença nessas áreas, bem como em outros municípios da Bahia, tornou aquela classificação epidemiológica obsoleta e 129 acabou sendo desconsiderada na década de 1980. Olhando por esse ângulo, não era previsível autoctonia de febre amarela em território baiano. Entretanto, esse episódio deve ser visto e analisado sob as condições em que ocorreu: desde o mês de fevereiro de 1999 vinham sendo registrados casos de febre amarela no Estado de Tocantins, atingindo o Estado de Goiás em dezembro do mesmo ano. Nos meses de março e abril de 2000, alguns municípios de Tocantins ainda apresentavam casos, como por exemplo, Aurora do Tocantins, que faz limite com a Bahia. Entretanto, foi a partir de Goiás que, de fato, tornou-se visível a força de transmissão e a rápida dispersão do vírus amarílico, no sentido norte sul e no sentido leste, sinalizando sua presença no município de Coribe, Bahia, no final de março. Nesse percurso, passou pela Bacia Hidrográfica do Rio Araguaia/Tocantins e alcançou a Bacia do Rio São Francisco. Vários autores têm defendido que a passagem de um vírus de uma bacia hidrográfica para outra ao nível de afluentes e de partes de grandes rios se dá por deslocamento passivo de mosquitos (MONDET, 2001). Esses insetos são capazes de se deslocar a longas distâncias, passando de um bosque a outro de acordo com a direção dos ventos dominantes, como observado por Causey & Kumm (1948) e depois por Causey et al. (1950), em Minas Gerais; durante experiências de soltura e recaptura, fêmeas de Haemagogus janthinomys foram recuperadas a 11,5 km do ponto inicial, e fêmeas de Aedes (Ochlerotatus) scapularis e de Haemagogus leucocelaenus, a 5,7 km. Estudo recente de biologia molecular, desenvolvido com cepas do vírus da febre amarela (VFA) isoladas no Brasil nos últimos 67 anos (VASCONCELOS ET AL., 2004), mostrou evidências de que a atividade do VFA no período de 1998 a 2001, desde a Ilha de Marajó, no Pará, até o centro oeste de Minas Gerais, foi parte de uma epizootia contínua que dispersou uma variante genética (Grupo 1D) do vírus. Devido a grande distância percorrida em curto período de tempo, cerca de 1.500 km, não compatível com o movimento habitual de 130 macacos nem tampouco com a fragilidade das espécies de vetores silvestres, os autores sugerem que o vírus pode ter sido transportado por portadores humanos assintomáticos em período de viremia. Nessa linha de raciocínio, os casos surgidos na Bahia seriam decorrentes desse amplo movimento do vírus que, ao encontrar receptividade na área, teria iniciado uma transmissão local, possivelmente silenciosa, a princípio, como evidenciado pelo achado de infecções assintomáticas no município de Coribe. Este foco apresentou-se com características típicas de um foco restrito, limitado espacialmente, e provavelmente também limitado no tempo. A pluviosidade registrada no verão de 2000 foi considerada a mais alta para todas as regiões do país, o que propiciou a proliferação de mosquitos (VASCONCELOS ET AL., 2001a). Reforçando essa hipótese, deve-se considerar que os elementos básicos do ciclo de transmissão silvestre, ou pelo menos parte da comunidade biótica, encontrava-se presente na região de Coribe, como foi possível observar durante os trabalhos de investigação de campo: o encontro de carcaças de Cebus apella e a captura de vetores silvestres em várias localidades da 26ª DIRES. A penetração do terceiro elo do ciclo (o agente patogênico) propiciou uma interação dinâmica, embora espacialmente restrita, favorecendo sua atividade e circulação, conforme entendido por Bejarano (1971) ao explicar o complexo patogênico das enfermidades transmissíveis. A associação entre morte de macacos e infecções assintomáticas em humanos confirma que epizootias possam constituir marcadores do processo epizoótico. Vainio & Cutts (1998), relatando sobre epidemias de febre amarela na África, também observaram que o vírus pode ser transportado de um foco epidêmico para áreas de diferenças climáticas e ambientais distantes do foco enzoótico por cada um dos elementos do ciclo básico, e lá produzir epizootias e epidemias secundárias, se encontrar condições 131 favoráveis. Essa expansão pode se fazer tanto por mosquitos, como pelo homem ou por animais da selva que emigram em fase virêmica (BARRETO, 1949). A duração dessas epidemias dependerá de alguns fatores: da disponibilidade de população suscetível e da época em que o vírus é introduzido; será longa, se no começo da estação chuvosa, quando há maior proliferação culicidiana; será curta, se no fim do período de chuvas. Os sintomas iniciais do primeiro caso deste surto ocorreram em 30 de março e o encontro de macacos mortos na área se deu alguns dias antes, coincidindo com as últimas chuvas da região. Este surto, por sua limitação territorial e curta duração, nos reporta à única epidemia de febre amarela urbana que ocorreu no Havaí, em 1911, a qual ficou conhecida como “A epidemia que nunca foi” (MORRIS, 1995). Um único caso registrado dias após a chegada do navio Hong Kong Maru em Honolulu, procedente da América do Sul, com escala no México, mobilizou todos os setores da cidade no sentido de eliminar qualquer possibilidade de propagação do vírus. O paciente recuperou-se e outros casos não ocorreram. “Por definição, houve uma epidemia. Por sorte, habilidade e envolvimento público, a epidemia consistiu em um único caso. O Havaí tem muito que se sentir orgulhoso pelo controle da epidemia que nunca foi” (MORRIS, 1995, p. 784). Na Bahia houve um surto silvestre, o qual, por sua natureza, oferece maior complexidade para ser controlado. Porém, a intervenção oportuna, através da vacinação de toda a população exposta, o restringiu a quatro casos com manifestações clínicas e seis casos assintomáticos. Indiscutivelmente, o surto trouxe repercussões epidemiológicas seríssimas, entre as quais podemos ressaltar: 132 - sinalizou o surgimento de um foco de produção da doença em área até então considerada sem risco, passando a exigir das autoridades de saúde a adoção de estratégias permanentes de intervenção; - a confirmação do alto percentual de infecções assintomáticas encontradas na busca ativa resultou numa revisão da definição de caso confirmado de infecção por febre amarela por parte do Ministério da Saúde que, além das duas definições clássicas já existentes nos guias de vigilância, passou a adotar a seguinte definição: “Todo indivíduo assintomático ou oligossintomáticos originado de busca ativa que não tenha sido vacinado e que apresente sorologia (MAC-ELISA) positiva para FA”; - permitiu considerar que o ser humano em período virêmico, ao se deslocar para áreas receptivas, pode contribuir para o aparecimento do complexo patogênico da febre amarela em áreas onde não existe; - o isolamento do vírus da febre amarela em mosquitos da espécie Ochlerotatus scapularis chamou a atenção para a importância epidemiológica desses culicídeos como potenciais vetores na transmissão de febre amarela na área. Em experimentos laboratoriais essa espécie não se mostrou muito eficiente como vetor para febre amarela, embora tenha sido o principal mosquito incriminado na primeira epidemia de febre amarela silvestre documentada no Brasil, no Vale do Canaã (SOPER ET AL., 1933). Alguns autores, inclusive, chegam a considerá-lo apenas como “vetor potencial possível” (HERVÉ & TRAVASSOS DA ROSA, 1983). Reforçando a importância desse achado, ressalta-se aqui sua ampla distribuição espacial, estando presente em diferentes biomas, em quaisquer tipos de ambientes, desde a mata até o peridomicílio, além de sua 133 antropofilia, hábitos diurnos e as evidências de adaptação em áreas desmatadas, compondo quadro favorável para a emergência de diferentes arboviroses (FORATTINI, 1995); - reforçou quão dinâmico é o processo de transmissão da febre amarela, o que impõe a necessidade de aprofundar estudos que permitam conhecer melhor os fatores implicados, especialmente os ambientais, para fundamentar as reavaliações das áreas de circulação do vírus amarílico que assegurem o estabelecimento de políticas de saúde adequadas. 4.3.3. Surto de Minas Gerais – 2001 Em 2001, ocorreu um surto de febre amarela silvestre em 12 municípios da região centro oeste de Minas Gerais, que acometeu moradores de área urbana em visita a áreas silvestres, pessoas com ocupação rural próxima a áreas silvestres, moradores vizinhos a matas, pessoas não vacinadas contra febre amarela, adultos do sexo masculino, em maior freqüência. O surto durou nove semanas. Segundo a estratificação epidemiológica do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela, parte da região acometida nesse surto (sete municípios) estava situada na área indene para febre amarela silvestre. Essa particularidade, por si só, já representava um fator limitante para uma alta cobertura vacinal na população local, uma vez que as normas do PNI não preconizam a vacinação de rotina contra febre amarela em áreas indenes. Entretanto, os dados administrativos sobre doses aplicadas entre 1998 e 2000 apresentavam um percentual de 124% para a região, porém as coberturas vacinais eram heterogêneas. Além disso, outros fatores de risco podem ter contribuído para o aparecimento da epidemia, tais como: presença de primatas ao longo das matas ciliares dos rios que formam a bacia do Rio São Francisco (Rios Paracatu, Pará, Lambari, Paraopeba, Abaeté, Indaiá, etc.); 134 relatos de epizootias no ano 2000, em municípios da região de transição (Arinos, Chapada Gaúcha, Bonfinópolis, Santa Fé de Minas, Morro da Graça), bem como em alguns dos municípios do centro oeste (Leandro Ferreira, Arcos, Japaraíba, Santo Antônio do Monte), dias antes do surgimento dos primeiros casos humanos; deslocamento de pessoas suscetíveis procedentes de regiões diversas para o centro oeste em atividades de lazer (pescaria, acampamentos) e de comércio; presença de vetores silvestres, em abundância, nos municípios da região; ocorrência de dois óbitos de febre amarela silvestre no ano de 2000, um em Natalândia (no Noroeste) e o outro em Planura (no Triângulo Mineiro), indicativos da circulação viral (DUARTE ET AL, 2001). Alguns aspectos deste surto chamam atenção e merecem destaque. O primeiro deles é o fato do ciclo silvestre ter ocorrido em área onde a população era predominantemente urbana, sendo os casos e a presença do vetor Haemagogus janthinomys detectados em áreas limítrofes entre o meio urbano e o rural em bairros periféricos de pequenas cidades. Tal constatação, além de dificultar a classificação do padrão epidemiológico de alguns casos, trouxe duas questões para a agenda de discussão: a polêmica classificação do “urbano/rural” e do “Novo Rural Brasileiro”, que tem levado as instituições responsáveis pelas estatísticas e políticas territoriais a criarem categorias intermediárias – peri-urbano, semi-rural, campo urbanizado, novo rural –, numa tentativa de preencher o espaço do suposto continuum entre os dois extremos (GRAZIANO DA SILVA, 1997). Atualmente, estamos assistindo ao estabelecimento de novas relações entre o rural e o urbano, em que atividades não-agrícolas – como a prestação de serviços (pessoais, de lazer ou auxiliares das atividades econômicas), o comércio e a indústria – respondem cada vez mais pela nova dinâmica populacional do meio rural brasileiro (CAMPANHOLA & GRAZIANO DA SILVA, 2000), propiciando novos cenários para a instalação do padrão epizoóticoepidêmico da febre amarela. 135 A segunda questão, fortalecida por esta, é a antiga preocupação do risco de reurbanização da febre amarela. A aproximação do urbano/rural, a ocorrência de surtos de febre amarela silvestre em áreas populosas e a ampla dispersão do Aedes aegypti e Aedes albopictus em cidades de médio e pequeno porte, tornam essa possibilidade cada dia mais presente, o que seria um retrocesso imperdoável para a Saúde Pública brasileira. Uma outra constatação que poderia ser considerada sinalizadora de novas situações epidemiológicas singulares é a evidência de transmissão de febre amarela em áreas de fragmentos florestais (vegetação em mosaico). Este cenário formado por áreas amplamente ocupadas e modificadas por atividades humanas impõe a revisão do conceito de epidemiologia paisagística típica de febre amarela, segundo o modelo de Pavlovsky. Atualmente a maioria das doenças associadas com o foco natural manifesta-se sob condições de paisagens extensamente modificadas, expressando-se como um foco antropúrgico – foco natural exposto à influência do homem –, porém permanece a interrogação sobre a permanência e a capacidade adaptativa dos elementos biocenóticos nesse tipo de paisagem. Focos dessa natureza poderão se extinguir ou aumentar o seu potencial (Rosicky, 1967) em função de sua dinâmica ou de fatores externos. Outro ponto importante é o papel atribuído ao Callithrix (sagüi) no processo enzoótico-epizoótico em Minas Gerais. Este primata tem ampla disseminação no Estado, sendo visto habitualmente nas praças e nos quintais das casas em busca de alimento. Sua participação no ciclo da doença é vista com reserva e preocupação, pois tem se observado um aumento de populações desses animais em áreas urbanas em virtude da disponibilidade de alimento. Os macacos são limitados na fertilidade pela comida e pelo espaço geográfico, portanto, quanto mais alimentos disponíveis, mais proliferam (COSMO ESPECIAL, 2003). Por outro lado, seus predadores naturais estão praticamente extintos nesses ambientes modificados. 136 O sagüi está presente em todos os estados do Nordeste, em Goiás, Tocantins e nos estados do Sudeste, tendo sido uma das espécies introduzidas por tráfico, no Estado do Rio de Janeiro. Sabe-se que são animais arborícolas, encontrados em vários tipos de vegetação, como ambientes de cerrado, matas de galeria e matas secundárias, além de pomares e reflorestamentos (COSMO ESPECIAL, 2003). Entretanto o conhecimento de suas características ecológicas e comportamentais, principalmente no contexto dos fragmentos florestais remanescentes, é praticamente desconhecido. 4.3.4. Surto de Minas Gerais – 2002/2003 Entre o final do ano de 2002 e início do ano 2003, ocorreu um surto de febre amarela silvestre em Minas Gerais, que atingiu seis municípios da região nordeste do estado, e acometeu moradores de área rural que desenvolviam atividades relacionadas ao ambiente silvestre, não vacinados contra febre amarela, adultos do sexo masculino, todos residentes em Minas Gerais. O surto durou onze semanas. Segundo a estratificação epidemiológica do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela, a região acometida nesse surto também estava situada na área indene para febre amarela silvestre. A característica mais marcante do “surto do Serro” foi sua ocorrência fora dos limites geográficos estabelecidos como área de risco para febre amarela em Minas Gerais. Embora este estado tenha sido marcado por epidemias importantes entre os anos 1930 e 1950, não existem casos de febre amarela silvestre nessa área registrados no banco de dados oficial do Ministério da Saúde; os mais próximos geograficamente foram assinalados entre 1936 e 1940, no extremo leste do estado, nos municípios de Governador Valadares, Teófilo Otoni, Carlos Chagas e Nanuque e, posteriormente, na região central em 1959, no município de 137 Corinto. Assim, o passado epidemiológico não parecia favorável à instalação de uma epidemia. Acrescente-se a isso, que a localização geográfica para além dos limites de risco não preconizava a aplicação regular da vacina contra febre amarela na população residente. Ainda assim, os dados administrativos sobre o número de doses aplicadas entre 1997 e o início da epidemia mostraram que 74,2% das pessoas residentes na Regional de Diamantina, com idade maior ou igual a seis meses, eram vacinadas; na Regional de Itabira esse percentual era de 90,1%. Entretanto, particularizando a informação para os municípios envolvidos na transmissão, a situação era, no mínimo, duvidosa: no município de Serro, que foi mais atingido, o percentual de vacinados era igual a 134%, o que poderia estar incluindo pessoas residentes em outros municípios ou re-vacinadas; quadro semelhante foi observado em Alvorada de Minas, onde a cobertura vacinal era de 112,4%; nos demais municípios, à exceção de Senhora do Porto que registrava 93,6% de pessoas vacinadas, os percentuais estavam entre 60% e 70%. Assim, a inconsistência dos dados não permitia afirmar com segurança qual a real cobertura vacinal, especialmente nas áreas rurais, que são as mais afetadas em situações epidêmicas. Contudo, ainda que a “cobertura vacinal” estivesse acima do esperado para uma área indene, os percentuais observados não eram suficientes para impedir a transmissão viral e a instalação de uma epidemia, caso o vírus fosse introduzido na área. Isto porque não existe imunidade de rebanho para febre amarela, na qual a exposição se dá em caráter individual. Um segundo aspecto que deve ser considerado é que alguns “rumores” sinalizaram a aproximação do perigo amarílico na região desde 1999, quando foram notificadas mortes de macacos no município de Morro da Garça, situado acerca de 120 km na direção leste. No ano seguinte, novos “rumores” de epizootias se fizeram ouvir nas proximidades do Serro, desta vez vindos do município de Engenheiro Navarro, a cerca de 150 138 km na direção norte. Em 2001, os “rumores” de epizootias vieram do sul, de dois municípios (Sete Lagoas e Jaboticatubas) distantes 134 km e 110 km do Serro, respectivamente. Embora nenhum deles tenha sido investigado para comprovação da causa, possivelmente foram marcadores de febre amarela que passaram despercebidos ou não foram devidamente valorizados e manejados como elementos que pudessem causar maiores transtornos. Em nosso entender, parece que o espaço começava a se organizar para a instalação do processo epidêmico. Consideramos que transformar “rumores epidemiológicos” em oportunidades é uma maneira da vigilância usar as inúmeras ferramentas oferecidas pela epidemiologia, visto que [...] sob qualquer ângulo que se enfoque, a epidemiologia contempla o ambiente em toda a sua amplitude para determinar onde, porque, como e quando se apresentam, se mantêm, se incrementam, se reduzem ou desaparecem as doenças transmissíveis, o que se pode expressar com base nos complexos patogênicos (BEJARANO, 1971, p. 58). Assim, a rápida confirmação ou descarte de “rumores” é uma função importante das autoridades de saúde pública, que podem manejá-los de forma adequada antes que sua confirmação cause conseqüências desastrosas para a população. Em outras palavras, embora a informação possa parecer tão somente um “rumor”, o conhecimento e a investigação podem representar a prevenção de uma epidemia de febre amarela em uma população suscetível. Um terceiro aspecto, que pode ser visto como uma inquietação ambientalista, cabe ser focalizado aqui na busca de caminhos para explicar o surgimento desse surto: o tráfico de animais silvestres. O governo brasileiro estima que cerca de 12 milhões de animais, entre macacos, jaguatiricas, araras, papagaios, tartarugas, serpentes, borboletas e peixes tropicais, são capturados em florestas, cerrados e outros ambientes naturais do Brasil e comercializados em feiras livres no mercado interno ou exportados irregularmente para vários 139 países, movimentando bilhões de dólares por ano (RENCTAS, 2004). Entre os mamíferos listados estão incluídas algumas espécies de macacos comercializadas para pet shops, como o Callithrix geoffroyi (sagüi de cara branca), uma espécie de primata encontrada morta durante este surto. À guisa de discussão, essa questão é colocada como uma possibilidade explicativa para um perfil epidemiológico relacionado a um momento de produção social (trabalho) e ao espaço, enquanto categoria de análise (CARVALHO, 2000). A nosso ver, retrata o encontro singular entre condições de risco e populações em risco sendo determinado por fatores econômicos, culturais e sociais que atuam no espaço, conforme referido por Barcellos (2000). Esse aspecto foi lembrado pela Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPITRAFI, que investigou o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileiras: Deve-se ter presente que o enfrentamento das questões do tráfico envolve aspectos bastante complexos, especialmente no que diz respeito à sua estrutura social. Os coletores de animais para as diferentes redes de comercialização, os primeiros elos da cadeia, são na sua maioria pessoas muito pobres, como lavradores, pequenos proprietários rurais, desempregados, etc. e tais atividades constituem, em muitos casos, a única ou principal fonte de subsistência para essas pessoas. (...) Nas principais áreas de capturas das espécies mais procuradas pelo tráfico verificam-se graves problemas sociais relacionados à inexistência ou insignificância de atividades produtivas. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, Relatório da CPITRAFI, 2003, p. 109). Essas pessoas transportam os animais das mais diversas formas e utilizando as mais diversas vias e itinerários. Segundo relato da Rede Nacional contra o Tráfico de Animais Silvestres – RENCTAS – , entre as principais rotas, aeroportos e rodovias utilizados pelos traficantes, um fluxo da região Centro-Oeste, que passa pelo Estado de Minas Gerais destacase como o segundo em importância e utilização (RENCTAS, 2004). Possivelmente inúmeras 140 outras rotas ainda desconhecidas, especialmente terrestres, estejam sendo usadas para driblar a vigilância da RENCTAS e fiscais do IBAMA, facilitando o escoamento e a introdução dos animais em áreas distantes de seu habitat original. Essa dinâmica possibilita a movimentação de patógenos de uma paisagem geográfica para outra, com a ocupação de novos espaços e, com eles, o aparecimento de doenças (BEJARANO, 1971). É sabido que a interferência humana na natureza pode levar a alterações na estrutura e função de um ecossistema com subseqüentes efeitos sobre a saúde. Estudiosos de ecologia e doenças têm mostrado que alterações na fauna e/ou na flora podem criar oportunidades para novas zoonoses, para emergência de doenças ou podem amplificar a transmissão de doenças pré-existentes em humanos (LINDGREN, 1988). Essas considerações nos levam a ousar sugerir que as rotas mineiras de tráfico de animais silvestres sem nenhum controle sanitário poderiam estar criando novas condições locais para a introdução, sobrevivência e disseminação de hospedeiros da febre amarela e, como conseqüência, uma explosão da doença como a que ocorreu na região. Citando Milton Santos, Ribeiro destaca que O Mundo é apenas um conjunto de possibilidades, cuja efetivação depende das oportunidades oferecidas pelos lugares. (...) Num dado momento, o ‘Mundo’ escolhe alguns lugares e rejeita outros e, nesse movimento, modifica o conjunto dos lugares, o espaço como um todo. É o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de sua realização mais eficaz. (SANTOS APUD RIBEIRO, 2002). Embora no texto acima Milton Santos esteja se referindo ao papel da formação social nacional como meio para entender a tensão entre o local e o global, incita-nos a direcionar o olhar para a explosão do foco amarílico do nordeste de Minas Gerais, onde se verificou uma (pro)fusão de acontecimentos que podem ter contribuído para gerar as condições adequadas para sua emergência em um lugar singular. 141 4.4. Discussão dos resultados da análise da distribuição espacial das epizootias em primatas não humanos suspeitas e confirmados de febre amarela no período de 1999 a 2003 O ciclo silvestre da febre amarela tem sido objeto de estudos desde a época de seu descobrimento, porém muitos aspectos epidemiológicos ainda permanecem obscuros. Na América do Sul foram realizadas várias pesquisas de imunidade em animais silvestres buscando identificar outros hospedeiros vertebrados - além dos primatas não humanos - de importância na manutenção desse ciclo, comprovando que muitos tipos de animais, como marsupiais arboreais e preguiças, dentre outros, podem adquirir imunidade sob condições naturais na mata (SOPER, 1937), entretanto nenhum deles parece ter sido claramente relacionado a epizootias (WHO, 1971; HERVÉ & TRAVASSOS DA ROSA, 1983). Na epidemia de Goiás de 1972/73, Pinheiro et al. (1981) encontraram anticorpos inibidores de aglutinação e anticorpos neutralizantes para o vírus amarílico em um marsupial do gênero Caluromys capturado durante as investigações, porém não atribuíram importância epidemiológica a esse achado, o que reforça a opinião dos autores acima. Por outro lado, no Brasil, por inúmeras vezes tem sido comprovada a relação entre morte de primatas não humanos e a circulação do vírus da febre amarela, através de exames histopatológicos e imunohistoquímicos ou do isolamento em vísceras desses animais, o que corrobora o importante papel que desempenham no ciclo natural da doença como hospedeiros vertebrados. Na Argentina, durante surto de febre amarela silvestre que afetou o nordeste do país entre dezembro de 1965 e março de 1966, foram observadas mortes de macacos nas áreas onde casos humanos eram notificados. Apesar de não haver sido comprovado laboratorialmente que as mortes teriam sido causadas pelo vírus amarílico, as características das mesmas e a coincidência cronológica e espacial com as mortes humanas foram 142 consideradas indícios muito fortes que levaram os investigadores a incriminá-lo (BEJARANO, 1974). Neste estudo, vinte e cinco epizootias ocorridas fora da Amazônia Legal geraram casos humanos “visíveis”, o que equivale a um percentual de 25%. Pode-se considerar que é um alto percentual se levarmos em conta que muitas infecções por febre amarela passam despercebidas por não se expressarem clinicamente ou por se manifestarem com quadros leves que não impelem o indivíduo a buscar assistência médica. Por outro lado, é importante que se ressalte que em várias situações a intervenção imediata com a aplicação da vacina contra febre amarela na população foi capaz de prevenir o surgimento de casos humanos. Foi o que ocorreu, por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul, onde houve registro de morte de macacos em treze municípios no período de maio de 2001 a setembro de 2003 e nenhum caso humano foi detectado durante os surtos epizoóticos (VASCONCELOS ET AL., 2003). Curiosamente, o gênero Cebus foi informado em 22,5% das epizootias, semelhante ao observado para o Callithrix. Embora seu habitat seja o mais diversificado dos primatas neotropicais, utilizando todos os estratos arbóreos de florestas chuvosas, florestas primárias, secundárias, caatinga, palmeirais, campos e mangues (AURICCHIO, 1995), tem sido referenciada sua facilidade em adquirir a infecção por febre amarela, porém destaca-se como um dos gêneros que apresenta baixa mortalidade (SOPER, 1942; STRODE, 1951; HERVÉ & TRAVASSOS DA ROSA, 1983; VASCONCELOS, 2003); essa característica é levada em consideração para elegê-lo como macaco sentinela, como ocorreu nas cercanias da cidade de Belém, Pará (BENSABATH ET AL., 1966). O alto percentual de envolvimento de primatas do gênero Cebus em epizootias pode ser passível de inconsistência, pois muitas vezes a informação é fornecida pela população, nem sempre apta para identificar o gênero com segurança. Por outro lado, em várias situações a notificação é feita tardiamente quando já foram decorridos dias após a 143 morte do animal, quase sempre impossibilitando a identificação da espécie apenas pelo exame da carcaça. Há que se considerar, entretanto, a possibilidade da importância do macaco Cebus na disseminação da febre amarela; o fato de ser muito mais andejo do que o Alouatta e não sucumbir facilmente à infecção, lhe dá o mérito de disseminar o vírus livre e amplamente nas suas áreas de circulação (SOPER, 1942). Outro aspecto importante que deve ser considerado é a informação visual obtida com a distribuição espacial dos municípios com registro das epizootias suspeitas e dos casos humanos confirmados. Quando aqueles eventos (casos humanos e epizootias) foram inseridos no mapa do Brasil observou-se uma proximidade geográfica entre eles, mostrando que em muitos municípios onde as epizootias não foram confirmadas laboratorialmente surgiram casos de febre amarela em humanos. Tais evidências conferem à morte de macacos uma grande importância como marcador da circulação viral, portanto, estudar e monitorar a distribuição espaço-temporal desses eventos pode vir a ser uma ferramenta indispensável para se identificar porque eles acontecem. Sua detecção possibilita a antecipação de medidas preventivas na população humana, evitando a ocorrência de casos nos indivíduos suscetíveis. Assim, a morte de macacos deveria ser considerada evento sentinela e, como tal, objeto de vigilância permanente, tanto nas áreas de circulação habitual do vírus, como nas áreas de transição, em qualquer paisagem ou ecossistema passível de “abrigar” o complexo patogênico da febre amarela. 4.5. Discussão do processo epidêmico-enzoótico do período de estudo Os focos com casos humanos analisados apresentaram alguns fatores comuns: ocorreram em áreas silenciosas há décadas – exceto Goiás –, intensamente modificadas por 144 ação antrópica, onde a cobertura de vegetação natural estava restrita a fragmentos alterados. Em maior ou menor proporção, os casos incidiram nos dois sexos, numa relação masculino:feminino que variou de 3,2:1 a 9,6:1. De um modo geral, foram acometidos adultos jovens, do sexo masculino. Embora tenha havido predomínio de casos relacionados com atividades rurais, o elevado percentual de pessoas envolvidas em atividades de turismo e lazer chama a atenção para a importância epidemiológica dessa categoria de indivíduos na morbidade da febre amarela fora da Amazônia Legal, em seu padrão epidêmico-epizoótico. A variabilidade na duração dos surtos reforça o nível de complexidade para se controlar um processo endêmico-enzoótico de transmissão vetorial, especialmente quando se trata de foco difuso, tal como observado em Goiás. Quanto aos dados referentes aos componentes do ciclo básico da febre amarela silvestre, nos focos estudados pudemos constatar: - Os dados ecológicos e ambientais disponíveis, relativos à distribuição de vetores silvestres e à ecologia, comportamento e dinâmica populacional de primatas não humanos fora da Amazônia Legal, em especial em áreas fragmentadas dos diferentes biomas, são insuficientes para fundamentar os estudos epidemiológicos para delimitação de áreas de risco para febre amarela silvestre no país. - Entre os primatas não humanos, o gênero Alouatta foi aquele mais freqüente nos focos epizoóticos, enquanto o Cebus e Callithrix destacaram-se como importantes hospedeiros em áreas populosas e desmatadas com focos humanos. - A presença do Haemagogus janthinomys em três focos o mantém na posição de principal vetor do ciclo silvestre no Brasil, como referenciado por outros 145 autores (PINHEIRO & MORAES, 1983; VASCONCELOS, 2003). Já o envolvimento de mosquitos da espécie Ochlerotatus scapularis na transmissão em um foco restrito, como o da Bahia, deve ser mais bem estudado para que se busque compreender a importância de sua capacidade vetora em ecótonos limites entre áreas antrópica e vegetação nativa rarefeita. Os dados deste estudo sugerem a propagação do vírus da febre amarela, a partir da Amazônia, para focos distantes em diferentes biomas, alguns deles com extensas áreas geográficas caracterizadas por fragmentos de florestas naturais (vegetação em mosaico), com forte ação antrópica, como pode ser observado na Figura 29. No período de 1998 a 2003 houve uma transmissão epizoótica extensa que atravessou o País, a qual podemos denominar de “terceira grande onda epizoótica-epidêmica”, considerando os dados sobre febre amarela silvestre registrados desde 1930. Constatou-se que as áreas afetadas no período atual foram semelhantes àquelas das duas ondas anteriores (a primeira, de 1934 a 1940 e a segunda, de 1951 a 1953). Ressalvase, porém, que desta vez a Mata Atlântica foi preservada, embora uma área de tensão ecológica entre este bioma e o Cerrado tenha sido atingida. Por outro lado, a densidade populacional nas áreas atingidas no interior do Brasil é substantivamente maior do que nas duas situações anteriores. Além disso, observou-se importante aumento da mobilidade territorial da população do País, viabilizada pela extensa rede viária e induzida tanto pela inserção precária no trabalho como pela perspectiva de turismo e lazer. 146 CAPÍTULO 5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 5.1 Conclusões Este estudo permitiu compreender diferentes aspectos e dimensões do comportamento da febre amarela em nosso país. O potencial para emergência e reemergência de doenças como a febre amarela depende da interação do complexo social, ecológico e fatores genéticos do hospedeiro, do vetor e do próprio vírus e, dependendo do grau de interação e da adaptação do vírus às condições ambientais, o complexo patogênico pode ocorrer em diversos ecossistemas presentes no Brasil. Os diferentes biomas de nosso país oferecem suporte fisiobiótico e possuem elementos biológicos adequados (culicídeos silvestres e primatas não humanos) para constituir o complexo biogênico do vírus amarílico e o complexo patogênico da febre amarela silvestre nessas regiões, quando invadidas pelo vírus amarílico. A taxa de letalidade da febre amarela apresenta-se elevada nas áreas endêmicas e não endêmicas, o que pode refletir a subnotificação de infecções assintomáticas e de casos leves e moderados. Desse modo, a magnitude do problema pode ter sido muito maior do que aquela registrada. Analisando a ocorrência e características da febre amarela no Brasil fora dos limites da Amazônia Legal, foi possível observar que: - As características epidemiológicas dos casos confirmados de febre amarela silvestre que ocorreram fora da Amazônia Legal diferem daquelas dos casos ocorridos nesta região por não incidir, com a mesma freqüência, nas faixas etárias extremas (< 10 anos e > 50 anos de idade), 147 não acometer com freqüência indivíduos vacinados contra febre amarela, e acometer indivíduos residentes em zona urbana. - Os surtos de febre amarela silvestre que ocorreram fora da Amazônia Legal parecem ter sido resultantes da propagação de uma onda epizoótica e não uma emergência de focos autóctones restritos. - O padrão epizoótico-epidêmico da febre amarela emerge em períodos sem periodicidade definida, possivelmente devido à densidade e mobilidade de primatas não humanos e mobilidade de seres humanos virêmicos. Ocorre em áreas antropizadas dos diferentes biomas e bacias hidrográficas e sua dispersão não é previsível devido às limitações dos sistemas de informação atuais. Entretanto os “rumores epizoóticos” podem apontar oportunidades para a intervenção e prevenção oportunas da doença na coletividade. - O estabelecimento de uma vigilância de epizootias no Sistema Único de Saúde, com o envolvimento de instituições governamentais ligadas ao meio ambiente, pode contribuir para a prevenção de adoecimento e morte por febre amarela nas populações humanas. 5.2. Recomendações para o aprimoramento da vigilância epidemiológica da febre amarela no SUS As imprevisibilidades e as muitas interrogações que ainda cercam a epidemiologia da febre amarela parecem extrapolar a nossa capacidade de predição. Contudo, Sinnecker (1971) defende que através do conhecimento e atuação sobre fatores ecológicos e sociais os processos epizoóticos podem ser interrompidos. 148 É de aceitação geral que a discussão histórica da febre amarela e o estudo da ocorrência de casos em humanos fornecem informações valiosas para o seu enfrentamento, conforme observado ao longo da trajetória secular da doença nos vários países onde ocorreu. Entretanto, o modelo de vigilância pautado apenas nesses aspectos tem se mostrado insuficiente para reduzir a morbimortalidade conferida pela doença. Este estudo apontou que a mortandade de primatas não humanos é um importante marcador de circulação viral no processo enzoótico-epizoótico do ciclo silvestre da febre amarela. Levando em conta que a vigilância em saúde deve ser baseada nos processos de transmissão, a incorporação deste conhecimento na prática da vigilância dessa enfermidade no Sistema Único de Saúde pode ser uma perspectiva para o seu aprimoramento. As dificuldades operacionais observadas no atual estado da arte são enormes, tanto para a investigação dos focos quanto para a realização de exames laboratoriais. Poderão ser melhor equacionadas com a estruturação de uma vigilância técnica e politicamente sustentável, em que os papéis de cada um dos três níveis governamentais sejam claramente definidos, dotando-se o município com as condições necessárias para a execução das ações de vigilância, prevenção e controle, conforme preconizado no SUS. O registro adequado desses marcadores, bem como a análise e divulgação dos dados em tempo oportuno, são expectativas que devem ser observadas na construção de uma vigilância com maior capacidade preditora, que incorpore outras instituições e outras tecnologias. Sua estruturação requer: implantação de sistema de registro de morte de macacos baseado em notificações oriundas da área ambiental, da saúde ou da própria comunidade, coletadas por meio de instrumento desenvolvido para esse fim, de modo a padronizar as informações; equipe mínima capacitada para investigação de focos, captura e realização de necropsia e coleta de material biológico em primatas não humanos, composta por profissional 149 médico veterinário e auxiliares; estabelecimento de normas e condutas para envio de material biológico; incorporação no sistema de vigilância de testes laboratoriais específicos para detecção de anticorpos contra febre amarela em primatas não humanos, e outras técnicas de diagnóstico rápido (como o RT-PCR), não disponíveis atualmente na Rede Nacional de Laboratórios; estrutura laboratorial descentralizada capaz de dar respostas em tempo útil; articulação com o Programa Nacional de Imunizações para obtenção de dados sobre coberturas vacinais das populações expostas residentes em zonas rurais; investigação adequada das falhas do processo vacinal. Recomendamos: 1. Estimular estratégias e ações no Ministério da Saúde para a implantação de uma vigilância do processo infeccioso da febre amarela no País, com o objetivo de obter dados de melhor qualidade e consistência que possam retratar adequadamente o padrão epidemiológico (epizoótico) atual e as tendências futuras. 2. Priorizar a formação técnica multidisciplinar das equipes de vigilância de situações de risco para febre amarela, com a inclusão de médicos veterinários, biólogos, epidemiologistas e profissionais da área ambiental, com o intuito de ampliar a vigilância de casos humanos para uma vigilância de processo enzoótico-epizoótico, com base territorial, em que se articulem Vigilância Epidemiológica e Ambiental, valorizando os “rumores epizoóticos”, ocorrência de casos e o isolamento de vírus em mosquitos. 3. Estudar melhor a dinâmica populacional e capacidade vetorial dos culicídeos na área Extra Amazônica, levando-se em conta o surgimento de “novos” 150 vetores silvestres com hábitos peridomiciliares e a possibilidade de urbanização da doença. 4. Utilizar tecnologias mais precisas, como GPS, geoprocessamento e georreferenciamento, dentre outras, nas ações e procedimentos de aferição e caracterização do posicionamento geográfico das localidades prováveis de infecção de casos humanos, isolamento em mosquitos e de mortes de primatas não humanos por febre amarela, para identificar situações epidemiológicas vulneráveis, visando à produção de informações que subsidiem os processos de decisão orientados para a redução do impacto desse importante problema de saúde pública no Brasil. 5. Promover a participação de profissionais da área ambiental que trabalham com monitoramento de populações de primatas não humanos para melhor caracterização dos animais envolvidos em epizootias nos focos de febre amarela, de forma a dar suporte metodológico para o trabalho das equipes de saúde. 6. Incorporar na rotina do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela do Ministério da Saúde princípios e métodos da Geografia Médica, de modo a facilitar a análise e a compreensão da epidemiologia da doença e apoiar a tomada de decisões que visem ao seu controle. 7. Aprofundar estudos sobre os casos de febre amarela em indivíduos vacinados. 8. Buscar estratégias que visem à materialização das recomendações de vacinar contra febre amarela todos que se deslocam para áreas de mata nas áreas endêmicas e de transição. 151 Esperamos que este estudo possa vir a subsidiar a formulação de ações efetivas de vigilância epidemiológica e ambiental da febre amarela no País e, juntamente com outros de igual natureza, permita a abertura de novas linhas de pesquisa que possam contribuir para um melhor entendimento dos complexos eventos que determinam a doença. 152 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aitken THG, Downs WG. Jungle yellow fever mosquito studies in Trinidad – 1954. In: Studies on the natural history of yellow fever in Trinidad. Edited by Tikasingh ES. Carec Monograph Series 1, CAREC/PAHO/WHO; 1991. p. 16-37. Alba-Garcia JE, Salcedo-Rocha AL. Fiebre amarilla en México, hace 120 años. Cir Cirurj 2002;70:116-123. Almeida, M. Combates sanitários e embates científicos: Emílio Ribas e a febre amarela em São Paulo. 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