1 NOTA – 21/1/09 José Roberto Afonso Desaceleração da Economia Mundial: uma primeira idéia Qual o tamanho da onda que baterá nas praias de cada um dos principais países do mundo neste ano, depois do maremoto que sacudiu o oceano da economia mundial no final do ano passado? A analogia com o surfe é uma tentativa de amenizar a tragédia social, econômica e política que está por trás da desaceleração de todas as economias, em todos os cantos do planeta. Algumas sofrem mais que as outras. A comparação de experiências internacionais torna-se mais interessante nos tempos de tormentas do que nos de calmaria e bonança porque ajuda cada País a melhor definir e avaliar suas políticas públicas. Um exercício bastante preliminar e precário para começar a mensurar o tamanho comparado do impacto da crise em cada economia pode ser feito por uma operação matemática trivial: confrontar a taxa de crescimento projetada para 2009 com a observada (ou estimada) para 2008. Projeções mundiais e para cada economia são publicadas periodicamente por diferentes organismos internacionais. Há poucos dias (15/01/09), as Nações Unidas divulgaram uma dessas avaliações, que não contempla apenas as estimativas, mas também uma circunstanciada análise da situação, comparando regiões, e dezenas dos maiores países do planeta. A elaboração foi liderada pela Divisão de Análise Econômica e Social (UN/DESA) e a Conferência para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), sob o título World Economic Situation and Prospects 2009 – disponível para acesso em: http://www.unctad.org/en/docs/wesp2009_en.pdf O relatório utiliza os dados do crescimento real anual observado entre 2002 e 2008 (estimado para alguns países no caso deste último ano) e projeta a variação do PIB em 2009 em três diferentes cenários: o básico adota premissas que podem ser consideradas as mais conservadoras;1 os outros dois marcam os extremos, um pessimista2 e outro otimista.3 Dentre as hipóteses do UN/DESA/UNCTAD neste cenário básico para 2009, as seguintes chamam a atenção: sobre os mercados financeiros, só em 6 a 9 meses regressariam à normalidade nos países desenvolvidos; sobre os juros, o FED manterá taxa básica de no nível atual de 1% e continuará injetando liquidez no sistema através de recursos especiais; o BCE mudaria sua política monetária e são esperados juros de 2,25% no ano, e somente 0,3% no Japão; sobre o câmbio, o Euro 1 2 O cálculo simplório que daria uma idéia inicial da dimensão do impacto da crise seria cotejar a variação do PIB projetada pelo UN/DESA para este ano com a mesma variação apontada no ano passado pelo mesmo órgão. A figura a seguir apresenta, no primeiro bloco, o resultado apurado nessa subtração e, no segundo, as taxas de crescimento informadas pelo UN/DESA.4 Não custa recordar que o cálculo próprio é apenas a subtração das duas taxas anuais – ou seja, todas as projeções são aquelas divulgadas pela UNCTAD no relatório citado. As atenções podem ser concentradas no cenário classificado pela própria UNCTAD como básico. No caso do PIB mundial, o UN/UN/DESA projeta uma redução da taxa de crescimento anual de 2,8% em 2008 para apenas 1,0% em 2009; logo, a subtração indicaria uma desaceleração de 1,8 pontos percentuais. se manteria oscilando entre US$ 1,28 e 1,20, e o Yen entre US$ 0,99 e 0,91; sobre petróleo preço médio seria de US$ 64/barril. 2 As premissas básicas deste cenário negativo do UN/DESA são as seguintes: a falta de confiança no setor financeiro será prolongada, especialmente se grandes instituições continuarem a disfarçar posições financeiras “fora do balanço”; o aumento das vendas nos mercados de ações e a redução dos preços dos ativos serão prolongados, deteriorando a economia real, os lucros e o emprego; haveria um ciclo vicioso diante da maior aversão ao risco dos investidores; os governos dos países desenvolvidos passariam a ver o salvamento financeiro como impossível e isso corroeria ainda mais a confiança no mercado; já as economias em desenvolvimento seriam afetadas pela profunda recessão dos países ricos; esperada uma queda acentuada nos preços das commodities e uma nítida reversão no fluxo de capitais; probabilidade de o estímulo fiscal e o monetário serem menos eficazes, o que poderia disparar uma “armadilha de liquidez”, (como a do Japão nos anos 90); e, finalmente, como estará abalada a confiança no mercado, de um lado, os bancos e as empresas terão dificuldades quanto a financiamentos, e, de outro, o aumento da dívida pública passa a ser visto como uma ameaça para a estabilidade econômica futura. 3 Para o UN/DESA, o otimismo seria fundamentado em três grandes condicionantes: a confiança seria restaurada no mercado financeiro; amplos programas fiscais seriam introduzidos ainda no início de 2009, com estímulos de 1,5% a 2% do PIB; e seria maior a flexibilização monetária decorrente de novas reduções nas taxas básicas de juro. 4 Dados extraídos da tabela I.1, p.2, do relatório já citado. O detalhamento por países e para uma série maior está disponível no Anexo (o Brasil consta da tabela A.3, p.131). 3 Desaceleração da econom ia mun dial co m base nas projeções d a UNCTAD Variação n o PIB 2009 - Vari ação no PIB 2008 Regiões e alguns países e Vari ações anuais d o PIB 2007/2009 e 2009 Cenár io Conservador Cenário Pessimista 2007 2008 -0,8 7,1 5,9 4,6 2,7 5,1 - 4,4 - 2,9 - 2,6 - 4,2 -0,3 -0,9 -0,9 -0,8 7,8 3,8 2,5 8,3 6,4 2,5 1,1 6,9 5,1 1,0 -0,5 4,8 2,0 - 0,4 - 1,5 2,7 6,1 1,6 0,2 6,1 -0, 5 - 2,8 0,0 8,9 7,5 7,0 4,7 7,5 -0, 7 -0, 7 -1, 3 -1, 8 - 1,0 - 2,1 - 3,2 - 2,6 0,1 -0,2 -0,5 -0,8 2,1 11,4 3,2 2,6 0,4 9,1 2,0 1,1 -0,3 8,4 0,7 -0,7 - 0,6 7,0 - 1,2 - 1,5 0,5 8,9 1,5 0,3 -2, 2 -2, 2 - 3,1 - 4,6 -1,7 -2,1 2,0 5,4 1,2 5,1 -1,0 2,9 - 1,9 0,5 - 0,5 3,0 Cenário Conservador Cenário Pessim ista Cenário Otimista Países Emer gentes -1, 3 - 3,2 Países Menos Desenvolvidos Mundo Países Desenvolvidos Países em Tr ansição -1, 3 -1, 5 -1, 6 -2, 1 Índia Japão China México Zona do Euro EUA Brasil Fonte: Elaboração própri a com base em Nações Unidas/UNCTAD/DESA. (World Economi cSituation and Prospects 2009).( e - estimativa do DESA) Pri nci pais hipóte ses dos cenários: Cenário Conservador: - Vai de morar de 6 a 9 meses para os mercados fina nceiro s nos países dese nvol vid os regressar em a normali dade. - EUA: O Fed man terá o nível d as taxasd e juro ao nível atual de 1% em 2009 e con tinuará usando injeções de liqui de z no sistema finan cei ro através de r ecu rsos e speci ai s. - Uni ão Européia: O BCE cortar á as taxas de juro. Estará em 2,25% no ano de 2009. - Japão: O Banco do Japão manterá as taxas de juro e m 0,3% no ano de 2009. - Câmbio: O Euro estará próximo a 1,28($/€ ), podendo che gar a 1,2 0( $/€). O Ye n e stará próximo a 99($/¥), podendo chegar a 90($/¥) - Petról eo: Médi a de $64/barri l. Cenário otimista: - A confiança no mercado fi nance iro é restaurada. - Pacote s fi scais, com estímu los de 1,5% a 2% do PIB, serão introd uzid os no primeiro semestre de 2 009. - Mai or flexibil ização monetári a devido à novas reduções nas taxas de juro. Cenário pessimis ta : - A falta de confi ança no setor fi nanceiro será prolonga da, especialmente se gra ndes instituições continuarem a disfarça r posições finance iras “for a do balanço”. - Aumento das vendas nos mercados de ações, a quebra dos preços dos ati vos ser á prolong ada gerand o deteri oração na economia real. O que inclui ria redução nos lu cros d as empresas e o aumento do d esemprego. - Aconte cerá um ciclo vi ci oso, pois as pessoas e starão mais avessas ao r isco. - Os governos dos países d esenvol vidos irão ver o sal vamento fi nanceiro como impossível o que irá corroer a confiança no mercado. - As economias em desenvolvimento ir ão reduzir-se através da p rofunda recessã o dos países de senvolvid os. Ocorr erá uma qued a acen tuada nos preços das commoditi es e uma nítida reversão no fluxo de capita is. - É provável que os estímu los fiscais e monetários sejam me nos eficazes. Pode rá ocorrer uma “armadilha de liqui dez”, semelhante ao que o correu com o Japão durante 19 90. - Como a confiança no mercado estará abalada, os bancos e a s empresas terão dificul dades quanto a financi amentos. A dívi da p ública se rá uma ameaça para a estabili dade econômica no futu ro. Cenário Otimista 4 Por blocos regionais, como já foi anunciado, o dos países desenvolvidos sofreria uma retração do PIB em 2009: a variação anual média do PIB de +1,1% em 2008 passaria para -0,5% em 2009, com um impacto de 1,6 pontos. A retração do produto não é esperada para as demais regiões, porém importa notar que sofrem impacto na mesma direção: na média das economias emergentes, por exemplo, as respectivas taxas serão de 5,9% e 4,6% e a diferença entre elas de 1,3 pontos. Como na fase de prosperidade, mais uma vez, esses resultados são fortemente influenciados pela China e até mesmo pela Índia, que ainda apresentariam taxas superiores a 7%. Por outro lado, os blocos dos países em transição (liderados pela Rússia) e dos latinos serão os mais afetados pela desaceleração. A UNCTAD alerta que tais regiões serão seriamente impactadas tanto pelos canais financeiros, quanto pelos comerciais – neste último caso, o comércio mundial deve crescer apenas 2,1% em 2009, contra 4,4% no ano passado e 6,4% em 2007. Em meio aos emergentes mais afetados, o Brasil passa a chamar a atenção, não apenas pelo porte de sua economia, mas porque a crise o atinge justamente quando tinha acelerado seu crescimento nesta década e conseguia se aproximar da expansão média dos emergentes. O UN/UN/DESA projeta que a expansão do PIB passe de 5,1% em 2008 para 2,9% em 2009, com um diferencial entre as duas taxas de 2,2 pontos – neste cenário de premissas mais conservadoras. Desaceleração na economia - Cenário Conservador Variações PIB 2009 - 2008 -2,3 -1,9 -1,5 -1,1 -0,7 -0,3 Índia Japão China México Zona do Euro EUA Brasil Fonte primária: UNCTAD/DESA A desaceleração brasileira supera a dos blocos regionais e, dentre as maiores economias, só encontra equivalência na dos EUA, como ilustrado no gráfico extraído da tabela anterior. 5 É claro que, apesar de impactos semelhantes, é melhor fechar o ano com expansão (Brasil) do que com retração (EUA). Da mesma forma, no cenário básico, o crescimento projetado para o Brasil também superará sua expansão demográfica, o que permitirá o desejável aumento da renda per capita. Reconhecer tais fatos não desqualifica avaliar outro objeto - isto é, independente do porte da economia num e noutro ponto, interessa também a velocidade com que se passa de um ponto para outro, como forma de mensurar o grau de desaceleração na economia. Se os comentários anteriores estavam baseados apenas no cenário com premissas mais conservadoras, o pessimista e, curiosamente, também o otimista, mostram uma piora na comparação do Brasil com demais regiões e países, inclusive com uma estagnação ainda mais forte que nos EUA: a diferença entre taxas de crescimento de 2009 e 2008 seria de 4,6 pontos no cenário mais negativo e de 2,1 pontos no mais positivo (os gráficos a seguir ilustram tais diferenças). Desaceleração na economia - Cenário Pessimista Variações PIB 2009 - 2008 -4,8 -4,3 -3,8 -3,3 -2,8 -2,3 -1,8 -1,3 -0,8 Índia Japão China México Zona do Euro EUA Brasil Fonte primária: UNCTAD/DESA A desaceleração mais forte no Brasil no cenário pessimista deve ser explicada pelas contas externas, uma vez que o UN/UN/DESA está supondo maior redução no preço das commodities e também no volume das exportações. 6 Neste cenário, também a renda per capita passaria a encolher com o crescimento do PIB em apenas 0,5%. Aliás, tal projeção do UN/DESA implica no País ter recuo no produto trimestral durante este ano. Isto porque o crescimento acelerado nos três primeiros trimestres de 2008 provocará uma expansão em 2009 que é simulada pelo Grupo de Conjuntura da FUNDAP em 1,06% na hipótese de uma perfeita estagnação da produção desde o último trimestre do ano passado – ou seja, se for de 0% a variação do PIB no quarto trimestre de 2008 e em cada um dos quatro trimestres de 2009. Em outras palavras, o cenário pessimista das Nações Unidas pressuporia recuo da produção brasileira (recessão para alguns) ao longo deste ano. Já o cenário básico supõe um crescimento ao longo de 2009 que adicione 1,8 pontos aos 1,1 pontos de expansão “carregados” desde 2008 – o que pode ser difícil diante dos indicadores físicos e de expectativa do empresariado divulgados mais recentemente. Ou seja, a desaceleração no Brasil tenderia a superar não só a dos emergentes como dos países ricos – sem esquecer que, mesmo assim, nossa produção crescerá enquanto a daqueles retrocederão. A própria Nações Unidas chama a atenção para a severidade do impacto que a crise terá no Brasil no relatório citado. Em mais de uma passagem da análise das projeções, quando abordava os emergentes ou a América Latina, para ilustrar como estes sofrerão com a retração do crédito e do comércio mundial, a UN/DESA citou expressamente o País: … Some emerging market economies, such as Brazil, are already facing severe curtailments in access to trade credit, while the threat of a sudden reversal in private capital flows has heightened. … (p. 21) … Going forward, the gains in competitive edge from the recent currency depreciation are likely to be more than offset by lower demand for exports because of the global slowdown and continued tight trade-credit constraints. Limited access to trade credit has already affected exports and production in Brazil. … (p. 41) ... Additionally, the six-year-long appreciation trend for Latin American currencies has come to an end as regional currencies were down about 23 per cent against the United States dollar between end-June and October 2008. This depreciation of national currencies against other major currencies, notably in Brazil, Chile, Colombia and Mexico… is another clear sign of the contagion effects of the global financial crises. … (p.123) In South American countries, where export revenues are mostly derived from oil, metal or mineral products, lower commodity prices will negatively affect the terms of trade. In addition, domestic demand will slow because of tighter financing conditions, as has already become evident in Brazil during the last quarter of 2008. … (p. 124) 7 O cenário otimista revela uma situação muito peculiar no caso brasileiro. Estranhamente, o UN/DESA projeta que a mudança do cenário básico para o otimista teria efeito quase nulo no crescimento brasileiro em 2009 - de 2,9% para 3%. Em princípio, ele acredita que o País em nada se beneficiaria das melhorias no mercado financeiro internacional (marcado pela redução dos juros internacionais) e na política fiscal dos países ricos, que balizam o cenário otimista. É possível deduzir que, neste cenário otimista, o UN/DESA não deve estar contando com uma melhoria no comércio mundial, especialmente em relação às commodities, o que explicaria a drástica deterioração brasileira no cenário pessimista e a pouca mudança de sua posição entre os cenários conservador e otimista. Desaceleração na economia - Cenário Otimista Variações PIB 2009 - 2008 -2,2 -2,0 -1,8 -1,6 -1,4 -1,2 -1,0 -0,8 -0,6 -0,4 -0,2 0,0 0,2 Índia Japão China México Zona do Euro EUA Brasil Fonte primária: UNCTAD/DESA Em suma, retomando a questão inicial, a proposta é adotar um cálculo simplório para dimensionar o tamanho da onda (da crise) que chegará às diferentes praias do mundo ao longo de 2009: a diferença entre a variação anual do PIB projetada para este ano e a observada no ano passado. Tomando por base as premissas conservadoras de organismos das Nações Unidas, o caso brasileiro é preocupante (a própria análise dos autores das projeções já destaca isso) porque: a marolinha à la brasileira é a maior onda entre as principais economias do planeta; a força de seu impacto será igual à que baterá na praia dos norte-americanos; é mais alta até do que a onda que afetará a praia dos países ricos, que seriam a origem da crise; e é muito superior à onda que baterá na praia das economias emergentes como um todo. 8 Como as previsões servem para os surfistas melhor se posicionarem nas praias, as comparações internacionais das projeções dos organismos internacionais também pode balizar avaliações mais realistas e ações mais céleres e eficientes para o País melhor surfar as novas ondas adversas da economia. Por exemplo, um caminho apontado por grande parte dos economistas é ampliar forte e temporariamente os investimentos públicos (não as despesas com custeio), como forma de atenuar ou compensar a retração da demanda – e sempre lembrando que é preciso Passar do Anúncio para a Concretização. A mera publicidade pode até influenciar positivamente as expectativas empresarias, mas efetivamente não gera demanda quando o cenário mudou para desaceleração, estagnação ou recessão. Ex-post: Sobre o tema, nota publicada no... Jornal Globo – 23/01/09 – Coluna de Ancelmo Gois O tamanho da marola A ONU acaba de projetar o crescimento mundial em 2009 e (conservadoramente) prevê 2,9% para o Brasil. Comparando com os 5,1% que crescemos ano passado, a diferença dá uma idéia do tamanho da onda que afetará o país: 2,2 pontos percentuais. Só que... A grande surpresa está na comparação com os outros. O impacto aqui será muito maior que na China (só 0,7), na Índia (0,5) e na média dos emergentes (1,3). Será pior que na média dos países ricos (1,6), epicentro da crise. Por estas contas... “Nossa desaceleração só será igual à dos EUA por tal critério”, diz o economista José Roberto Afonso. “Mas lá o presidente assumiu com discurso cauteloso, pois nasceu no Havaí e sabe distinguir tsunami de marolinha.”