Resumo Microbiologia - 4º Bimestre Otávio Augusto Bagatini XLIII Introdução aos Fungos Existem cerca de 80000 espécies de fungos, sendo estes seres cosmopolitas (encontrados em todos os lugares), eucariotos, heterotróficos e altamente resistentes a variações de temperatura; Grande parte dos fungos vivem em simbiose, ou seja, uma relação vantajosa entre dois organismos de espécies diferentes (ex.: líquens – fungos + algas e micorrizas – fungos + raízes de plantas); Apenas 0,1% das espécies são parasitas humanos, causando patologias. Existem também algumas espécies fúngicas que são predadoras, como é caso de hifas que secretam substâncias anestésicas a uma nematódeo e saprófitas (decompositores); São aeróbios em sua maioria, apresentando dimorfismo térmico: 25ºC ou 37ºC, crescendo bem tanto em uma quanto em outra temperatura; Componentes da célula fúngica: - Parede celular: a parede celular é que confere resistência a célula e é constituída de carboidratos, polissacarídeos (quitina, glicano, manana, celulose e quitosano), lipídios e glicoproteínas; - Membrana plasmática; - Citoplasma: organelas; - Núcleo. Os fungos podem se apresentar de forma multicelular (filamentosos) ou unicelular (leveduriformes). - Filamentoso: a célula tem aspecto tubular ou retangular, e é chamada de hifa. Ao conjunto de hifas, denominamos micélio (massa de hifas interligadas). A hifa pode ser septada ou não sepetada (cenocítica). A hifa septada não apresenta formação muito definida, possuindo separações porosas que permitem a passagem de proteoglicanos e organelas. Um fungo filamentoso apresenta uma porção aérea e uma vegetativa (no cogumelo, a porção aérea é aquela que está acima da terra, e a vegetativa a que está abaixo). A porção aérea é a que vai ser responsável pela reprodução fúngica; Reprodução pode ser sexuada ou assexuada; - Assexuada (mitose): pode ocorrer de três maneiras, sendo elas esporos, fragmentação, brotamento ou fissão binária (cissiparidade); - Sexuada: envolve a união de gametas. - Os fungos podem ser classificados de acordo com o tipo de esporos que produzem: Ascomicetos: esporos sexuais (ascoporos) em sacos (ascos); esporos assexuais na extremidade das hifas (septadas). Ex: leveduras patogênicas, Aspergillus, Penicillum, cogumelos comestíveis; Basidiomicetos: esporos sexuais (basidiosporos) na superfície dos basídios; esporos assexuais na extremidade das hifas (septadas). Ex: Cogumelos; Deuteromicetos (Fungi imperfecti): não apresentam esporos sexuais; esporos assexuais na extremidade das hifas (septadas). Ex: a maioria dos patógenos humanos (Epydermophyton, Microsporum e Trichophyton - dermatófitos); Zigomicetos: esporos sexuais variáveis; esporos assexuais endógenos (se formam em sacos); hifas não septadas. Ex: mofos que provocam infecções oportunistas, Mucor e Rhizopus; O Fe é importante para o crescimento fúngico. O quelamento dessa substância é importante para limitar o seu crescimento; Importância dos fungos: ecossistemas, indústria farmacêutica, indústria alimentícia, saúde; Invasão dos fungos parasitas: proximidade do hospedeiro, capacidade para penetrar no hospedeiro, capacidade para digerir e absorver nutrientes das células hospedeiras; Efeitos dos fungos sobre a saúde humana: micotoxicoses, doenças de hipersensibilidade, infecções oportunistas; Agentes antifúngicos: - Como fungos e células humanas são organismos eucariotos, os agentes antifúngicos devem ser seletivos para atacarem apenas o microorganismo invasor. Para isso, a seletividade é adquirida a partir da parede celular e membrana celular fúngica; Para se estabelecer uma boa estratégia terapêutica é importante conhecer o agente etiológico, os tecidos afetados e o grau de imunidade do paciente; Imidazóis e Triazóis: - Afetam a membrana plasmática dos fungos por inibir a síntese de ergosterol, o esteróide essencial da membrana fúngica - altera as propriedades de permeabilidade da membrana celular, inibindo o crescimento fúngico (agentes fungistáticos); - Agentes tópicos; Exemplo: Clotrimazol, cetoconazol, Miconazol, fluconazol. Polienos (Streptomyces): - Se liga ao ergosterol da membrana desorganizando a bicamada, fazendo com que os metabólitos do citoplasma vazem para o ambiente. - Exemplos: Tratamento de infecções fúngicas sistêmicas: Anfotericina B (fungizona) tóxica se administrada sistemicamente (pode se ligar ao colesterol da membrana plasmática da célula humana); - Uso tópico: nistatina; Griseofulvina (derivado do Penicillium griseofulvum): - Usada no tratamento de infecções por dermatófitos que não respondem aos antibióticos tópicos; - Administrada via oral - se acumula no suor e quando este evapora deixa a droga na camada queratinizada da epiderme; - Droga fungistática danifica o aparelho mitótico usado na divisão celular; Diagnóstico laboratorial: as culturas em laboratórios para fungos são sempre tratadas com hidróxido de potássio, pois este destrói as células humanas e bactérias, preservando as células fúngicas. O diagnóstico é feito por exame macroscópico, cultura, exame microscópico, sorologia e testes bioquímicos; De acordo com os locais primários de infecção as doenças fúngicas podem ser classificadas em: micoses superficiais, cutâneas, subcutâneas ou profundas (sistêmicas). Ptiríase versicolor Também conhecida como “Micose de Praia”, é causada pela Malassezia furfur, que atinge áreas mais oleosas da pele causando manchas brancas, podendo ser também hiperpigmentadas (mais raro); É um fungo dimórfico encontrado em cerca de 90% da população; De distribuição ubíqua (vastamente distribuído em todo o mundo), tem maior prevalência nos trópicos e coloniza a pele, sendo lipofílico (afeta principalmente locais ricos em glândulas sebáceas), e por isso sua incidência é maior em adultos jovens e póspúberes; Vivem em vida saprofítica (colonização) apenas sobre a forma de leveduras, porém em vida parasitária, podem também ser hifas septadas curtas com poucas ramificações; O modo de infecção é endógeno, pelo contato direto com pessoas ou objetos contaminados, e sua etiopatogenia está associada com a transformação da forma de leveduras para a forma de micélios; Fatores predispondentes: - Endógenos: pele gordurosa, hiperidrose (transpiração aumentada), utilização de imunossupresores e condições genéticas; - Exógenos: calor e umidade, oclusão da pele (aumenta a concentração de CO2); O quadro clínico se baseia em máculas hipo ou hiperpigmentadas finamente descamativas localizadas na região cervical, colo, dorso do tórax e face. Às vezes membros superiores; Patogênese da hipopigmentação: associada a produtos tóxicos derivados do metabolismo dos lipídeos. Esses produtos podem degenerar os melanócitos, e por isso, mesmo após o tratamento completo, a repigmentação é demorada. Ocorre espessamento da camada de queratina e presença de intenso infiltrado inflamatório celular; O diagnóstico é feito principalmente pelo aspecto clínico das lesões. Pode ser feita também a pesquisa de fluorescência (luz de Wood), já que o fungo produz uma substância que é fluorescente ou raspagem (realizando-se o tratamento com NaOH 4% ou KOH 10% - destruição de células humanas e bactérias) e exame direto, sem necessidade de cultivo em laboratório; Tratamento: - Tópico: derivados imidazólicos por até 3 a 4 semanas acompanhado do uso de shampoo com antifúngicos. Período: 7 – 14 dias ou mais; - Sistêmico: para as formas recorrentes e crônicas. Cetoconazol – 200 mg/dia – 10 dias; Alta taxa de cura – Risco de hepatotoxicidade (1:500.000); Fluconazol – 150 mg/dia – 3 semanas; Itraconazol – 200 mg/dia – 7 dias – Efeitos gastrointestinais. Dermatofitoses Os agentes etiológicos das dermatofitoses são fungos filamentosos dos gêneros Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton; São encontrados em todo o mundo, porém nem todas as espécies são ubíquas. Podem ser: - Geofílicos: preferência pelo solo. Ex.: Microsporum gypseum e Trichophyton mentagrophytes (solo); - Zoofílicos: preferência por animais. Ex.: Microsporum canis (cães e gatos), Trichophyton verrucosum (gado); - Antropofílicos: preferência pelo homem. Ex.: Epidermophyton floccosum (pele e unhas), Tricophyton schoenleinii (cabelos - Europa), Trichophyton rubrum (pele e fâneros) e Tricophyton tonsurans (cabelos - USA); Patogenia: - Mecanismos de proteção: integridade da pele, descamação normal da pele, presença de ácidos graxos, transferrina, imunidade celular e imunidade humoral; - Infecção: contato direto com o fungo, através do solo, pelos de animais, piso de banheiros, piscinas, etc; - O fungo se instala na pele e começa a crescer de forma centrífuga, desenvolvendo resposta inflamatória e a lesão na pele; - Fatores predisponentes: trauma, idade, umidade, diabete, desnutrição, sazonalidade e predisposição genética; Quadro clínico: depende da localização da infecção, do grau de imunidade do hospedeiro e da presença de co-morbidades. O estabelecimento da infecção é inversamente proporcional à velocidade de renovação do estrato córneo; Classificação clínica: de acordo com a topografia das lesões; - Tinea capitis: do couro cabeludo; - Tinea cruris: da região inguinal; - Tinea pedis: dos pés; - Tinea unguium: das unhas; - Tinea barbae: da barba; - Tinea corporis: do restante do corpo. Tinea capitis: podem parasitar o pelo de três maneiras: 1) Pelo interior da bainha do pelo; 2) Por fora da bainha do pelo; 3) Por dentro e por fora da bainha do pelo. Nesses casos, o pelo pode se quebrar ao sair do folículo causando os chamados black dots (pontos pretos), e recebendo o nome de endotrix. Ex.: Trichophyton tonsurans e Trichophyton shoenleinii. Ou o pelo pode se quebrar a poucos milímetros da emergência do folículo, chamado ectotrix. Ex.: Microsporum canis, Microsporum gypseum, Microsporum audouinii e Trichophyton verrucosum. A principal característica clínica é a alopécia (redução parcial ou total de pelos ou cabelos em uma determinada área de pele), comum em ambientes fechados, com quadros leves a intensamente inflamatórios, podendo chegar à destruição do folículo piloso. Tinea corporis - Característica clínica: mácula eritematosa, descamativa, em anel, pruriginosa. - Agentes: Microsporum spp., Trichophyton spp., Epidermophyton sp. Tinea pedis - Característica clínica: lesões descamativas, pruriginosas, às vezes dolorosas. - Agentes: Trichophyton spp., Epidermophyton spp. Tinea unguium - Característica clínica: distrofia ou espessamento da placa ungueal, lesões na extremidade da unha. Tendência a cronificar. - Agentes: Trichophyton spp., Epidermophyton spp. Tinea cruris - Característica clínica: lesões eritematosas, bem delimitadas, descamativas, bordas ligeiramente elevadas, muito pruriginosas. Não acometem os pelos. - Agentes: Microsporum spp., Trichophyton spp., Epidermophyton sp. Tinea barbae - Características clínicas: lesões eritematosas, na topografia da barba, descamativas, exsudativas, pouco pruriginosas. Envolve o pelo e a pele. - Agente: Trichophyton sp. Diagnóstico: - Exame direto: NaOH 4% ou KOH 10%. Observa-se hifas septadas e artroconídios; - Cultivo em Sabouraud. Observa-se o aspecto das colônias e os macroconídios característicos de cada gênero; - Para os pelos: exame com lâmpada de Wood (UV). Observa-se fluorescência à irradiação ultravioleta; Tratamento: - Tópico: derivados imidazólicos por até 3 semanas após o desaparecimento dos sintomas para as lesões de pele. - Sistêmico: griseofulvina. Para as lesões de couro cabeludo e unhas. Micoses Sistêmicas (Paracoccidioidomicose) Existem 4 tipos de micoses sistêmicas, todas causadas por fungos geofílicos, ou seja, não fazem parte da microbiota humana: - Histoplasma capsulatum = histoplasmose; - Blastomyces dermatides = blastomicose; - Paracoccidioides brasiliensis = paracoccidioidomicose; - Coccidioides immitis = coccidioidomicose. A paracoccidioidomicose é a mais prevalente no Brasil, com cerca de 10 milhões de infectados nas Américas. Apenas 2% destes desenvolvem a doença; Os estados mais endêmicos são nordestinos, com cerca de 1 a 3 casos para cada 100.000 habitantes; O agente etiológico é uma fungo dimórfico, que se apresenta sobre a forma filamentosa (no ambiente) e sobre a forma de levedura (aparece com vários pontos de brotamento importantes para o diagnóstico laboratorial, se desenvolvendo por essa forma – levedura – no ser humano); A forma filamentosa apresenta 1,3,α glucana, um polissacarídeo que inicia a reação inflamatória no homem e está relacionada com a virulência do fungo; O fungo se reproduz de forma assexuada, por brotamento. Fatores de risco: - Atividades relacionadas ao manejo do solo (terraplanagem, atividades agrícolas, etc.); - Alcoolismo (impede a ativação de macrófagos); - Aspectos genéticos. As manifestações clínicas dependem muito da resposta imune do hospedeiro e da patogenicidade do fungo infectante. Disseminação fúngica: os conídeos fúngicos são inalados e se instalam no tecido alveolar, se desenvolvendo sob a forma de leveduras. As leveduras são internalizadas nos macrófagos (mediada por receptores) e dentro da vesícula fagocítica, se reproduzem. Em função do contato, os macrófagos, sensibilizados, liberam agentes quimiotáticos que irão mediar a inflamação (neutrófilos, linfócitos T e mais macrófagos vão para o tecido infectado), e pode ocorrer a resolução, com destruição dos fungos. Isso é o que ocorre na maioria das pessoas. Entretanto, caso o sistema imune esteja deprimido por alguma causa e não consiga resolver a infecção, esses fungos (no interior do macrófagos) podem alcançar a circulação linfática, atingir a circulação sistêmica e infectar outros tecidos (principalmente mucosos), podendo permanecer por 10 a 30 anos no tecido, para que então se inicie o surgimento de lesões que muitas vezes levam a desfiguração. Além disso, granulomas são formados nos pulmões como resultado de uma inflamação crônica, levando a distúrbios pulmonares (tosse seca, dispnéia, etc.). - Não se sabe ao certo o que faz com que a levedura inicie sua reprodução após tanto tempo quiescente (10 a 30 anos). - Outros tecidos, que não mucosos, como fígado, baço, suprarrenais, ossos e linfonodos podem também serem infectados. Porém em menor proporção. Obs.: Os macrófagos ativados ativam as células do sistema imunitário iniciando a inflamação. Células importantes nesse processo são as NK, que quando ativadas, liberam a citocina IL-12, que por sua vez ativa os linfócitos T, estimulando-os a liberarem INF-α, que ativa ainda mais macrófagos e inibe a replicação do fungo no interior dos mesmos. Diagnóstico: - Demonstração microscópica do agente etiológico (exame a fresco, biópsia ou exame anatomopatológico); - Isolamento do fungo através do cultivo de material clínico; - Técnicas sorológicas (anticorpos). Tratamento: - 3 a 9 meses de tratamento, podendo chegar a 1 ano, seguida de terapia de manutenção; - Sulfonamidas: sulfadiazina, co-trimoxazol (Sulfametoxazol- trimetoprim). Para formas leves a moderadas; - Derivados triazólicos de 3ª geração (Itraconazol e Fluconazol); - Derivados triazólicos de 2ª geração (Voriconazol, Posaconazol e Ravuconazol); - Para as formas graves ou disseminadas utilizar Anfotericina B convencional (1mg/Kg). Esse medicamento interage com o colesterol da membrana celular – toxicidade. Critérios de cura: - Clínicos: Desaparecimento dos sinais e sintomas da doença; - Radiológicos: Estabilização do padrão radiológico do pulmão (duas radiografias com intervalo de três meses); - Imunológicos: Negativação dos títulos de anticorpos anti-PB (amostras de soro coletadas com intervalo de seis meses).