A INADEQUAÇÃO DO MODELO DA INTEGRAÇÃO DO METRÔ DO RECIFE NA OPERAÇÃO DO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO DE PASSAGEIROS DA REGIÃO METROPOLITANA Claudia Guerra Oliveira da Costa Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – Universidade Federal de Pernambuco Enilson Medeiros dos Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte RESUMO A gestão do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife –STPP/RMR, exercida pelo Consórcio “Grande Recife”, considera como operadores apenas as empresas concessionárias e permissionárias dos serviços de ônibus: para elas, por serem empresas privadas, valem as questões de equilíbrio econômico-financeiro do contrato na definição das tarifas. A CBTU, operadora do metrô, relaciona-se com o Grande Recife por meio de convênio de cooperação, a ela não se aplicando a mesma lógica de um operador comum, para quem os custos operacionais são levados em conta na definição da tarifa.Descreve-se nesse trabalho que essa situação tem impelido a CBTU-metrô a prejuízo operacional em situação de degradação do serviço, evidenciado pelo elevado índice de quebras, insegurança nas estações e falta de investimento,dentre outros problemas.Será verificada assim, no atual modelo de gestão, clara inadequação à busca da prestação de um serviço adequado, acarretando prejuízos à população. ABSTRACT The management of the Passenger Public Transportation System of the Metropolitan Region of Recife – STPP/RMR, performed by the Consortium “Grande Recife”, considers as operators just concessionaires and licensees bus companies: being private companies the principle of economic and financial equilibrium of contracts applies to fare setting. The Brazilian Urban Train Company – CBTU-metro subway operator, on the other hand, relates to “Grande Recife” through a cooperation agreement, not submitting to the same logic of a common operator whose operating costs are taken in account in fare policy. In this paper, we argument that this situation is driving CBTU-Recife to a situation of service degradation, with the observable evidences of high rate of service failures, insecurity in stations and lack of investment, among other problems. A situation that derives from a management model not compatible with the search for providing adequate services to users, meaning huge losses in quality of life for the population. 1. INTRODUÇÃO A instituição do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife – STPP/RMR e a criação da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos EMTU/Recife na década de 80 podem ser consideradas o marco histórico e regulatório moderno dos transportes públicos de passageiros na Região Metropolitana do Recife, que inseriu a EMTU/Recife no cenário institucional para exercer, de forma pioneira no Brasil, as funções de gerenciamento e de regulação metropolitana e criou, ao longo dos anos, instrumentos inovadores de gestão. (COSTA, 2012, p. 119) Com a implantação do metrô do Recife, logo após, através da criação da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, e sua entrada em operação em 1985, o Recife passou a contar com outro modal de transporte que passou a operar de forma articulada ao sistema de ônibus e de forma integrada, com a criação do Sistema Estrutural Integrado – SEI oferecendo à população maiores opções de deslocamentos com o pagamento de uma única tarifa. Ocorre que ao órgão gestor cabe garantir ao cidadão a qualidade do serviço através de uma eficiente fiscalização dos serviços, e através dos contratos de concessão essa finalidade pode ser buscada. O problema é como exigir de um operador parceiro, mas não incluído nas mesmas estruturas institucionais e de financiamento da operação, a prestação de um serviço de qualidade. Nesse trabalho, pretende-se estudar a forma de gestão dos serviços de transporte metropolitano do Recife, buscando descrever as incongruências do modelo, face às experiências de gestão internacionais de Paris e de Lisboa e propor uma forma que leve o metrô a um equilíbrio econômico da operação e a ser cobrado pelo Gestor do sistema como outro operador qualquer do STPP/RMR, conduzindo assim, de forma mais efetiva, à prestação de um serviço de transporte público de passageiros adequado na forma da lei. 2. OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE TRANSPORTE COLETIVO E A REGULAMENTAÇÃO DE SUA PRESTAÇÃO O regime contratual das concessões de serviços públicos no Brasil, a partir do século passado foi se modificando, face à implementação do sistema de tarifas como forma de remuneração,marcando o aparecimento do regime eminentemente público dessas contratações. Com a revisão da tarifa sendo ato exclusivo do poder público, houve um crescimento da intervenção estatal na prestação do serviço público concedido, o que fez com que o sistema de concessões entrasse em decréscimo. Assim sendo, a relação entre o poder concedente e o concessionário demonstrou nitidamente a necessidade de um marco regulatório que estabelecesse as regras dessa relação, conforme determinou a própria Constituição Federal quando de sua promulgação em 1988. Em seu artigo 174, a Constituição Federal dispõe que o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. E o artigo 175 determina que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Ao tratarem seu artigo 175 sobre a prestação de serviços públicos, estabeleceu em seu parágrafo único que a lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão, os direitos dos usuários, a política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado. E assim é que, com vistas a regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal foi editada a Lei nº. 8.987,de 13 de fevereiro de 1995 - Lei de Concessões –que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, passando a ser o instrumento legal de referencia para a gestão da prestação dos serviços públicos pelas empresas públicas assim como das relações estabelecidas entre o poder público e o ente privado prestador do serviços públicos concedidos. A Lei de Concessões estabelece que os serviços públicos se rejem pelos seguintes princípios básicos: i)adequação do serviço ao pleno atendimento dos usuários,com regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas; ii)preservação dos direitos dos concessionários e dos usuários do serviço público; iii) manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato; iv)exercício das funções do poder concedente, dentre outras, a de regulamentar o serviço concedido e fiscalizar a sua prestação; estimulo ao aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente, e; incentivo a competitividade. Tais princípios por serem de ordem pública, se aplicam indistintamente a quem presta os serviços públicos quer seja através de empresa pública criada para tal fim, representando a forma direta de prestação pelo poder público prevista na própria constituição federal em seu artigo 175, quer como por operadores privados na forma de permissionários e concessionários e, selecionados mediante prévio processo licitatório. No caso do STPP/RMR, não é o que se verifica na prática no modelo de gestão atual da prestação do serviço de transporte público coletivo de passageiros. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, empresa pública responsável pelo metrô, através da Superintendência Regional de Trens Urbanos do Recife – STU-REC, opera no âmbito da Região Metropolitana do Recife transportando uma média de passageiros de 344.327 por dia útil, nas linhas do sistema elétrico dos quais 193.483 de forma integrada ao SEI, totalizando 8.843.857 passageiros transportados por mês, dos quais5.016.485 de forma integrada ao SEI, e sob a jurisdição do CTM. Muito embora, representando este quantitativo de passageiros transportados no STPP/RMR, sob o ponto de vista institucional, na prática, não tem sobre si a aplicação dos regramentos relativos à fiscalização, avaliação de desempenho operacional, nem política tarifária aplicada às demais empresas operadoras privadas do STPP/RMR, permissionárias e ora concessionárias, em detrimento do disposto no RTPP/RMR e das disposições da Lei nº. 12.235, de 24 de maio de 2007, que criou o CTM, como se verá adiante. 3.O SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO DE PASSAGEIROS DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE – STPP/RMR O STPP/RMR foi criado pela Lei Estadual – PE nº. 8.043, de 19 de novembro de 1979, e atribuídos à EMTU/Recife competência e poderes para disciplinar, delegar e fiscalizar a operação e a exploração dos serviços de transporte público de passageiros, além das competências técnicas de controlar o desempenho dos operadores, propor e executar a política tarifária, gerir a receita e definir a sistemática de remuneração dos operadores e promover a efetivação das diretrizes, condições e normas gerais relativas ao STPP/RMR. Não se pode deixar de observar que embora o Poder Público, por intermédio do CTM, tenha promovido licitação das linhas do STPP/RMR, para concessão da prestação dos serviços de transporte público coletivo de passageiros por ônibus e, portanto, estando a operação do referido sistema sob a responsabilidade contratual de empresas privadas individualmente ou consorciadas, o metrô e os trens do subúrbio, sob a responsabilidade da CBTU, devem ser considerados igualmente operadores do sistema. 4. O MODELO ATUAL DE GESTÃO DO STPP/RMR Concebido pela EMTU/Recife, o STPP/RMR, conforme visto anteriormente foi gerenciado por esta empresa por mais de 25 anos, até a sua extinção e sucessão, em 2007, pelo “Grande Recife” Consórcio de Transportes Metropolitano – CTM. Criado pela Lei Estadual nº. 13.235, de 24 de maio de 2007, que ratifica o Protocolo de Intenções celebrado entre o Estado de Pernambuco e os Municípios do Recife e de Olinda, o CTM sucedeu a EMTU/Recife para promover a gestão associada plena do STPP/RMR, com fundamento legal nos termos do Artigo 241 da Constituição Federal e da Lei Federal nº. 11.107, de 06 de abril de 2005. A gestão do STPP/RMR é de incumbência do CTM, a quem foi atribuída a política global dos serviços de transporte coletivo de passageiros da Região Metropolitana do Recife e a articulação da operação dos serviços de transporte público coletivo de passageiros, com as demais modalidades de transportes urbanos municipais e regionais. E assim o CTM tem jurisdição sobre todos os sistemas, serviços e modais integrantes do STPP/RMR, tendo como um de seus objetivos promover a eficiência e o equilíbrio econômicofinanceiro do sistema, assegurar que os serviços sejam prestados de acordo com parâmetros adequados de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia e modicidade de tarifas, segundo dispõem os artigos 3º. e 10, II do RTPP/RMR (Fonte: Consórcio Grande Recife) . Cabe ainda ao CTM de conformidade com as disposições contidas no Protocolo de Intenções para constituição do CTM, firmado pelo Poder Concedente, notadamente em suas cláusulas que tratam dos objetivos e atribuições do CTM, e de acordo com os regramentos contidos no RTPP/RMR antes referido, gerenciar o sistema de compensação de receitas e para a consecução de suas atribuições, celebrar contratos ou quaisquer outros instrumentos jurídicos com qualquer órgão responsável pela gestão e operação do sistema metro-ferroviário de passageiros na RMR. (Cláusula 7ª., item 7.1, incisos I a V e Cláusula 8ª. Incisos I, III e XII, item 8.2, inciso VIII do Protocolo de Intenções e Artigos 7º. I a IX, 8º.,caput,10, VII, 11, I e VII e 12, I e IX do RTPP/RMR.). Entretanto, o CTM exerce as suas atribuições institucionais de gestão relativamente às concessionárias e permissionárias do STPP/RMR,ora licitado na forma da lei e parcialmente contratualizado e dessa forma se relaciona com os mesmos, nos termos como dispõe o RTPP/RMR e as demais normas aplicáveis. Neste relacionamento de concedente e concessionários que se estabeleceu após a licitação com o contrato, para estes, por serem empresas privadas, se aplicam os regramentos deste órgão regulador e têm protegido o equilíbrio econômico financeiro do contrato, na definição das tarifas, tendo os seus custos operacionais levados em conta em sua formulação.São da mesma forma, fiscalizados na execução do contrato de concessão e avaliados em seu desempenho operacional na forma e condições preestabelecida no Manual de Operações vigente. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU/STU-REC, empresa responsável pela operação do metrô, relaciona-se institucionalmente com o Grande Recife, gestor do STPP/RMR, apenas através de convênio de cooperação técnica, no que se refere ao recebimento dos valores relativos aos passageiros transportados através do SEI. Não obstante, a CBTU/STU-REC ocupa uma cadeira como membro do Conselho Superior de Transporte Metropolitano – CSTM, participando assim do exercício de suas atribuições que consistem em “apreciar e fixar políticas e diretrizes aplicáveis ao STPP/RMR, no que concerne à estrutura tarifária, implementar às diretrizes, condições e normas gerais do Conselho Deliberativo da RMR, relativas ao Sistema de Transporte Público de Passageiros – STPP/RMR, propor políticas e diretrizes gerais de atuação do CTM, antiga EMTU/Recife, no que concerne ao transporte urbano da RMR, opinar sobre os programas de trabalho e acompanhar o desempenho do Grande Recife Consórcio de Transporte, aprovar as normas e padrões de serviços relativos ao STPP/RMR e promover a integração das atividades e serviços desenvolvidos pelos Órgão e Entidades que integram, bem como a articulação com outros componentes do poder jurídico direta ou indiretamente relacionados como o Sistema de Transporte” (Fonte: Consórcio Grande Recife) . Sob o aspecto regulatório, não se submete à mesma lógica de um operador comum, e, por conseguinte, não tem seu desempenho operacional avaliado e nem fiscalizado, embora, como dito, esteja sob jurisdição e competência institucional daquele órgão gestor. Senão em descompasso com as finalidades institucionais do CTM, tal situação ocorre ainda em detrimento do disposto na Lei nº.12.587, de 03 de janeiro de 2012 que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e que define o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana como o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas e tem como objetivo a integração entre os diferentes modos de transporte e define o transporte urbano como o conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades. Essa situação tem contribuído significativamente no âmbito do STPP/RMR no que se refere a oferecer um serviço não adequado relativamente aos parâmetros legais e regulamentares estabelecidos, notadamente no que diz respeito à gestão do serviço sob o aspecto da intermodalidade. De um lado, as empresas concessionárias voltadas a cumprir as cláusulas e condições estabelecidas contratualmente e do outro, o metrô que de forma integrada ao modal ônibus, presta o serviço com prejuízo operacional e em situação de degradação do serviço, demonstrando assim, a inadequação do modelo ora adotado, em comparação a outros modelos, conforme se verá adiante. 5. OS MODELOS INTERNACIONAIS DE GESTÃO DA INTERMODALIDADE: OS CASOS DE LISBOA E PARIS Dentre as várias experiências internacionais de gestão de Sistemas de Transportes Metropolitanos destaca-se neste contexto e em vista do objeto deste estudo, os casos de Paris e Lisboa, a seguir apresentados. 5.1. O Sistema de Transporte Público Coletivo de Passageiros de Lisboa O modelo português apresenta uma forma diferente da nossa relativamente à gestão da operação do sistema de transporte público de passageiros em Lisboa, que desde a década de 70 naquela cidade, o sistema é operado pelas empresas Carris de Ferro de Lisboa S.A. e pelo Metropolitano de Lisboa – E.P.E., mediante concessão outorgada através do Decreto-lei nº. 688, de 21 de dezembro de 1973, alterado pelos Decretos-leis nº.s. 300, de 20 de junho de 1975 e 485, de 30 de dezembro de 1988. Em 2007, foi editado o Regulamento (CE) nº. 1370, de 23 de outubro de 2007 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, apresentando como fundamentos, dentre outros: “ 4. os principais objectivos do Livro Branco da Comissão intitulado ‘A política européia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções’, de 12 de setembro de 2001, são garantir serviços de transporte de passageiros seguros, eficazes e de elevada qualidade, graças a uma concorrência regulada que garanta também a transparência e o desempenho dos serviços públicos de transporte de passageiros, tendo em conta os fatores sociais, ambientais e de desenvolvimento regional, ou oferecer condições tarifárias específicas para certas categorias de passageiros, como os pensionistas, e eliminar as disparidades entre empresas de transporte de diferentes EstadosMembros susceptíveis de falsear substancialmente as condições de concorrência.” Dito regulamento quando de sua edição, estabeleceu, para a prestação desse serviço público um regime de concorrência regulada, quando possibilitou a abertura do mercado europeu para outros operadores interessados, amparando-se no Princípio da Reciprocidade, independentemente desses serviços serem prestados por operadores públicos ou privados. Ocorre que aconteceram várias alterações na prestação do serviço público de transporte, tendo sido aprovado em 2011 através da Resolução do Conselho de Ministros nº. 45, de 10 de novembro, o denominado “Plano Estratégico dos Transportes – PET, para o período de 20112015”, o qual estabelecia medidas de reestruturação das empresas até então prestadoras dos serviços públicos de transporte de passageiros – a Carris S.A. e a E.P.E - Metropolitano de Lisboa – objetivando uma melhoria na prestação de tais serviços e a garantia do acesso de todos e a busca por uma maior eficiência, mantida a regulação e a coordenação por parte do Estado. No curso de tais transformações, é que, constatada a falta de um quadro jurídico que as amparasse de forma mais efetiva em termos de uma regulação mais atualizada, foi então editado o Decreto-lei nº. 174, de 05 de dezembro de 2014, (Publicado no Diário da República – 1ª. Série - nº. 236, em 05.12.2014) que estabeleceu o regime geral para a concessão de serviço público, com vistas a fazer com que a atividade fosse prestada de forma mais adequada à qualidade exigida para um serviço público de relevância para a população na cidade de Lisboa. Reza citado decreto-lei que: Artigo 1º. Objeto – O presente decreto-lei estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A. (Carris, S.A). No que se refere à sua abrangência territorial relativamente à concessão que mantém em regime de exclusividade, de conformidade com o disposto no Artigo 2º. do decreto em apreço, tem-se que: Art. 2º. ... 2 – A concessão atribuída à Carris S.A. tem por objeto a prestação de atividades e serviços que incidem, a título principal, no transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, utilizando-se, atualmente, autocarros, carros elétricos, ascensores mecânicos e um elevador. E quanto às obrigações da concessionária encontram-se estabelecidos no artigo 4º. do citado decreto-lei, dentre outras, a de assegurar a continuidade e a regularidade do serviço público que se propõe a prestar, a segurança dos passageiros, além da observância das regras relativas à acessibilidade. E ao Poder Público por sua vez, na qualidade de concedente, compete fixar as tarifas, intervir na prestação do serviço quando detectada a sua inadequação, garantir o equilíbrio econômico financeiro do contrato, aplicar penalidades decorrentes do descumprimento dos regulamentos e de cláusulas contratuais, atuando com estrita observância das regras estabelecidas no Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18, de 29 de janeiro de 2008. Como se pode denotar, os regramentos do sistema de transporte público de passageiros de Lisboa, representados pelo Decreto-lei nº. 174 de 05 de dezembro de 2014, antes citado, contemplam a prestação do serviço público como um todo, envolvendo todos os seus modos, figurando o poder público como concedente e regulador da atividade, a quem compete: Artigo 5º. Poderes gerais do concedente: Sem prejuízo do que se encontre previsto na lei e do que resulte do contrato de concessão, o Estado, na qualidade de concedente, detém os seguintes poderes gerais: a) b) c) d) e) Estabelecer as tarifas mínimas e máximas pela utilização do serviço público; Seqüestrar ou resgatar a concessão; Atribuir prestações econômico-financeiras à concessionária; Aplicar as sanções pecuniárias ou outras previstas no contrato de concessão; Exigir a partilha equitativa do acréscimo de benefícios financeiros, nos termos do disposto no artigo 341º. Do Código dos Contratos Públicos. Dessa forma, denota-se que há por parte do Poder Concedente, ou seja, o Estado, a obrigação com a regulação do serviço público concedido, a quem compete estabelecer as regras de sua prestação, escolher o operador privado, acompanhar e fiscalizar a prestação do serviço, inserindo-se nesse contexto, todos os modos de transporte existentes na cidade de Lisboa e que com eles operem de forma integrada, tornando, dessa forma, a atividade concedida mais propícia a ser prestada de forma adequada. 5.2. O Sistema de Transporte Público de passageiros da Região Metropolitana de Paris O Sistema de Transporte Público coletivo de passageiros da Região Metropolitana de Paris por sua vez, é gerenciado pelo Syndicat des Transports d’Îlede-France (STIF), responsável pelo transporte público na região de Paris e pela implementação das decisões advindas das autoridades locais no seu Conselho de Administração. Tais decisões decorrem do atendimento às demandas das comunidades locais relativamente ao serviço público prestado pelas empresas operadoras RATP, SNCF e OPTILE, no sentido de obterem serviço eficiente e integrado em toda a sua jurisdição, que é a Île-de-France. O sistema de transporte público coletivo de passageiros da Île-de-France no centro de Paris é utilizado pela maioria da população em seus deslocamentos diários, sendo menos utilizado nos subúrbios, onde prevalece o transporte particular em detrimento do transporte público em razão de ser menor a oferta de conexões. O sistema de metrô opera dentro da cidade de Paris e chega a atender a alguns pontos do anel interno da Île-de-France e tem a preferência de 71% dos parisienses que se utilizam do transporte público para se deslocar, caindo esse percentual para 53% dentre aqueles que utilizam o transporte público nos subúrbios(BRAGA,2014). A RER (Rede Expressa Regional) é um sistema de trânsito rápido que serve a Paris e seus subúrbios, promovendo a integração entre o moderno metrô no centro da cidade e um conjunto preexistente de linhas de trens urbanos (CT/BUS, 2013a), tendo a preferência de utilização por 20% dos parisienses. Esse sistema possibilita uma grande variedade de conexões entre a cidade de Paris e os subúrbios. A RER é um meio de transporte radial, muito eficiente para viagens partindo dos subúrbios com destino a Paris, mas ineficiente quando se trata de viagens entre subúrbios (CT/BUS, 2013a), sendo, nesse sentido, preferido por 53% da população em relação ao metro e ao ônibus (BRAGA,2014). Como outro modo de transporte integrante do STPCP, o Transilien é o trem de subúrbio que opera na região de Île-de-France e cuja propriedade é do órgão SNCF (CT/BUS, 2013a). Tem a preferência de 90% dos que se utilizam de transporte público nos subúrbios mais distantes (BRAGA, 2014). O Bonde (Tramway) é um modo único de transportes, operando no nível da rua com linhas de uso exclusivo e oferecendo a velocidade e confiança de um metrô e o conforto de um ônibus (CT/BUS, 2013a). Esse modo opera no coração das cidades, onde oferecem serviços mais próximos das necessidades locais das pessoas e se conectam com o metrô, a RER e a rede de ônibus, promovendo assim uma melhor integração multimodal. Outra característica importante dos bondes é o atendimento às necessidades de viagens dos subúrbios com relação ao coração da cidade, reduzindo principalmente os tempos de viagens dos usuários (BRAGA,2014). Por fim, o ônibus urbano e suburbano, teve a sua rede de Paris desenvolvida em 1906 para atender de forma complementar ao metrô, prestando um serviço de alimentação para as linhas de trem (CT/BUS, 2013a). A cidade de Paris e seus subúrbios são servidos por 347 linhas de ônibus da RATP sendo utilizadas por aqueles que preferem este modo de transporte apenas 16% da população frente ao metro (20%) e ao trem (53%) no subúrbio (BRAGA,2014). Dentre os modais existentes em operação, no que se refere à preferência entre os mesmos, dos parisienses que recorrem ao transporte público, 71% utilizam o metrô e 20% o trem. Nos subúrbios, dos habitantes que utilizam o transporte público, 53% preferem o trem, 16%, metrô e para os subúrbios mais distantes, 90% dos que utilizam o transporte público preferem o trem, sendo o ônibus mais utilizado para as viagens internas ao subúrbio (BRAGA,2014). Portanto, o Sistema de Transporte Público Coletivo da Região Metropolitana de Paris - STPCP é composto pelos seguintes modos: o metrô, a rede expressa regional (RER), o trem de subúrbio (Transilien), o bonde elétrico (Tramway), o táxi aquático (Voguéo) e o sistema rodoviário e pela sua característica própria de forte integração entre os modais, possibilita deslocamentos na área metropolitana e entre os municípios, acabando por constituir-se em um sistema único de transporte, com intermodalidade cuja gestão compete ao Syndicat des Transports d’Îlede-France (STIF). 6. UMA AVALIAÇÃO DO ATUAL MODELO DE GESTÃO DO STPP/RMR FACE AOS MODELOS DE GESTÃO DA INTERMODALIDADE DE PARIS E LISBOA Considerando as experiências internacionais citadas trazidas a lume neste trabalho e o modelo adotado no STPP/RMR denota-se uma segregação na gestão do serviço sob o ponto de vista econômico-financeiro, de fiscalização e de avaliação de desempenho operacional relativamente ao metrô e aos operadores privados concessionários contratados, não levando em conta a intermodalidade na prestação dos serviços no âmbito da Região Metropolitana do Recife cuja criação deveu-se a uma necessidade premente da população, constatada através de estudos técnicos aprofundados e efetuados na década de 80. O metrô do Recife foi implementado a partir do Projeto do Metropolitano do Recife, elaborado em 1982 pela Empresa Brasileira dos Transportes Urbanos – EBTU, que constituiu inicialmente o METROREC – Consórcio do Trem Metropolitano do Recife formado entre EBTU e a REDE Ferroviária Federal S.A.- RFFSA, sendo, posteriormente, em 22 de fevereiro de 1984, através do Decreto nº 89.396, criada a CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos com o objetivo de operar os sistemas de transportes sobre trilhos nas áreas urbanas brasileiras. (ELY et al, 1985). Na concepção do sistema de transporte que se pretendeu implantar, que teve como princípio buscar solução para as regiões metropolitanas que tivessem problemas mais significativos com o transporte urbano, a EBTU identificou as cidades de Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, criando assim, as empresas DEMETRO, TRENSURB e METROREC, respectivamente, como os órgãos institucionalmente encarregados para tal implementação. De conformidade com o Projeto do Metropolitano do Recife, (1985, p. 9), “a EBTU, no gerenciamento da implantação dos metrôs de Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, objetivou atingir de forma gradual uma adequada interação entre os modos de transporte de massa e os demais sistemas.” Destaque-se que, um salto de qualidade e modernidade operacional foi dado na RMR, com a implantação, em 1994, do Sistema Estrutural Integrado, o SEI, e continua em expansão, permitindo uma integração entre os modos de transporte por ônibus e metrô, por intermédio de terminais especialmente construídos para essa finalidade. Esse Sistema Operacional é constituído por eixos radiais e perimetrais cujos cruzamentos se dão nos Terminais de Integração, o que permite aos usuários a troca de linhas sem pagar nova tarifa. (COSTA, 2012, p.120) Pela sua própria definição, o SEI é uma rede de transporte público composta de linhas de ônibus e metrô integradas por intermédio de terminais especialmente construídos com essa finalidade, possibilitando uma multiplicidade de ligações de origem-destino, através de viagens modais ou multimodais (Artigo 33, Parágrafo 2º. do RTPP/RMR). Entretanto, mesmo com tal dispositivo considerando expressamente o metro como operador do sistema na qualidade de modal que integra o SEI, na prática, não se encontra inserido totalmente no contexto da gestão e fiscalização operacionais e tarifárias do STPP/RMR, demonstrando inadequação da prática aos regramentos estabelecidos. Ainda mais, convém salientar que dentro das principais funções do CTM enquanto órgão gestor do STPP/RMR, encontra-se: “Planejar e gerir o Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STTP/RMR), assegurando a qualidade e a universalidade dos serviços”, para tanto, promovendo, dentre outros, o “fortalecimento da gestão metropolitana”,com vistas ainda, a promoção de reforma operacional para, dentre outras, uma “maior sustentabilidade financeira com responsabilidade social” e “melhoria na eficiência e qualidade dos serviços de transporte na RMR” e por fim dentro desse propósito de exemplificação, através da licitação das linhas do STPP/RMR, e contratualização da prestação dos serviços, promover “incentivos a melhores práticas gerenciais – melhor serviço para os usuários”. (Fonte:Consórcio Grande Recife) . Como visto anteriormente nas duas experiências de modelos internacionais de gestão de transporte coletivo público de passageiros, nas cidades de Lisboa e de Paris, grandes centros metropolitanos, além das atribuições gerenciais dos órgãos responsáveis envolverem as questões de ordem operacional, fiscalizatória, regulatória e tarifária, não diferente da nossa realidade institucional, há a convivência de vários modais de transporte, que prestam o serviço público de forma integrada e conjugada, tanto por empresas públicas diretamente, quanto por operadores privados selecionados e contratados, mediante uma gestão unificada e centrada quando às deliberações operacionais e econômico-financeiras da atividade. Assim, não é à toa que nesses grandes centros, a capacidade de atendimento à população no cotidiano e aos usuários eventuais como da classe turística, se consolidou como um modelo consistente e vem ao longo dos anos se aperfeiçoando na medida em que passa a agregar novos instrumentos à prestação dos serviços, a exemplo da utilização de informações on line, disponibilização de wi fi , dentre outros, isso apenas sob o aspecto operacional de comunicação, sem referência à atualização dos equipamentos utilizados com a absorção de novas tecnologias aos sistemas. Não há, portanto, diante do que foi apresentado das experiências internacionais de operação e gestão bem sucedidas, como não identificar a inadequação do nosso modelo na busca de uma prestação de serviço de transporte público coletivo de passageiros adequado na forma da lei, ainda mais, por se tratar de um serviço essencial conforme é definido no artigo 30, inciso V da própria Constituição Federal de 1988. 7. CONCLUSÃO A partir de uma análise comparativa entre os sistemas de gestão em situação de multimodalidade de Lisboa e de Paris, abstraindo-se qualquer avaliação sob o ponto de vista político e discricionário que porventura existam nesse contexto, se extrai a possibilidade do exercício da gestão eficiente do serviço de transporte a partir da conjugação dos modais envolvidos, e evidencia-se a inadequação do modelo atual vivenciado no STPP-RMR. Para tanto, e dentro do contexto regulatório vigente e aplicável ao STPP/RMR sob a responsabilidade do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano,há a possibilidade de uma revisão no atual modelo de gestão para que este órgão gestor possa no exercício de suas atribuições legais, articular a operação dos serviços de transporte público coletivo de passageiros na RMR,com as demais modalidades dos transportes urbanos municipais ou regionais. E assim, como pode ser visto a intermodalidade submetida aos mesmos regramentos de forma isonômica, possibilita a prestação de um serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, com regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade de tarifas,cumprindo assim o Estado o seu papel institucional na promoção e defesa do interesse público. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Aneliza de Souza. (2014). Analise do Processo de Gestão de Sistema de Transporte Publico Coletivo de Regiões Metropolitanas: Estudo dos casos de Recife e Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Geotecnia e Transportes) - UFMG. Belo Horizonte, 26 de Fevereiro de 2014 BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Código 4 em 1 Saraiva. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2016. BRASIL. DOULei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Disponível em:<http://www.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 7 de Junho de 2016. BRASIL. 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