A Igreja na Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II Convém relembrar, desde já, que a oportunidade desta reflexão sobre a Igreja tem a ver com a celebração dos 500 anos da Catedral a 18 de Outubro de 2017. É uma ocasião para meditarmos sobre a Igreja que somos e caminharmos conscientes do que nos une e constitui a nossa missão comum. O texto de referência é aqui a constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, no qual encontramos todos os elementos constitutivos da Igreja: A sua razão de ser fundada no mistério de Cristo, a sua identidade ao mesmo tempo histórica e trans-histórica, a sua missão. Não podemos olhar para a Igreja de um ponto de vista externo como alguém que estivesse a ver uma paisagem com muitos contrastes. A Igreja para nós háde ser entendida com o olhar da fé porque só através dele podemos entrar com maior profundidade e com maior verdade no que constitui o seu mistério cuja fonte é divina. Deixemos as análises sociológicas que ignoram sempre o essencial e assimilam a Igreja a uma sociedade entre muitas outras, reduzem a credibilidade aos números e julgam a partir das ideias dominantes de cada época. Não é vão escutar o que dizem estas observações externas mas não são elas que ditam a missão do cristão; não são elas que avaliam a vitalidade da vida da Igreja. Sobretudo não nos deixemos vencer pelo pessimismo, feito exclusivamente de lamentações. Nós sabemos, graças ao Evangelho, que o Espírito Santo, apesar das nossas múltiplas infidelidades, continua a agir profundamente na vida da Igreja para a manter fiel a Jesus Cristo. Os Padres da Igreja compararam a Igreja a uma barca que navega nos mares tempestuosos da história e, embora sempre ameaçada de naufrágio porque os males do homem também entram nela, ela permanece firme graças à força divina que a conduz. Cristo continua dar-nos a sua paz. Podemos olhar para o Concílio Vaticano II e em especial para a sua Constituição sobre a Igreja como uma descoberta renovada da tradição da Igreja, preparada pelo trabalho de investigação das fontes da tradição, da renovação litúrgica e do dinamismo da vida cristã que aconteceu muito antes do Concílio. Não é a ruptura com a época anterior ao Concílio mas a fidelidade à permanente novidade da fé que acabou por prevalecer. O Concílio «pediu-nos uma ‘abertura ao mundo’ (ainda que, salvo erro, a fórmula não seja conciliar), ou seja em primeiro lugar uma estima sincera e uma simpatia profunda por tudo o que há de grande e de belo no homem, criado à imagem de Deus, e nas suas obras; fiel ao Evangelho, ele afastou toda a limitação tímida da Igreja sobre si mesma, todo o endurecimento pessimista que lhe daria a semelhança duma seita; ele não temeu afirmar que ela tem necessidade do mundo para realizar a sua missão. Mas, como o Evangelho, o Concílio lembrou-nos fortemente que este mundo é atribulado pelo pecado, que o cristão deve enfrentar nele um ‘combate’ duro (em primeiro lugar contra si mesmo), e exortou-nos com são Paulo a ‘não modelar-nos segundo o mundo presente’ onde reina ‘um espírito de vaidade e de malícia’ » (Henri de Lubac, Entretien autour de Vatican II, souvenirs et réflexions, p. 119). Sabemos que houve no Concílio a vontade de renovar a vida da Igreja mas para uma maior fidelidade ao Evangelho e à tradição da fé. É verdade que os esquemas preparatórios da Constituição sobre a Igreja foram deixados de lado pela assembleia conciliar e foram completamente refeitos em novos moldes. Optou-se por considerar em primeiro lugar o mistério da Igreja à luz da Escritura, e só depois por analisar a Igreja como instituição. Também o capítulo sobre o povo de Deus foi situado antes de todas as considerações sobre a hierarquia da Igreja para dar a entender que todos os crentes, qualquer que seja a sua missão na Igreja, fazem parte do povo de Deus em comunhão. Na mesma linha, foi a apresentada a vocação de todos à santidade, radicada no próprio baptismo e entendida como configuração com Cristo. A missão da Igreja foi vista do mesmo modo não como um sector específico no seu seio, fruto dum mandato recebido mas, de maneira mais profunda, lançando as suas raízes no baptismo. Assim, cada cristão é chamado a ser missionário. Essa é mesmo a condição para viver a fé que é fundamentalmente um testemunho de vida. Enfim, a Igreja foi compreendida na história como peregrina a caminho da eternidade (dimensão escatológica da Igreja), uma eternidade que já está no presente da sua vida e prepara-a para a plenitude na comunhão com o Pai. Maria, porque é imagem de Cristo, anuncia já esta plenitude e por isso ela é o membro mais eminente da Igreja. 1- A Igreja, sacramento de Cristo, ícone da Trindade A constituição Lumen gentium diz que a luz dos povos é Cristo e que a missão da Igreja é ser, em Cristo, «como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» LG1. A Igreja é chamada a ser a grande testemunha de Cristo para o mundo. Ela vive inteiramente voltada para Cristo para poder viver dele e levá-lo aos outros. Ela descobre em Cristo a razão de ser de toda a sua vida e da sua missão. Ela «é um mistério, ou seja, igualmente, um sacramento. ‘Lugar total dos sacramentos cristãos’, ela é em si mesma o grande sacramento, que contém e vivifica todos os outros. Ela é na terra o sacramento de Jesus Cristo, como Jesus Cristo em si mesmo é para nós, na sua humanidade, o sacramento de Deus». Ela tem por fim mostrar-nos Cristo, conduzir-nos até Ele, comunicar-nos a sua graça; em resumo, ela não existe senão para pôr-nos em relação com Ele. Porque Cristo nos revela o Pai e a sua bondade - Ele é mesmo o rosto do Pai – também a Igreja tem a missão de mostrar que tudo parte do amor do Pai que pelo Filho e o seu Espírito, age no mundo tendo em vista formar o seu povo, um povo de filhos, uma única família. A Igreja é chamada a ser à imagem de Deus, ícone do mistério trinitário, já neste mundo e na eternidade. Estamos aqui longe duma ideia puramente funcional da Igreja, como se a sua missão se pudesse separar do seu ser mais profundo, o que acontece com qualquer instituição ao serviço duma causa que lhe é exterior. Pelo contrário, ser sinal ou sacramento de Jesus Cristo é ser inserido plenamente na vida da Igreja, no conjunto dos seus sinais sacramentais, na sua caridade, na sua missão. Se não se pode ser cristão sem Cristo, também não se pode ser cristão sem a Igreja. É verdade que a Igreja não é ainda na sua totalidade o Reino de Deus mas ela recebe como missão «anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os homens» e ser já «o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra» L.G. 6. O Concílio não apresenta uma definição da Igreja, o que seria contrário à sua realidade de sacramento de Jesus Cristo e de imagem da Trindade. Toda a definição fixa o que é por natureza relacional. A linguagem do N. T. privilegia as imagens bíblicas e a tradição mais antiga continuou a optar por estas analogias evocativas das diferentes dimensões constitutivas da Igreja. Sendo assim, Lumen Gentium privilegia três imagens inteiramente referidas ao mistério trinitário: as de povo de Deus – o Pai; Corpo de Cristo – o Filho; Templo do Espírito – o Espírito. Para além destas, há muitas outras de origem bíblica tiradas da vida pastoril ou agrícola, da construção, da família e do matrimónio. A Igreja é o redil, o rebanho de Cristo. Ela é o campo de Deus no qual Deus plantou a sua vinha eleita. Ela é a construção de Deus de que Cristo é a pedra angular, a casa de Deus na qual habita a sua família, o tabernáculo de Deus com os homens, a cidade santa, a nova Jerusalém, a nossa mãe, a esposa imaculada do cordeiro. 2- Povo de Deus e Corpo de Cristo em comunhão No início dos debates do Concílio para construir o texto sobre a Igreja, os padres conciliares partilhavam duas posições diferentes. Uns entendiam que o capítulo sobre o povo de Deus deveria preceder o capítulo sobre a hierarquia. Os outros defendiam que a referência ao povo de Deus havia de suceder o capítulo sobre a hierarquia. Foi a primeira opção que prevaleceu. Para além de evocar a relação da Igreja com o povo de Israel, o desenvolvimento sobre o povo de Deus, colocava a vocação cristã no centro da vida da Igreja, vocação fundada no Batismo. A partir daí se podiam compreender os diferentes chamamentos ao serviço da Igreja, em especial o que constitui o ministério hierárquico na Igreja. Na perspectiva abrangente do povo de Deus, Cristo é colocado no centro porque o Novo Israel é sempre a Igreja de Cristo, a Igreja que tem Cristo como cabeça. Deste modo, são inseparáveis as duas imagens da Igreja como Povo de Deus e Corpo de Cristo. Ela é um povo ordenado consoante os dons diversos do Espírito, fortalecido pelos sacramentos e de modo especial pela Eucaristia, sacramento da comunhão, e chamado à perfeição de Deus Pai. Ela é uma comunidade sacerdotal organicamente diferenciada e chamada à comunhão. Como povo de Deus, a Igreja está aberta a todos os povos e inclui na sua unidade a própria diversidade humana que é purificada, fortalecida e elevada pelo anúncio do Evangelho. A comunhão e a missão estão sempre unidas: «A todo o discípulo de Cristo incumbe o encargo de difundir a fé, segundo a própria medida» LG 17 A perspectiva abrangente do povo de Deus permite pensar a unidade e a comunhão na Igreja como uma dimensão central da sua missão. Esta unidade e comunhão são dons de Deus, dons do seu Espírito que não significam uniformização mas sim o reconhecimento de que a diversidade de dons deve contribuir para a comunhão da Igreja e para o anúncio do Evangelho. Como diz um recente documento da congregação para a doutrina da fé, a Igreja mostra-se sempre jovem quando os dons do Espírito Santo, dados a cada um, contribuem para a comunhão na vida da Igreja. Uma dessas expressões da unidade é o sentido sobrenatural da fé, dado a todo o povo de Deus (LG 12). 3- Um chamamento comum: a santidade a ser realizada na diversidade dos membros Os capítulos III e IV da Constituição Lumen Gentium são dedicados sucessivamente à análise da unidade da Igreja sob o ponto de vista do ministério dos bispos em comunhão entre si e com o Papa e à missão própria dos leigos no mundo. Uma sã colaboração tendo em vista a missão de levar o Evangelho a todos os homens e a todo o homem é pedida entre leigos e pastores, colaboração que contribui para a meta comum que é resposta pessoal e comunitária ao chamamento de todos à santidade: «Ainda que, na Igreja, nem todos sigam pelo mesmo caminho, todos são, contudo, chamados à santidade, e a todos coube a mesma fé, pela justiça de Deus» LG. 32 «Muitos bens se devem esperar destas relações confiantes entre leigos e pastores: é que assim se fortalece nos leigos o sentido da própria responsabilidade, fomenta-se o seu empenho e mais facilmente se associam nas suas energias à obra dos pastores. Estes, por sua vez, ajudados pela experiência dos leigos, tanto nas coisas espirituais como nas temporais, mais facilmente julgarão com acerto, a fim de que a Igreja inteira, com a energia de todos os seus membros, cumpra mais eficazmente a sua missão para a vida do mundo» LG 37. A perspectiva unitária do capítulo II sobre o Povo de Deus dá lugar à diversidade de ministérios e serviços concretos na vida da Igreja, nos capítulos III e IV para voltar enfim à unidade do chamamento à santidade que é uma configuração a Cristo e à sua Páscoa. A unidade da Igreja realiza-se quando cada um, com o dom que recebeu, aceita ser configurado a Cristo, mestre e imagem da santidade. Não há pois comunhão sem uma autêntica espiritualidade da vida cristã que é para todos: «Todos na Igreja, quer pertençam à hierarquia, quer sejam por ela pastoreados, são chamados à santidade, segundo a Palavra do Apóstolo: ‘esta é a vontade de Deus, a vossa santificação’». A santidade é uma assimilação a Cristo. Trata-se de ser outro Cristo, nas circunstâncias concretas de cada lugar e de cada tempo. O Concílio destaca a importância dos conselhos evangélicos para atingir com a ajuda de Deus a perfeição da caridade na qual consiste a santidade. «Na própria sociedade terrena, diz LG 40, esta santidade promove um modo de vida mais humano. Para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida em que as dá Cristo a fim de que, seguindo-o e conformados à sua imagem, obedecendo em tudo à vontade de Deus, se consagrem de toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo». 4- . O recente documento da congregação para a doutrina da fé: A Igreja rejuvenesce. Relação entre dons hierárquicos e carismáticos na Igreja. Parece-me que é a partir daqui, isto é, a partir do chamamento comum à unidade e à santidade que se deve entender o recente documento da Congregação da doutrina da fé sobre a relação entre os dons hierárquicos e carismáticos para a vida da Igreja. A oportunidade desta carta tem a ver com a diversidade de carismas que o Espírito Santo faz constantemente à Igreja e com a necessidade de discernimento destes carismas para que possam contribuir para a missão e para a comunhão de cada Igreja particular. O texto começa por apreciar esta diversidade. No trabalho imprescindível da nova evangelização, diz o texto, «é mais do que necessário reconhecer e valorizar os numerosos carismas capazes de despertar e alimentar a vida de fé do povo de Deus» (nº1). Os numerosos grupos e movimentos que surgiram na Igreja depois do Concílio são para ela uma grande fonte de renovação e de conversão pastoral e missionária. Não são apenas grupos com um fim religioso ou mesmo social mas formas renovadas de seguimento de Cristo que aprofundam a comunhão com Deus e a comunhão entre os crentes. É pois necessário apreciar, valorizar e promover todas estas «agregações» eclesiais de modo a inseri-las plenamente nas Igrejas locais e paróquias. Neste sentido, não se podem opor os dons ou carismas à Igreja enquanto instituição guiada pelo ministério pastoral. Lumen gentium fala de dons hierárquicos e carismáticos intimamente ligados ao serviço da caridade e da unidade da Igreja. Esta colaboração entre os dons diversos concedidos à Igreja significa, na sua raiz, que a acção de Cristo e a do Espírito Santo não se podem separar. O Espírito Santo conduz sempre a aprofundar o mistério de Cristo e a descobrir a permanente novidade do Evangelho. Esta cooperação mútua dos dons tendo em vista a missão da Igreja supõe a vigilância e o discernimento do Evangelho. Por isso, o recente documento acima referido propõe alguns critérios que contribuem para o reconhecimento da autenticidade dos carismas como carismas a serem vividos na Igreja: Nº 18 «a) Primado da vocação de cada cristão à santidade. Cada realidade que nasce da participação de um carisma autêntico deve ser sempre instrumento de santidade na Igreja e, consequentemente, de incremento da caridade e de autêntica tensão rumo à perfeição do amor. b) Empenho na difusão missionária do Evangelho. As realidades carismáticas autênticas são ‘presentes do Espírito integrados no corpo eclesial, atraídos para o centro que é Cristo, donde são canalizados num impulso evangelizador’. Para tal, devem realizar ‘a conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja’, manifestando um claro ‘entusiasmo missionário que as torne, sempre e cada vez mais, sujeitos de uma nova evangelização’. c) Confissão da fé católica. Cada realidade carismática deve ser um lugar de educação para a fé na sua integralidade, ‘acolhendo e proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em obediência ao Magistério da Igreja que autenticamente a interpreta’; portanto é de evitar aventurar-se ‘ultrapassando (proagon) a doutrina e a comunidade eclesial’; de facto, se ‘se deixa de permanecer nelas, não se está unido ao Deus de Jesus Cristo (cf. 2 Jo 9)’. d) Testemunho de uma comunhão ativa com toda a Igreja. Isto comporta uma ‘relação filial com o Papa, centro perpétuo e visível da unidade da Igreja universal, e com o Bispo, princípio visível e fundamento da unidade’ da Igreja particular’. Esta relação implica a ‘disponibilidade leal em aceitar os seus ensinamentos doutrinais e orientações pastorais’, assim como ‘a disponibilidade em participar nos programas e nas actividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou internacional; o empenhamento catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos’. e) Reconhecimento e estima da complementaridade recíproca de outras realidades carismáticas na Igreja. Daqui deriva também a disponibilidade para uma colaboração recíproca. De facto, ‘um sinal claro da autenticidade de um carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos. Uma verdadeira novidade, suscitada pelo Espírito, não precisa de fazer sombra sobre outras espiritualidades e dons, para se afirmar a si mesma’. f) Aceitação dos momentos de prova no discernimento dos carismas. Uma vez que o dom carismático pode possuir ‘uma dose de novidade de vida espiritual para toda a Igreja, que, num primeiro momento, pode aparentar ser incómoda’, um critério de autenticidade manifesta-se na ‘humildade em suportar os contratempos: a relação justa entre carisma genuíno, perspectiva de novidade e sofrimento interior comporta uma constante histórica de ligação entre carisma e cruz’. O aparecimento de tensões eventuais exige, por parte de todos, a prática de uma caridade maior, tendo em vista uma comunhão e unidade eclesiais cada vez mais profundas. g) Presença de frutos espirituais, tais como caridade, alegria, humanidade e paz (cf. Gal 5, 22); ‘viver ainda mais intensamente a vida da Igreja’, um zelo mais intenso pela ‘escuta e meditação da Palavra de Deus’; ‘um gosto renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao matrimónio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada’. h) Dimensão social da evangelização. É necessário reconhecer que, graças ao impulso da caridade, ‘o querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros’. Neste critério de discernimento, referido não exclusivamente às realidades laicais na Igreja, sublinha-se a necessidade de ser ‘correntes vivas de participação e de solidariedade para construir condições mais justas e fraternas no seio da sociedade’. Neste âmbito, são significativos ‘o impulso em ordem a uma presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação e animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma caridade mais generosa para com todos’. É também decisiva a referência à Doutrina social da Igreja. Em particular, ‘deriva da nossa fé em Cristo que se fez pobre, e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade’, que não pode faltar numa realidade eclesial autêntica.» 5- A Igreja vive na esperança da plena revelação de Jesus Cristo. O capítulo VII da Constituição Lumen Gentium tem como título: a índole escatológica da Igreja peregrina e a sua união com a Igreja celeste. Todo este capítulo mostra a íntima relação e ao mesmo tempo a distinção entre a Igreja peregrina que é a Igreja da terra e a Igreja celeste na qual se realiza já a comunhão mais autêntica com Deus. O carácter peregrino da Igreja terrestre é sinal de que ela vive na esperança mas está ao mesmo tempo profundamente ligada às realidades da história que não se devem absolutizar. Ela é santa mas ao mesmo tempo pecadora porque todos nós somos pecadores chamados à santidade da união com Cristo. Enquanto peregrina na história, ela permanece vigilante mas tem já o seu coração voltado para o alto, onde está Cristo e aqueles que foram configurados com Ele, os santos. A unidade e a comunhão da Igreja transcende a história mas realiza-se sacramentalmente nela. Não se pode pois separar a Igreja terrestre da Igreja celeste. A Eucaristia realiza essa unidade. «A Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus» L.G. 48. A comunhão entre os fiéis engloba e transcende a história: «De modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo, mas antes, segundo a constante fé da Igreja, é reforçada pela comunicação dos bens espirituais» nº 49. A nossa missão é a de mostrar ao mundo, nesta vasta e permanente comunhão da Igreja, o rosto vivo de Cristo. É a missão que decorre do carácter escatológico da Igreja e que constitui a maternidade da Igreja: Dar Jesus Cristo ao mundo. Essa há-de ser para cada um de nós a principal aspiração. Para isso, é preciso amar a Igreja santa e pecadora ao mesmo tempo. Maria, mãe de Jesus, pelo seu sim à palavra mostra-nos o rosto materno da Igreja chamado a estar também presente em nós quando somos testemunhas verdadeiras do Evangelho.