UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Ciência Política A Relação entre CGU e Municípios no Controle Social Eduardo Alves Lazzari e Fernando Peres Rodrigues Trabalho preparado para apresentação no V Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência Política da USP 04/05/2015 – 08/05/2015 São Paulo Abril – 2015 A RELAÇÃO ENTRE CGU E MUNICÍPIOS NO CONTROLE SOCIAL1 Eduardo Lazzari e Fernando Rodrigues O controle social tem sido amplamente almejado pela sociedade e os diversos níveis de governo têm produzido instituições para fomentá-lo. Este trabalho preocupa-se em verificar como tem ocorrido esse processo de promoção do controle social nos municípios brasileiros, quando induzido por organismos de controle. Após mais de dez anos de consolidação da CGU já existem insumos suficientes para uma avaliação inicial dos efeitos que essa decisão teve sobre a administração pública e a sociedade civil. Parte fundamental do fomento ao controle social se dá por meio do Programa Olho Vivo no Dinheiro Público. Além de entrevistas e informações obtidas via LAI, nossa análise parte de questionários enviados para os municípios entre 400 mil e um milhão de habitantes para compreender a relação entre essas cidades com a CGU e seus mecanismos de controle social. Assim, verificamos que, mesmo com ações sistemáticas, não há qualquer métrica de avaliação do impacto do fortalecimento do controle social sobre a administração pública ou a sociedade civil, tanto por parte da CGU, como dos municípios. Palavras-Chave: CGU, Controle Social, Participação, Sociedade Civil 1 Agradecemos a parceria inicial dos colegas Aldo Valentim (FGV) e Rodrigo Burgarelli (DCP-USP), bem como o incentivo do prof. Dr. Marco Antônio Teixeira (FGV). Introdução Nas definições minimalistas de democracia o termo participação se encontra presente. Entendida de diversas formas, em muitos momentos sua compreensão pode ser representada pela ideia norte-americana de checks-and-balances, ou seja, uma forma de controlar o poder para que ele não seja monopolizado. Assim, o principal controle democrático – além de instituições – seria o voto. Instrumento de escolha e responsabilização de um incumbente, ou definindo mais rigorosamente: accountability. Todavia, nas discussões mais recentes a ideia de controle democrático foi além da arena eleitoral. O conceito de accountability ganhou adjetivações para dar conta da variedade de formas que se poderia contrabalancear o poder: accountability vertical e accountability horizontal com prestações de contas em diversos sentidos (VERA; GURZA LAVALLE, 2013, O’Donnel, 1998). Mesmo com ampla conceituação, accountability social ou societal tem sido usada como sinônimo de controle social, ou seja, quando cidadãos ou organizações da sociedade são chamados pelo Estado para participar mais diretamente como um agente de controle. Deste modo, controle social tem sido amplamente almejado pela sociedade e os diversos níveis de governo têm produzido instituições para fomentá-lo. No Brasil, existem vários tipos de controles não eleitorais, como conselhos de políticas públicas, conferências, plano diretor participativo, audiências públicas, entre outros. Uma das instituições que passou a se debruçar sobre o tema foi a Controladoria Geral da União, que além de ter a responsabilidade por fiscalizar, auditar e orientar as contas do Governo Federal – atividades de controle interno -, tomou para si a função de estímulo ao controle social. Exercer controle é uma tarefa árdua. Identificar os rastros da corrupção e evitar possíveis erros de gestão, num país com dimensões e estruturas estatais amplas como o Brasil, superam as capacidades de um único órgão do governo federal. Por isso, parte das ações de estímulo ao controle social que a CGU promove visa capacitar agentes públicos e a sociedade civil para que, os primeiros, saibam disponibilizar as informações e, a sociedade tenha capacidade de interpretá-las. Na esteira dessa frente de atuação da CGU, o presente trabalho visa fazer uma primeira descrição de um dos programas chave, em seu organograma, para a indução ao controle social – o Programa Olho Vivo no Dinheiro Público – e da reação dos municípios ante essa nova atuação. Sendo assim, em seguida fazemos um breve resgate teórico para a situar o trabalho na Ciência Política. A seção seguinte visará descrever a penetração do Programa Olho Vivo no Dinheiro Público no país, a partir de solicitação feita pela Lei de Acesso à Informação, no Portal de Transparência da própria CGU. Posteriormente, exploraremos o conteúdo de questionários respondidos, enviados por nós às prefeituras do país entre 400 mil e 1 milhão de habitantes para acessar a avaliação que municípios fazem do controle social no Brasil, em geral, e no papel que a CGU teve nesse campo na última década. Por fim, encerramos com as considerações finais. Accountability e controle social na literatura A sociedade como instrumento de controle de governo já é tema na ciência política desde Hobbes e Locke. Com visões peculiares esses autores abriram espaço para concepções em que a sociedade civil seria representada por associações. Por exemplo, a abordagem declinada de Tocqueville visa compreender a formação de um “bom governo”, isto é, a participação de associações da sociedade civil no governo levaria ao engajamento participativo na vida pública, à igualdade política, à solidariedade e à confiança mútua e às estruturas sociais de cooperação (PUTNAM, 2002). A participação da sociedade também teria efeitos positivos para uma literatura pós-marxista, cujo núcleo da ideia seria coibir facções através de uma política deliberada de associação. Enquanto rede, tais grupos contribuiriam para a governança democrática igualitária (COHEN & ROGERS, 1995). Mark Warren (2001) conseguiu trazer alguma luz para essa discussão. O autor questiona: o que a sociedade civil pode fazer para a democracia? Em resposta, estabelece três tipos de efeitos dessa participação: efeitos de desenvolvimento sobre a autonomia individual; efeitos sobre a esfera pública e efeitos institucionais. No entanto, a separação destes diferentes efeitos é útil para apresentar uma série de ressalvas que deveríamos avaliar para compor tal participação da sociedade civil. Nota-se que em nenhuma das abordagens está claramente especificado a capacidade que a sociedade teria para o combate à corrupção. Essa ideia de accountability social surge no desenvolvimento de outras teorias. A começar, foram as críticas ao sistema representativo. Para reconfigurar o caráter de representação como soberania popular, Arato (2002) vai utilizar a ideia de accountability na forma de avaliação retrospectiva ou sanção. Um mecanismo de autorização ou punição de um candidato, com o poder de reeleger aquele que foi autorizado. Esse modo de accountability foi chamada de vertical ao relacionar o eleitor com seu representante. Já a accountability social, seria um mecanismo de controle vertical, e não eleitoral, que visaria “monitorar o comportamento dos funcionários públicos, expor e denunciar atos ilegais e ativar a operação de agências horizontais de controle” (PERUZZOTI & SMULOVITZ. 2001, p. 32). Podendo ocorrer por vias institucionais e não institucionais, este tipo agregaria às tradicionais formas de controle (como o voto, a representação parlamentar, os partidos políticos e a justiça) novos atores, como as ONGs, associações civis, movimentos sociais e a mídia. O controle social ocorreria por exposição e denúncia de atos ilegais, bem como, a operação de mecanismos horizontais (os protestos dos movimentos sociais, investigações e reportagens da mídia, ou a ativação de procedimentos judiciais por associações civis). Abordagens deste tipo têm levantado esforços no sentido do proposto pela CGU e pelas teorias no campo da administração pública. Trazida para o debate na administração pública brasileira por Campos (1998), a accountability seria uma palavra intraduzível para o português devido, não só ao seu significado mútuo de fiscalização e responsabilização, mas também por não apresentar ideia semelhante compartilhada na cultura política brasileira, segundo ela. “O ponto a enfatizar, mais uma vez, é que um controle efetivo é consequência da cidadania organizada; uma sociedade desmobilizada não será capaz de garantir accountability. [...] Assim, o alto grau de preocupação com accountability na democracia americana e a virtual ausência desse conceito no Brasil estão relacionados ao elo entre accountability e cidadania organizada; explica-se pela diferença no estágio de desenvolvimento político dos dois países [EUA e Brasil] (Campos, 1990: 35). Argumentos como este que percorrem uma trajetória similar, partem da suposição de que a população brasileira compartilharia de uma cultura atrasada e antirrepublicana, contribuindo, num tom evolucionista, para a inércia e comodismo. Não é à toa que para Campos (1990), a relação entre Estado e sociedade seria caracterizada por um padrão de tutor-tutelado. É natural que num órgão de controle esse tipo de argumento tenha eco. É plausível supor, portanto, que a CGU investiria esforços para reverter esse quadro, engajando a sociedade civil. Embora não possamos saber com certeza se esse foi o caso, tampouco afirmar que a cultura política brasileira é caracterizada por esses traços. Como se verá a seguir, a CGU logrou avançar e inovar no controle social – já que fundou esse campo no sistema de controle do país –, por uma confluência de fatores. A exigência por se constituir um sistema e uma rede integrada de controle, integridade e accountability, o cultivo de valores republicanos e refratários à passividade e inércia frente à administração pública, o paradigma da nova gestão pública e o número de irregularidades, produto da má gestão, todos contribuíram para essa inovação. Contudo, os trabalhos de Pinho e Sacramento (2009) e Loureiro et al (2012) – a ser explorado a seguir –, não avançaram no debate e não objetivaram qualificar ou investigar o impacto dessas iniciativas de controle social, bem como a coerência e sistematização com as outras frentes de atuação da CGU. É nesse ponto do debate que o presente trabalho se insere e pretende tratar nas seções a seguir. A CGU e o Programa Olho Vivo no Dinheiro Público A CGU A Controladoria Geral da União segue uma longa tendência de fortalecimento dos órgãos de controle no país, contribuindo, ulteriormente, para a formação de um complexo sistema de equilíbrio entre poderes, fomentando a chamada accountability horizontal (O’Donnel, 1998). O esboço da estrutura que assume hoje começou a ser desenhado a partir das Secretarias de Controle Interno dentro dos ministérios federais, onde, a partir do crescimento da secretaria interna do Ministério da Fazenda, criou-se a Corregedoria- Geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, quando só recebeu o status de ministério no início do governo Lula em 2003. Desde então, a agência adquiriu crescente protagonismo. Sua atuação no Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos de municípios prontamente se mostrou como uma ferramenta central na atuação do órgão na fiscalização e auditoria de contas municipais de programas que contavam com verbas federais, por exemplo. Agora enquanto ministério, a Controladoria Geral da União (CGU) se transformou numa peça chave para a prevenção e o combate à corrupção no país. Ademais, como apontam Loureiro et al (2012), a controladoria tomou para si uma função incomum para organismos de controle: o controle social. Os autores destacam que o cenário seria inédito, pois a organização busca interagir com a sociedade civil para capacitá-la na vigilância sobre a classe política. Embora este artigo não dedique espaço para o teste das hipóteses que se colocam a seguir, pode-se inferir que essa inovação institucional se deve ao desejo de aplacar de algum modo a suposta falta de interesse, aquiescência ou imobilismo da sociedade civil para com o tema da corrupção. De modo que o controle social não só é desejável como exige uma espécie de treinamento para que a sociedade civil possa exercê-lo de fato. Outro fator que deve ser levado em consideração é o quadro de instabilidade que caracteriza a atuação de organismos de controle ao longo da história do Brasil. Tradicionalmente esses órgãos enfrentaram alto grau de resistência por parte de lideranças políticas que não desejavam um organismo de controle robusto e efetivo. Com efeito, o papel ativo da CGU de indução de controle social poderia ser visto como uma maneira de legitimar o órgão, o tornando menos vulnerável a interesses políticos. Grosso modo, talvez se tenha buscado a opinião pública como mais um pilar de sustentação para a instituição. Em resumo, o primeiro passo para a atuação da CGU nesse campo foi o desenvolvimento do Portal de Transparência da instituição em 2004. Não só em conformidade com a linha de atuação da agência, de legislações subsequentes – como a Lei de Acesso à Informação (LAI), promulgada em 2011 – e de uma tendência mundial de disponibilização eletrônica de dados públicos, a iniciativa serviu de base para a difusão de portais de transparência de municípios e estados pelo país. Hoje, passados mais de dez anos desde o esforço da CGU em fomentar o controle social, a mesma conta, nessa linha, com o Programa de Fortalecimento da Gestão Pública (FGP) que capacita gestores municipais para a gestão de recursos públicos. Segundo a própria CGU2 e Loureiro et al (2012), conforme processos de auditoria eram realizados pela organização, muitas das práticas irregulares encontradas se deviam ao desconhecimento dos gestores municipais em gerir de maneira adequada verbas públicas. O objetivo desse programa seria, portanto, prevenir que irregularidades fossem cometidas pela desinformação ou desconhecimento do gestor municipal. Destacam-se também o Conselho da Transparência Pública e do Combate à Corrupção (CTPCC), colegiado consultivo que discute maneiras de aperfeiçoar a gestão pública, e a Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social realizada ao longo dos anos de 2011 e 2012 que produziu, ao longo do “Processo Conferencial” 20.487 propostas3, sendo que as dez mais votadas abrangem desde o financiamento público de campanhas eleitorais, fomento à participação popular na elaboração de propostas orçamentárias e a capacitação de conselheiros. O Programa Olho Vivo no Dinheiro Público Sobre esse último ponto que se debruça o programa Olho Vivo no Dinheiro Público. Criado em 2004, o objetivo central é capacitar o cidadão para controlar o uso de recursos públicos. Seu público alvo são conselheiros municipais, lideranças locais, agentes públicos municipais e interessados em geral. Inicialmente feito em parceria com a CGU e a ONG “Avante – Qualidade, Educação e Vida”, o programa foi mais um instituído no rol de atividades da CGU e – como veremos mais adiante, ao menos segundo o site oficial da CGU – realizado todos os anos desde então. A capacitação pode ser tanto à distância via internet, como presencial – foco da seção. No caso da capacitação presencial, o programa tem um município sede, normalmente um polo de uma região metropolitana ou interiorana, para aumentar a 2 Referência e sumário do programa disponível em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/controlesocial/fortalecimento-da-gestao-publica. Último acesso em 25/03/2015. 3 Sumário executivo disponível em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/controlesocial/consocial/arquivos/consocial_sumarioexecutivo.pdf. Último acesso em: 25/03/2015. atratividade e o número de cidadãos presentes. Os municípios sede são escolhidos por sorteio ou de acordo com a vontade expressa daquele que sediará o evento, já que existe uma cooperação entre município e CGU na organização do mesmo. A escolha é feita por cada regional da CGU que desenvolverá eventos do tipo. Segundo o site da organização, um fator fundamental para a escolha da CGU é as condições do município polo de receber o evento, ou seja, existência de salas de aula, auditórios, condições de hospedagem e outras estruturas para indivíduos de cidades próximas. Estas participam, por sua vez, a depender do interesse de seus cidadãos. A escolha de se analisar esse programa se dá por: i) o caráter perene da iniciativa, isto é, pelo número de anos em que o programa está funcionando, mais de dez anos; ii) pela lacuna deixada diante a ausência de avaliações do programa e; iii) pela centralidade que o Olho Vivo tem com o intuito de controle social delineado pela CGU. Se Loureiro et al (2012) apontam que a atuação da CGU nesse campo é inédita, também o é qualquer estudo que trate de investigar a atuação do programa e avaliá-lo – ainda que de maneira superficial pelo estágio que se encontra a pesquisa do programa e pela quantidade de dados disponíveis –, tampouco analisar seu impacto sobre o controle social per se. Assim sendo, explica-se o tom descritivo e exploratório do presente trabalho e a ressalva de que esta é apenas uma análise inicial do programa e da atuação da agência em questão na indução do controle social. Infelizmente, a quantidade de dados disponível sobre o programa é muito limitada. Sobretudo para esse trabalho que preocupa-se com os resultados que o programa apresentou. Nos dados divulgados para o amplo público, no site da CGU, constam tabelas simples que abordam a quantidade de municípios que tiveram indivíduos participando presencialmente do município e público atingido, sem discriminar quais municípios e pessoas participaram mais de uma vez dos eventos. Quanto aos cursos à distância de controle social, o órgão divulga apenas o número de concluintes em forma de tabela. A despeito do fato de ser de interesse público, a relação de quais municípios sediaram e participaram do programa Olho Vivo não consta nessa lista. Por essa razão, solicitamos via LAI a relação de municípios que sediaram o programa e participaram dele desde seu início, em 2004. Na planilha que nos foi enviada consta o ano, o estado, o município sede, demais municípios participantes e o total de municípios participantes em todos os eventos presenciais do Olho Vivo. Sobre essa lista que os dados a seguir se debruçam. Em primeiro lugar, fazemos uma comparação entre os números apresentados pelo órgão em seu site e obtidos via solicitação da LAI. Tabela 1: Número de municípios que participaram do Olho Vivo, por ano Lista (Site) Lista (LAI) 2004 12 12 2005 79 79 2006 259 259 2007 444 444 2008 224 224 2009 364 364 2010 376 257 2011 396 0 2012 110 0 2013 424 16 2014 - 139 Total 2688 1794 Fonte: Lei de Acesso à Informação e Site CGU (http://www.cgu.gov.br/assuntos/controle-social/olhovivo/resultados); Último acesso em 26/03/2015. Em 2014, vê-se que o site – até o momento de redação deste trabalho – não computou o número de municípios que participaram no ano, ao menos esta é nossa hipótese acerca da ausência de dados para o referido ano. Mas o que mais se destaca é a discrepância nos dados entre os anos de 2010 e 2013. Nos primeiros seis anos de programa, os números são rigorosamente iguais. Mas a partir de 2010, todos os números apresentados no site são substantivamente maiores que os obtidos pela solicitação da LAI. O que mais impressiona são os anos de 2011 e 2012 que, segundo a lista que nos foi enviada, absolutamente nenhum município, por conseguinte, nenhum evento do programa Olho Vivo foi organizado num período de dois anos. Mesmo assim, em 2013 a diferença dos dados continua abissal. É digno de nota que como consta no Relatório Anual de Gestão de 2013 do órgão, o mesmo passou a vivenciar forte contingenciamento orçamentário a partir do ano de 2010. Afora os gastos com acompanhamento de gestão, o orçamento comprometido com o programa de fiscalização por sorteios, ações investigativas e de avaliação da execução de programas de governo apresentou sucessivas quedas a partir desse ano. Como consta no relatório: “Ao longo dos últimos 3 anos, observa-se uma diminuição do número de ações de controle decorrentes do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos. Até 2010, realizava-se em torno de 3 eventos de sorteio por ano, mas, em função de restrições orçamentárias ocorridas nos exercícios seguintes, a quantidade de sorteios foi reduzida. Constata-se também, não obstante o contingenciamento orçamentário ocorrido em 2013, uma razoável estabilidade no quantitativo de auditorias e fiscalizações decorrentes das linhas Ações Investigativas e AEPG, e um aumento no volume das ações de controle na linha de Avaliação da Gestão dos Administradores devido à maior disponibilidade de horas úteis para ações desenvolvidas nas capitais” (Relatório Anual de Gestão, 2014: 49). Em outras palavras, com menos dinheiro a CGU teve que manter o nível de trabalho ao longo desses três anos. Como o controle social não é o principal foco da organização, pode-se supor que a redução no número de eventos do Olho Vivo se deve ao contingenciamento orçamentário e a necessidade de reduzir as despesas do órgão. Na eventualidade de que os dados disponibilizados no site não estejam, efetivamente, “sobre-dimensionados”, as diferenças podem ser explicadas por um erro de digitação, pela necessidade de uma resposta rápida à solicitação da LAI, evitando que se exceda ao prazo legal de 20 dias para resposta, ou alguma revisão no cômputo dos eventos que não foi possível atualizar no site, possibilidade compatível com a ausência de dados do ano de 2014. De qualquer maneira, o episódio é sintomático de algo que ficará mais explícito ao longo do trabalho: o desencontro de informação da CGU e dos municípios relativo ao controle social, denotando a inexistência de qualquer métrica, avaliação ou acompanhamento das ações da CGU nesse campo. Passemos à análise da distribuição de eventos do Olho Vivo por estado. Como a tabela abaixo mostra, a distribuição de eventos por estado é uniforme, apenas o Distrito Federal encontra-se bem abaixo da média, com apenas um evento realizado, apenas em 2014. É digno de nota que as cidades sede se repetem poucas vezes, embora isso não permita afirmar nada sobre a ramificação do programa pelo Brasil, indica-se que o programa não está concentrado em grandes cidades ou capitais, apenas, levando em consideração as poucas repetições. A cidade que mais organizou eventos do tipo foi João Pessoa (PB), com 3 capacitações presenciais. Em seguida, apenas Maceió (AL), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Porto Velho (RO), São Paulo (SP) e Palmas (TO) realizaram o evento mais de uma vez, nos demais estados, as cidades recorrentes eram do interior. É importante dizer que no estado de Roraima, todos os eventos contaram apenas com a presença da cidade sede. Tabela 2: Eventos do Olho Vivo por estado, cidades sede por estado e cidades que sediaram o evento mais de uma vez (Número de Vezes que sediou-se o evento) Estado Nº de Eventos Nº de Sedes Repetições (N) AC 8 7 Acrelândia (2) AL 9 7 Maceió (2), Arapiraca (2) AM 8 7 Presidente Figueiredo (2) AP 6 6 - BA 10 9 Teixeira de Freitas (2) CE 8 7 Sobral (2) DF 1 1 - ES 12 12 - GO 9 9 - MA 8 7 Bacabal (2) MG 11 11 - MS 10 8 Campo Grande (2), Três Lagoas (2) MT 8 8 - PA 10 10 - PB 10 7 João Pessoa (3), Patos (2) PE 9 8 Garanhuns (2) PI 10 10 - PR 9 9 - RJ 9 7 Rio de Janeiro (2), Rio das Ostras (2) RN 9 8 Natal (2) RO 9 8 Porto Velho (2) RR 8 7 Cantá (2) RS 9 9 - SC 8 8 - SE 8 8 - SP 9 8 São Paulo (2) TO 10 9 Palmas (2) Fonte: Lei de Acesso à Informação. Embora a distribuição desses eventos por regiões seja arbitrária, já que cada região apresenta números de municípios muito discrepantes entre si pela extensão territorial das mesmas e pelo seu nível de renda, onde estados e regiões mais ricas tendem a ter mais municípios que aquelas regiões e estados pobres, a quantidade de municípios participantes pode ilustrar maior resistência de determinada região em participar do programa, como também maior esforço da CGU em trabalhar em cooperação com municípios de alguma região especificamente. Por isso expomos os dados a seguir. A primeira coluna apresenta o número de municípios que participaram do Olho Vivo por região (I), a segunda coluna expõe o número de municípios existentes em cada região e no Brasil de acordo com o censo do IBGE de 20104 (II). A seguir apresenta-se a proporção de municípios daquela região que participou do programa em relação ao número de municípios que aquela região tem – I/II – (III) e a proporção de municípios de determinada região que participarou do programa em relação à totalidade de municípios do país que participaram do Olho Vivo – I Norte/I Total, por exemplo – (IV). Por fim, para efeitos de comparação com a coluna IV, apresentamos a proporção dos municípios brasileiros por região – II Norte/II Total, por exemplo – (V). Vale lembrar que estamos levando em consideração os números obtidos via Lei de Acesso à Informação. Tabela 3: Difusão do Programa Olho Vivo por Região e no Brasil I II III IV V Norte 232 449 52% 13% 8% Nordeste 790 1794 44% 44% 32% Centro-Oeste 166 466 36% 9% 8% Sudeste 369 1668 22% 21% 30% Sul 237 1188 20% 13% 21% Total 1794 5565 32% 100% 100% Fonte: Lei de Acesso à Informação e Censo/IBGE, 2010. A abrangência nacional do programa foi de 32% dos municípios. Obviamente, não possuímos insumos suficientes para avaliar se esta é uma abrangência adequada ou insatisfatória dado o tempo com que o programa vem funcionando e a estrutura do 4 Acesso em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/. Último acesso em: 26/03/2015. mesmo. De todo modo, a abrangência nacional supera a das duas regiões mais ricas do país, o Sul e o Sudeste. Mais uma vez atribuímos essa aparente restrita abrangência regional à quantidade de municípios nessas duas regiões, 1188 e 1668, respectivamente. Poder-se-ia criticar essa hipótese à luz do número de municípios da região Nordeste (1794), no entanto, essa última aborda 9 estados, ao passo que as regiões Sul e Sudeste abordam 3 e 4, respectivamente. Para que a abrangência nessas duas regiões fosse maior, o número de eventos teria que ser consideravelmente maior que o das outras regiões. A mesma linha de argumentação é reproduzida na abrangência da região Norte, onde mais da metade dos municípios participaram do programa Olho Vivo, segundo consta lista da LAI. Em suma, os dados não permitem afirmar que uma região contou com mais eventos presenciais do que as demais, aparentemente, o nível de abrangência regional varia por razões socioeconômicas e não por razões políticas, como maior investimento por parte da CGU em capacitar e atuar na indução do controle social na região Nordeste, por exemplo. É digno de nota que quando nos referimos a variáveis socioeconômicas, estamos pressupondo que aqueles estados com uma atividade econômica elevada – em geral estados ricos das regiões Sudeste e Sul – terão um número maior de municípios. Essa diferença numérica faz com que a realização de eventos presenciais num estado com muitos municípios, como São Paulo, por exemplo, crie a impressão de que poucos eventos foram realizados naquele estado, já que o total de municípios é muito grande. Impressão que não se sustenta à luz dos dados trazidos na tabela 2 acima. Com efeito, há a possibilidade que um elemento muito mais prosaico consiga explicar esses números. Em entrevista com o chefe-adjunto da regional da CGU em São Paulo, Pedro Alexandre sugere algo muito mais simplório: conveniência. “(...) Para escolher a cidade que vai receber o Olho Vivo a gente normalmente aproveita a ida de uma equipe de fiscalização para alguma parte do Estado e realiza lá também as reuniões. Nós sabemos onde já fizemos os últimos encontros, então vamos guardando qual parte do Estado ainda não teve o Olho Vivo e quando aparece um município a ser fiscalizado por lá tentamos aproveitar. (...) A queda no orçamento afeta sim, diminui muito nossa capacidade de ação. Tentamos continuar fazendo um pouquinho de cada programa para não perder a memória, mas os servidores acabam ficando mais sobrecarregados e tendo que trabalhar até no fim de semana para compensar. (...) O que acontece também é que, apesar de termos menos verba, estamos tendo cada vez mais novas atribuições, pois novas leis vão surgindo, como as da empresa limpa, por exemplo, os recursos da LAI” (Entrevista concedida aos autores). Embora a abrangência regional do programa não siga, aparentemente, variáveis políticas, isso não implica dizer que o peso das regiões dentro do programa Olho Vivo, nacionalmente, seja o mesmo. Em outras palavras, os resultados apresentados na coluna IV, se comparados aos da anterior (III), são contraditórios. Vejamos o exemplo da região nordestina. Aproximadamente 32% dos municípios do Brasil encontram-se nessa região. Contudo, 44% dos municípios que participaram do Olho Vivo eram do Nordeste. As regiões mais pobres do país tiveram um peso maior na participação no programa do que têm na totalidade dos municípios brasileiros. Ao passo que as regiões mais ricas tiveram uma participação menor do que têm no total de municípios no Brasil. Para tomarmos dimensão do que isso significa, relembremos o processo de cômputo da presença de municípios que não são sede nesses eventos. Quando um líder comunitário do município X vai ao evento da CGU em município Y, o órgão contabiliza que o município X participou do evento, embora a administração do município não tenha, até onde nós temos conhecimento, meios e ferramentas para registrar a participação de um cidadão de seu território. De maneira que essa participação se dá apenas pela manifestação de interesse por parte do cidadão. Já que a região Nordeste acusa nessa coluna 44%, tem-se que cidadãos de quase metade da região – em municípios – se mostraram engajados para participar do evento. Enquanto que a região Sudeste teve cidadãos de 21% de seus municípios tomando parte em algum evento do Olho Vivo. Vale lembrar que a primeira região tem mais municípios que a segunda e esta apresenta uma infraestrutura de locomoção mais desenvolvida que a primeira, o que facilitaria o deslocamento de municipalidades adjacentes para o município sede. Nesses termos, a região mais engajada foi a Nordeste, seguida por Sudeste, Norte e Sul – empatadas com 13%, sendo que a primeira tem muito menos municípios que a segunda – e a região Centro-Oeste aparece em último lugar. Existem, portanto, indícios para afirmar que líderes comunitários, gestores municipais e o público alvo em geral do programa Olho Vivo apresentam níveis de engajamento razoavelmente semelhantes pelo país, destoando da narrativa de Campos (1990) de que a cultura política brasileira não teria a predisposição de fiscalizar a classe política, especialmente naquelas regiões mais pobres do país que caracterizariam, segundo ela, o arquétipo do indivíduo tutelado pelo Estado. Essa seção buscou investigar de maneira mais detalhada um dos carros chefe da CGU na indução do controle social, o programa Olho Vivo no Dinheiro Público. Em primeiro lugar, ficaram evidente as dificuldades de se realizar tal análise pela escassez de dados a respeito do programa. Em segundo lugar, vimos sucessivos desencontros sobre os dados do programa. Isto é, as inconsistências nos dados disponibilizados no site da agência em relação aos dados enviados via LAI e a fala do chefe-adjunto da regional paulista da CGU mostram considerável desorganização e baixa institucionalização dessa frente de atuação no órgão. Em terceiro lugar, os critérios para escolha de cidades sede do evento são imprecisos e não estão claros, permitindo que façamos inferências acerca das possíveis variáveis políticas que interferem nessa decisão. Por fim, fica evidente que não há qualquer métrica ou técnica de avaliação da atuação da CGU no controle social, algo que relativiza a atuação inédita do órgão nessa frente, já que 10 anos após seu início, não existem meios para saber se todo o investimento feito até aqui obteve resultados. Acessando a indução do controle social da CGU Como vimos, a CGU apresenta enorme quantidade de treinamento de agentes públicos municipais e representantes ou lideranças da sociedade civil para estimular o controle social. Contudo, o órgão federal não faz um acompanhamento dos efeitos de suas ações relacionadas a este tipo de controle. Desse modo, a busca pela informação teve que seguir outro sentido que não o do órgão central para os municípios. A escolha metodológica foi enviar questionários às administrações municipais com o objetivo de inferir suas atividades em controle social e a sua relação com a CGU. Devido à dificuldade em conseguir contatar os municípios, acrescido da preocupação em fazer com que nossos resultados fossem comparáveis entre si e de algum modo abrangente a todas as regiões do país, limitamos nossa amostra a municípios entre 400 mil e 1 milhão de habitantes. Desta maneira, restringimos que os maiores centros urbanos – e hipoteticamente com maior pressão da sociedade civil e mais capazes de produzir mecanismos de controle social – pudessem influenciar nossos dados. Também ficaram restringidos os municípios pequenos que, pelo contrário, teriam hipoteticamente maior dificuldade em promover tais mecanismos. Inicialmente ainda não havíamos recebido os dados fornecidos pela CGU via LAI e nossas informações provinham dos dados divulgados abertamente para os cidadãos e da entrevista realizada com o chefe da regional deste órgão em São Paulo. Então, realizamos uma entrevista com membros da administração da cidade de Osasco (SP) responsáveis pelo controle interno e social do município. A partir do acúmulo destas informações, construímos um questionário que enviamos a 33 municípios do referido corte populacional. As interlocuções municipais Os questionários continham perguntas abertas sobre (a) a atuação da CGU junto ao município; (b) avaliação da Lei de Acesso a Informação e a obrigatoriedade de ter um Portal da Transparência; (c) avaliação do programa Olho Vivo; (d) se houve participação do município em algum de seus eventos; (e) se é possível medir o impacto deste programa e como; (f) se houve mudança na relação com a sociedade civil; (g) as qualidades e problemas do controle social do município; e (h) se há sugestão de mudanças em normas ou instituições além das capacidades do município. De 33 municípios, 54% (18) possuíam ferramentas de solicitação com link próprio. Destes, somente 9 municípios responderam os questionários5, cerca de 27% do total. Segundo os dados informados via LAI pela CGU, do nosso total de municípios na amostra 24 deles (72%) teriam participado do programa Olho Vivo, ao menos uma vez. Contudo, de nossos 9 questionários, somente o município de Contagem (MG) disse ter participado do programa e, ainda assim, apresentou-nos uma data de evento diferente da divulgada pela CGU. Todos os outros municípios não afirmaram que tinham participado. Na entrevista feita com responsáveis pelo controle interno e social do município de Osasco esse desconhecimento foi bastante explícito. Segundo fontes da própria CGU, a entrevista feita com o chefe da regional paulista e os dados fornecidos pelo órgão, o município de Osasco participou. No entanto, além do desconhecimento deste fato, os membros da administração municipal foram taxativos em dizer que gostariam de maior presença dos organismos federais, bem como expressaram desejo num 5 Alguns problemas foram recorrentes, como links que davam erro ao enviar o questionário. treinamento de lideranças e membros da sociedade civil para compreender melhor o funcionamento da administração pública e de servidores para se adequar ao controle social – principais objetivos do programa Olho Vivo. A relação entre CGU e municípios foi apresentada pelos gestores de Osasco como fraca e distante. “A gente não sente, de verdade, envolvimento do Governo Federal nas suas ações de controle voltadas aos municípios. Isso eu falo genericamente porque eu acompanho demais o trabalho da CGU. Eu acho que a grande crítica é dispersar isso tudo. Falta procedimento. A gente corre muito atrás de cursos, de congressos, de participação em eventos diversos que são promovidos, muitas vezes porém o município não tem condições financeiras para te subsidiar a isso, porque a gente tem uma outra demanda ainda muito maior para cumprir. Falta uma equipe de governo para dar essa amplitude” (Ana Paula Braga, Coordenadora do Controle Interno da Secretaria de Finanças do Município de Osasco, entrevista concedida aos autores). Em diversos momentos da entrevista os gestores públicos introduziam a ideia de que os municípios estavam dispostos a fazer parte dos mais diversos programas do Governo Federal, mas que eles não teriam capacidade, pessoal e recursos para fazer isso por conta própria. A reivindicação é para o Governo Federal levar aos municípios pessoal destinado a capacitar e treinar os servidores em diversas áreas, inclusive o controle social – objetivo do programa FGP. As impressões sobre os mecanismos de controle social também revelaram uma face interessante das reivindicações dos gestores públicos. Tanto do ponto de vista legal, como também moral, eles disseram ter a obrigação de prestar contas ao público e fazer isso de forma compreensível para o cidadão. Entretanto, alegam que há uma barreira educacional que desconfigura o uso das ferramentas de controle social. Segundo eles, a compreensão dos dados de orçamento, por exemplo, por mais claros que possam ser apresentados à população, requer uma informação prévia da ordem federativa de distribuição e repasses e dos atributos de leis que regulam a ação do Executivo. Muitas vezes, o orçamento não pode ser todo aplicado, ou então não se pode destinar recursos de uma área de política pública que esteja em boa situação, para outra cuja demanda é maior pela população. Resumindo a entrevista, podemos considerar três pontos principais. Primeiro, a administração pública aparentemente não tem relações com a CGU, ainda que alegue desejar maior presença dos órgãos federais, inclusive deste. Segundo, o município reconhece problemas na disposição de servidores em fomentar o Controle Social. Ao mesmo tempo (terceiro), considera que a população “não está preparada” para o Controle Social, ou não tem conhecimento formal para exercê-lo. “(...) Capacitar o servidor público para se envolver na administração pública e estar preparado às mudanças para a nova administração pública e se adequar ao controle social. Nós estamos tentando vender essa ideia aos nossos servidores também. (...) eu acho que precisa educação na escola, para o cidadão poder fazer o controle social consciente, depois precisa da administração pública capacitar a equipe toda para acompanhar essa evolução de controle social (...) não é fácil mudar a cultura do servidor (...)” (Ana Paula Braga, Coordenadora do Controle Interno da Secretaria de Finanças do Município de Osasco, entrevista concedida aos autores). Como veremos, muitos municípios fizeram declarações similares em nossos questionários. Porém, tais achados ainda não são suficientes para podermos generalizálos. Se este e outros municípios nos mostram um retrato negativo da relação entre a CGU e municípios e uma possível ineficácia do programa Olho Vivo, quatro municípios que responderam questionário mostram excelentes relações com o órgão. Niterói (RJ) relata que desde o início da atual gestão o município tem contado com a parceria da CGU em programas de treinamento de servidores. Cuiabá (MT) relatou diversas ações de treinamento e educação na área do controle social em parceria com a regional da CGU no estado. João Pessoa (PB) – cidade que mais sediou o programa Olho Vivo – listou outra série de eventos, de mesmo cunho educacional e de capacitação de servidores e da sociedade civil, além de outros eventos para o controle social com parceria da CGU. Por fim, Contagem (MG) disse ter grande parceria com a CGU em diversos programas, além de compartilhar de informações, ferramentas e material humano. Devemos notar, contudo, que os três últimos municípios citados possuem um modelo de controladoria similar ao órgão federal. Esse fator pode ser necessário para obter resultados positivos, ainda que não possamos afirmar que seja suficiente6. Não parece correto, também, correlacionar os resultados negativos de um município que possui uma controladoria com questões orçamentárias, pois os três municípios enfatizaram a escassez de recursos econômicos e de pessoal, em ambos os níveis (federal e municipal). O que se torna aparente em quase todos os questionários é o desconhecimento da participação do município no programa Olho Vivo em administrações anteriores. 6 O município de Sorocaba não apresentou nenhuma relação positiva com a CGU ou no fomento de programas de controle social e possui uma Controladoria Geral do Município (CGM). Quando perguntado se o município já tinha participado do programa, muitos informaram não ter conhecimento se o mesmo participara em outras gestões – como evidenciam as respostas de Caxias do Sul (RS) e Cuiabá (MT). Os demais simplesmente dizem não saber mesmo constando na lista da CGU e elencando vários programas de treinamento conjunto, como o caso de João Pessoa (PB)7. Na questão relativa aos portais de transparência e Lei de Acesso à Informação, todos os municípios mostraram concordar com a importância dessas ferramentas. Ademais, consideram que as ferramentas devem ser aperfeiçoadas e novamente reiteram a importância de treinamento dos servidores públicos. Na tentativa de estabelecer efeitos de treinamentos oferecidos aos servidores e à sociedade civil – nos municípios que o tem –, os questionários se referem apenas ao aumento do número de solicitação de informações em diferentes canais e de denúncias encaminhadas. Mas, assim como o município de Contagem (MG), os municípios dizem não dispor de mecanismos eficientes para medir os impactos após a realização de programas, como o Olho Vivo. Não obstante a esse aumento de solicitação de informações relatado, alguns municípios afirmaram acreditar que ainda há pouco interesse do cidadão em participar de instituições ou utilizar ferramentas de controle social. O questionário mais evidente nesse sentido foi o do município de Santo André (SP) trazendo-nos o dado de que apenas 1,5% de sua população exerce alguma forma de controle social. Finalmente, as sugestões para melhorias para o controle social nos municípios que estariam fora das jurisdições locais foram exploradas de duas formas. Por um lado, salientou-se8 – tal como na entrevista com os agentes públicos de Osasco – uma reforma no sistema educacional que incentive a “cultura da participação” e controle social 9. Por outro lado, diversos municípios, entre eles Contagem (MG), Caxias do Sul (RS) e João Pessoa (PB), reivindicaram maior rigor nas punições e uma ação mais tempestiva da justiça. Os excertos a seguir revelam dois motivos para essa colocação: 7 Caso interessante é Niterói (RJ) que segundo a CGU participou nos anos de 2099, 2013 e 2014, mas não como cidade sede, A prefeitura nos informa que sediará o programa ainda em 2015, comenta que as articulações para esse evento começaram no ano anterior, mas não faz menção às participações anteriores. Ocorreu semelhante descompasso com informações de Contagem (MG). O município só relatou a participação em um evento (2014) e neste caso a CGU só informara a participação do município em 2009. 8 Principalmente nos questionários de Santo André (SP) e Juiz de Fora (RJ). 9 Alguns dos municípios, como Cuiabá (MT), relataram o desenvolvimento de programas nesse sentido. “Infelizmente a quantidade de leis, decretos e determinações legais são de tal ordem que é quase verdadeiro pesadelo para o Ordenador de Despesas não estar sendo apontado e responsabilizado por algo que foge ao seu controle e que pelas enormes estruturas administrativas públicas é quase impossível de tomar conhecimento. A responsabilidade “compartilhada” do primeiro e até do segundo escalão de governo é uma necessidade (Controlador Geral do Município de Caxias do Sul)”. “Devido à grande insatisfação da sociedade em relação a impunidade e as denúncias de corrupção na administração pública, se faz necessário adotar efetivas medidas de punição àqueles gestores que descumprem o que pede a LAI, restabelecendo assim a confiança da sociedade brasileira (Secretário Executivo de Transparência Pública Municipal de João Pessoa)”. Considerações Finais Desse modo, com nossos questionários alguns traços gerais do controle social que a CGU promove se destacaram. Em primeiro lugar, os municípios se mostram receptivos ao fomento de parcerias com a CGU. Em segundo lugar, Portais da Transparência são citados positivamente como mecanismos para o controle social, ao mesmo tempo que serviram para os municípios se adequar à prestação de informações, sendo que em muitos casos um treinamento da CGU foi apontado para esse processo. Em terceiro lugar, as informações sobre a participação no Programa Olho Vivo são desconexas. Em quarto lugar, os municípios que apresentaram diversas ações em parceria com a CGU relatam haver um aumento no número de solicitação de informações. Ainda assim, os municípios consideram que a participação social é pequena. Finalmente, para induzir ao controle, são sugeridos dois tipos de ação: criar no sistema de educação incentivos ao cidadão para participar e, principalmente, criar medidas efetivas que deem maior rigor ao combate à corrupção. A vagueza das sugestões dadas pelos municípios nesse último ponto denota duas dinâmicas que podem estar em curso. A primeira delas seria a ideia de “blame avoidance” (Weaver, 1986). É sabido que a avaliação da população no que toca ao tema de corrupção tende a criar um clima de hostilidade para com a administração pública. De modo que os avanços nesse campo são sempre colocados em questionamento pela população. Ao afirmar que o município está disposto a criar parcerias com a CGU visando a prevenção ou o combate à corrupção, ao mesmo tempo que afirma que a controladoria não demonstrou nenhuma contribuição nesse sentido, exime a municipalidade de responsabilidade sobre o atual quadro de desorganização e incipiência do controle social no Brasil. Sobretudo à luz de eventuais limitações técnicas e de pessoas que os municípios no país enfrentam, em geral, como a suposta falta de interesse para forjar uma comunidade mais ativa na vigilância da classe política e da burocracia municipal em alguns casos. Portanto, ainda que valiosas, as respostas dos municípios devem ser admitidas com cautela. A segunda dinâmica em curso seria o baixo custo político envolvido na disponibilização de dados municipais na internet. O conceito de transparência é indicado como condição para a efetivação de mecanismos de accountability, no entanto, se os municípios indicam tanta falta de interesse por parte da população em fiscalizar a administração pública, é plausível supor que a mesma oferece os dados para se autopromover e dirimir as exigências dos setores que efetivamente acompanham os feitos e decisões da administração pública, sem comprometer a imagem da administração perante àqueles grupos que não buscariam fiscalizar o município. Algo fica evidente, entretanto. A ausência de métrica e método de avaliação por parte da CGU em um de seus programas mais importantes é latente. Mais do que isso, ao analisar o rol de programas desenvolvidos e funções cumpridas pela CGU, vê-se que existe uma espécie de sequenciamento entre eles. Isto é, o sorteio de municípios para auditoria e fiscalização é a primeira etapa no combate à corrupção. Se eventualmente for detectada alguma irregularidade, os responsáveis respondem pelos seus feitos. À luz do trabalho de Loureiro et al (2012), a irregularidade é produto de má-fé ou desconhecimento por parte do gestor público de como gerir a verba sob sua responsabilidade. No primeiro caso, pode-se dizer que o intuito da CGU é prevenir que práticas desviantes reapareçam no município. Assim sendo, o Programa Olho Vivo delega à população à responsabilidade de cumprir esse papel. Ao passo que no segundo caso, o Programa de Fortalecimento da Gestão Pública visa evitar que outro gestor incorra no erro que caracteriza corrupção. A ausência de métrica na avaliação da CGU compromete, portanto, o organograma da agência, pois uma parte fundamental de sua atuação não é aprimorada, tampouco avaliada pelo próprio órgão. De tal maneira que uma vez deixando o município, cria-se um vácuo político, em que a administração pública não enfrentaria nenhum tipo de constrangimento, ao menos, pela opinião pública daquela região, facilitando a ocorrência de novas práticas de corrupção. Há ainda, obviamente, um longo caminho a ser percorrido para o aperfeiçoamento da cooperação entre agências de controle, entes federativos e sociedade para o combate e prevenção à corrupção. Contudo, mais de dez anos após a instituição de um programa como o Olho Vivo e os incipientes resultados aparentemente obtidos no campo, o ineditismo da agência na indução do controle social deve ser colocado em revisão. Isto é, será preciso desenvolver ferramentas para avaliálo e eventualmente aprimorá-lo, consolidando um avanço de suma importância para o controle social no país. Referências ARATO, Andrew. “Representação, soberania popular e accountability”. São Paulo: Lua Nova, CEDEC, nº55/56 - Cenários de Direitos, 2002. 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