A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA: UMA ABORDAGEM A PARTIR DAS IDEIAS DE WITTGENSTEIN ALVES, Mauricio Silva – SEED-PR1 Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A relação entre filosofia, ciência e educação, provocou inúmeros problemas, e estes não são observados, em muitos casos, nem por aqueles que estão inseridos de forma efetiva no campo da ciência da educação. O enrijecimento bem como, a centralização na razão fez com que a educação adquirisse uma visão de que era um campo de produção de conhecimento fixo, com regras pré-estabelecidas, técnicas eficientes advindas dos manuais produzidos por teóricos devidamente reconhecidos e expressamente previsíveis. Como consequência, tem-se a descaracterização completo daquilo que seria a educação enquanto formação registrada nos discursos dos documentos oficiais educacionais que conhecemos. O presente trabalho é uma tentativa de refletir acerca da possibilidade de se pensar a educação como disposta por Wittgenstein em sua obra “Investigações Filosóficas”, e a partir dessa reflexão sobre a educação, apresentarmos outra perspectiva, a que percebe o trabalho educacional como algo em constante movimento, nem sempre racional, imbuído de aspectos subjetivos, sem resultados verdadeiros e totalizantes, mas que pode ser pensado, diante disso, pode-se pensar um ensino livre da instrumentalização e uma ação educativa pautada na busca de caminhos que potencializem a formação do homem em sua totalidade. Há, por isso, a possibilidade de afirmar que educação filosófica, é ela mesma, um jogo de linguagem. Por extensão, suas partes constituintes, podem ser entendidas como jogos dentro de outros jogos. Nesse sentido, a educação pode ser concebida como aquela que pode mudar o nosso olhar, mudar a nossa maneira de viver, e no que toca a aprendizagem, pode proporcionar aos discentes atividades que oportunizem “um trabalho sobre si mesmo”, sobre suas próprias expressões do pensamento, com a qual identificamos a filosofia pragmática de Wittgenstein, a liberdade de imaginação e a sua individualidade. Palavras-chave: Educação Filosófica. Jogo de linguagem. Olhar. Wittgenstein. 1 Professor de Filosofia da Educação da rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná: NRE Norte; Especialista em Filosofia e Mestrando em Filosofia-PUC-PR. Email: [email protected] 7696 Introdução O presente trabalho apresenta algumas ideias para pensar a Educação a partir da filosofia de Wittgenstein e visa contribuir para as reflexões deste XI CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCERE, II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO - SIRSSE IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE – SIPD/CÁTEDRA UNESCO, sendo assim, segue-se a questão: Pensar a Educação, como possibilidade de torná-la sustentável, também é um assunto oportuno à filosofia. E por que não? Ao empreendermos um estudo voltado ao campo educacional, como tentativa de identificar o paradigma de Educação do qual fazemos parte, somos tentados a dizer que o processo educativo, na contemporaneidade, se caracteriza pela cientifização, tecnicização bem como a instrumentalização do ensino. Para demonstrarmos essa afirmação, temos a busca incessante dos profissionais da educação por técnicas, metodologias, e todo aparato disposto no mercado, que promovam melhor qualidade no desempenho de seus alunos; a potencialização de estratégias que visem ampliar o maior número possível de informações; a utilização de recursos tecnológicos cada vez mais sofisticados com o objetivo de dinamizar o trabalho para elencar um acervo maior de conhecimentos possíveis; as formas de avaliação que quantifiquem as informações armazenadas. Temos neste cenário o desinteresse pelas disciplinas de fundamentação teórica, em razão da importância dada as disciplinas metodológicas, por parte de muitas instituições; presenciamos também a produção um tanto exagerada de livros didáticos, paradidáticos que indicam técnicas de ensino, metodologias de trabalho, planos de aula e, consequentemente, temos professores que, ingenuamente, se deles se utilizam acreditando ter um método seguro para alcançar o pleno sucesso na educação. Poder-se-ia elencar uma série de exemplos que comprovam o modelo de educação que estamos submersos, mesmo assim, seriam percebidos por alguém que os tem como constituintes de nossa forma de vida como disposta na contemporaneidade, pois isso não é algo exclusivo do campo educacional. A produção e o consumo frenético são, de certo modo, engendrados nos âmbitos sociais, políticos, econômicos, éticos, estéticos do nosso existir. Esse novo horizonte a que estamos submetidos, no campo educacional, se deve a utilização que fizemos dos estudos em ciências da educação2. De certa maneira, a educação 7697 percebida num viés do “cientificamente”, se preocupou com um saber racional e objetivo que o sujeito do conhecimento deveria a qualquer custo adquirir. Aliada a uma filosofia moderna do conhecimento Para compreensão dessas implicações filosóficas da racionalidade moderna, é importante, como destaca Datolo (1999, p.46): Ao lado da expressão modernidade ou idade moderna, se junta um corolário terminológico: palavras como crise, emancipação fratura da tradição, progresso e revolução assumem o contorno de conceitos-horizonte indicativo de uma transmutação em ato de uma progressiva autoconsciência. Foi possível com isso, concebermos uma educação que se imbuia da missão de sistematizar e disciplinarizar aquilo que se convencionou como processo de formação, assim, com a influência de teorias filosóficas voltadas à racionalidade, objetividade, análise lógica, fomos direcionados a um estudo bem próximo ao pretendido pelas ciências, tanto no que se refere as formas de investigar quanto a objetividade que nos dispomos alcançar. A relação entre filosofia, ciência e educação, provocou inúmeros problemas, e estes não são observados, em muitos casos, nem por aqueles que estão inseridos de forma efetiva no campo da ciência da educação. O enrijecimento bem como, a centralização na razão fez com que a educação adquirisse uma visão de que era um campo de produção de conhecimento fixo, com regras pré-estabelecidas, técnicas eficientes advindas dos manuais produzidos por teóricos devidamente reconhecidos e expressamente previsíveis. Como consequência, tem-se a descaracterização completo daquilo que seria a educação enquanto formação registrada nos discursos dos documentos oficiais educacionais que conhecemos. Nas instituições, o que se convencionou como ensino se apresentou evanescente, priorizando-se deste modo, as técnicas, e suplanta-se as discussões e reflexões. Os sujeitos foram cada vez submetidos aos resultados que se queria alcançar: o maior acúmulo possível de dados. O caráter reflexivo, próprio da escola desapareceu; passamos então, a não mais pensar no existir, no mundo em que vivemos. Desse modo, o presente trabalho é uma tentativa de refletir acerca da possibilidade de se pensar a educação como disposta por Wittgenstein em sua obra “Investigações Filosóficas”, e a partir dessa reflexão sobre a educação, apresentarmos outra perspectiva, a que percebe o trabalho educacional como algo em constante movimento, nem sempre racional, imbuído de aspectos subjetivos, sem resultados verdadeiros e totalizantes, mas que pode ser pensado, diante disso, pode-se pensar um ensino livre da instrumentalização e uma 7698 ação educativa pautada na busca de caminhos que potencializem a formação do homem em sua totalidade. A concepção de filosofia em Wittgenstein Wittgenstein não se deteve a uma concepção filosófica em que pudesse nortear, ou mesmo, fundamentar um sistema filosófico que alcançasse o mais alto grau de conhecimento pretendido pela filosofia tradicional. Mas escolhe duvidar que haja algum pressuposto seguro em que estavam baseadas as filosofias até então. Segundo Hacker (2000, p.11): No debate sobre a natureza da filosofia, ele (Wittgenstein) pôs em questão o pressuposto de que a filosofia seja uma disciplina cognitiva na qual novos conhecimentos são descobertos, teorias são construídas e na qual o progresso seria caracterizado pelo acréscimo de conhecimentos e de teorias bem confirmadas. Wittgenstein afirmara ser muito estranho ver que os problemas discutidos no passado eram os mesmos discutidos no presente, o que nos levava a pensar que, ou Platão era extraordinário a ponto de ter ido tão longe ou os filósofos recentes não haviam avançado um só passo. Mas o que se tem de importante nisto, para ele, é que a linguagem permanece a mesma e por isso remetemo-nos, constantemente, às mesmas questões. Nas Investigações Filosóficas, especificadamente no Prefácio, Wittgenstein convida o leitor a pensar o seguinte: “Desejaria, com minha obra, poupar aos outros o trabalho de pensar, mas sim, se for possível, estimular alguém a pensar por si próprio” (WITTGENSTEIN, 1975, Prefácio). Esse convite, talvez seja, o grande desafio proposto por ele, refletirmos sobre o que acontece no nosso cotidiano, cujo sentido muitas vezes é ignorado por nós, achando que tudo está muito evidente, bem esclarecido, a ponto de não voltarmos a nossa atenção e pensamento para isso. Deste modo, os problemas que acreditamos ser filosóficos não passam de problemas linguísticos. Isso decorre de que ao usarmos a linguagem, ignoramos pensar o seu funcionamento, consequentemente utilizamo-la de maneira confusa, produzindo uma série de problemas conceituais. Wittgenstein demonstra a sua preocupação com o funcionamento da linguagem quando afirma, nas Investigações Filosóficas, o seguinte: “Os problemas filosóficos nascem quando a linguagem entra em férias [...] As confusões com as quais nos preocupamos nascem quando a linguagem, por assim dizer, caminha no vazio, não quando trabalha” (WITTGENSTEIN, 1975, §38-§112). 7699 Considerando a abordagem de Wittgenstein, tarefa da filosofia não seria outra senão a busca por sentido, na medida em que entendemos o funcionamento da linguagem. “A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa linguagem” (WITTGENSTEIN, 1975, §109). Segundo essa abordagem os filósofos que se preocuparam em construir seus sistemas filosóficos, não deram como pertinente questão do uso que fazemos da linguagem e, com isso, produziram apenas conceitos, que são inapropriados, expressões, significados, que aparentaram ser verossímeis, mas numa análise mais detalhada, percebemos que não passam de ilusões do entendimento de “Uma imagem que nos mantinha presos. E não pudemos dela sair, pois residia em nossa linguagem, que parecia repeti-la para nós inexoravelmente” (WITTGENSTEIN, 1975, §115). Dessa forma, a tarefa do filósofo não é outra senão a de examinar a utilização da linguagem para que os problemas sejam dissolvidos. Para Wittgenstein, o objetivo da filosofia é “mostrar à mosca a saída do vidro” (WITTGENSTEIN, 1975, §309). Constantemente estamos submerso em concepções epistemológicas que obscurecem o nosso entendimento acerca da linguagem, bem como das coisas do mundo. Estamos presos aos ideais metafísicos. Para que dissolvamos todos esses mal-entendidos, é preciso trilhar o caminho adequado para a saída da garrafa. Coloca-se a necessidade de entender os aspectos da nossa linguagem e isso só é possível, a partir da consideração do seu uso, pois ao tratar o seu funcionamento, aborda-se não só inúmeras particularidades que não seriam exploradas até então, mas, a linguagem purificada, e junto com ela a filosofia é vista de forma diferente, não mais com base no caráter de fixidez, de uniformidade, de um conhecimento estabilizado. A partir da problematização e da discussão centrada no funcionamento da linguagem, Wittgenstein, originalmente, não constrói um modelo de filosofia, e nem explica as coisas a partir do uso da linguagem, mas sua preocupação centra-se na descrição da variedade de usos de uma palavra, pois, para Wittgenstein: “os únicos tipos de explicação da filosofia são explicações por descrição – descrição do uso de palavras” (HACKER, 2000, p. 13). Quando se descreve o que se passa com a linguagem, não se tem o intuito, em Wittgenstein, de se construir novas teorias, pois não se busca novas informações. “Nos vemos emaranhados nas regras para o uso da linguagem” (HACKER, 2000, p. 13). Diante disso pode-se questionar a respeito do papel da Filosofia. E este deve ser o de tornar esse emaranhamento livre de qualquer obscurantismo. Assim, não há mais descobertas em filosofia, não se busca mais uma verdade, uma essência que deve estar nas coisas. Tudo que 7700 se precisa saber já está no uso que se faz das palavras, o que resta é a necessidade de reconhecer e organizar essas informações, porque “os conhecimentos são resolvidos não pelo acúmulo de novas experiências, mas pela combinação do que é já há muito tempo conhecido” (WITTGENSTEIN, 1975, §109). É possível pensar a Educação nas Investigações Filosóficas? Nas Investigações Filosóficas, onde estão redigidas suas ideias mais recentes, Wittgenstein empregou a expressão “jogos de linguagem” para caracterizar a linguagem, considerando suas diversas possibilidades. Sua intenção era aclarar o conceito de linguagem enquanto algo único, fixo, estabelecido previamente. Segundo ele, a linguagem em funcionamento se caracteriza por suas inúmeras possibilidades de práticas. Na medida em que são consideradas as várias formas de uso das palavras, é possível diagnosticar que a linguagem não pode ser entendida como algo completo, rígido e autônomo que pode ser analisada sem levar em conta os seus diversos aspectos, pois ela está entrelaçada ao comportamento dos sujeitos e de suas práticas. Wittgenstein se utilizou das palavras de Santo Agostinho, para caracterizar o pensamento tradicional acerca da linguagem. O relato consiste em apresentar como uma criança aprende nossa língua. Essa concepção era, para Wittgenstein, basicamente sustentada por duas ideias: Primeiro a de que há uma essência da linguagem e em segundo lugar a de que as palavras possuem significados porque, como etiquetas, são coladas aos objetos, fatos do mundo que pretendemos abordar, algo explicado por Wittgenstein como ensino ostensivo, a saber, indico um objeto e o nomeio. Ao iniciar as Investigações Filosóficas, mencionando o texto de Santo Agostinho, Wittgenstein (1975, §1), declara que: Nessas palavras, assim me parece, uma determinada imagem da essência da linguagem humana. A saber, esta: as palavras da linguagem denominam objetos – frases são ligações de tais denominações. – Nesta imagem da linguagem encontramos as raízes da ideia: cada palavra tem uma significação. Esta significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra substitui. Wittgenstein concebe os usos que fazemos das palavras carregam os conteúdos de nossas vivências - nossas práticas cotidianas, na relação com as outras pessoas bem como com nós mesmos. Esses aspectos precisam ser considerados quando se faz uma análise da linguagem. Segundo Wittgenstein: “o termo ‘jogo de linguagem’ deve aqui salientar que falar 7701 da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 1975, §23). Na linguagem cotidiana estão interligadas atividades não linguísticas, aquelas nas quais são realizadas práticas, expressões de hábitos, comportamentos, sensações, sentimentos. Da mesma forma que existem várias espécies de linguagens, vários jogos de linguagens, há também várias formas de vidas relacionadas a essas linguagens que dão sentido ao que pensamos sobre as coisas do mundo. A linguagem é utilizada para caracterizar uma infinidade de atividades que geralmente realizamos. Para exemplificar, Wittgenstein escreve uma lista de muitas práticas que são parte da vida dos falantes de uma língua. Imagine a multiplicidade dos jogos de linguagem por meio desses exemplos e outros: Comandar, e agir sob comandos –Descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas –Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho) –Relatar um acontecimento –Conjeturar sobre um acontecimento –Expor uma hipótese e prová-la –Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas –Inventar uma história; ler –e presentar teatro –Cantar uma cantiga de roda –Resolver enigmas–Fazer uma anedota; contar –Resolver um exemplo de cálculo aplicado –Traduzir de uma língua para outra –Pedir, agradecer, maldizer, saudar, orar (WITTGENSTEIN, 1975, §23). Deste modo, mesmo quando se fala de descrição, fornecendo apenas um exemplo, se pode apresentar vários tipos que são por nós usados. Quando uma palavra é utilizada , se dá a ela um significado, que não pode ser determinado como único, pois sempre há possibilidade de usá-la de uma outra forma, para executar uma função diferente. Ao mencionar o termo jogos de linguagem, Wittgenstein evidencia o caráter dinâmico da linguagem diante da grande 7702 possibilidade de usos que podem ser apresentados. Para o pesquisador brasileiro de Wittgenstein Arley Moreno (2000, p. 56-57) ao questionar: Qual é, então o significado da palavra ‘água’, por exemplo? Depende do jogo de linguagem no qual ela é empregada; posso usá-la para referir-me ao elemento natural assim denominado que está a minha frente; posso usá-la para ensinar uma criança ou um estrangeiro sua aplicação como nome; posso usá-la sob a forma de pedido, quando estou sedento; posso usá-la como um pedido de rendição a meu adversário; posso usá-la como pedido urgente daquilo que ela denomina, para apagar um incêndio; ou ainda como exclamação, ante minha surpresa com a beleza cristalina da fonte inesperada; e podemos imaginar outros tantos usos possíveis da palavra, isto é, outras tantas situações de nossa vida em que é usada na linguagem como meio de comunicação e expressão. Quando a palavra “linguagem” é usada pra se referir à linguagem, traçam-se limites precisos para as nossas atividades linguísticas. Esses limites permitem entender a linguagem baseada numa estrutura clara e muito bem definida, com uma forma geral e fixa e é daí que se originam os problemas filosóficos. Ao tratar a linguagem como constituída de vários jogos de linguagem, Wittgenstein se desvencilha de uma investigação que oportuniza uma verdade única, a estrutura e a essência das coisas. Sua preocupação não está direcionada a uma busca por algo que seja comum a tudo que chamamos de linguagem, pois, “não há uma coisa comum a esses fenômenos, em virtude da qual empregamos para todos a mesma palavra” (WITTGENSTEIN,1975, §65). O que há na verdade, é uma interconexão das várias linguagens que são utilizadas nas várias situações da vida ordinária. Deste modo, os jogos de linguagem seriam “aparentados uns com os outros de muitos modos diferentes” (WITTGENSTEIN, 1975, §65). É justamente por esse conjunto de relações entre eles que Wittgenstein não dá uma definição à linguagem, mas descreve inúmeras linguagens que são utilizadas. Para melhor explicar isso Wittgenstein sugere que: Refiro-me a jogos de tabuleiro, de cartas, de bola, de torneios esportivos, etc. O que é comum a todos eles? Não diga: ‘Algo deve ser comum a eles, senão não se chamariam ‘jogos’’, - mas veja se algo é comum a eles todos. – Pois, se você os contempla, não verá na verdade algo que fosse comum a todos, mas verá semelhanças, parentescos, e até toda uma série deles. Como disse: não pense, mas veja! (WITTGENSTEIN, 1975, § 66). É importante perceber a sugestão de Wittgenstein, que não se pense, mas sim olhe para tudo que está ao redor, pois quando se olha sem pensar, não se é capaz de perceber as várias formas que são aplicadas as palavras, diferentes usos que estão relacionados às atividades extralinguísticas, inevitavelmente, envolvidas por ela. 7703 É preciso olhar, com mais atenção para as atividades que se denomina jogos. Quando se compara um jogo com outro é perceptível que existam várias semelhanças entre eles, mas nenhuma pode ser designada como a semelhança comum a todos os jogos. Em comparação com outros jogos as semelhanças percebidas anteriormente podem não mais existir dando lugar a outras. É possível que se estabeleça relações entre, por exemplo, jogos de cartas e jogos de tabuleiro e encontrarmos várias semelhanças entre esses tipos de jogos, mas ao relacionarmos esses últimos com os jogos de bola muitas semelhanças já não são as mesmas que da primeira comparação e assim acontecerá se sugerirmos outra comparação entre quaisquer jogos. Essas relações de semelhanças que podem se estabelecer entre as palavras usadas em na linguagem, como mencionado no exemplo da palavra ‘jogo’ são denominadas por Wittgenstein como ‘semelhanças de família’, pois elas desempenham o mesmo papel que as semelhanças das pessoas de uma mesma família. Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que com a expressão ‘semelhanças de família’; pois assim se envolvem e se cruzam as diferentes semelhanças que existem entre os membros de uma família: estatura, traços fisionômicos, cor dos olhos, o andar, o temperamento, etc., etc. – E digo: os jogos formam uma família (WITTGENSTEIN, 1975, §67). O exemplo que pode ser fornecido para essa relação de parentesco entre os jogos de linguagem com a constituição de uma corda. É no tecer dos fios que uma corda é produzida, é o entrelaçamento deles que gera a firmeza de uma corda e não a característica de que todos os fios vão até o fim dela, pois, existe nessa tessitura aqueles que se perdem no meio do trançar. Há possibilidade de limites serem estabelecidos no que se refere ao uso dos jogos de linguagem, porém, estes serão particulares, porque sempre poder-se-á usar determinada palavra de uma outra maneira que não aquela. Neste caso, a linguagem não é inteiramente regulamentada, embora sejam utilizadas regras para usar os jogos de linguagens. Essa ausência de uma regulamentação totalizante não afeta nocivamente, afinal sempre que uma palavra é usada, não se sabe, nem se pensa em todos os outros jogos de linguagem em que ela seria possível e mesmo assim acontece a comunicação. Neste sentido afirma Wittgenstein: Mas então o emprego da palavra não está regulamentado; o jogo que jogamos com ela não está regulamentado. Ele não está inteiramente limitado por regras; mas também não há nenhuma regra no tênis que prescreva até que altura é permitida lançar a bola nem com quanta força; mas o tênis é um jogo e também tem regras (WITTGENSTEIN, 1975, §68). 7704 Como se Sabe, ao descrever a linguagem considerando essa nova perspectiva, Wittgenstein está criticando a definição do significado enquanto algo permeado de fixidez, acabado e único, da mesma forma a filosofia, que durante muito tempo se colocou nos caminhos da racionalidade. Quando a pergunta “qual o significado de uma palavra?”, é mencionada, seria uma pergunta mal formulada, pois exige que a resposta seja algo único e definitivo. Para o filósofo, não há necessidade de conhecer em sua forma plena o significado de uma palavra, qualquer tentativa nesse sentido levaria a um entendimento equivocado dela, pois o significado consiste no conjunto dos usos que se faz das palavras e conhecer um uso de uma palavra é conhecer uma das faces de seu significado. A concepção filosófica de Wittgenstein faz perceber que não se tem mais um ponto de apoio firme e sólido, bem como não é possível mais segurar-se em estruturas fixas para organizar nossos pensamentos, porque todo conhecimento que é produzido a partir de bases sólidas e fixas não passaram, de fato, de mal-entendidos. É uma abordagem que, de certo modo, desconcerta o pensamento racionalista que sustentou só ser possível pensar e se comunicar unicamente, por meio de uma base cravada em conceitos precisos. Para Wittgenstein, só há possibilidade de pensar e se comunicar de forma adequada com base em conceitos vagos, pois se o sujeito almeja os conceitos que refletem a exatidão estaria cometendo um grande equívoco. A noção de uso, deste modo, não é algo para ser aplicado com base em estrutura cravada na concepção de ‘fixo’, como uma nova concepção filosófica a ser seguida, é mais um conceito vago, como os outros enunciados por Wittgenstein (jogos de linguagem, semelhanças de família, formas de vida) estes apenas indica os conjuntos de regras presentes nos jogos de linguagem. O trabalho de Wittgenstein, ao analisar como funciona a linguagem, é o de descrever as várias possibilidades dos usos de uma palavra, nesses casos, elencar os conjuntos das várias regras presentes nos jogos de linguagem. A ideia de que cada jogo de linguagem é regido por uma quantidade de regras não é garantia de nenhuma explicação, nenhuma verdade totalizante, pois se trata de regras particulares. As regras explicitadas são semelhantes ao que entendemos como placas de trânsito. Não são regras coercitivas, que exigem que se tenha determinado comportamento, são regras que indicam as possibilidades de caminhos. É preciso lembrar que o presente trabalho é de uma sucinta descrição e não de prescrição. Ele tem a tarefa de descrever, considerando todas as faces possíveis dos usos que se faz dos jogos de linguagem, esse olhar atento nos libertará do olhar habitual que desenvolvemos quando nos 7705 restringimos aos usos mais comuns. Moreno (2000, p. 67) apresenta, brevemente, o método de análise pensado por Wittgenstein, da seguinte forma: Procurando apenas descrever o funcionamento da comunicação pela linguagem, a única coisa que podemos afirmar é o resultado de nossa constatação: quando falamos, usando palavras e enunciados, empregamos termos vagos, que não delimitam precisamente, segundo regras fixas, aquilo a que se referem; as regras são aplicadas de maneiras diferentes pelos interlocutores nas diferentes situações, ou, até, diferentemente nas mesmas situações, uma vez que elas não são normativas, mas apenas indicam uma direção geral, fornecem uma orientação – assim como as tabuletas de tráfego, indicativas de direção, e não prescritivas de um trajeto preciso. E é assim de fato, que nos comunicamos: fazemo-nos compreender e compreendemos nossos interlocutores. O trabalho realizado nas “Investigações Filosóficas” teve como pretensão redirecionar os rumos do pensamento humano, abrir novas possiblidades para os seres usuários de uma linguagem para que estes fossem capazes de refletir mais e melhor acerca do mundo em que vivem. Conclusão As práticas, a partir de agora, serão orientadas pelas elucidações que alcançadas com as descrições e não mais regidas por uma determinada filosofia. Muitos acreditam que o que Wittgenstein fez, de maneira brilhante, foi desenvolver uma filosofia enquanto atividade terapêutica, pois ele não edificou um novo sistema, apenas sugeriu que o olhar fosse mais atento para a linguagem, para seus usos, para nossas práticas, para aquilo que fazemos em nossa vida. Quando os problemas filosóficos são dissolvidos, é como se a cura para uma doença fosse encontrada, é como se o sentido de vida fosse esclarecido. Em meio aos diversos jogos de linguagens descritos pelo terapeuta-filósofo todas as semelhanças possíveis são verificadas para que as os equívocos, as confusões sejam desfeitas. Segundo Wittgenstein: Nossos claros e simples jogos de linguagens não são estudos preparatórios para uma futura regulamentação da linguagem, - como que primeiras aproximações, sem considerar o atrito e a resistência do ar. Os jogos de linguagem figuram muito mais como objetos de comparação, que, através de semelhanças e dissemelhanças, devem lançar luz sobre as relações de nossa linguagem. (WITTGENSTEIN, 1975, §130). Deste modo, a filosofia é uma atividade contextualizada de esclarecimento que recusa um tipo de dogmatismo que procura a definição absoluta e unívoca de seu objeto de estudo, porque, quando isso acontece, o homem numa ânsia para resolver os problemas existenciais, busca fazê-la de forma metafísica, fundamentados em conceitos puros onde é apoiada a 7706 significação, ele adoece e produz enfermidades em quem se apoia em suas supostas soluções. Assim, sendo, mudar essa tendência de procurar definições com caráter absoluto, mesmo que plurais, é uma mudança de perspectiva, do modo de ver os problemas. E, é nessa mudança que se pode pensar a educação, livre de intervenções criadoras de situações fictícias para o uso de nossas expressões e comportamentos linguísticos. As questões quando assim apresentadas, levantam alguns aspectos pedagógicos que, de certa forma, se tornam importantes: a) Todo trabalho educacional deve começar por questionar aquilo que se apresenta como evidente, como inquestionável. Pois o objetivo da educação, não deve ser outro senão o de ultrapassar as enfermidades da tradição e atingir um novo modo de ver as coisas2. b) A essência da educação filosófica radica na liberdade, essencialmente no deixar ao interlocutor, sem força-lo a aceitar ou rejeitar qualquer forma de linguagem, seja ela ordinária ou metafísica, para resolver problemas. c) Os jogos de linguagem e o seguimento de regras têm uma matriz individual e social, os problemas educacionais e morais, e a resolução de tais problemas tem a ver com um trabalho sobre si mesmo – “O trabalho da filosofia – é como em grande parte do trabalho em arquitetura – em grande medida, um trabalho sobre si mesmo. Na própria compreensão. Na própria maneira de ver as coisas” (WITTGENSTEIN, 1980, p. 33). E social, pois, como a linguagem está fundamentada nas “formas de vida” que não podem ser senão plurais, nós não somos os únicos responsáveis pelas nossas confusões educacionais individuais, assim como não somos por grande parte da linguagem que usamos. Por isso devese, com afinco, talhar essa “subjetividade” que esta linguagem criou, reconduzi-la, de maneira a libertá-la da unilateralidade: Potencializar o método imaginativo, a saber: Nada é mais importante para nos ensinar a compreender os conceitos de que dispomos do que a construção de conceitos fictícios. [...] Um dos métodos mais importantes por mim utilizados é o de imaginar um desenvolvimento histórico das nossas ideias, diferente do que de fato ocorreu. Se o fizermos, vemos o problema de um ângulo completamente novo (WITTGENSTEIN, 1980, p. 62). 2 Nesse contexto, a filosofia não outorga a missão de corrigir apenas alguns erros de linguagem, mas trabalhar sobre as visões de mundo, e dos problemas educacionais concomitantes. 7707 É justamente esse método imaginativo, como proposto por Wittgenstein (1980, p. 120) uma educação por exemplos: Como é que nos ensinam a palavra “Deus” (isto é, o seu uso)? Não sou capaz de fornecer uma descrição gramatical completa de semelhante uso. Mas posso, por assim dizer, fazer algumas contribuições para uma tal descrição; posso dizer muito sobre ela e talvez, na altura própria, reunir uma espécie de coleção de exemplos. O que a educação filosófica pautada no método imaginativo deve desenvolver é a visão panorâmica dos usos da linguagem, bem como dos problemas que possam surgir a partir deles, contribuindo, dessa maneira, para um aclaramento das decisões e da forma de agir do ser humano. Isto é, uma atitude ética de aplicar a filosofia, ou seja, não utilizar as regras de um jogo de linguagem, em outro jogo de linguagem, como provas, ou justificativa de algo. Há, por isso, a possibilidade de afirmar que educação filosófica, é ela mesma, um jogo de linguagem. Por extensão, suas partes constituintes, podem ser entendidas como jogos dentro de outros jogos. A verdade, mais do que um estatuto que pode ser encontrado apenas na relação sujeito objeto, é encontrada nas regras que a constitui. Nesse sentido, a educação pode ser concebida como aquela que pode mudar o nosso olhar, mudar a nossa maneira de viver, e no que toca a aprendizagem, pode proporcionar ao discente atividades que oportunizem “um trabalho sobre si mesmo”, sobre suas próprias expressões do pensamento, com a qual identificamos a filosofia pragmática de Wittgenstein, a liberdade de imaginação e a sua individualidade. Enfim, a pragmática wittgensteiniana, pode se tornar fundamental para uma incursão mais aberta e mais significativa do discurso educativo e seus entornos como dispostos na contemporaneidade. Faz-se necessário o olho que modifique, não apenas o objeto, mas modifique a si mesmo. E a partir disso constata-se que é essencial um novo olhar para a Educação. REFERÊNCIAS DATOLO,C. La Teologia Fundamentale: Davanti alle sfide dei “Pensiero Deboli” di Gianni Vattimo. Roma: 1999: In: TEIXEIRA, Evilázio Francisco Borges. A aventura Pós-moderna e sua sombra. São Paulo: Paulus, 2005. p. 12. HACKER, P. M. S. Wittgenstein: sobre a natureza humana. Trad. João Vergílio Gallenari Cuter. São Paulo: Editora UNESP, 2000. (Coleção Grandes Filósofos). 7708 MORENO, Arley R. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. São Paulo: Editora da Universidade de Campinas, 2000. (Coleção Logos). WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. 1ª ed. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Os Pensadores) ___________. Cultura e valor. Lisboa: Ed. 70, 1980.