Definição do gênero crônica 1. De todos os significados que em p

Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretaria de Estado de Educação
Coordenadoria Regional Metropolitana VII
CIEP Brizolão 169 – MARIA AUGUSTA CORREIA
Profª: Giselle Campos
A Crônica
Definição do gênero crônica
1.
De todos os significados que em português se pode atribuir à palavra crônica, nenhum está
desvinculado da noção de tempo, inerente ao próprio termo em sua origem etimológica no grego
chronos. Como gênero de fronteira, situando-se
situando entre o jornalismo e a literatura,
eratura, confundindo-se,
confundindo
mais
das vezes com o conto, a crônica é, sobretudo, uma “forma do tempo e da memória” que “tece a
continuidade do gesto humano na tela do tempo” – como nos diz Arrigucci, a respeito da crônica de
Rubem Braga (ARRIGUCCI, 1987, p. 29 e p. 51).
In: Crátilo: Revista de Estudos Linguísticos e Literários. Patos de Minas: UNIPAM, (2):88-97,
(2):88
nov. 2009.
2.
Originalmente a crônica limitava-se
limitava se a relatos verídicos e nobres, pois tratava-se
tratava da compilação
de fatos históricos, apresentados segundo a ordem de sucessão no tempo, como o dia-a-dia
dia
da corte, as
histórias, os reis, seus atos, etc. Mais tarde, entretanto, grandes escritores, a partir do século XIX
passam a cultivá-la,
la, refletindo com argúcia e oportunismo, a vida social, a política, os costumes, o
cotidiano, etc. do seu tempo em livros, jornais e folhetins. Contemporaneamente, no jornalismo, em
coluna de periódicos, assinada, pode vir em forma de notícias, comentários, algumas vezes críticos
cr
e
polêmicos, abordando temas ligados a atividades culturais (literatura, teatro, cinema, etc.), políticas,
econômicas, de divulgação científica, desportivas, etc.. Atualmente também abrange o noticiário social e
mundano. Conforme a esfera social que retrata, recebe o nome de crônica literária, policial, esportiva,
política, jornalística, etc.
Quanto ao estilo, geralmente é um texto curto, breve, simples, de interlocução direta com o
leitor, com marcas bem típicas da oralidade. Quando predominantemente
predominantemente narrativa, possui trama,
quase sempre pouco definida, sem conflitos densos, personagens de pouca densidade psicológica, o que
a diferencia do conto. Os motivos, na maior parte, extrai do cotidiano imediato. Além do tipo narrativo,
também pode ser do tipo argumentativo ou expositivo, como textos de opinião sobre temas diversos de
diversas áreas.
COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica: 2008.
3.
“A crônica é algo para ser lido enquanto se toma o café da manhã, pois ela busca o pitoresco ou o
irrisório no cotidiano de cada um. É o fato miúdo: a notícia em que ninguém prestou atenção, o
acontecimento insignificante, a cena corriqueira. Eu pretendia apenas recolher da vida diária
di
algo de seu
disperso conteúdo humano. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nessa perseguição do acidental, quer
num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança, num incidente doméstico, torno-me
torno
simples espectador”.
Fernando Sabino. Trecho
ho presente em COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais.. Belo Horizonte: Autêntica: 2008.
Compilação de crônicas
Crônica e Ovo
Luiz Fernando Veríssimo
A discussão sobre o que é, exatamente, crônica é quase tão antiga quanto àquela sobre a
genealogia da galinha. Se um texto é crônica, conto ou outra coisa interessa aos estudiosos da literatura
assim como se o que nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha a zoólogos, geneticistas, historiadores, e
(suponho) o galo, mas não deve preocupar nem o produtor nem o consumidor. Nem a mim nem a você.
Eu me coloco na posição da galinha. Sem piadas, por favor. Duvido que a galinha tenha uma teoria sobre
o ovo, ou, na hora de botá-lo qualquer tipo de hesitação filosófica. Se tivesse, provavelmente não
botaria o ovo: É da sua natureza botar ovos, ela jamais se pergunta, “Meu Deus, o que eu estou
fazendo?”. Da mesma forma que o escritor diante do papel branco (ou, hoje em dia, na frente da tela do
computador) não pode ficar se policiando para só “botar” textos que se enquadrem em alguma
definição técnica de “crônica”. O que aparecer é crônica.
Há uma diferença entre o cronista e a galinha, além das óbvias (a galinha é menor e mais
nervosa). Por uma questão funcional, o ovo tem sempre o mesmo formato, coincidentemente oval. O
cronista também precisa respeitar certas convenções e limites: mas está livre para produzir seus ovos
em qualquer formato. Existem textos classificados como contos, paródias, outros que são puros
exercícios de estilo ou simples anedotas e até alguns que se submetem ao conceito acadêmico de
crônica. Ao contrário da galinha, podemos decidir se o ovo do dia será listrado, fosforescente ou
quadrado.
Você, que é o consumidor do ovo e do texto, só tem que saboreá-lo e decidir se é bom ou ruim,
não se é crônica ou não é. Os textos estão na mesa: fritos, estrelados, quentes, mexidos... Você só
precisa de um bom apetite.
A Bola
Luiz Fernando Veríssimo
O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola
do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro.
Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.
O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse "Legal!". Ou o que os garotos dizem hoje em dia
quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à procura
de alguma coisa.
- Como é que liga? - perguntou.
- Como, como é que liga? Não se liga.
O garoto procurou dentro do papel de embrulho.
- Não tem manual de instrução?
O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente
outros.
- Não precisa manual de instrução.
- O que é que ela faz?
- Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.
- O quê?
- Controla, chuta...
- Ah, então é uma bola.
- Claro que é uma bola.
- Uma bola, bola. Uma bola mesmo.
- Você pensou que fosse o quê?
- Nada, não.
O garoto agradeceu, disse "Legal" de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da tevê, com a
bola nova do lado, manejando os controles de um videogame. Algo chamado Monster Baú, em que
times de monstrinhos disputavam a posse de uma bola em forma de blip eletrônico na tela ao mesmo
tempo que tentavam se destruir mutuamente.
O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina. O pai
pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas. Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como
antigamente, e chamou o garoto.
- Filho, olha.
O garoto disse "Legal" mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola com as mãos e a cheirou,
tentando recapturar mentalmente o cheiro de couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de
instrução fosse uma boa ideia, pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.
Cosmonauta na Terra
Clarice Lispector
Extremamente atrasada, reflito sobre os cosmonautas. Ou melhor, sobre o primeiro
cosmonauta. Quase um dia depois de Gagárin, nossos sentimentos já estavam atrasados em
contraposição à velocidade com que o acontecimento nos ultrapassava. Agora então, atrasadíssima que
repenso no assunto. É um assunto difícil de sentir.
Um dia desses um menino, advertido de que a bola com que brincava cairia no chão e amolaria
os vizinhos de baixo, respondeu: ora, o mundo já é automático, quando uma mão joga a bola no ar, a
outra já é automática e pega-a, não cai não.
A questão é que nossa mão ainda não é bastante automática. Foi com susto que Gagárin subiu,
pois se o automático do mundo não funcionasse a bola viria mais do que transtornar os vizinhos de
baixo. E foi com susto que a minha mão pouco automática tremeu à possibilidade de não ser rápida o
bastante e deixar o “acontecimento cosmonauta” me escapar. A responsabilidade de sentir foi grande, a
responsabilidade de não deixar cair a bola que nos jogaram.
A necessidade de tornar tudo um pouco mais lógico – o que de algum modo equivale ao
automático – me faz tentar criteriosamente o bom susto que me pegou:
- De agora em diante, me referindo à Terra não direi mais “o mundo”. “Mapa mundial”,
considerarei expressão não apropriada; quando eu disser “o meu mundo”, me lembrarei com um susto
de alegria que também meu mapa precisa ser refundido, e que ninguém me garante que, visto de fora,
o meu mundo não seja azul. Considerações: antes do primeiro cosmonauta, estaria certo alguém dizer,
referindo-se ao próprio nascimento, “vim ao mundo”. Mas só há pouco tempo nascemos para o mundo.
Quase encabulados.
- Para vermos o azul, olhamos o céu. A terra é azul para quem olha do céu. Azul será uma cor
em si ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.
- Se eu fosse o primeiro cosmonauta, minha alegria só se renovaria quando um segundo
homem voltasse lá do mundo: pois também ele vira. Porque “ter visto” não é substituível por nenhuma
descrição: ter visto só se compara a ter visto. Até um outro ser humano ter visto também, eu teria
dentro de mim um grande silêncio, mesmo que falasse. Consideração: suponho a hipótese de alguém no
mundo já ter visto Deus. E nunca ter dito uma palavra. Pois, se nenhum outro viu, é inútil dizer.
- O grande favor do acaso: estarmos ainda vivos quando o grande mundo começou. Quanto ao
que vem: precisamos fumar menos, cuidar mais de nós, para termos mais tempo e viver e ver um pouco
mais; além de pedirmos pressa aos cientistas – pois se nosso tempo pessoal urge.
O Flagelo do vestibular
Luiz Fernando Veríssimo
Não tenho curso superior. O que eu sei foi a vida que me ensinou, e como eu não prestava
muita atenção e faltava muito, aprendi pouco. Sei o essencial, que é amarrar os sapatos, algumas
tabuadas e como distinguir um bom Beaujolais pelo rótulo. E tenho um certo jeito — como comprova
este exemplo — para usar frases entre travessões, o que me garante o sustento. No caso de alguma
dúvida maior, recorro ao bom senso. Que sempre me responde da mesma maneira? "Olha na
enciclopédia, pô!"
Este naco de autobiografia é apenas para dizer que nunca tive que passar pelo martírio de um
vestibular. É uma experiência que jamais vou ter, como a dor do parto. Mas isto não impede que todos
os anos, por esta época, eu sofra com o padecimento de amigos que se submetem à terrível prova, ou
até de estranhos que vejo pelos jornais chegando um minuto atrasados, tendo insolações e tonturas,
roendo metade do lápis durante o exame e no fim olhando para o infinito com aquele ar de
sobreviventes da Marcha da Morte de Batan. Enfim, os flagelados do unificado. Só lhes posso oferecer a
minha simpatia. Como ofereci a uma conhecida nossa que este ano esteve no inferno.
— Calma, calma. Você pode parar de roer as unhas. O pior já passou.
— Não consigo. Vou levar duas semanas para me acalmar.
— Bom, então roa as suas próprias unhas. Essas são as minhas...
— Ah, desculpe. Foi terrível. A incerteza, as noites sem sono. Eu estava de um jeito que
calmante me excitava. E quanto conseguia dormir, sonhava com escolhas múltiplas, a) fracasso, b)
vexame, c) desilusão. E acordava gritando, NENHUMA DESTAS! NENHUMA DESTAS! Foi horrível.
— Só não compreendo porque você inventou de fazer vestibular a esta altura da vida...
— Mas quem é que fez vestibular? Foi meu filho! E o cretino está na praia enquanto eu fico
aqui, à beira do colapso.
Mãe de vestibulando. Os casos mais dolorosos. O inconsciente do filho às vezes nem tá, diz pra
coroa que cravou coluna do meio em tudo e está matematicamente garantido. E ela ali, desdobrando
fila por fila do gabarito. Não haveria um jeito mais humano de fazer a seleção para as universidades? Por
exemplo, largar todos os candidatos no ponto mais remoto da floresta amazônica e os que voltassem à
civilização estariam automaticamente classificados? Afinal, o Brasil precisa de desbravadores. E as mães
dos reprovados, quando indagadas sobre a sorte do filho, poderiam enxugar uma lágrima e dizer com
altivez:
— Ele foi um dos que não voltaram...
Em vez de:
— É um burro!
Os candidatos à Engenharia no Rio de Janeiro poderiam ser postos a trabalhar no Metrô dia e
noite, quem pedisse água seria desclassificado. O Estado acabaria com poucos engenheiros novos —
aliás, uma segurança para a população — mas as obras do Metrô progrediriam como nunca. Na direção
errada, mas que diabo.
O certo é que do jeito que está não pode continuar. E ainda por cima, há os cursinhos prévestibulares. Em São Paulo os cursinhos estão usando helicópteros na guerra pela preferência dos
vestibulandos que terão que repetir tudo no ano que vem. Daí para o napalm, o bombardeio
estratégico, o desembarque anfíbio e, pior, uma visita do Kissinger para negociar a paz, é um pulo. Em
São Paulo há cursinhos tão grandes que o professor, para se comunicar com as filas de trás, tem que
usar o correio. Se todos os alunos de cursinhos no centro de São Paulo saíssem para a rua ao mesmo
tempo, ia ter gente caindo no mar em Santos. O vestibular virou indústria. E os robôs que saem das
usinas pré-vestibulares só tem dois movimentos: marcar cruzinha e rezar.
O filho da nossa nervosa amiga chegou em casa meio pessimista com uma das provas.
— Sei não. Acho que tubulei. O Inglês não estava mole.
Mas meu filho, hoje não era inglês! Era Física e Matemática!
— Oba! Então acho que fui bem.
A glória do falso
Moacyr Scliar
Prezados senhores:
Uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados
com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já teria até sido adquirida. A razão desta
cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente. Antes de mais nada, devo dizer aos senhores que nada
tenho contra a destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido
pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que está
correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um
direito dos senhores.
Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que
vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande admirador da
marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi
grande diferença deles para os verdadeiros.
Em segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem está
escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio,
porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou
pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os
senhores não têm ideia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo, vão me
olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike. Eu direi, naturalmente, que foi presente (não quero que
pensem que andei roubando), mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber
um Nike de presente pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço.
Uma última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve a marca
Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num barraco que não pode ser
chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o de casa. Uso a camiseta de uma universidade
americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da
universidade -é uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante.
Mandem-me, por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno.
Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa uma certa importância. E depois,
quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida
Notícia de Jornal
Fernando Sabino
Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de cor branca, 30 anos
presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em pleno centro da cidade,
permanecendo deitado na calçada durante 72 horas, para finalmente morrer de fome.
Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos e comentários, uma ambulância do Pronto
Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram sem prestar auxílio ao homem, que
acabou morrendo de fome. Um homem que morreu de fome.
Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem) afirmou que o caso
(morrer de fome) era da alçada da Delegacia de Mendicância, especialista em homens que morrem de
fome. E o homem morreu de fome.
O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Anatômico sem ser
identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome.
Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem caído na
rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária, um marginal, um
proscrito, um bicho, uma coisa - não é um homem.
Cérebro eletrônico: o que sei é tão pouco
Clarice Lispector
Decididamente estou precisando ir ao médico e pedir um remédio contra falta de memória. Ou
melhor, uma amiga já me deu dois vidros de umas pílulas vermelhas contra falta de memória mas é
exatamente minha falta de memória que me faz esquecer de tomá-las. Isso parece velha anedota, mas é
verdade.
Tudo isso vem a propósito de eu simplesmente não me lembrar quem me explicou sobre o
cérebro eletrônico. E mais: tenho em mãos agora mesmo uma fita de papel cheia de buraquinhos
retangulares e essa fita é exatamente a da memória do cérebro eletrônico. Cérebro eletrônico: a
máquina computadora poupa gente. Os dados da pessoa ou do fato estão registrados na linguagem do
computador (furos em cartões ou fitas). Daí vão para a memória: que é outro órgão computador (outra
máquina) onde os dados ficam guardados até serem pedidos.
Partindo deste princípio, chegamos ao definidor eletrônico: a partir de um desenho feito em
um papel magnético a máquina (ou o cérebro) pode reproduzir em matéria de desenho. Isto é: entra o
desenho e sai o objeto (cibernética, etc.) Há a experiência plástica, visual e também literária
da reprodução (número e quantidade). A sensação é de apoio para o homem. Compensação do erro. Há
possibilidade de você lidar com uma máquina e seus sensores como a gente gostaria de lidar com nosso
cérebro (e nossos sensores), fora da gente mesmo e numa função perfeita.
Bem. Acabo de dizer tudo, mas mesmo tudo, o que sei a respeito do cérebro eletrônico. Devo
inclusive ter comedido vários erros, sem falar nas lacunas que, se fossem preenchidas, esclareceriam
melhor o problema todo.
Peço a quem de direito que me escreva explicando melhor o cérebro eletrônico em
funcionamento. Mas peço que use termos tão leigos quanto possível, não só para que eu entenda como
para que eu possa transmiti-los com relativo sucesso aos meus leitores.
Quando penso que cheguei a falar no mistério, que continua mistério, do cérebro eletrônico, só
posso dizer como a gente dizia lá em Recife: Virgem Maria!...
Mas o amor é mais misterioso do que o cérebro eletrônico e no entanto já ousei falar de amor.
É timidamente, é audaciosamente, que ouso falar sobre o mundo.