Cadernos do CHDD ano 13 • número 24 • primeiro semestre 2014 Fundação Alexandre de Gusmão ministério das relações exteriores Ministro de Estado Secretário-Geral Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado Embaixador Eduardo dos Santos fundação alexandre de gusmão Presidente Centro de História e Documentação Diplomática Diretor Embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima Embaixador Maurício E. Cortes Costa Conselho Editorial da Fundação Alexandre de Gusmão Presidente: Membros: Embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg Embaixador Jorio Dauster Magalhães e Silva Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão Embaixador Tovar da Silva Nunes Embaixador José Humberto de Brito Cruz Ministro Luís Felipe Silvério Fortuna Professor Francisco Fernando Monteoliva Doratioto Professor José Flávio Sombra Saraiva Professor Antônio Carlos Moraes Lessa A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. O Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) orgão da Fundação Alexandre de Gusmão / MRE, fica no Palácio Itamaraty, Rio de Janeiro, prédio onde está depositado um dos mais ricos acervos sobre o tema, e tem por objetivo estimular os estudos sobre a história das relações internacionais e diplomáticas do Brasil. www.funag.gov.br/chdd Cadernos do CHDD Sumário VII Carta do Editor 9 Santiago do Chile: A primeira missão brasileira, 1836 - 1838 163Prússia: A missão especial do Visconde de Abrantes Relatório - 1846 Carta do Editor O CHDD tem publicado as séries documentais das primeiras missões brasileiras na América. Neste volume dos Cadernos do CHDD, vem a público a correspondência de Manuel Cerqueira Lima, primeiro plenipotenciário brasileiro no Chile, entre os anos 1836 e 1838. O plenipotenciário enfrentou inúmeras dificuldades para chegar ao posto para o qual fora designado. Ao chegar a seu destino, teve início a colaboração chilena com a resistência peruana contra a recém-criada Confederação Peru-Boliviana. O conflito, que se estendeu de 1836 a 1839, não aconteceu em território chileno, mas repercutiu amplamente na administração e nas finanças do país. As representações diplomáticas sofreram suas consequências, que se podem acompanhar pela documentação ora publicada. A segunda parte deste número dos Cadernos é dedicada a um Relatório escrito por Miguel Calmon du Pin e Almeida, marquês de Abrantes, chamado de “estadista de dois impérios”, por sua atuação na administração pública, tanto do Brasil e como de Portugal. Homem de muitos recursos intelectuais, foi comissionado pelo Imperador para missão diplomática à Prússia em 1844, com o intuito de analisar a experiência do Zollverein, a união aduaneira VII dos ducados e principados alemães, que vigorava desde 1833. Conforme as instruções recebidas, o então visconde de Abrantes produziu abundante correspondência oficial e um Relatório final, em que, além das estritas instruções que recebera, analisou detalhadamente a sociedade da Prússia, em todas as suas vertentes. Abrantes pediu e, em novembro de 1852, recebeu a seguinte “Permissão Imperial”: Ilmo. e Exm. Snr. Sua Magestade o Imperador Há por Bem conceder á V. Ex. a permissão que pedio para publicar a correspondencia official, que, na qualidade de Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario em missão especial, teve V. Ex. com o Governo Imperial, desde Outubro de 1844, até Outubro de 1846; visto que, tendo cessado o motivo político que embaraçára a mesma publicação, nenhum inconveniente póde vir do conhecimento de factos que já pertencem á história. O que tenho a honra de communicar á V. Ex. para sua intelligencia. Deos Guarde a V. Ex. Paulino José Soares de Sousa Snr. Visconde de Abrantes O “motivo político que embaraçara” a publicação terá sido a outra parte de suas instruções, referente à mediação inglesa nos assuntos do Rio da Prata e à navegação fluvial na América do Sul, que Abrantes também deveria cobrir, junto a certos governos europeus. Como fica patente na permissão imperial, a documentação oficial terá sido protegida por cláusulas de confidencialidade e a publicação acabou sendo feita por conta do próprio autor, em dois volumes, anos depois de concluída a missão, na certeza de que despertaria interesse. No mesmo intuito, vem o CHDD tornar acessível o Relatório final da missão. Maurício E. Cortes Costa VIII Santiago do Chile A primeira missão brasileira (1836-1838) Apresentação Em 1836, Manoel Cerqueira Lima foi designado encarregado de negócios do Brasil junto ao governo chileno, para o que seria a primeira missão diplomática brasileira àquele país, entre os anos de 1836 e 1838. A documentação enviada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros cobre aspectos dignos de nota, desde os percalços da viagem empreendida à capital do Chile, que incluíram revoltas de indígenas em território argentino e a travessia da Cordilheira do Andes, até os obstáculos enfrentados pelo jovem império brasileiro para manter uma legação diplomática, nos primeiros anos da independência, em um país em guerra: o Chile travava um conflito militar com a vizinha Confederação Peru-Boliviana (1836-1839). As instruções recebidas de Antônio Paulino Limpo de Abreu, então ministro dos Negócios Estrangeiros, assinalavam o desejo do governo brasileiro de “conservar perfeitas relações de amizade com os Estados conterrâneos”, finalidade precípua da missão. A orientação sobre negociações, visando a um futuro Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, fora bem 11 específica: “é de toda a probabilidade que o governo proponha a V. Mce. a confecção de um tratado de comércio (...). Não deverá, porém, V. Mce. tomar a iniciativa de semelhante negociação”. O ofício n. 4, de 15 de novembro de 1836, remetido de Buenos Aires para o Rio de Janeiro, ainda durante a viagem para o Chile, indica, entretanto, que o diplomata brasileiro recebera instruções adicionais, em outro sentido. Apesar de a ideia inicial de um tratado com o Império do Brasil ter sido bem recebida pelo governo chileno, o estado de guerra minou os esforços do encarregado de negócios brasileiro e as sucessivas dilações fizeram que só em 1838 as tratativas fossem coroadas de êxito. Quanto ao tráfico de escravos, as instruções do ministro diziam: “... se ordenou ao cônsul-geral do Brasil nessa república (...) que propusesse (...) uma convenção, para se conseguir a abolição completa do nefando comércio de africanos e a fim de apoiar proposta semelhante que S. M. Britânica mandava fazer a todos os Estados nossos conterrâneos; e de novo recomendo a V. Mce. este negócio de tanta importância para o nosso país, cuja moralidade é tão prejudicada pela existência de um tráfico tão desumano, infelizmente continuado por contrabando de uma maneira escandalosa”. Em que pese a pressão da Grã-Bretanha, que culminaria com o Bill Aberdeen, de 1845, a diplomacia brasileira tinha perfeita consciência da complexidade do tema. Ainda assim, o esboço de tratado apresentado por Cerqueira Lima ao governo do Chile incluía uma disposição de viés indiscutivelmente escravista. Rejeitada in limine, o encarregado de negócios concordou com a supressão da cláusula. Não obstante, o tema da escravidão voltou a ser suscitado na versão final do tratado e a fórmula utilizada na redação remete à Constituição do Chile, promulgada em 1833. Esse, muito provavelmente, terá sido o motivo da não ratificação do tratado pelo parlamento brasileiro. Com a publicação destes ofícios, o CHDD espera contri- 12 buir para a ampliação do conhecimento sobre o estabelecimento de nossas relações diplomáticas com os países vizinhos, dando sequência a uma série de missões que incluíram as pioneiras na Bolívia, no Peru e na Venezuela. A transcrição da documentação da primeira missão brasileira a Santiago, sob a supervisão do CHDD, foi efetuada pelos seguintes estagiários de História: Aline Beatriz Silva Coutinho (UNIRIO), Bárbara de Almeida Guimarães (UFRJ), Ingrid Ariane Miranda Gomes (UFRJ) e Pedro Henrique Ferreira Baptista Barud Casqueiro (UFF). Seguindo a prática adotada pelo Centro de História e Documentação Diplomática, foi atualizada a ortografia e, apenas quando necessário à melhor compreensão do texto, alterada a pontuação. 13 1836 Cadernos do CHDD despacho • 22 jul. 1836 • ahi 317/04/11 Instruções de Antônio Paulino Limpo de Abreu, ministro dos Negócios Estrangeiros, para Manuel de Cerqueira Lima, encarregado de negócios no Chile. Instruções para Manuel de Cerqueira Lima O regente em nome do Imperador, confiando no seu zelo, dignou-se nomeá-lo encarregado de negócios do Brasil junto ao governo do Chile, como verá da competente carta de crença e da de chancelaria, que o regente escreve ao presidente daquela república. O governo brasileiro deseja conservar perfeitas relações de amizade com os Estados conterrâneos e é para as estreitar cada vez mais que há nomeado agentes diplomáticos que neles residam. Cumprirá, pois, que, apenas V. Mce. chegar a Santiago e depois de ter feito a entrega das cartas sobreditas, procure todos os meios adequados de capacitar esse governo das puras intenções dos brasileiros, fazendo desvanecer quaisquer impressões sinistras – que ocorrências imprevistas ou calúnias de mal-intencionados tenham, acaso, originado – e pedindo-me logo informações quando fatos sobrevenham, de que não tenha conhecimento. Convirá, indispensavelmente, que V. Mce., por todos os meios, indague dos sucessos políticos que possam, direta ou indiretamente, interessar o Brasil e que hajam lugar em qualquer das repúblicas americanas e, com especialidade, com as que acaso tenham conexão com a rebelião promovida por alguns facciosos da província de S. Pedro, a qual, com tanto afinco, o Governo Imperial trabalha por sufocar, sustentando a integridade e instituições do Império. Na correspondência regular com esta secretaria de Estado, me participará tudo circunstanciadamente e, bem assim, aos nossos agentes de Bolívia, Buenos Aires e Montevidéu e ao presidente da província de S. Pedro, com os quais também se corresponderá sobre o que julgar necessário aos nossos interesses. O Governo Imperial está informado do grande consumo que esse Estado já faz dos nossos gêneros coloniais e este ramo 17 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 de comércio – que convém ser animado por V. Mce., quanto estiver a seu alcance – há toda a probabilidade que, para o futuro, se torne mui considerável, porque nenhuma nação que os possui está em circunstâncias de os fornecer ao Chile, com mais brevidade e por preço mais cômodo. Estas razões não podem ser desconhecidas naquele país e, por isso, é de toda a probabilidade que o governo proponha a V. Mce. a confecção de um tratado de comércio, a que o Governo Imperial se não oporá, uma vez que seja baseado nos princípios consignados no tratado que se concluiu com os Estados Unidos da América. Não deverá, porém, V. Mce. tomar a iniciativa de semelhante negociação; mas a acolherá, quando lhe seja feita, sem repugnância, referindo-se ao Governo Imperial para pedir instruções, insinuando logo que, achando-nos ligados a ajustes com algumas nações européias, os quais devem durar até o ano de 1842 – os de mais longo prazo –, não poderão conceder-se ao Chile favores especiais antes daquela época, porque [ipso facto] as outras nações os gozariam, seja qual for a posição especial em que nos achemos para com as nações americanas e o interesse comercial que disso se derivasse. Deverá também V. Mce. fazer entender que nesta corte é que se tratarão tais assuntos e, como o Governo Imperial tem direito de esperar que, em devida reciprocidade, para aqui se remeta um agente diplomático chileno, pode esse, quando venha a realizar-se a negociação, ser munido dos competentes plenos poderes. Em 31 de agosto de 1835 e 9 de março de 1836, se ordenou ao cônsul-geral do Brasil nessa república (como das cópias juntas) que propusesse a entabulação de uma convenção, para se conseguir a abolição completa do nefando comércio de africanos e a fim de apoiar proposta semelhante que S. M. Britânica mandava fazer a todos os Estados nossos conterrâneos; e de novo recomendo a V. Mce. este negócio de tanta importância para o nosso país, cuja moralidade é tão prejudicada pela existência de um tráfico tão desumano, infelizmente continuado por contrabando de uma maneira escandalosa. Será muito para desejar que V. Mce. colha algumas informações sobre o meio mais regular de fixar-se os limites do Império com as repúblicas limítrofes, bem como sobre os 18 Cadernos do CHDD meios de promover as relações comerciais entre os dois países, indicando quais os gêneros mais vendáveis ora, e que para o futuro o possam ser na respectiva permuta; no que sem dúvida fará relevante serviço. Certo de que V. Mce. conhece bem quais os deveres, que lhe impõe o caráter de que se acha revestido, escuso recomendar-lhe que não deve tomar a menor parte, direta ou indireta, nos movimentos políticos que acaso sobrevenham no Chile, ou em qualquer outra república; e quando aconteça que para mediador seja chamado, não se negará V. Mce. a esse honroso encargo, mas resumirá os seus esforços em conciliar as partes divergentes, não comprometendo oficialmente o Governo Imperial, a quem imediatamente dará parte do que praticar. E como por esta repartição se oficiará seguidamente a V. Mce., em tempo adequado se lhe marcará o que convier acrescentar a estas instruções, e as concluirei asseverando a V. Mce. que espero ter muitas ocasiões de poder louvar os seus bons serviços e que, pela cópia do decreto respectivo, vai V. Mce. vencendo o ordenado anual de 2:400$000 réis. Deus guarde a V. Mce. Paço, em 22 de julho de 1836. Antônio Paulino Limpo de Abreu Sr. Manuel de Cerqueira Lima 19 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ofício1 • 26 jul. 1836 • ahi 230/03/15 Rua da Pedreira, 26 de julho de 1836. Exmo. Sr., Nomeado pelo governo de S. M. I. encarregado de negócios junto ao governo da República do Chile, tendo de me retirar para o lugar de meu destino e fazer prolongada viagem por terra (extensão de quatrocentas léguas para mais) com todas as dificuldades de péssimas estradas, em que se não acha nem mesmo o necessário para as primeiras exigências da vida; tendo de levar em minha companhia minha esposa e meus três filhos em tenra idade, obrigado portanto a carregar comigo tudo quanto me for preciso mesmo os mais pequenos arranjos; tenho reconhecido que bem que empregue a maior economia, é de absoluta impossibilidade dar conta dessa viagem com a exígua ajuda de custo que se me concede; atendendo ainda mais a mesquinhez do ordenado que vou perceber. Por esses motivos venho perante V. Exa. pedir que se digne aumentar-me essa ajuda de custo, elevando-a à quantia [de] dois contos e quatrocentos mil réis, sem a qual não se pode efetuar tão longínqua viagem. Tenho a honra de ser De V. Exa. Atento venerador ob[sequio]so cr[iado] Manoel Cerqueira Lima ofício2 • 13 set. 1836 • ahi 230/03/15 Índice: Parte da chegada a Buenos Aires e projeto de partida p[ar]a Mendoza. N. 1 1 Intervenção marginal, no quarto superior esquerdo da página, de outra autoria: “Ofício ao Sr. Min[istro] da Faz[end]a para adiantar ao supl[icante] dous quartéis do seu ordenado, cuja importância se irá descontando pela 5ª parte. Com este adiantam[en]to perfaz-se a soma, que pede, de 2:400$.” Segue-se intervenção de outra mão: “Exp[edido] em 28 de julho de 1836.” 2 Intervenção marginal, de outra autoria, à direita da numeração: “Ac[usar] o recebim[en]to.” 20 Cadernos do CHDD Buenos Aires, 13 de setembro 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] participar a V. Exa. a minha chegada a este país em 20 do mês passado, o que não fiz pela volta do paquete, não só porque V. Exa. dela seria provavelmente informado por o encarregado de negócios do Brasil aqui residente, como porque desejava ao mesmo tempo alguma cousa comunicar a respeito da minha jornada para Santiago de Chile, sobre a qual devo dizer a V. Exa. que tantas têm sido as pessoas consultadas, quantas as opiniões diversas, já sobre a época da passagem da cordilheira, já sobre seus perigos, de sorte que tenho resolvido, combinan[do] o que tenho ouvido, daqui partir em os primeiros dias de novembro para Mendoza, onde poderei obter mais exatas informações, e então aproveitar-me da primeira ocasião favorável de, sem risco, poder efetuar a dita jornada, que certamente apresenta grandes incômodos com grandes despesas. Junto achará V. Exa. da [sic] Gazeta Mercantil de 7 deste mês, o que dá conta do acontecimento, que teve lugar em a cordilheira, tendo-se perdido a correspondência. Deus guarde a V. Exa. muitos anos. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício3 • 20 out. 1836 • ahi 230/03/15 N. 2 Buenos Aires, 20 de outubro 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Em 13 do mês passado tive a honra de escrever a V. Exa. a respeito da minha jornada para Mendoza; nesta ocasião cumpre-me confirmar os meus projetos, se por acaso eles não forem contrariados pela notícia da revolta dos índios, contra os quais 3 No verso do documento: “R. a 9 de [novem]bro 1836”. 21 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 têm marchado tropas de diversos pontos da república; constando porém que partes deles já têm sido batidas em o Río Cuarto (lugar por onde devemos passar), espera-se que para a época de nossa partida desta, eles terão sido inteiramente repulsados para o sul. Sobre a passagem da cordilheira, tendo obtido melhores informações, penso que só em fevereiro ou princípio de março a poderemos passar, entretanto devo assegurar a V. Exa. que quanto estiver da minha parte farei para adiantar a minha chegada a Santiago, sendo, além de outros motivos, o estado de incômodo e despesas em que me acho mais que uma garantia para fazê-lo. Aqui tem chegado do Chile com o caráter de agente confidencial junto a este governo o sr. Francisco Xavier Rosales, o qual parte nesta ocasião para essa corte, e dizem-me com o mesmo caráter, devendo aí demorar-se pouco tempo, e seguir para Londres, Paris, e Roma; parece que o objeto de sua viagem à Europa é o contrair um empréstimo, fazer arranjos sobre o pagamento da dívida externa de Chile e tratar com a Santa Sé. Temos notícias de ter sido reeleito o presidente da República do Chile Joaquín Prieto. Pelas gazetas que o cônsul-geral do Brasil ali residente deve ter enviado, V. Exa. terá sido informado da projetada, porém felizmente malograda expedição dos emigrados da mesma república, expedição que tem dado lugar a desinteligência entre aquele governo e o de Peru, a ponto de ser a guerra, entre as duas repúblicas, inevitável. O ministro do Peru em Chile tem pedido seu passaporte e parece que o mesmo ia fazer o de Bolívia. De Santiago darei parte a V. Exa. como me cumpre circunstanciadamente de todos os acontecimentos. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo d’Abreu Etc. etc. etc. v 22 Cadernos do CHDD ofício4 • 15 nov. 1836 • ahi 230/03/15 N. 3 Buenos Aires, 15 de novembro de 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] participar a V. Exa. que em o dia 6 do corrente pela manhã, estando pronto a partir para Mendoza, recebi um recado do ministro dos Negócios Estrangeiros para ir falar-lhe, o que imediatamente fiz e então, da parte do governador, me foi comunicado o perigo que corríamos se efetuássemos nossa partida naquele dia, tendo ele recebido em a véspera comunicações do governador de Córdoba de que os índios se achavam em número de oitenta e tantos em a fronteira e que, por vezes, em partidas de 8, 10 e 13 tinham aparecido e atacado na estrada; esta notícia me foi comunicada debaixo do maior segredo, exigindo o ministro, para pretexto de nossa demora, visto que a carruagem se achava pronta à porta, o fingir-se minha esposa enferma, o que ela fez por alguns dias, cuja moléstia foi geralmente acreditada. O ministro prometeu-me avisar quando sem risco poderíamos sair, esperando para esse fim o correio de Chile, que já tarda bastante, visto costumar aqui chegar em os primeiros dias de cada mês; entretanto, desejando quanto antes efetuar minha viagem para poder aproveitar a passagem da cordilheira logo que ela se abra e ao mesmo tempo aflito por não me achar nesta ocasião em Santiago, convencido de que algum serviço poderia fazer ao Brasil; tenho pedido ao encarregado de negócios do Brasil aqui residente, para ver se o governo me poderá facilitar uma escolta de dez homens para nos acompanhar em os lugares de maior perigo; a não tomar esse expediente, será necessário ou decidir-me a ir por mar (o que já teria feito se uma ocasião segura se tivesse apresentado) ou esperar aqui até que os índios tenham sido perfeitamente destruídos. Em o dia 11 do corrente aqui chegaram quatro franceses do Chile, os quais foram demorados em Mendoza quatro dias por ordem do governador, em consequência da notícia dos índios acharem-se no caminho; vieram perfeitamente armados em companhia de 4 No verso do documento: “5 de Dezembro”. 23 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 doze pessoas mais e por eles sabemos que algumas postas se acham abandonadas, tendo sido roubadas e várias famílias mortas, e que desde S. Luis até a fronteira de Córdoba foram obrigados a dormir sempre em os fortes; assim como que a população de S. Luis, que é pequena, passa as noites em a fortaleza, e que toda espécie de dificuldades se encontra em a estrada, sendo a principal a falta de cavalos, tendo os índios levado mais de quatrocentos. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Etc. etc. etc. ofício5 • 15 nov. 1836 • ahi 230/03/15 N. 4 Buenos Aires, 15 de novembro 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício de V. Exa. de 14 de setembro que acompanhou os plenos poderes dados pelo regente em nome de S. M. o Imperador para eu encetar um tratado com o Chile em consequência das ocorrências sobrevindas entre aquela república e a do Peru, por ocasião da não ratificação do tratado de comércio e navegação entre ambas concluído. Rogo a V. Exa. de agradecer de minha parte ao regente por me ter incumbido de tão honrosa tarefa, ficando o mesmo regente, assim como V. Exa., certos de que empregarei todos os meus esforços para corresponder à confiança que se tem posto em mim, tratando de obter as maiores vantagens possíveis para o Brasil. Não deixo entretanto de prever algumas dificuldades em consequência dos tratados que o Chile tem feito com os Estados Unidos da América do Norte e com o Peru, e ainda que o segundo não tenha sido ratificado, contudo por ele se vê o espírito que existe a respeito das vantagens que estão dispostos a ceder a favor das repúblicas que em 1809 faziam parte da monarquia espanhola. 5 Intervenção marginal no quarto superior esquerdo, grafada a lápis: “Ac. e diga q.” 24 Cadernos do CHDD Receio que um dos resultados da convenção celebrada ultimamente entre as duas repúblicas a bordo da corveta de S. M. B. fundeada no Callao de Lima, seja a ratificação de tal tratado, tratado que é inteiramente oposto aos interesses do Brasil. Apesar disso, quanto estiver da minha parte, com aquela prudência que exigirem as circunstâncias, com aqueles conhecimentos que só no lugar poderei adquirir e com as informações do cônsul-geral, farei para obter o melhor resultado, limitando-me nesta ocasião a pedir instruções a V. Exa. sobre o prazo, por me parecer que se adotar o de 1842, época em que finaliza o tratado com a Inglaterra será mui curto, entretanto que o de dez ou 12 anos me parece conveniente, não só para poder animar as especulações que possam ter lugar, maiormente quando eu considero que as vantagens serão para o Brasil, como porque a distância é imensa, a navegação arriscada e nossas relações não estão ainda naquele pé em que, existindo um tratado de longa duração, deverão vir a ficar. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Etc. etc. etc. ofício6 • 15 nov. 1836 • ahi 230/03/15 N. 5 Buenos Aires, 15 de novembro de 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Tendo-me sido comunicad[as] pelo encarregado de negócios do Brasil aqui residente as notícias agradáveis dos felizes acontecimentos que tiveram lugar em a província de Rio Grande do Sul, eu aproveito-me desta ocasião para congratular-me com V. Exa. esperando que iguais resultados terão lugar todas as vezes que os anarquistas ousarem em qualquer ponto do Império, perturbar a 6 Intervenção marginal superior, a lápis, à direita da numeração: “A[cusar]”. No verso: “5 de dezembro”. 25 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 tranquilidade e atentar contra a integridade do Império, maiormente se os principais autores daquela revolução forem exemplarmente castigados, como merecem, porque só com a certeza do castigo os malvados poderão ser contidos. Acabamos de saber que a convenção firmada em 28 de agosto pelos plenipotenciários de Chile e Peru não fora ratificada pelo presidente de Chile, e que uma esquadra de oito navios comandada pelo almirante Blanco saiu de Valparaíso em 29 de setembro a bloquear os portos do Peru. As notícias que correm hoje sobre os índios são bastantemente desagradáveis, dizem que doze índios fizeram fugir a sessenta e tantos soldados que se achavam no posto do Morro (província de S. Luís) assim como que 3.000 se acham a 30 léguas da capital. Aqui chegou o famoso naturalista francês Bonpland, que vive em S. Borja e para onde deve voltar dentro de um mês, tendo vindo unicamente obter do cônsul francês o certificado de vida para poder perceber a pensão que lhe dá o governo francês. Deus guarde V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Etc. etc. etc. ofício • 24 nov. 1836 • ahi 230/03/15 N. 6 Buenos Aires, 24 de novembro de 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Havendo em o meu ofício n. 5 participado a V. Exa. a não ratificação da convenção feita em Callao de Lima pelos plenipotenciários de Chile e Peru e a saída de Valparaíso da esquadra chilena em 29 de setembro para bloquear os portos do Peru, tenho a honra [de] levar ao conhecimento de V. Exa. um extrato das notícias vindas pelo último correio de Chile aqui chegado em o dia 19. A esquadra chilena debaixo do comando do almirante Blanco devia sair em o dia 17 ou 18 para o porto de Callao, levando a seu 26 Cadernos do CHDD bordo d. Mariano Egaña, ministro plenipotenciário do governo de Chile e encarregado especialmente de fazer as reclamações que aquele governo crê ter direito a exigir do governo do Peru. A esquadra se compõe da força seguinte: corveta Valparaíso, com o sinal de almirante, de 18 peças; bergantim Aquiles, de 20 peças; corveta Monteagudo, de 32 peças; bergantim Orbegoso, de 6 peças e um rosidilho [sic]; escuna Colo Colo, de 10 peças. A julgar pela autorização que o presidente da República pediu e obteve do Congresso Nacional para declarar a guerra ao Peru no caso de que as reparações que o governo pede não sejam satisfeitas, dever-se-á crer que o governo de Chile julga inevitável a guerra, porém não obstante se crê que a paz terá lugar. D. Casimiro Olañeta, nomeado ministro plenipotenciário do protetor do Peru, havia chegado a Santiago de volta da França, e apresentado ao governo de Chile suas credenciais, e tinha sido reconhecido em seu caráter. O estado exausto do Tesouro do Peru é uma grave dificuldade para que o general Santa Cruz se decida à guerra: além disso não estando sentadas as bases da Confederação Peru-Boliviana, é mui delicado o tentá-la, porque Santa Cruz deve saber o descontentamento que reina em Bolívia, pelos muitos gastos que tem causado sua intervenção nos assuntos do Peru, e que vindo a fazer parte de uma confederação, perde em certo modo sua nacionalidade, e a compromete em assuntos estranhos a seus interesses, assim ainda que a guerra será para Chile uma grave calamidade, a situação do general Santa Cruz é muito mais difícil e espinhosa. As dificuldades se têm complicado ultimamente por um novo incidente. Tem-se descoberto que dois ou três expatriados do partido do finado general Salaverry haviam feito seduzir a bordo da fragata [sic] Monteagudo dois homens, com o fim de preparar uma sublevação quando estivessem à vista do Callao. Os expatriados tinham obtido passaportes do general Santa Cruz para voltarem ao Peru e os dois homens tinham tido a promessa de quatro mil pesos para executar o movimento cuja promessa se assegura lhes foi garantida, segundo eles declaram, pelo cônsul e encarregado de negócios de Bolívia em Santiago. O processo continua, e se o encarregado de negócios de Bolívia for complicado se aumentarão as desconfianças que o governo de Chile tem do caráter de Santa Cruz. 27 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 A irritação dos ânimos em Chile contra o Peru é desde alguns anos atrás. Pensam que o Peru não quer pagar o que lhe deve, e este é o ponto de reunião de todos os partidos chilenos. O ministro de México em o Peru tem oferecido a mediação do seu governo. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo d’Abreu Etc. etc. etc. ofício • 24 dez. 1836 • ahi 230/03/15 N. 7 Buenos Aires, 24 de dezembro de 1836. Ilmo. e Exmo. Sr., Se o talento e o patriotismo dão direito a consideração e estima pública, certamente que o regente em nome de S. M. o Imperador, tendo em atenção essas qualidades que V. Exa. possui em eminente grau, não podia melhor escolher para dirigir a repartição dos Negócios Estrangeiros em a ausência do exmo. ministro e secretário d’Estado da mesma repartição, do que a V. Exa. Eu tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício que V. Exa. me fez a honra dirigir em 9 de novembro recomendando-me quanto antes minha partida para o Chile a qual certamente teria já feito se não tivessem ocorrido as circunstâncias que expendi em meu ofício n. 3. O governador desta república que tanto interesse mostrou em aquela ocasião por nós, não tem julgado ainda conveniente e fora de risco a minha partida e como a responsabilidade que recairia sobre mim sem que daí resultassem vantagens ao Brasil em o caso de qualquer acontecimento desagradável seria imensa, eu tenho pensado até certo ponto, quando ainda não por outro motivo que o da delicadeza e civilidade seguir seus conselhos. O encarregado de negócios do Brasil em Bolívia e Peru escreveu de Córdoba aconselhando a nossa demora visto o estado perigoso da estrada; entretanto, como em fins de fevereiro ou 28 Cadernos do CHDD princípios de março eu poderei com minha família passar a cordilheira, tenho decidido – ainda mesmo com algum risco e grandes incômodos –, daqui partir em fins de janeiro, e V. Exa. pode contar que infalivelmente o mais tardar até 15 de março, a não acontecer alguma desgraça, me acharei em Santiago. Em o meu ofício n. 6 comunicando um extrato das notícias de Chile, disse o que havia a respeito do encarregado de negócios de Bolívia naquela república; agora, sabe-se, pelo último correio, que o governo mandara-lhe o passaporte para sair da capital em 24 horas, e do território da república em a primeira ocasião. Sabe-se mais da chegada a Lima do ministro plenipotenciário de Chile d. Mariano Egaña e que, sendo recebido, contudo o general Santa Cruz recusava tratar enquanto a esquadra de Chile estivesse à vista: com a chegada do primeiro correio é provável tenhamos notícias mais circunstanciadas. O governo do Chile, dizem, convidara ao desta para enviarem-se reciprocamente um ministro. O general Armaza, agente de Bolívia, não foi recebido por este governo e, ainda que alguma razão houvesse para o governo assim proceder, contudo creio que o motivo principal é demorar e ver a direção que tomam os negócios de Chile e Peru. Eu tenho a honra [de] enviar a V. Exa. um exemplar do Regulamento dos Serenos, que fazem à noite a polícia desta capital; as grandes vantagens que têm resultado a este país me tem feito pensar que, com algumas modificações próprias às nossas circunstâncias, esse plano poderia ser adotado à cidade do Rio de Janeiro, que sendo de uma dobrada população se faz mais necessária uma polícia vigilante e ativa, e se no ministério de V. Exa. um estabelecimento de tal natureza for criado o povo dessa capital terá mais um motivo para grato recordar-se de V. Exa. ao mesmo tempo em que o exmo. Regente fará marcar a época do seu governo com a criação de instituições verdadeiramente úteis ao país. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Gustavo Adolfo d’Aguilar Pantoja Etc. etc. etc. 29 1837 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ofício • 07 mar. 1837 • ahi 230/03/15 N.1 Santiago, 7 de março de 1837 Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] participar a V. Exa. a minha chegada a esta capital em o dia 3 de março corrente, tendo saído de Buenos Aires em o dia 23 de janeiro: desnecessário é relatar a V. Exa. os trabalhos, incômodos e privações por que passamos, tendo enfim chegado a nosso destino. Em o dia 4 pedi ao ministro dos Negócios Estrangeiros dia, lugar e hora para fazer-lhe entrega da minha credencial, o qual marcou-me o dia 6 (cópia[s] n. 1 e 2). O ministro recebeu-me com as expressões as mais lisonjeiras, dizendo-me que há muito o governo de Chile desejava estreitar as relações com o Império; e, comunicando-lhe eu que estava autorizado com plenos poderes para fazer um tratado de amizade, comércio e navegação, essa notícia foi acolhida com o maior prazer, assegurando-me que eu encontraria os melhores desejos, as melhores disposições e todas as facilidades da parte do governo da República; e, ainda que por ora nossas relações de comércio fossem em mui pequena escala, contudo esperava-se aumentariam com a celebração de um tratado. Em o mesmo dia fiz entrega da carta que V. Exa. me enviou para o ministro das Relações Exteriores, assim como da cópia da de chancelaria que o exmo. regente do Império enviou ao presidente da república, pedindo dia para pessoalmente entregar a original, para o que me foi marcado o dia de amanhã, 8 (cópia n. 3). Tão pouco tempo de estada não me permite dar a V. Exa. notícias circunstanciadas tanto do país, como do estado da guerra com o Peru; consta-me entretanto que uma expedição se apronta para desembarcar em o Peru, contando o governo de Chile com o partido que ali existe contra Santa Cruz. O ministro comunicou-me que Santa Cruz – que a todo o sacrifício, desejando a paz – propusera a decisão por meio de árbitros e que fossem os encarregados de negócios de França, Estados Unidos e cônsul-geral de Inglaterra aqui residentes; porém que o governo de Chile com franqueza respondera que não consentiria em que as nações da Europa fossem árbitras em negócios que se deviam considerar de família, além disso 32 Cadernos do CHDD que não tendo eles sido autorizados por seus governos, não os poderia considerar que como particulares; eu aproveitei-me da ocasião para dizer-lhe que o governo do Brasil via com mágoa a guerra entre duas nações que se deviam considerar irmãs, e que eu estava persuadido que se os dois governos quisessem aceitar a mediação do Brasil, que ele se prestaria de muito bom grado, tanto mais que, considerando-se o Brasil como fazendo parte do mesmo continente, e mais particularmente da mesma parte da América, deveriam a seu respeito desaparecer aquela repugnância que os governos americanos meridionais tinham e com razão de intrometer em seus negócios os governos da Europa. A tanto avancei por desejar estabelecer aquela influência que deve pretender o Brasil ter sobre estes países, e mais adiante não fui porque minhas instruções apenas me dizem que aceitarei o lugar de mediador quando para esse honroso cargo fosse chamado. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Gustavo Adolfo d’Aguilar Pantoja Etc. etc. etc. [Anexo 1] Cópias Santiago de Chile, 4 de março de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr. Havendo o regente em nome de S. M. o Imperador do Brasil se dignado nomear-me encarregado de negócios junto ao governo desta república, eu terei a honra de apresentar-me à V. Exa. para fazer-lhe a entrega da minha credencial, logo que V. Exa. tiver a bondade de me indicar o lugar, dia e hora em que poderei ser recebido. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Don Diego Portales Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros 33 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 [Anexo 2] Santiago, 4 de marzo de 1837. He tenido el honor de recibir la nota de V. S. de hoy, en que me participa el nombramiento de encargado de negocios cerca del gobierno de Chile, que el Rigente del Imperio del Brasil en nombre de Su Majestad el Emperador, he tenido a bien hacer en su persona, y solicita le designe día y hora para exhibir su credencial. Este gobierno ha recibido con particular satisfacción la noticia del nombramiento de V. S. para el expresado destino, pues lo considera como un medio eficaz para estrechar y extender las relaciones de amistad y buena armonía que felizmente existen entre Chile y Brasil. Yo tendré la honra de recibir a V. S. en la oficina de Relaciones Exteriores el lunes, 6 del corriente, a las doce del día. Entretanto, congratulo a V. S. por su feliz arribo al territorio chileno. Dios guarde a V. S.. Diego Portales Señor Don Manuel Cerqueira Lima [Anexo 3] Oficina de Relaciones Exteriores Santiago, Marzo 7 de 1837. El Ministro de Relaciones Exteriores tiene el honor de saludar al señor d. Manuel Cerqueira Lima, encargado de negocios del gobierno de Brasil cerca de el de Chile y dar participación que el presidente tendrá satisfacción de recibirle mañana, 8, a la una del día. 34 Cadernos do CHDD ofício7 • 11 mar. 1837 • ahi 230/03/15 N. 2 Santiago, 11 de março de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Dias depois da minha chegada a esta, recebi os ofícios de 10 de out[ubro], 5 de dez[em]bro e as segundas vias dos de 14 de setembro, 5 de dezembro, as circulares de 4 de out[ubro] e 28 de novembro de 1836, que V. Exa. me tem feito a honra dirigir: em conformidade das ordens que V. Exa. neles me dá oficiarei ao cônsul-geral, e remeterei o Regulamento das Alfândegas do Império, para que ele ponha em execução em a parte que lhe diz respeito. Em o dia 8 fui apresentado ao presidente da República que, recebendo-me mui bem, nada disse de particular a poder comunicar a V. Exa. Visitei, como de estilo, ao corpo diplomático estrangeiro composto do encarregado de negócios de França, o dos Estados Unidos e o cônsul-geral de Inglaterra. Ontem, apresentou-se nesta legação o cônsul-geral brasileiro. A respeito da guerra com o Peru nada mais poderei aumentar, senão é que acompanha a expedição d. Philippe Pardo, ministro plenipotenciário que foi do Peru aqui, em tempo do general Salaverry, e hoje redator do Intérprete, homem bastantemente vivo e de talentos. Em o Araucano n. 340 que envio, verá V. Exa. a correspondência sobre a arbitragem das três nações de que já falei a V. Exa. em o meu ofício n. 1. Por fim, concluirei assegurando a V. Exa. que não só o governo, como a nação verão com prazer a nomeação de um encarregado de negócios do Brasil, e que existem as melhores disposições a nosso respeito. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Gustavo Adolfo d’Aguilar Pantoja Etc. etc. etc. 7 Intervenção marginal superior, à direita da numeração: “Ac[usar] o receb[imento]”. 35 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ofício • 11 abr. 1837 • ahi 230/03/15 N. 3 - 2ª via Santiago, 11 de abril de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Em o meu ofício n. 1, dizendo a respeito da arbitragem que o general Santa Cruz propusera, escapou o erro “aqui residentes” em lugar de “ali residentes” – o que V. Exa. facilmente teria percebido com a leitura do Araucano n. 340. Em Nova Granada a questão do vice-cônsul da nação inglesa José Russel que à mão armada atacara um cidadão granadino tem dado lugar a ameaças da parte do governo inglês. Longe da cena dos acontecimentos e não conhecendo os fatos mais do que pelos papéis públicos, a eles me refiro tendo a honra [de] enviá-los em esta mesma ocasião a V. Exa. Estando com o presidente, e falando-se a respeito dessa questão, ele mostrou-se bastantemente ressentido, vendo a maneira com que os ingleses têm tratado e querem continuar a tratar os governos da América Meridional; e disse-me que se não estivesse tão ocupado com a guerra do Peru seria o primeiro a convidar para um congresso americano, que essa ideia do general Bolívar não deveria ser desprezada; e várias outras cousas disse relativas à conduta que têm tido os governos da Europa para com os da América, fortificando assim os argumentos da necessidade e vantagem desse congresso; e não pensa V. Exa. que conviria ao Brasil lançar mão dessa ideia? Maiormente em este momento que parece verificar-se o reconhecimento por parte de Espanha da independência das repúblicas? É verdade que a paz na América seria essencial, ainda que para ela também poderia concorrer o convite para esse congresso, em o qual entre outras questões de grande peso dever-se-ia tratar da sustentação mútua dos governos, ora existentes e reconhecidos. Há dias aqui chegou a notícia da declaração da guerra por parte das Províncias Unidas do Rio da Prata ao general Santa Cruz; se até agora sua posição parecia duvidosa, agora tendo de dividir suas forças e ao mesmo tempo combater o partido interno, creio que não se poderá suster por muito tempo; entretanto quem poderá prevenir jamais os resultados da guerra? E falhando os dados com que este governo conta, a desgraça e ruína de ambos é inevitável, levando a par de si a das Províncias Unidas que apenas se podem suster. A expedição se apronta, e dizem que em fins deste ou 36 Cadernos do CHDD princípios de maio sairá, debaixo do comando do almirante Blanco, homem que goza de reputação de ter sido feliz em todas as suas empresas; grande parte de emigrados, entre os quais vários oficiais generais, a acompanham. Aqui tem chegado um encarregado de negócios da República do Equador junto ao governo francês, dizem também com missão a Roma e Espanha, não tem ainda decidido se irá pela cordilheira ou se por mar a bordo de uma fragata francesa que em pouco tempo deve partir para essa. É-me muito lisonjeiro ter de comunicar a V. Exa. que grande parte das famílias principais do país nos tem visitado, o que não tem acontecido aos outros membros do corpo diplomático, e maior número nos anunciam, logo que formos para o centro da cidade. Essa particular atenção é uma prova da estima e consideração que este povo tem pelo governo imperial e dos desejos que geralmente tem de estreitarem as relações de amizade e comércio. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Gustavo Adolfo d’Aguilar Pantoja Etc. etc. etc. ofício • 11 abr. 1837 • ahi 230/03/15 N. 4 2ª via Santiago, 11 de abril de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Em data de 14 de março oficiei como V. Exa. verá das cópias juntas ao ministro dos Negócios Estrangeiros a respeito do reconhecimento da princesa imperial a senhora d. Januária como sucessora ao trono e Coroa Imperial do Brasil. O encarregado de negócios do Brasil em Bolívia e Peru me tem escrito enviando cópia do ofício que passou àquele governo, oferecendo a mediação do Brasil; eu lhe tenho respondido, como V. Exa. verá da cópia n. 4, que este governo não me parece disposto a aceitar a mediação de qualquer nação. De 37 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 outra parte, a condição deste governo para a separação do Peru e Bolívia e para a retirada de Santa Cruz jamais será aceita porque nesse caso ele preferirá correr a sorte da guerra que também lhe pode ser favorável. A respeito do tratado o ministro das Relações Exteriores me tem dito que, imediatamente acabe com as grandes e urgentes ocupa[ções], então cuidará dele; entretanto eu não o tenho apressado, necessitando antes ir a Valparaíso para obter as melhores informações, ver os mapas que este governo diz-me ter dado ao cônsul-geral, conversar com os negociantes e conhecer o estado de nossas relações: penso contudo que em maio daremos princípio a ele, e que chegará a tempo para ser aprovado pelo Governo Imperial e pelas câmaras. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Gustavo Adolfo d’Aguilar Pantoja Etc. etc. etc. [Anexo 1] Cópias Legação de S. M. o Imperador do Brasil em Santiago de Chile, 14 de março de 1837. O abaixo assinado encarregado de negócios de S. M. o Imperador do Brasil, de ordem de seu governo, tem a honra de comunicar a S. Exa. o senhor d. Diego Portales, ministro das Relações Exteriores, para conhecimento do governo da República do Chile que, em 31 de maio de 1836, fora reconhecida pela Assembleia Geral Legislativa do Brasil a princesa imperial a senhora d. Januária como sucessora no trono e Coroa Imperial do Brasil, segundo a ordem de sucessão estabelecida na Constituição do Império e Lei de Trinta de out[ubro] de 1835. O abaixo assinado reitera seus sentimentos de estima e consideração. Manoel Cerqueira Lima [Anexo 2] 38 Cadernos do CHDD Santiago, 14 de marzo de 1837. He recibido la nota de V. S. de hoy, en que de orden de su gobierno se sirve participarme que el 31 de mayo de 1836 fue reconocida por la Asamblea General Legislativa del Brasil la princesa imperial señora doña Januária como sucesora del trono y Corona Imperial del Brasil, según el orden de sucesión establecida en la Constitución del Imperio, y ley de 30 de octubre de 1835. El presidente queda enterado de este importante acontecimiento. Acepte V.S. las sinceras protestas de mi más alta y distinguida consideración. Diego Portales Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 3] Chuquisaca, 24 de janeiro de 1837. Ilmo. Sr., Intérprete dos sentimentos do nosso governo, tenho feito constar por via de uma nota o seu anelo por evitar o derramamento de sangue americano, conservar a harmonia entre os novos Estados conterrâneos e promover a sua prosperidade; e manifestei que me acho autorizado a oferecer a sua mediação para conciliar as desavenças entre nações irmãs. Se V. Sa. chegar a conhecer nesse governo desejos de aproveitar-se destes magnânimos sentimentos do Governo Imperial para terminar as suas dissensões com o Peru, poderá noticiar-lhe que eu estou autorizado a oferecer a sua mediação, sempre que ela possa concorrer para o fim proposto. Deus guarde a V.Sa. De V.Sa. muito atento venerador e colega Duarte da Ponte Ribeiro Ilmo. Sr. Manoel de Cerqueira Lima Encarregado de Negócios de S. M. o Imperador do Brasil em Chile [Anexo 4] Santiago, 28 de março de 1837 39 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Ilmo. Sr., Tenho a honra de acusar a recepção do ofício de V. Exa. de 24 de janeiro, acompanhando a nota que V. Exa., como intérprete dos sentimentos do nosso governo, passou ao dessa República oferecendo a sua mediação com o fim de concluir a guerra que desgraçadamente se tem declarado entre duas nações que se devem considerar irmãs. Em a minha primeira entrevista com o ministro das Relações Exteriores, possuído dos desejos de ver acabar essa guerra que só para continuação de desgraças que a tanto pesam sobre o povo hispano-americano tem tido lugar, anunciei que o governo do Brasil de bom grado se prestaria à mediação tendo a certeza que os dois governos a aceitariam, e os motivos por que a oferecida dos governos da Europa fora recusada serviu-me de argumento a favor da do Brasil: e nesse sentido oficiei ao governo imperial. Estou convencido entretanto de que o governo de Chile jamais cederá que [sic] as condições, por ele propostas, condições a que o general Santa Cruz certamente não anuirá; que [sic] depois de tudo tentar, portanto a decisão da questão parece só terá lugar por meio das armas, e que nenhuma mediação será aceita; entretanto de longe tornarei a tocar e me considerarei mui feliz se os puder convencer a aceitarem, e assim talvez principiaremos a estabelecer aquela influência que o Brasil deve querer ter em os negócios da América Meridional. Outra dificuldade se apresenta: é a declaração de guerra da parte do governo das Províncias Unidas do Rio da Prata, que teve lugar no dia 13 de fevereiro e se, até agora, o general Santa Cruz se tinha colocado em uma posição difícil, então mais do que nunca ela será crítica e o governo de Chile, com esse apoio, menos disposto estará a aceitar a mediação, além de que seria necessário já o convite da terceira parte beligerante, sem o que seriam inúteis todos os esforços. Aqui se apronta uma expedição para que, apoiada com o partido dos descontentes dessas [sic] obrem contra o general Santa Cruz, e dizem que em fins de abril ou meados de maio ela partirá. Deus guarde a V. Exa Manoel de Cerqueira Lima Ilmo. Sr. Duarte da Ponte Ribeiro 40 Cadernos do CHDD ofício8 • 03 maio 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Opinião do ministro Portales sobre um Congresso Americano. Caráter do mesmo ministro. As forças de Chile contra o Peru. Os generais La Fuentes e Gamarra. Preferência do governo de Chile por aquele. Sublevação em o Peru. Navios do Peru escapando ao bloqueio de Chile. Saída deles sem que se saiba para onde. Execução de cinco proprietários em Curicó. Retirada do comissário francês depois de protestar. N. 5 Valparaíso, 3 de maio de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Havendo em o meu ofício n. 3 comunicado a V. Exa. a opinião do presidente desta república acerca de um Congresso Americano, e tendo posteriormente estado com o ministro dos Negócios Estrangeiros d. Diego Portales, parece-me dever dizer a V. Exa. o que pensa ele a esse respeito. Mostrando-me confidencialmente a parte que podia ter relação com esse objeto, em as instruções dadas ao almirante que vai comandar a expedição contra o Peru, nelas se encontra pouco mais ou menos o seguinte: que procurasse por todos os meios a aliança do Equador convidando para isso, e entendendo-se com o general Flores, presidente da Câmara dos Deputados; que aceitando ele esse convite e estando de acordo, não duvidasse entregar-lhe o comando geral das forças; que, atendendo à influência, reputação e saber do mesmo general que [sic] não deveriam pôr dúvida em obedecê-lo e que, depois de um resultado feliz, as repúblicas de fato aliadas formariam então um congresso para determinar a linha de conduta a seguir não só respeito a elas como às mais nações; que era tempo de acabar com o estado vacilante da América Espanhola, e que era necessário impedir que, a cada instante, aventureiros e ambiciosos estivessem perturbando a paz de que tanto necessitavam. Assim vê V. Exa. que sendo ele da mesma opinião, varia entretanto quanto à época. Não tendo ainda tido ocasião de falar a V. Exa. sobre o caráter e influência dos principais empregados da república, reservando-me para quando tenha mais conhecimento 8 Intervenção marginal superior no verso da última página do documento: “R. a 5 de julho de 1837”. No quarto inferior esquerdo da mesma página, o índice. 41 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 do país, devo entretanto de passagem dizer alguma cousa sobre o de d. Diego Portales, ministro dos Negócios Estrangeiros, Marinha, e Guerra, para que V. Exa. melhor possa conhecer o espírito de minhas comunicações: único que governa a república, de um caráter empreendedor, e de uma vontade bastantemente forte, a ele deve o país o aumento em civilização que tem tido [h]á alguns anos a esta parte; facilitando a educação e instrução geral, tem contudo ultimamente restringido as ciências unicamente à propriedade: são por consequência suas ideias picadas de aristocracia e em o abandono de sua conversação indica trabalhar para esse fim, não deixando constantemente de fazer elogios ao estabelecimento da monarquia no Brasil. A expedição que creio será composta de oito ou nove navios de guerra além dos transportes, levará, dizem, três mil homens, e a divisão dos emigrados peruanos com o título de auxiliadora e libertadora do Peru. O general La Fuentes, que vai com o comando da divisão dos emigrados, parece que logo em o primeiro ponto de seu desembarque se proclamará presidente, e por isso aparecem já diversos partidos, preferindo uns a este e outros ao general Gamarra; os quais, ainda que para lançarem fora o general Santa Cruz se unam, terão depois de combater, provavelmente, e então reinará a guerra civil, principalmente se não aparecer algum peruano que, conciliando os partidos e que não tendo até agora sido conhecido possa governar, porque dos dois muito há que dizer. O governo desta república parece ter-se declarado a favor do general La Fuentes, e contra Gamarra, o qual por esse fato, se tiver a felicidade de ser vitorioso nos combates posteriores, se negará a todas as exigências de Chile, ainda que também não duvido [sic] que La Fuentes uma vez no Peru se esquivará a elas, não sendo homem que goze da reputação do melhor caráter: assim, para o Peru só vejo foco [sic] e continuação de desgraças. Parece e dizem que ali só esperam a chegada da expedição para se sublevarem, principalmente em o departamento de La Libertad, onde o finado general Salaverry teve muitos amigos e cujo partido ainda existe, ligado com os emigrados que daqui partem; prova mais essa opinião a notícia de uma sublevação que devia ter lugar em Islay, supondo a guarnição desse porto que o general Santa Cruz deveria aí desembarcar, tencionavam em esse momento 42 Cadernos do CHDD fuzilá-lo, porém descoberta a conspiração ele foi a Arica e daí mandou tropas sobre Islay; os conspiradores fugiram em um navio que, não tendo aguada e não sei por que motivos mais, fazendo naufrágio, foram presos e quarenta fuzilados, escapando ou morrendo outros tantos. Corre também que Santa Cruz se tem retirado do Peru a Bolívia, pensam com intenções de não voltar mais; V. Exa. combinando o que daqui digo com as participações do encarregado de negócios do Brasil em o Peru melhor poderá vir em o conhecimento da verdade, descontando assim todas aquelas exagerações que são filhas das circunstâncias e devidas às influências do país em que nos achamos. Os navios do Peru que se achavam em Guaiaquil escaparam ao bloqueio de Chile e foram para o Callao, donde depois saíram, sem que se saiba até hoje para onde; supõe-se que para Arica ou para as costas desta república. Vários navios neutros que têm ido levar farinhas ao Peru têm voltado com elas, apesar, dizem, da promessa que seus encarregados tiveram de que ali seriam recebidas. Em consequência dos poderes extraordinários dados ao governo enquanto durar a guerra com o Peru, não será convocado o Congresso como deveria ser para o 1º de junho. Em Curicó, capital da província de S. Fernando (Chile) tendo sido descoberta uma sublevação contra o intendente (governador ou presidente), uma comissão foi nomeada, os réus julgados e fuzilados cinco dos principais, quase todos proprietários e pais de famílias. Partiram pela cordilheira o encarregado de negócios do Equador junto ao governo francês e o comissário francês que tinha vindo arranjar certa reclamação de embarcações francesas que tiveram questões sobre avaria grossa com este comércio; essa reclamação, creio, monta a cinquenta mil pesos; nada arranjaram, não tendo querido ceder este governo, e partiu o comissário dizem-me que tendo protestado; receio que a França renovará sua reclamação com a força. D. Diego Portales aqui se acha em comissão tendo deixado a pasta dos Negócios Estrangeiros interinamente ao ministro da Fazenda. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima 43 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Gustavo Adolfo d’Aguilar Pantoja Etc. etc. etc. ofício9 • 12 maio 1837 • ahi 230/03/15 Índice: De volta a Valparaíso recebendo as circulares de 11 de janeiro e 25 de fev[erei]ro. Felicitações pela volta de S. Exa. Conclusão da questão entre Inglaterra e a Nova Granada. Expedição de Chile e a demora da corveta Monteagudo. N. 6 Santiago, 12 de maio de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., De volta de Valparaíso tive a honra receber as circulares de 11 de janeiro e 25 de fevereiro e ficando ciente do que se me diz em a primeira, é de esperar que a esta hora tal fantasma de república tenha desaparecido e que os autores de tantas desgraças daquela província em breve receberão o devido castigo.10 Conquanto o exmo. ministro da Justiça tivesse desempenhado em a ausência de V. Exa. o Ministério dos Negócios Estrangeiros, eu não posso deixar de felicitar a nação pela volta de V. Exa. maiormente em a persuasão do restabelecimento em a saúde de V. Exa. Com bastante satisfação tenho a comunicar a V. Exa. que se tem renovado a boa harmonia entre a Inglaterra e a Nova Granada, sentindo não poder nesta ocasião dar os detalhes. A expedição de Chile contra o Peru parece ainda se demorará, e a meu ver não sairá antes de um mês, faltando-lhes ainda os transportes; além de que a falta de notícias da corveta Monteagudo bastantemente tem contrariado este governo, sendo um dos melhores vasos que possuem: várias são as suposições do motivo da demora e como todas sejam infundadas, desnecessário será repeti-las a V. Exa., reservando-me para a primeira ocasião poder mais acertadamente dizer alguma cousa. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima 9 Intervenção no verso do documento: “Resp. em 20 de julho 1837”. Abaixo, na mesma página, o índice. 10 CADERNOS DO CHDD. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática, 2004. n. 4, 1º semestre. p.88. 44 Cadernos do CHDD Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Etc. etc. etc. v ofício • 15 jun. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Recebimento do ofício de V. Exa. datado de 5 de abril. Chegada da corveta Monteagudo. O porto de Valparaíso cerrado em o dia 5 de junho. Abertura das câmaras e a parte do discurso que diz respeito ao Brasil. Volta do general Santa Cruz e mudança de planos, se não fosse a morte do ministro d. Diego Portales. Cartas para o exmo. regente, do presidente; e para S. Exa., do ministro dos Negócios Estrangeiros. N. 7 15 de junho de 1837, em Santiago de Chile. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício de V. Exa. datado em 5 de abril pelo qual devo oficiar a este governo a respeito do princípio que o Governo Imperial tem adotado relativamente a bloqueios, não o havendo feito o cônsul-geral. A corveta Monteagudo enfim chegou de Talcahuano trazendo setecentos homens de tropa a seu bordo e contavam que a expedição sairia em o dia 20, tendo-se já declarado em o dia 5 o porto de Valparaíso cerrado até provavelmente dias depois da saída, o que foi oficialmente comunicado ao nosso cônsul ali residente; porém em o dia 3 teve lugar uma sublevação em as tropas que se achavam em Quillota, donde resultou a morte do ministro da Guerra d. Diego Portales (em outro ofício falarei desse acontecimento tão triste para Chile) e por consequência todos os planos suspensos. Não como me tinha dito d. Diego Portales e era sua opinião, porém sim, conformemente o que se decidiu em conselho, maiormente por haverem muitos deputados novos, as câmaras foram abertas em o 1º de junho, lendo o presidente o discurso que nesta mesma ocasião tenho a honra [de] enviar a V. Exa. e onde a respeito do Brasil se lê a passagem seguinte: Tenho motivo para esperar que se farão mais frequentes e interessantes nossas relações políticas e comerciais com o Império 45 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 do Brasil, convidado pelas produções naturais de ambos os países e por sua situação geográfica a tomar uma parte importante em nosso comércio. Com a chegada a Valparaíso da fragata inglesa La Blonde soube-se da volta do general Santa Cruz, e pelo que em conversação pude perceber do presidente, parece-me que não contando este governo com ela, todo o plano de campanha seria mudado, se não fosse a traição do dia 3, que acabou a meu ver e ao menos pelo momento com a expedição. Em esta ocasião tenho a honra de enviar a V. Exa. duas cartas, uma do exmo. presidente desta república para o ilmo. e exmo. regente do Império, e a outra do ministro dos Negócios Estrangeiros para V. Exa. Deus guarde V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício11 • 15 jun. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Sublevação das tropas em Quillota e morte do ministro da Guerra d. Diego Portales. N. 8 Santiago, 15 de junho de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., A mais pérfida traição teve lugar em o dia 3 do corrente e em o dia 6 o ato mais horrível foi perpetrado em a pessoa do exmo. ministro da Guerra d. Diego Portales. Partiu de Valparaíso o infeliz d. Diego para passar em revista as tropas que se achavam em Quillota, [a] 12 léguas dali e 34 da capital, e em o momento em que ia a principiar a comandá-las, evoluções contrárias foram feitas e os oficiais do Batalhão de Linha n. 6, fazendo-lhe um círculo, o prenderam à ordem do seu 11Intervenção, a lápis, entre vocativo e texto: “inteirado e lastimo o acontecimento”. No verso da última página, o índice e, no topo dessa página, intervenção: “R. a 5 d’ag[ost]o de 1837. 46 Cadernos do CHDD coronel Vidaurre (amigo íntimo e protegido do ministro), assim como a todos que o acompanhavam, podendo apenas escapar-se um soldado de cavalaria que, correndo a toda brida e evitando a perseguição dos sublevados chegou a tempo de dar aviso em Valparaíso e puderam o almirante Blanco e o governador daquela cidade d. Ramón Cavareda tomar todas as medidas para obstar a continuação da revolução. As tropas sublevadas em número de 1.450 marcharam sobre a cidade de Valparaíso e acamparam a pequena distância, tendo anteriormente enviado um parlamentar com uma carta de d. Diego Portales em que dizia ao governador de Valparaíso de [sic] entregar a cidade e a esquadra; não tendo validade alguma tal carta por achar-se o ministro prisioneiro e tendo ela sido sacada pela força, saíram as guardas nacionais e batendo-se de uma maneira heroica contra tropas de linha veteranas e bem disciplinadas, foram os sublevados completamente batidos, tendo antes da última ação fuzilado ao infeliz d. Diego Portales e um escrevente que o acompanhava; duas balas uma no peito direito e outra na cara, e vinte e tantas feridas de florete ou baioneta foram achadas em seu corpo. Quase todos os criminosos têm sido presos e hoje mesmo corre que o chefe da revolução Vidaurre também já se acha preso. A consternação tem sido geral, jamais hei visto a morte de um homem ter sido tão sentida: desde o presidente até a mais baixa classe, choraram. O governo tem determinado luto por um mês a todos os empregados e grandes honras fúnebres lhe vão fazer; o corpo já se acha embalsamado e dentro em poucos dias chegará a esta capital, indo o presidente e todas as corporações encontrá-lo a duas léguas de distância. Subscrição para uma estátua ser posta no lugar em que foi assassinado tem-se aberto e supõe-se que o Congresso votará uma soma para outra. Chile perdeu o homem mais necessário, o único que era capaz dar-lhe a tranquilidade; receio que em pouco tempo os partidos começarão a aparecer, maiormente não tendo ainda o governo nomeado pessoa que possa, ao menos em parte, substituí-lo; as intrigas em breve começarão e é impossível de prevenir os resultados faltando o homem forte em vontade e em projetos. A expedição, por ora creio será impossível pensar nela, ainda que apareça mais entusiasmo que de seu tempo, acreditando os amigos do ministro ter a sua morte vindo de mais longe. 47 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Junto achará V. Exa. cópias da comunicação do governo e minha resposta, e os jornais que com todas as particularidades dão conta desse triste acontecimento. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Paulino Limpo de Abreu Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópias Santiago, 10 de junio de 1837. Un motín militar estalló en Quillota el sábado 3 del corriente. Este suceso, lamentable bajo tantos respectos, lo es particularmente por la pérdida del ilustre ministro de la Guerra, el Señor Don Diego Portales, víctima de una horrible traición. El presidente me ordena avisar a V. S. que gracias a los esfuerzos de los leales defensores de la República, el motín fue enteramente sofocado con la derrota y aprensión de casi todos los culpables; y que, según las noticias que hasta ahora se han recibido, reina ya en todas partes una tranquilidad completa. Tengo el honor de ser de V. S. atento seguro servidor. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 2] Legação do Brasil, 12 de junho de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Recebi a nota que V. Exa. me fez a honra passar em o dia 10 dando parte do motim militar que teve lugar em Quillota sábado 3 do corrente, do qual resultou a perda do ilustre ministro da Guerra o exmo. sr. don Diego Portales, vítima de uma horrível traição. E da parte do exmo. sr. Presidente V. Exa. me comunica que graças aos esforços dos leais defensores da república o motim 48 Cadernos do CHDD fora inteiramente sufocado com a derrota e prisão de quase todos os criminosos, e que segundo as notícias recebidas reina em todos os pontos da república uma tranquilidade completa. Lamentando a prematura perda do ilustre patriota da república não posso deixar de exprimir a V. Exa. o horror que me tem causado tão negro atentado, assegurando a V. Exa. que o meu governo experimentará o mesmo sentimento ao receber a notícia do monstruoso crime de uma tão pérfida traição. V. Exa. terá a bondade de minha parte apresentar ao ilmo. e exmo. sr. Presidente minhas felicitações pelo completo e não equívoco triunfo das armas da legalidade e pela tranquilidade que reina, e é de esperar continuará a reinar pelos esforços do governo. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado nos Negócios Estrangeiros ofício • 30 jul. 1837 • ahi 230/03/15 N. 9 Santiago, 30 de julho de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção das circulares de 24 e 25 de abril. Conforme me foi determinado em a primeira, em 19 do corrente enviei ao cônsul-geral em Valparaíso o exemplar de regulamento das alfândegas para as mesas de diversas rendas, e ficando inteirado do conteúdo da segunda, sinto infinitamente que os males daquela província se tenham agravado com a pérfida conduta do brigadeiro Bento Manoel Ribeiro. Esperando entretanto que com os novos esforços do Governo Imperial em breve teremos a dita de ver ali restabelecida a ordem. Acusando igualmente a recepção da circular n. 5 de 17 de maio, pela qual V. Exa. nos comunica haver o regente em nome de S. M. o Imperador dignado-se nomear a V. Exa. para interinamente dirigir o Ministério dos Negócios Estrangeiros, 49 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 não posso deixar de expressar a V. Exa. minha satisfação, convencido dos bens que a nação experimentará na sábia administração de V. Exa. Em conformidade das ordens do antecessor de V. Exa. de 5 de abril, tenho oficiado ao governo da república respectivamente aos princípios que o Governo Imperial tem julgado conveniente adotar em matéria de bloqueios e, enviando as cópias n. 1 e 2, V. Exa. ficará inteirado dos que, na presente guerra, seguira o governo da república. Depois do acontecimento de Quillota, eu não tenho julgado conveniente falar a respeito de tratado, tanto mais que o governo se acha extremamente ocupado, e com maiores dificuldades para efetuar a expedição, que dizem deverá partir em agosto, ainda que muitas pessoas julguem que esses novos preparativos não têm por objeto mais do que convidar a novas propostas da parte do general Santa Cruz. Entretanto a meu ver a aliança com o governo de Buenos Aires, as grandes despesas feitas, a honra comprometida e mais do que tudo o amor próprio, são motivos suficientes para que ela se efetue: seria de alguma maneira fazerem conhecer, até mesmo a Chile a grande falta do homem que vinham de perder, se abandonassem tal ideia. Parece que o governo inglês ofereceu ao da república por meio do seu cônsul-geral aqui residente sua mediação, assim como também tem corrido que Santa Cruz fizera novas propostas; eu não o penso e, quando assim fosse, a condição primeira da parte deste governo para a saída de Santa Cruz do Peru é a principal dificuldade para qualquer arranjo. Este governo, tomando medidas enérgicas, tem mandado sair da capital a várias pessoas suspeitas de quererem revolucionar e entre elas ao general Las Heras, filho de Buenos Aires, que em a província de Aconcágua espera se abra a cordilheira para seguir sua viagem. Os chefes principais da revolução de 3 de junho em número de 22 foram condenados à morte, oito dos quais foram fuzilados em o dia 4 deste; permitindo, a sentença dos outros, recurso ao presidente, não se sabe ainda qual a sorte deles. Em o dia 14 chegou a esta cidade vindo de Valparaíso o corpo embalsamado de d. Diego Portales e em o dia 18 foi enterrado com pompa nunca igual em esta República e grandes 50 Cadernos do CHDD honras ainda se lhe prepara; os detalhes encontrará V. Exa. em os Araucanos que em esta mesma ocasião tenho a honra [de] enviar. Com a morte de d. Diego, que reunia três ministérios – ou para melhor dizer todos, menos o da Fazenda – passou o das Relações Exteriores para o ministro da Fazenda d. Joaquín Tocornal e foram nomeados: para o da Justiça, d. Mariano Egaña, aquele que, mandado ao Peru, declarou a guerra ao general Santa Cruz; e, para o da Guerra, d. Ramón Cavareda que em os acontecimentos de junho se achava governador de Valparaíso, sendo nomeado para substituí-lo um chamado Garrido, espanhol de nascimento, amigo íntimo de d. Diego Portales e a quem se atribui hoje a principal direção dos negócios. Em o dia 14 deste morreu M. Dannery, cônsul-geral encarregado de negócios de França, de uma inflamação de fígado e, ainda que fosse moléstia cujos germes tivesse trazido, muito foi aumentada em este país, por ser nele mui frequente: fazia um ano que aqui se achava e seu antecessor foi vítima da mesma enfermidade; deixa uma senhora pejada e três filhos em tenra idade. Triste condição! V. Exa. pode concebê-la. É pai. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópias Legação do Brasil Santiago, 20 de julho de 1837. O abaixo assinado encarregado de negócios do Império do Brasil, em cumprimento de seus deveres, conforme lhe foi determinado pelo seu governo em despacho de 5 de abril deste ano, tem a honra dirigir-se ao exmo. sr. ministro das Relações Exteriores, para fazer constar ao governo da República os princípios que o Governo Imperial tem julgado conveniente adotar relativamente a bloqueios. O Governo Imperial, segundo foi intimado às nações amigas 51 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 e observado em a ocasião do bloqueio que mandou fazer em a província do Pará, guiado por uma política liberal tem adotado a esse respeito os mesmos princípios que a França e os Estados Unidos da América do Norte; isto é que nenhum navio mercante será capturado sem ser primeiramente avisado pelos navios da esquadra bloqueante, escrevendo-se este aviso nas costas do passaporte, ou registro da embarcação e só no caso de que ele intente depois entrar é que deve ser capturado. Nessas circunstâncias o abaixo assinado – certo dos princípios liberais e filantrópicos que parece querer seguir o governo da República na contenda que ora existe, desgraçadamente, entre as duas nações irmãs – espera que o Governo Imperial terá direito à devida reciprocidade para os navios brasileiros em o caso que venham a estabelecer-se bloqueios em algum, ou alguns portos de uma das partes beligerantes, e nessa confiança aproveita mais esta oportunidade para repetir a S. Exa. seus protestos de estima e alta consideração. Manoel Cerqueira Lima A Sua Excelência o Senhor D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 2] Santiago, 24 de julio de 1837. El infrascrito ministro de Estado en el Departamento de Relaciones Exteriores ha elevado a conocimiento del presidente la nota que, con fecha del 20 se ha servido dirigir-le el señor d. Manoel Cerqueira Lima, encargado de negocios del Imperio del Brasil; en la que Su Señoría se sirve noticiar al gobierno de esta República los principios que sigue el suyo en lo relativo a los bloqueos. Su Señoría hace saber al infrascrito que estos principios dictados por una sabia y humana política son los mismos que profesan la Francia y los Estados Unidos de América. Ellos se reducen a establecer: que ninguna nave mercante pueda ser apresada por violación de un bloqueo, sin que previamente se le haya notificado su existencia por los buques de la escuadra bloqueadora, endosándose la notificación en el pasaporte, 52 Cadernos do CHDD patente, o registro; y que solo en el caso de querer entrar la nave en el puerto bloqueado después de recibido este aviso, se la puede detener y condenar como presa legítima. El gobierno de la República, que [ha] establecido esta misma regla, con respecto a los neutrales en general, no tiene dificultad en declarar que se hallen comprendidos en ella los buques brasileros, que se dirijan a puertos peruanos, bloqueados por las fuerzas navales chilenas, durante la guerra que existe actualmente entre esta República, y el titulado Protector del Perú. El infrascrito ha recibido también la órden de informar a Su Señoría, que, deseosa esta República de minorar en lo posible las calamidades de la guerra, tanto a los pueblos injustamente avasallados por el general Santa Cruz, como al comercio de los neutrales, ha dado instrucciones a los comandantes de sus buques de guerra para que no se ponga embarazo al tráfico inocente de estos entre los varios puntos de la costa peruana, y para que no solo se respete la propiedad neutral bajo la bandera enemiga, sino la propiedad enemiga bajo la bandera neutral, combinando así los dos principios sobre cuya elección se ha disputado tanto y aún permanecen discordes las grandes potencias marítimas. Sin embargo, las providencias que, saliendo de los límites del derecho común, ha tomado el gobierno de Chile con este humano objeto de mitigar el rigor de los derechos de la guerra, están sujetas a la condición de que el gobierno protectoral las adopte también por su parte; pues en el caso contrario no sería posible que las observase por la suya el gobierno chileno sin colocar a su adversario en una actitud ventajosa. El infrascrito cree con lo que deja expuesto haber satisfecho a la nota del señor Cerqueira Lima, y se aprovecha de esta ocasión para reproducir a Su Señoría los sentimientos de su alta y distinguida consideración. Joaquín Tocornal ofício • 01 ago. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Existência de dois brasileiros sem documentos que o provem. 53 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 N. 10 Santiago, 1º de agosto de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Têm-se apresentado nesta legação dois brasileiros sem que, contudo, tenham trazido documento algum ou testemunhas para que os possa reconhecer como tais. Um deles, por nome Manoel José Machado, natural do Rio de Janeiro, filho de Luís Machado Homem e Maria Angélica da Conceição, moradores na Rua da Quitanda em 1825, diz que saindo na expedição de 1825 para Montevidéu em qualidade de sargento artífice em a artilharia, fora prisioneiro em 1827 e que quando se tratara da troca, achando-se enfermo, deixou-se ficar em Buenos Aires e que, depois, passara para as províncias das repúblicas centrais e nelas demorando-se alguns anos veio somente em fevereiro deste ano para Chile. Dentista, cravador em pedras, ourives, artífice em fogos e carpinteiro são os ofícios com que diz poder ganhar sua vida, porém nem constância nem desejo do trabalho possui e, a meu ver, sendo imperfeito em todos esses ofícios, com dificuldade poderá obter trabalho; acha-se casado, e terá como trinta e tantos anos de idade. Tratando de obter informações sobre os meios que tinha empregado até então para poder viver, constou-me que em a província de Tucumán fizera moeda e – não sei se por isso, ou por outros motivos – esteve em prisão e então perdera tudo quanto lícita, e ilicitamente tivera ganho, que diz ele devem dar mil pesos. O outro, por nome Vicente Antônio Dias, natural de S. Paulo, vive com dificuldade e pobremente do ofício de alfaiate. Há nove anos que aqui se acha e diz que, estando em Rio Pardo (província do Rio Grande), assentara praça de soldado em o Regimento de Dragões do Rio Pardo, onde serviu 9 anos; que fora feito prisioneiro e que, fugindo e perdendo-se nos campos, fora ter a Buenos Aires em 1826, que passara-se a Mendoza, onde demorou-se até que, em 1828, veio ter a Chile. Está casado e terá como 35 anos de idade, e há vinte e quatro diz ele que não tem notícias da família em S. Paulo. Nessas circunstâncias, sem documentos que provem suas qualidades e os motivos de suas estadas por cá, quereria que 54 Cadernos do CHDD V. Exa. me determinasse a conduta que deveria ter nestes dois casos e em outros que possam apresentar-se: se a legação os deve reconhecer como brasileiros e prestar-lhes a devida proteção, tanto mais que ambos dizem querer voltar ao Brasil, porém que lhes faltam os meios para transportarem-se. Acha-se mais um outro, filho da província de Pernambuco, que em a guerra do Sul, sendo [feito] prisioneiro por um corsário em Maldonado e mandado a bordo de uma das presas, veio ter a Valparaíso, onde casou e tem vários filhos. Eu o tenho tomado para o serviço de minha casa em qualidade de cozinheiro; não penso que este queira voltar ao Brasil; apresentando testemunhas foi reconhecido pelo cônsul-geral como brasileiro. Não me consta por ora que haja outros. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício • 01 ago. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Cobrança dos direitos em os objetos dos ministros estrangeiros no momento de suas retiradas, e isenção deles em favor da viúva do cônsul-geral encarregado de negócios de França. Isenção de porte de cartas a favor do cônsul-geral de Inglaterra, e recusado ao encarregado de negócios dos Estados Unidos e cônsul-geral do Brasil. N. 11 Santiago, 1º de agosto de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Há alguns anos que a casa de um cônsul-geral de França aqui residente fora saqueada, dando lugar a isso o ter ele trabalhado e pronunciado-se a favor do governo que existia, contra o que hoje existe, e o não haver este dado a devida proteção, e mesmo, querem dizer, haver aconselhado tal ato. Sua perda poderia ter sido ao mais de oito mil pesos, porém seu governo fez-se pagar quarenta e, mesmo, creio chegou a mandar forças para apoiar essa reclamação. 55 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 O governo de Chile irritado com a conduta do governo francês e como que por vingança, e parecendo querer-se fazer pagar dessa quantia ao corpo diplomático estrangeiro, fez passar uma lei pela qual se determina que os objetos entrados para o uso do corpo diplomático, não pagando direitos em suas entradas pagariam, contudo, em suas retiradas uma vez que os vendessem. V. Exa. vê que por essa disposição o privilégio de isenção de direitos ficou iludido e que os objetos entrados para o corpo diplomático não estão mais do que em depósito e que esse privilégio se reduziu a demora de pagamento dos direitos. Sabemos que cada nação tem o direito de estabelecer a esse respeito o que lhe convier, uma vez que os princípios adotados sejam aplicados a todas as outras sem exceções. Essa nova disposição – que parecia ser feita, como disse, por vingança e para assim reaver do corpo diplomático aquilo que injustamente o governo francês lhe tinha feito pagar – acabava de ser posta em execução e de uma maneira assaz rigorosa, quando aqui chegou M. Dannery, cônsul-geral encarregado de negócios de França, em os objetos que foram vendidos por morte de seu antecessor M. de la Chainaye. O novo encarregado de negócios não deixou de fazer notar, ao ministro das Relações Exteriores de então, a indignidade de tal disposição, maiormente devendo mais cedo [ou] mais tarde ser-lhe ela aplicada, tendo trazido toda a sua mobília e devendo fazer-lhe grande diferença, sendo a maior parte dos direitos de 35 por cento. Com sua morte, tratou-se de obter a isenção dos direitos em favor da viúva; o governo, desejoso de beneficiá-la, sem contudo desfazer, ou anular esse artigo do Regulamento das Alfândegas, propôs às câmaras, que – em atenção à estima e consideração pela pessoa de M. Dannery – tais direitos não fossem pagos. Essa exceção feita de propósito em favor da pessoa de M. Dannery e não a favor do encarregado de negócios de França, não dá lugar a reclamar-se como favor concedido a outra nação. A lei foi iludida e de outras muitas maneiras o pode ser, de parte a parte, maiormente não se verificando em o momento da entrada os objetos, e nesta ocasião seria o caso, se tal disposição não tivesse passado a favor da viúva. 56 Cadernos do CHDD Aproveito também esta ocasião para igualmente fazer constar a V. Exa. que o cônsul-geral da Inglaterra goza do privilégio de isenção de porte de cartas, o que não se tem concedido ao de outra nação; e consta-me também que o encarregado de negócios dos Estados Unidos reclamara a mesma isenção, porém que este governo respondera que, pelo tratado, ele só podia reclamar o que fosse isenção feita a outro diplomático [sic] e não a feita em favor de um cônsul. O nosso cônsul-geral antes da minha chegada também reclamou, porém, respondeu-se-lhe (se não me engano) que um regulamento geral se faria a esse respeito. Quando tratar de fazer o tratado, penso falar em esses dois pontos; entretanto, estimarei ter instruções de V. Exa. a esse respeito. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício • 02 ago. 1837 • ahi 230/03/15 N. 12 Santiago, 2 de agosto de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr. Em julho do ano passado, havendo o regente em nome de S. M. o Imperador tido a bondade [de] nomear-me encarregado de negócios junto ao governo desta república com o ordenado de dois contos e quatrocentos mil réis, e vendo eu a impossibilidade de efetuar uma viagem de mais de 400 léguas por terra, com minha família, por lugares desertos, expostos a toda espécie de privações, riscos e perigos, reclamei como V. Exa. verá da cópia n. 1 do antecessor de V. Exa. um aumento de ajuda de custo, que me foi concedido em as vésperas da minha partida. 57 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Ignorava eu que se me descontaria esse aumento do meu pequeno ordenado, pois não havia pedido adiantamento e sim aumento em atenção à diferença de viagem, pois bem diversa é daquelas que se fazem para Europa, ou para Montevidéu, ou Buenos Aires, quando pelo último correio recebi notícia de que os meus saques feitos em Buenos Aires pelos meus ordenados tinham sido protestados por não ter eu descontado a 5ª parte do que tinha recebido como aumento para ajuda de custo, o que sendo assim, ficaria eu reduzido unicamente a 360$000 por trimestre; e como com eles viver, já não digo com aquela decência do lugar, porém mesmo para haver o necessário? Permita-me V. Exa. que por alguns momentos distraia sua atenção com um objeto particular, que contudo alguma ligação tem o serviço público. Como o ordenado de 2.400$000 fosse mui diminuto, seguiu-se que a ajuda de custo, mesmo elevada ao dobro, apenas chegou para as despesas dessa dificultosa e perigosa viagem e de tal maneira perigosa, que, dizendo a V. Exa. que houve circunstâncias e momentos onde me foi forçoso escolher entre a peste e os índios, não duvidei expor a minha família, os meus filhos de tenra idade àquela para evitar estes, e dizendo a V. Exa. que se outro meio não houvesse para voltar à minha pátria estava destinado a nunca mais vê-la, pois tal é a impressão dos riscos, perigos e incômodos que sofremos, que mais fácil seria privar-me desse prazer, do que outra vez arriscar-me ao que, por falta de conhecimento, me tinha exposto. Creio ter dito suficiente. Digo que essa ajuda de custos ainda mesmo assim apenas com muita economia chegou, porque V. Exa. poderá conceber as despesas a que fomos obrigados, depois de estarmos prontos a partimos, da parte do governador de Buenos Aires recebemos aviso para não o fazermos pelo grande risco que íamos a correr, portanto os preparativos a maior parte perdidos, os arrieiros que deviam acompanhar-nos havendo recebido metade de seus salários, se foram, e obrigado a tomar novos; a compra de uma carruagem em que toda a família foi acomodada, a despesa de seis cavalos de posta e de seis arrieiros ou boleeiros na distância de 320 léguas, o frete e transporte de toda nossa bagagem, a despesa com uma escolta que nos acompanhou no último lugar de perigo 58 Cadernos do CHDD à distância de vinte e duas léguas, a passagem de 110 léguas de Mendoza a Santiago pela cordilheira com vinte e tantos animais de carga e montaria e os arrieiros necessários; além de despesa extraordinária de cinco meses de hospedaria em Buenos Aires, que por muito economicamente que vivêssemos sempre seria mais do que aquilo a que fiquei reduzido com o desconto da 5ª parte, e a de montar uma casa com aquela decência conveniente ao lugar, o que não tem sido sem grande dificuldade e mesmo algum embaraço pela carestia do país, creio que V. Exa. estará convencido de que não era possível com os 2:400$ fazer tudo isso, e assim pensava o antecessor de V. Exa. pois não só me tinha prometido o igualar-me em ordenado aos outros encarregados de negócios da América, como que não se faria desconto algum. Nestas circunstâncias, devendo-me fazer uma diferença extraordinária em minha pequena fortuna, o reembolso desses dinheiros gastos em o serviço público, eu tenho a rogar a V. Exa. que haja de levar à presença do exmo. Regente estas minhas razões e pedir-lhe que, atendendo a elas, ele haja por bem determinar que, quando se me não considere desde o momento de minha nomeação com o mesmo ordenado que os outros encarregados de negócios da América, o que seria de justiça, pois além dos ordenados, eles percebem pingues consulados, ao menos se não me faça diminuição ou desconto algum, e de V. Exa. que, melhor do que ninguém, pode apreciar e avaliar essas minhas razões e a justiça do meu pedido, espero fará quanto estiver de sua parte para que o exmo. regente me atendendo, determine que de novo me seja ao menos abonado em Londres aquilo que a casa de Samuel & Phillips julgou dever diminuir. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros 59 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ofício • 15 ago. 1837 • ahi 230/03/15 Santiago, 15 de agosto de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Havendo-me sido ordenado no ofício de 22 de abril pelo antecessor de V. Exa. de [sic] enviar, com a possível brevidade e pela via mais segura, um ofício para o encarregado de negócios do Brasil nas repúblicas do Peru e Bolívia, eu tenho a honra [de] comunicar a V. Exa. de o haver remetido pela corveta de guerra de S. M. B. Stag que saiu de Valparaíso para o Callao em dias do mês passado. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Manoel Alves Branco Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício12 • 10 set. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Recepção do ofício de S. Exa. de 19 de maio e circulares de 7 e 20 de junho. Comunicação do ministro dos Negócios Estrangeiros do Peru ao de Chile propondo paz. A saída da expedição não será antes do dia 15 de setembro. O que disse o ministro brasileiro em Londres sobre a venda de uma corveta. Tratado com o Brasil só depois da expedição. O governo de Chile pouco afeiçoado a eles. Ocorrência que poderia ser desagradável pelo socorro dado impropriamente a uma baleeira francesa. N. 13 Santiago, 10 de setembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar o ofício de V. Exa. de 19 de maio e as circulares de 7 e 20 de junho. Em execução das ordens de V. Exa. na de 7 de junho, espero 12Intervenção marginal superior, no verso da última folha do documento: “1 de dez[em]bro 1837”. Segue-se o índice, que ocupa a metade do lado esquerdo do papel. 60 Cadernos do CHDD poder enviar a tabela dos gêneros de exportação deste país livres de direitos e o regulamento das autoridades fiscais correspondentes aos nossos extintos inspetores de algodão, tabaco e açúcar na primeira ocasião, que penso será um brigue de guerra francês. E conformemente ao que V. Exa. me determina a respeito do aprisionamento da sumaca brasileira Luiza pelos piratas da lancha Mazzini, já tenho oficiado a este governo assim como ao cônsul-geral em Valparaíso, para prevenir, em o caso que eles aportem em algum porto da república, o descaminho da propriedade brasileira. Junto achará V. Exa. um exemplar do ofício do ministro dos Negócios Estrangeiros do Peru ao desta república, o qual foi aqui recebido com indignação.13 A expedição, pela grande confusão que existe a bordo, creio não sairá antes do dia 15; todos os portos da república estão cerrados desde o dia 25 de agosto, o que nos foi oficialmente comunicado: entretanto dois navios partiram para Inglaterra com fiança de que não tocariam em portos do mar Pacífico. Consta hoje só estarem quase toda a tropa e cavalos embarcados, o número destes dizem serem 600, e o daquela perto de quatro mil: tanto a tropa, como os cavalos vão extremamente apertados e se não fosse a viagem de tão pequena duração, que antes de 15 dias devem achar-se em as costas do Peru, seria de recear o chegarem em muito mau estado: asseguram-me que em uma expedição europeia o lugar que ocupariam vinte [e] cinco cavalos, nele vão cem; e que se houver um morto ou caído será impossível tirá-lo. Seria melhor cálculo o contarem com o número dos chegados e não com os que partem. Parece que vão vinte e tantos vasos, sendo cinco ou seis de guerra e os mais de transporte; logo que a expedição saia darei a V. Exa. todas as notícias com mais exatidão, sendo provável igualmente que o cônsul-geral ali residente os comunicará diretamente a V. Exa. Penso que há entusiasmo na tropa, maiormente com as notícias da coadjuvação da parte das Províncias Unidas do Rio da Prata e a persuasão em que geralmente estão os chilenos de que 13 Intervenção marginal esquerda, no sentido vertical: “Não foi possível encontrar este documento”. 61 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 um deles é para seis peruanos, lhes dá muita força, porém queira Deus que dentre eles não haja um outro Vidaurre. Entretanto, creio que o resultado dependerá da maneira por que olharem os peruanos a expedição, porque se ela for considerada como libertadora e protetora, e a ela se reunirem, então não poderemos duvidar do bom resultado e se pelo contrário, os males serão imensos para o Chile e a notícia do menor revés, não duvido, causará aqui uma revolução. Asseguram-me que vai em a expedição um ministro plenipotenciário para residir junto ao novo governo que ali se estabelecer. O ministro dos Negócios Estrangeiros disse-me que o nosso ministro em Londres tinha prometido ao encarregado de negócios de Chile que escreveria a V. Exa. para persuadir ao governo vender-lhes uma corveta, e que também em o momento em que me falava se achava construindo uma na Europa que custaria duzentos mil pesos e que estaria pronta em quatro meses. Eu quereria e tenho feito todos os esforços para concluirmos o tratado, porém os mesmos motivos que me fazem apressar, tem aqui a governo para demorar e não tenho podido obter outra resposta senão que trataremos dele depois da saída da expedição: eu desejaria concluí-lo antes do resultado dela e eles o querem depois, pois essa questão pode e deve decidir muito das vantagens a obter-se, ou a conceder-se. Este governo é mui pouco afeiçoado a tratados e prova isso que há três anos que o governo inglês trabalha para concluir um e que o não tem podido obter, fundando-se este governo em não poder consentir em um artigo que quer o governo inglês, igual ao que fez com Buenos Aires: a perpetuidade dele. Não se pode duvidar um só momento da razão que tem Chile para não anuir a semelhante artigo. Entretanto, d. Diego Portales me havia assegurado a existência de um tratado secreto com a Inglaterra; hoje porém se me nega isso. O general Las Heras, de quem falei a V. Exa. em meu ofício n. 9, obteve o ser solto dando fiança, dizem-me de dez mil pesos. Quatro ou cinco mais dos complicados em a revolução de Quillota foram condenados à morte. Em dias do mês passado um navio francês que andava à pesca das baleias teve, por causa de suposição de contrabando, uma questão com a alfândega de Coquimbo e, entretanto que se 62 Cadernos do CHDD consultava o governo, a tal baleeira saiu dali e veio para o porto de Valparaíso, onde logo à sua chegada o governador, tendo anteriormente sido instruído do fato, mandou-lhe alguns guardas para bordo, os quais não foram aceitos e, quando se preparavam a mandar tropas, a corveta francesa mandou-lhe os botes a rebocá-la para fora. Um navio de guerra chileno imediatamente saiu e, após deste, a corveta francesa, donde resultou a fuga da baleeira e a entrada no porto dos dois vasos de guerra. Felizmente, o cônsul francês de Valparaíso, que há dias exercia o cargo de cônsul-geral pela morte de M. Dannery, esteve disposto a dar todas as satisfações, reprovando a conduta do comandante francês e dizendo que daria conta a seu governo. Assim acabou-se uma questão que poderia ter maiores resultados: muitas são as queixas que este governo tem do francês, continuadamente reclamações, continuadamente questões e a tal ponto que a última vez que estive com o presidente ele me disse que, sendo o governo de Chile continuadamente incomodado pelo[s] franceses e que pouco importando a Chile seu comércio, tempo viria em que Chile não admitiria mesmo seus cônsules. A França não tem tratado algum com Chile. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício • 12 set. 1837 • ahi 230/03/15 N. 14 Cópia Santiago, 12 de setembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] de enviar a V. Exa. a primeira via de uma letra de câmbio da quantia de mil e quinze libras esterlinas a favor do Tesouro e contra o meu procurador, o sr. Manoel Maria do 63 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Amaral, deputado pela província da Bahia, para fazer face a uma de mil, que terei de sacar sobre o Tesouro. Não me sendo possível viver aqui com o ordenado que me foi marcado no decreto de minha nomeação, e muito menos depois da incerteza em que me acho se me será abonada a diminuição que Samuel e Phillips, de Londres, julgaram dever fazer em meus mesquinhos soldos. Tendo sido obrigado a montar uma casa e depois de uma viagem dispendiosíssima e acontecendo, mais, que com a notícia de que aqueles agentes do governo não tinham pago meus saques, nenhum negociante querendo tomar minhas letras e tendo eu escrito a Samuel e Phillips para que meus ordenados fossem pagos aqui, o que causará uma demora ao menos de nove meses, [e] faltando-me por consequência os meios para subsistir com minha família até então, não me foi possível deixar de tomar uma deliberação a fim de que não sofresse a dignidade do cargo que o exmo. regente em nome de S. M. o Imperador houve por bem confiar-me, e essa foi pedir ao governo de Chile para que afiançasse as minhas letras até a concorrência de £1.000 sobre o Tesouro, o que eu espero V. Exa. não levará a mal pelas circunstâncias extraordinárias e difíceis de poder dar outra providência pela grande distância em que me acho; tanto mais V. Exa. não levará a mal, que o Tesouro Nacional nessa transação não tem prejuízo algum, pois tenho acrescentado £15 para fazer face a qualquer despesa ou interesse da diferença do prazo. Como este ofício vai por um próprio extraordinário, que este governo envia ao de Buenos Aires, dando parte da saída da expedição, eu me reservo para o correio ordinário pôr em o conhecimento de V. Exa. o meu ofício e a resposta do governo relativamente ao meu pedido. Deus guarde a V. Exa. (assinado:) Manoel Cerqueira Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Está conforme: J. da C. Rego Monteiro 64 Cadernos do CHDD ofício • 16 set. 1837 • ahi 230/03/15 N. 15 Cópia Santiago, 16 de setembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Havendo em data de 13 do corrente sacado sobre o Tesouro a favor de d. José Cifuentes pelos motivos expendidos em o meu ofício n. 14 pela quantia de mil libras esterlinas e pelo mesmo havendo tido a honra de enviar a V. Exa. uma letra para pagamento desse saque a favor do Tesouro e contra o meu procurador o sr. Manoel Maria do Amaral, cumpre-me rogar a V. Exa. de [sic] levar ao conhecimento do exmo. regente, a fim de que S. Exa. haja por bem aprovar essa transação que me foi forçoso fazer pelo limitado ordenado que percebo e pela grande distância em que me acho, resultando em consequência uma demora de nove meses sem que possa receber os meus ordenados de Londres, para onde tenho escrito aos agentes do Governo Imperial, a fim de que mos mande pagar aqui, vista a impossibilidade de poder continuar a sacar sobre eles. Rogando igualmente a V. Exa. haver por bem determinar de maneira que em o fim de cada trimestre os fundos sejam postos aqui, porque, além do acontecido de não haver Samuel e Phillips aceito os meus saques, acresce mais que, sendo esta capital central e por outros muitos motivos de comércio, são difíceis as transações de letras. As mesmas dificuldades que eu encontro hoje têm encontrado outros diplomáticos [sic]aos quais este governo tem prestado maior serviço, adiantando-lhes fundos, e o mesmo cônsul inglês que deveria não as ter sofrido não só pelo ordenado que tem de £1.500 por ano, como por haver muitos negociantes da sua nação, no seu primeiro ano as encontrou também; e como não sofreria o encarregado de negócios do Brasil com a notícia de que os seus ordenados eram conformes à conta original de Samuel e Phillips, que tenho a honra de enviar a V. Exa. e esses ainda com o risco ou incerteza de não serem aceitos! V. Exa. viajou, pode avaliar a minha posição e pensar em outras muitas razões que poderia dar a meu favor e que são desnecessárias apresentá-las a V. Exa. 65 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Direi entretanto a V. Exa. e creio que não será difícil, à vista da conta de Samuel, de convencer-se que com a maior economia e não sei mesmo se digo miséria tenho vivido. Uma taça de chá ainda não foi dada em minha casa, não tenho cavalo nem tampouco carruagem; às funções públicas vou a pé e de tantas visitas que recebemos e as quais pela maior parte pagamos por bilhete, nenhuma conservamos, vivendo inteiramente retirados, sem conhecer pessoa alguma. Creio e estou convencido que essa maneira de viver não convém a um ministro público e muito menos deve convir ao do Brasil, e se ela deve continuar eu terei de pedir a V. Exa. para rogar ao exmo. regente haver por bem empregar-me em outro lugar. Eu bem poderia fazer a comparação das viagens e despesas de todos os diplomáticos [sic] antes de chegarem aos seus destinos com a minha, seus ordenados com o meu, porém como V. Exa. de um lance de olhos a percebe, nada mais direi. Como uma das condições com que a minha letra foi tomada sobre o Tesouro fosse que se me daria um tanto por mês até que a notícia do seu pagamento houve lugar para então concluir-se a entrega do resto, eu terei para viver por seis meses, e os ordenados desse tempo quando os venha a receber mandarei para essa a fim de que se comprem fundos públicos como tinha determinado ao meu amigo o sr. deputado Manoel Maria do Amaral a respeito da herança que tive por morte de minha mãe, a fim de que os rendimentos dela com os meus ordenados sirvam em o serviço público representando o Brasil com aquela dignidade que por educação e convicção estou disposto em todo e qualquer lugar. Deus guarde a V. Exa. (assinado:) Manoel Cerqueira de Lima Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Está conforme: J. da C. Rego Monteiro 66 Cadernos do CHDD ofício14 • 16 set. 1837 • ahi 230/03/15 N. 16 Santiago, 16 de setembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra de enviar por cópia n. 1 a resposta do meu ofício a este governo relativamente ao aprisionamento da sumaca brasileira Luiza. E em conformidade da circular n. 6 de 7 de junho tenho igualmente a honra enviar a V. Exa. as cópias que acabo de receber do cônsul-geral, respectivamente aos gêneros de exportação livres de direitos, únicos que até hoje tenho podido obter; esperando entretanto na primeira ocasião poder enviar a V. Exa. os impressos que dizem respeito a esse objeto. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópia Santiago, 11 de setiembre de 1837. El infrascrito, Ministro de Estado y del Despacho de Relaciones Exteriores ha elevado a conocimiento del presidente la nota documentada, que el señor Don Manuel Cerqueira Lima, Encargado de Negocios del Imperio Brasilero se ha servido transmitirle, avisando a este Gobierno el atentado de piratería (según Su Señoría lo califica), cometido por la gente de la lancha Mazzini sobre la sumaca brasilera Luiza, de que se apoderaron y en que navegan ahora los apresadores; con el objeto de que si llegara esta a alguno de los puertos de la República, se tomen con ellos las providencias que correspondan. De orden del Presidente tiene el infrascrito la honra de 14A “Relação dos frutos que produzem em a República de Chile para o comércio de cabotagem e exportação a países estrangeiros”, sem números ou valores, não foi transcrita. 67 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 acusar el recibo de dicha nota, y de asegurar al Señor Cerqueira que instruido el Gobierno de ella acordara lo conveniente. El infrascrito tiene la honra de reproducir al Señor Cerqueira Lima el testimonio de su más alta y distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil ofício • 15 out. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Recepção do ofício de V. Exa. de 20 de julho. Saída da expedição de Chile em 15 de setembro. V[olta] da esquadra do Peru em 14 do mesmo. Qualquer que for [sic] o resultado da guerra seguir-se-ão males para ambas as nações. Hesitação de Buenos Aires em fazer a guerra a Santa Cruz. N. 17 Santiago, 15 de [outu]bro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício de V. Exa. datado de 20 de julho. Havia eu dito a V. Exa. que a expedição de Chile contra o Peru não sairia antes do dia 15 de setembro, o que tenho a honra [de] confirmar, tendo-se precisamente verificado em o dito dia com as forças a seu bordo como anunciei a V. Exa. no mesmo ofício. Hoje consta, por navio chegado do Callao em 18 dias, que as forças do Peru compostas de quatro vasos saíram também dali no dia 14 de setembro, sem que contudo se soubesse o destino: uns supõem que para os pontos intermédios, onde provavelmente encontrarão as de Chile a desembarcar, e outros supõem que virão às costas desta república. Que o comandante de um dos navios do Peru prometera levar a corveta Libertad a bordo de que se acha o vil almirante Blanco e que no caso dele, comandante, morrer, Santa Cruz 68 Cadernos do CHDD lhe assegurara dois mil pesos para a família, assim como outras muitas cousas desse gênero, dizem. Qualquer que for [sic] o resultado da guerra, os males são incalculáveis para ambos os países: Chile vencedor terá de continuar a fazer gastos com que não pode, tendo já sido os sacrifícios imensos para preparar essa expedição, que dizem andar perto de dois milhões de pesos, além de que o governo terá, talvez, de conservar os poderes extraordinários de que se acha revestido – estado continuado, violento e arbitrário em que vivem estas chamadas repúblicas; Peru vencido, nele reinará a guerra civil e terá, demais, a [sic] sofrer as consequências da permanência de dois exércitos estrangeiros, além da influência de sua rival. Chile vencido: a perda de tão grandes despesas e, o pior, a queda do governo, com o sacrifício de tantas vítimas, serão bastantemente sensíveis; Peru vencedor não escapará à guerra civil, que já a teria sofrido, se não fosse a que lhe faz Chile. De maneira que, em todas as hipóteses, os males são irreparáveis para ambas as nações, ainda mesmo para aquela que alcançar a vitória. Existe aqui indisposição geral contra os estrangeiros, o que V. Exa. facilmente perceberá em as duas correspondências inseridas no Mercurio de 10 do corrente, que tenho nesta ocasião a honra de enviar com os Araucanos, unindo a isso que em os dias da festa nacional deste país, em setembro, em um jantar dado entre os oficiais da tropa cívica, fizeram-se saúdes bastantemente fortes e desagradáveis contra os franceses, que, além dos motivos ora existentes, já se faziam bastantemente detestar: as diversas passagens de Santa Cruz a bordo de navios de guerras franceses muito lhes têm escandalizado. Em muito poucos dias espera-se receber notícias da chegada da expedição de Chile, que creio ter ido a um dos pontos intermédios, onde conta poder ficar algum tempo sem ser atacada e aproveitar-se dele para se refazer e aumentar suas forças. O ponto a que se dirigiram creio ser Arequipa, porém, se não tiverem a coadjuvação dos peruanos, felizes [serão] se puderem voltar: parece que em as Províncias Unidas não tem havido movimento de tropas contra Santa Cruz, assim como se supunha em Buenos Aires que a expedição não só não poderia sair, como que o governo não se poderia conservar depois da morte de d. Diego 69 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Portales e, por isso, tinha sentido a partida do general Guido, nomeado ministro plenipotenciário, até novas notícias. Por cartas de Coquimbo sabemos ter ali chegado em 13 do passado um vaso de guerra chileno, com um transporte, a tomar tropas, e seguiram para Cobija com trezentos homens, armas e dinheiro, esperando achar favorável o comandante daquela praça. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros oficio15 • 29 out. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Nomeação de um vice-cônsul para Valparaíso. Vinda do cônsul-geral a Santiago para ouvi-lo sobre nossas relações com Chile. Quais os direitos sobre os artigos principais de nosso comércio. Não admitir em o tratado a exceção a favor das repúblicas espanholas, como fez [sic] os Estados Unidos do Norte. N. 18 Santiago, 29 de [outu]bro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Em data de 29 de agosto e 27 de setembro propôs-me o cônsul-geral a nomeação de um vice-cônsul para, em sua ausência ou impedimento, exercer suas funções no posto de Valparaíso; não parecendo a este governo pessoa conveniente a que ele nomeou, eu tive de não dar o meu consentimento, como V. Exa. verá das cópias juntas. É inegável a necessidade de uma tal nomeação, porém não sei se o cônsul poderá encontrar com facilidade alguém que, tendo as qualidades necessárias, o queira aceitar, não havendo proveito algum ou benefício a retirar, pelos pequenos ou nenhuns emolumentos que percebe o consulado. Em 27 de agosto oficiei ao cônsul-geral para que viesse a esta capital a fim de ouvi-lo a respeito do estado de nossas 15 N. E. – Intervenção no topo da última página: “R. em 10 de janeiro de 1838”. 70 Cadernos do CHDD relações comerciais, devendo em breve apresentar as bases do tratado a este governo. V. Exa. verá pela lei dos direitos de importação, que tenho a honra [de] enviar, que o nosso açúcar paga aqui 20% e que o café e erva-mate pagam 35%, direito este que quase corresponde a uma proibição, e esse talvez seja o motivo por que tem consideravelmente diminuído neste país o consumo do último, sendo o de café mui pequeno, por considerar-se danoso, entretanto que tem aumentado consideravelmente há alguns anos o consumo de nosso açúcar, não só pelas desavenças deste país com Peru (que importava a maior parte e a que davam a preferência), como porque ele aqui se vende mais barato. A importação, ou para melhor dizer, o consumo anual de açúcar do Brasil nesta república andará por cento e vinte mil arrobas, e o de erva-mate não excederá a quatorze mil arrobas. Estes são os dois artigos principais do nosso comércio, podendo contudo Chile receber outros muitos, com o café, cacau, algodão, tabaco em folha e madeiras. Em as bases do tratado, que pretendo em pouco apresentar, tratarei de obter que todos os nossos gêneros paguem 15% como pagam os de Chile e os das mais nações entre nós; e, quando o não possa conseguir, ao menos igualar os da erva-mate e café aos do açúcar; e, em caso alguém consentir em a exceção de não considerar as repúblicas espanholas como fazendo parte da nação mais favorecida e, ainda que os Estados Unidos do Norte o tenham feito, não lhes vai mal daí, o que não acontece a nós, tendo de mandar a este mercado os mesmos gêneros que o Peru. Quanto ao prazo, como não tenho recebido instruções a esse respeito, limitar-me-ei em estabelecer o de 1824, época em que acaba o último tratado pelo qual o Brasil se acha ligado, podendo contudo continuar, se assim julgarem conveniente os dois governos, até que, com aviso de um ano antes de uma das altas partes contratantes, venha ele a cessar. Tenho a honra [de] enviar junto a 3ª via da letra de mil e quinze libras esterlinas a favor do Tesouro Nacional e contra o meu procurador o sr. Manoel Maria do Amaral. Permita-me V. Exa. que eu ofereça para a livraria da Secretaria dos Negócios Estrangeiros um volume dos “Princípios do Direito das Gentes”, por Andrés Bello, oficial-maior da Secretaria 71 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 das Relações Exteriores desta República, que nesta ocasião envio com o Almanaque Chileno do ano de 1835 último, e creio que único que apareceu, assim como a Constituição da República, a lei dos direitos de importação e a dos de exportação. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópias Consulado-Geral do Império do Brasil em Chile Valparaíso, 27 de setembro de 1837. Ilmo. Sr., Com data de 29 de agosto próximo passado oficiei a V. Sa., manifestando-lhe que havia nomeado de vice-cônsul neste porto de Valparaíso, de minha residência, a Jorge Lyon para que, em força do artigo 12 do regulamento consular e segundo indiquei a V. Sa. no meu citado, e o tinha comunicado de antemão, pudesse entrar a exercer minhas funções em os meus impedimentos. Mas como ainda não haverá tido V. Sa. lugar de mandar-me seu assenso oficial, está paralisada a sua nomeação e sem reconhecer-se por este governo para que desempenhara por mim, principalmente agora, que tenho de estar em a capital, entretanto se celebram os tratados com o Império; e a fim de consegui-lo, incluo a V. Sa. sua nomeação em forma, que não duvido o aprovará e lhe dará o devido curso. Deus Guarde a V. Sa. Bento Gomes de Oliveira Ilmo. Sr. Manoel Cerqueira Lima Encarregado de Negócios de S. M. o Imperador do Brasil em Chile [Anexo 2] 72 Cadernos do CHDD Santiago, 20 de outubro de 1837. Ilmo. Sr., Acuso a recepção dos ofícios de V. Sa. de 24 de agosto e 27 de setembro relativos à nomeação de George Lyon, súdito de S.M.B. e comerciante de Valparaíso para exercer o cargo de vice-cônsul do Império em o dito porto em ausência ou impedimento de V. Sa. para cuja nomeação com muito gosto teria dado meu consentimento, se não tivesse encontrado em o governo desta república alguma repugnância em reconhecê-lo, visto achar-se ele complicado em contas com a alfândega de Valparaíso e, ao mesmo, tempo desconfiar o mesmo governo não lhe ser ele afeiçoado. Intimamente convencido de que V. Sa. ignorava essas particularidades e reconhecendo a necessidade de haver ali alguém que o possa suprir, eu devolvo a V. Sa. sua nomeação, podendo escolher outra pessoa, que espero não encontrará os mesmos obstáculos. Deus guarde V. Sa. Manoel Cerqueira Lima Ilmo. Sr. Bento Gomes d’ Oliveira Cônsul-Geral do Império do Brasil em Chile ofício • 29 out. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Chegada à Cobija de uma parte da expedição de Chile. Entrada em o Callao das forças do Peru em mau estado. Notícias desagradáveis que correm sobre o Rio Grande. N. 19 Santiago, 29 de [outu]bro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Em o Araucano que tenho a honra [de] enviar, vê-se a notícia da chegada a Cobija da expedição, que, em o meu ofício n. 17, comuniquei a V. Exa. ter-se ali dirigido, assim como também a maneira por que se conduziram os expedicionários, fazendo 73 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 arvorar a antiga bandeira da Bolívia. Ainda não receberam aqui notícias da força principal dirigida a Islay, sendo mui provável que a corveta inglesa Action, que parte de Valparaíso em o 1º de novembro para essa, leve alguma notícia mais moderna, ainda que por ora não pode apresentar maior interesse do que o saber-se da sua chegada. Corre que os navios do Peru que tinham saído do Callao voltaram em muito mau estado, tendo-se eles encontrado, por causa de um nevoeiro: esse acontecimento será mais uma vantagem para Chile. Notícias bastantemente desagradáveis a respeito do Rio Grande correm aqui e mesmo o presidente e [o] ministro dos Negócios Estrangeiros, disseram-me terem-nas recebido por via do encarregado de negócios de Chile em Buenos Aires. Ainda que lhes fizesse ver alguma contradição nelas, contudo falavam com tanta certeza que fui obrigado calar-me, esperando com ânsia a chegada do correio para receber notícias, não as tendo recebido pelo passado. Disseram-me também que os anarquistas daquela província, vencedores, se tinham unido com Fructuoso Rivera e outros e atacavam a Montevidéu; e que Buenos Aires se tinha comprometido a dar mil e quinhentos homens, debaixo de certas condições, como a de não serem empregados os chamados unitários. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício • 31 out. 1837 • ahi 230/03/15 N. 20 Santiago, 31 de outubro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Apresso-me em comunicar a V. Exa. de haverem chegado hoje notícias da chegada da expedição em oito dias a Iquique: 74 Cadernos do CHDD foram recebidos com entusiasmo, tomaram conta do porto de Arica sem a menor resistência, onde deixaram uma guarnição de cem homens e foram para Arequipa, onde chegaram no dia 12 de outubro. V. Exa. sabe que esse é um ponto principal e cheio de recursos para os expedicionários. A trinta léguas de Arequipa achava-se o general Lopes com novecentos homens, a quem mandaram um parlamentar convidando-o a passar-se ou unir-se às forças chilenas. A expedição não era esperada em o Peru e parece que, com a chegada da notícia a Lima, existia ali a maior confusão. Santa Cruz achava-se em Bolívia e, se for verdade de que essa república estava em movimento revolucionário, creio que ele terá de fugir pelo Mato Grosso. Pelo correio de Buenos Aires, que deverá partir em 15 dias, talvez possa dar a V. Exa. notícia mais circunstanciada. Santa Cruz havia feito retirar todas as tropas desses pontos que os chilenos tomaram conta e ajuntava em Bolívia suas forças. A saída da corveta inglesa amanhã e a hora para o correio não me dão lugar a ser mais extenso e a poder examinar alguma particularidade mais. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Gê Acayaba de Montezuma Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofìcio16 • 06 dez. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Recepção da circular n. 8. Bloqueado e cerrado o porto de Valparaíso. Reclamações do ministro da América do Norte. Falta de notícias do exército de Chile. Falta de dinheiro em o exército das Províncias Unidas. Apresentação de um borrão de tratado. N. 21 Ilmo. e Exmo. Sr., Santiago, 6 de dezembro de 1837. 16 Intervenção, no topo da última página: “R. a 10 de Fev. 1838”. 75 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Tenho a honra [de] acusar a recepção da circular n. 8, pela qual V. Exa. nos participa haver o senhor senador Diogo Antônio Feijó dado a sua demissão de regente em nome de S. M. o Imperador, e recaído a regência interina no exmo. ministro do Império o senhor senador Pedro de Araújo Lima, que houve por bem nomear a V. Exa. ministro e secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros. V. Exa. tem motivos suficientes para supor qual teria sido o meu prazer com a notícia da nova administração e, convencido dos bens que ela trará ao Brasil, desde já rogo a V. Exa. queira, em meu nome, felicitar ao exmo. regente interino. Pela cópia n. 1, V. Exa. verá o meu ofício dirigido a este governo e a sua resposta, que foram inseridos no Araucano de 17 de novembro n. 377 que tenho a honra nesta ocasião de enviar a V. Exa., com outros impressos. O presidente, a quem imediatamente comuniquei verbalmente os sentimentos do Governo Imperial, me encarrega de exprimir a V. Exa. para levar ao conhecimento do exmo. regente o seu interesse pela prosperidade do Império. Pela cópia n. 2, V. Exa. verá que o porto de Valparaíso se acha bloqueado e que o governo – querendo, creio eu, aprontar algumas forças – tem cerrado o porto. Em consequência do embargo posto em o momento de saída da expedição, o ministro americano do norte conforme o tratado reclama indenizações, porém o governo do Chile parece interpretar o art. 5º diferentemente; além dessa reclamação, existem outras, feitas pelo mesmo ministro do tempo da independência. As notícias do exército de Chile alcançam até 26 de [outu]bro: a população de Arequipa, assim como as mais do Peru parecem não querer tomar parte na questão; supunha-se que em o dia 29 ou 30 de [outu]bro deveria haver uma ação entre os dois exércitos. As notícias são contraditórias e cada partido as forma a seu sabor, de maneira que é-me impossível poder prever qual será o resultado. Eu me apressarei em comunicá-los a V. Exa. logo que se saiba alguma cousa de positivo. Apareceram em as costas desta república três navios de guerra peruanos, os quais depois de terem ido à ilha de Juan Fernández, libertado os presos e tomado alguns a seu bordo, foram a diversos pontos da república e ultimamente fazem o bloqueio de Valparaíso: como deixaram vários dos presos em 76 Cadernos do CHDD terra, dizem estes que o estado da tripulação é mau e que lhes faltam mantimentos, e por isso crê-se que devem voltar em pouco tempo para o Callao. O governo expediu aviso ao almirante Blanco imediatamente soube que estavam na costa, de maneira que se ele puder dispor das forças marítimas, penso as mandará ao Callao para aí os esperarem. No exército das Províncias Unidas do Rio da Prata parece que houve sublevação num batalhão, o governo de Chile ali tem um oficial para comunicar-se e dizem que este pedira ultimamente quinze mil pesos por ser grande a falta de dinheiro entre eles; e que este governo os mandara imediatamente. Eu já apresentei um borrão do tratado, que duvido muito o aceitem, principalmente o artigo que iguala os direitos sobre os nossos produtos a 15 por cento; o ministro, instando eu com ele para que entrássemos em conferência, desculpa-se sempre com as grandes ocupações da guerra, que a meu ver não é mais do que uma escusa a esperar resultado da questão com o Peru. Eu, em ocasião oportuna, enviarei a V. Exa. a cópia dele. Se passasse tal qual, creio teria feito um serviço ao Brasil. Tem-se-me dado a entender que seja a cópia do feito entre a república e os Estados Unidos, porém a isso de maneira alguma anuirei: ao cônsul brasileiro consultei por formalidade e dele nada aproveitei, por ter ideias um tanto particulares a esse respeito. Ele é negociante. Deus Guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópias Legação do Brasil Santiago, 12 de novembro de 1837. O abaixo assinado encarregado de negócios de S. M. o Imperador do Brasil tem a honra de comunicar a S. Exa. o senhor ministro dos negócios estrangeiros a fim de que se sirva elevar ao 77 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 conhecimento do ilmo. e exmo. senhor Presidente, que havendo o senhor senador Diogo Antônio Feijó dado a sua demissão de regente em nome de S. M. o Imperador, recaíra a regência interina no exmo. ministro do Império o senhor senador Pedro de Araújo Lima conforme determina o artigo 30 do Ato Adicional à Constituição Política do Império. O abaixo assinado tem a satisfação de assegurar a S. Exa. para ser presente ao exmo. sr. Presidente que o Governo Imperial nada poupará para continuar a estreitar cada vez mais as relações de amizade que ligam felizmente os dois Estados. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. Exmo. Sr. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 2] Santiago, noviembre 13 de 1837. He recibido y puesto en noticia del Presidente el oficio que V. S. se ha servido dirigirme con fecha 12 del que rige participándome que, a consecuencia de la dimisión que ha hecho el Sõr. Senador Don Diogo Antônio Feijó del cargo de Rigente en Nombre de S. M. el Emperador del Brasil, ha recaído la Rigencia interina en el Exmo. Ministro del Imperio el Sr. Senador Pedro de Araújo Lima. S. E. a quien ha sido altamente satisfactoria la expresión de las disposiciones amistosas del Gobierno Imperial respecto de este país, me manda asegurar a V. S. que el de Chile nada omitirá por su parte para corresponder a estos sentimientos. Tengo el honor de reiterar a V. S. las seguridades de mi más distinguida consideración. Joaquín Tocornal Al Sõr. Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 3] Circular 78 Cadernos do CHDD Santiago, 30 de noviembre de 1837. Tengo la honra de poner en noticia de V. S., que el gobierno ha resuelto quede cerrado el puerto de Valparaíso para los buques nacionales y extranjeros, como V. S. verá por la copia que le acompañó de su decreto de este día. El presidente recurre con suma repugnancia a una medida que no puede menos de causar incomodidad al comercio. V. S. puede estar seguro que Su Excelencia la hará cesar inmediatamente que las circunstancias lo permitan. Tengo la honra de ser de V. S. atento seguro seguidor, Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Brasil [Anexo 4] Santiago, noviembre 30 de 1837. Por cuanto es muy importante al servicio público, en las presentes circunstancias de hallar-se bloqueado el puerto de Valparaíso por la escuadrilla peruana, impedir la salida de los buques mercantes nacionales y extranjeros surtos en él. Por tanto vengo en acordar y decreto: 1º Queda cerrado el expresado puerto de Valparaíso para los buques mercantes nacionales y extranjeros fondeados en él, y para los que necesariamente fueren llegando. 2º Esta resolución permanecerá en observancia hasta nueva orden del gobierno. 3º Comuníquese a quienes corresponda para su cumplimiento. Prieto Ramón Cavareda Está conforme: Tocornal 79 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ofício17 • 15 dez. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Recepção do ofício de 7 de agosto, circular n. 9 e ofício de S. Exa. de 11 de [outu]bro. Porto de Valparaíso aberto. N. 22 (2ª via) Santiago, 15 de dezembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício do antecessor de V. Exa. datado de 7 de agosto pelo qual me foi determinado exprimir os sentimentos do Governo Imperial pela desgraçada morte de d. Diego Portales. Pelas cópias n. 1 e 2 verá V. Exa. a nota que passei e a resposta deste governo, em que me pedem ser o intérprete dos sentimentos de gratidão pelas expressões amigáveis do Governo Imperial. Tenho igualmente a honra acusar a recepção da circular n. 9 datada de 9 de [outu]bro e o ofício de V. Exa. de 11 do mesmo. Ficando em meu conhecimento as medidas enérgicas que a nova administração tem tomado para estabelecer a ordem em a desgraçada província de S. Pedro, estamos intimamente convencidos do feliz resultado e a ordem, restabelecida naquela província, por si só marcará o patriotismo e zelo da atual administração pelo bem público, aos esforços da qual os brasileiros havendo correspondido, é mais uma prova da sua confiança e simpatias. Quanto aos dois brasileiros e mais, que recorrerem a esta legação, seguirei as ordens do exmo. regente, tendo de comunicar a V. Exa. que um deles (Manoel José Machado) acha-se preso; e hoje mesmo, que me constou – por um requerimento que me mandou –, passo a dar aqueles passos necessários para examinar o motivo da sua prisão e dar-lhe aquele socorro conveniente, e de tudo darei parte a V. Exa.. V. Exa. terá a bondade elevar ao conhecimento do regente a minha gratidão pela deliberação, que houve por bem tomar, de mandar-me abonar os dois quartéis que se me tinha[m] descontado, e a V. Exa. dou os meus agradecimentos pela parte que tomou em esse negócio. Pela cópia n. 3 V. Exa. ficará informado de haver-se aberto o porto de Valparaíso em o dia 11 do corrente. 17 Intervenção no topo da última página do documento: “R. em 10 de Fev. 1838”. 80 Cadernos do CHDD Deus Guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópias (2ª via) Legação do Brasil Santiago, 10 de dezembro de 1837. Sabedor o Governo Imperial do Brasil do horrível atentado em que foi vítima o ilustre infortunado ministro da Guerra d. Diego Portales, tem prevenido ao abaixo assinado cumpra novamente com o honroso, porém melancólico dever de significar ao governo de Chile a fraternal simpatia e pesar profundo com que recebeu tão infausta notícia. O abaixo assinado, aproveitando-se de mais esta ocasião para testemunhar as amigáveis disposições do seu soberano para com o governo e povo de Chile, não pode melhor cumprir com aquele dever, do que transcrevendo as próprias palavras do ministro de Sua Majestade. O horrível atentado cometido na pessoa do ilustre ministro da Guerra, d. Diego Portales, causou o maior pesar ao Regente, em Nome do Imperador, o qual me determinou recomendasse a V. M[er]cê que, nos termos mais expressivos, significasse a esse governo os sentimentos do Governo Imperial por tal ocorrência, tanto mais lamentável, quanto aquele ministro, pelos seus conhecidos talentos e serviços prestados ao seu país, se fazia digno de respeito e geral veneração. O abaixo assinado tem a honra de reiterar a S. Exa. o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros a segurança de sua mui distinta consideração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros 81 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 [Anexo 2] Santiago, 11 de diciembre de 1837. He recibido y comunicado al presidente la nota que V. S. se ha servido dirigirme con fecha de ayer, participándome que el Gobierno Imperial del Brasil le ha prevenido signifique al de Chile la fraternal simpatía y profundo dolor con que recibió la infausta noticia del horrible atentado, de que fue víctima el ilustre y desgraciado ministro de la Guerra don Diego Portales. Su Excelencia me ha encargado exprese a V. S. la viva gratitud de que el gobierno de Chile se siente animado, al reconocer en las expresiones del excelentísimo señor ministro de Su Majestad las amigables disposiciones del Gobierno Imperial respecto de este país, y la justa estimación que él hace de los talentos y virtudes del ilustre americano que tantos bienes había derramado sobre du patria y cuja desgraciada muerte ha costado tantas lágrimas al pueblo chileno. Su Excelencia espera que V. S. se sirva ser el intérprete de esta gratitud ante el gobierno de Su Majestad Imperial. Tengo la honra de ofrecer a V. S. los sentimientos de mi más alta y distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 3] Circular Santiago, diciembre 12 de 1837. Tengo el honor de poner en conocimiento de V. S. que S. Exa. ha tenido a bien expedir con fecha de ayer el decreto que copio a continuación. Por cuanto se cree fundadamente que hayan desaparecido ya los motivos de grande importancia pública que obligaron al gobierno determinar en 30 de noviembre último el embargo de los buques mercantes nacionales y extranjeros surtos en el puerto de Valparaíso, hasta nueva orden, por tanto vengo en acordar y decreto: 1º Queda abierto para el comercio el mencionado puerto de Valparaíso. 82 Cadernos do CHDD 2º Comuníquese a quienes corresponda para su cumplimiento. Reitero a V.S. la seguridad de mi distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil ofício18 • 16 de dez. 1837 • ahi 230/03/15 Índice: Chegada da notícia de haver-se celebrado um tratado de paz entre o Peru e esta república. N. 23 (2ª via) Santiago, 16 de dezembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] enviar o Mercurio de ontem, 15, pelo qual V. Exa. verá haver chegado a notícia da celebração de um tratado de paz entre o Peru e esta república; apenas tenho conhecimento dos artigos seguintes, que me apresso a comunicar. Que os três navios tomados pela esquadra de Chile em o Callao serão restituídos à confederação. Que Peru pagará a Chile um milhão e meio de pesos, e seus interesses considerados como parte de empréstimo inglês dado aos plenipotenciários do Peru para ajudar a independência do Peru. Que se celebrará um tratado de comércio em que Chile será considerado debaixo do mesmo pé que a nação mais favorecida. Que o exército do general Blanco sairá do país em seis dias depois da assinatura desta convenção. Cinquenta dias foram dados ao governo de Chile para a ratificação. Cada país se obriga a não meter-se nos negócios particulares do outro. Que os peruanos formando parte da expedição serão considerados como se não tivessem ido. Pelo art. 13, as duas partes contratantes se obrigam a pedir a S. M. Britânica de [sic] dar a sua garantia à execução deste tratado. Este convênio foi ratificado por Sta. Cruz em 17 de 18 Intervenção no topo da última página do documento: “R. a 10 de Fev. 1838”. 83 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 novembro em o quartel general de Paucarpata, creio que uma légua de Arequipa. Dizem constar de 17 artigos. Em poucos dias espera-se a expedição de volta, pois devia partir um dia depois da Rover. O correio sai hoje, e hoje mesmo chegarão estas notícias; se acaso ele for demorado, mandarei a V. Exa. os impressos que possa obter, constando-me haverem alguns, porém eu ainda não os vi. Do cônsul não recebi comunicação alguma a este respeito, o qual geralmente as costuma dar 24 horas depois de outra qualquer pessoa, e é de uma apatia sem igual. Existe uma tristeza geral e a tal ponto envergonhados, que ninguém sabe nada. Chile recusou fazer a paz com vantagens, agora ela foi imposta com vergonha e prejuízos incalculáveis. Dizem que Sta. Cruz se apresentará com 5.400 homens de infantaria e 800 de cavalaria, em o melhor estado possível. Qual será a sorte deste país? Conservar-se-á o governo? Parece-me impossível. Seguir-se-á a guerra civil? Há probabilidades. Que fará esse exército de volta, enganado em suas esperanças? As finanças ficarão em um estado deplorável, havendo-se descontado quantos documentos foram possíveis. Sta. Cruz comportou-se com generosidade e agora, livre dos chilenos, correrá a livrar-se dos argentinos, o que lhe não será difícil. Deus Guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros ofício19 • 16 dez. 1837 • ahi 230/03/15 N. 24 (2ª via) Santiago, 16 de dezembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Junto achará V. Exa. uma cópia do tratado, não tendo podido obter um exemplar impresso. V. Exa. pode conceber 19 Intervenção no topo da última página: “R. a 10 de Fev. 1838”. 84 Cadernos do CHDD o estado de tristeza geral deste povo: agora, ninguém queria a guerra; outros, criminam ao general Blanco com toda espécie de acusações. Parece-me que o governo vai sujeitar a ratificação às câmaras, havendo cessado igualmente os poderes extraordinários com que o governo se acha revestido. O correio não me dá tempo para mais. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros P. S. – Não vai a cópia do tratado por irem vários impressos em que se acha ele.20 ofício21 • 29 dez. 1837 • ahi 230/03/15 N. 25 Santiago, 29 de dezembro de 1837. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] enviar a V. Exa., por cópia, a nota que recebi deste governo acompanhando o decreto da desaprovação ao tratado feito com o general Sta. Cruz e os plenipotenciários de Chile, e da continuação da guerra: pelos impressos juntos poderá V. Exa. fazer uma ideia do estado da questão, rogando a V. Exa. fazer atenção ao papel Juicio sobre los tratados, que eu creio ser a opinião da gente sensata e que dominará, por fim. As paixões acham-se ainda bastantemente exaltadas, porque pensavam forçosamente deviam vencer, e o amor-próprio bastantemente ofendido, porém eu duvido, apesar de todos os esforços [e] do exaltamento do momento, que uma outra expedição se possa aprontar. Parece, e dizem, que três navios de guerra vão partir para o Callao, 20 Não há anexos ao documento. 21 Intervenção no topo da última página do ofício: “R. a 10 de Fev. 1838”. 85 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 com as comunicações deste governo, que creio pedem [a]o Peru mande aqui um plenipotenciário, para com outro de Buenos Aires tratarem novamente: eu duvido que o general Santa Cruz anua a essa proposta, assim como também me parece que ele não mudará cousa alguma ao tratado feito; poderá, sim, dar algumas explicações e muitos arrependimentos terá, de haver tratado com tanta generosidade e de haver deixado escapar a presa. É-me impossível, em a confusão de mentiras e contradições, explicar a V. Exa. os motivos que obrigaram ao general Blanco a fazer a paz; entretanto, eu direi pouco mais ou menos as suas razões e farei algumas reflexões. (Dizem que ele está escrevendo, assim como contra [sic] o general La Fuente, emigrado peruano que o acompanhou). Toda espécie de privações, a fome e misérias, e a superioridade das forças de Sta. Cruz, com o haver sido enganado pelos emigrados peruanos, que haviam prometido o apoio do Peru, e com que certamente se não acharam, são os motivos principais. É inegável que, sendo assim, este governo obrou com facilidade, querendo fazer a guerra não com os próprios meios, porém sim contando tão somente com a traição dos peruanos, e deveria ele pensar melhor a respeito do que diziam os emigrados, que tudo ganhavam com uma expedição de Chile, e nada pendiam; e – por consequência – facilitavam todos os meios, que hoje se conhecem serem falsos, ainda que continuem a sustentar o contrário; e serão ainda – parece – acreditados, por assim convir aos interesses de alguém. O general Blanco crê haver feito, em tais circunstâncias, grandes serviços a seu país, trazendo sem grande perda o exército, que poderia em grande parte ter ficado sacrificado em o Peru; e, se o amor-próprio foi ofendido e sua altivez baixada, ao menos não existem lágrimas, nem luto com a volta do exército. Porém, que fez o general Blanco perto de quarenta dias em Arequipa e por que não se bateu com as pequenas forças que então existiam perto dali, ou por que não se retirou com sua esquadra a outro ponto? É o que não sabemos e que ele, em sua publicação, nos dirá. Parece que essa resposta será que as forças de Santa Cruz nunca quisera[m] bater-se e que só queriam fazer-lhe a guerra de recursos; porém, por que não os forçou e não tratou de sair da má posição em que se achava? Assim dizem os peruanos emigrados, que pretendem que tais misérias e fome 86 Cadernos do CHDD nunca existiram, e que o general Blanco levado pelas insinuações de Irisarri (plenipotenciário de Chile, e a quem se atribui haver recebido dinheiro) e das amabilidades de Santa Cruz, mudara de opinião de um momento a outro e que quando, em o dia 14 de novembro, achava-se ele disposto a bater-se, em o dia 15 pensava diferentemente. É inexplicável, contudo, que o general Blanco tivesse vendido – como vendeu, a trinta e dois pesos – quinhentos cavalos ao general Santa Cruz, que ainda se achava em guerra com o aliado de Chile, as Províncias Unidas do Rio da Prata! Assim como que tivesse saído do Peru antes de saber se o tratado era ou não ratificado! Ao receber-se a notícia que, geralmente, causou um abatimento terrível em a população, parece que o governo não ficara tão descontente com o tratado como ao depois que ouviu a opinião do oficial-maior da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Tudo mudou e o governo, que no principio dizia-se ir consultar as câmaras, resolveu por si decretar a continuação da guerra e fazer parte – tão somente – a elas: em o Senado, que com dificuldade se reunira, parece não haver agradado muito. Aprovando altamente a Câmara dos Deputados a deliberação do governo, houve tão somente um orador que ousou falar amargamente contra o governo, a quem acusou de interessado em continuar a guerra para assim conservar os poderes extraordinários e poder-se sustentar, sem o que seria difícil. Aqui, as câmaras – como em todos estes novos estados republicanos – seguem inteira e cegamente as vontades do governo. Os oficiais milicianos têm-se oferecido e fala-se em mandar outra expedição com seis mil homens, lá para março; o governo tem convidado a contribuições voluntárias, e outros entusiasmos desse gênero, porém duvido muito que a tropa, que já lá foi uma vez, torne a ir outra, apesar do quanto se tenha tratado de excitar o amor-próprio nacional como V. Exa. verá pelos artigos do Eco inseridos no Mercurio a esse fim. Fala-se em que a reclamação deste governo para com o do Peru é de dez milhões de pesos. Em 22 do corrente saiu de Valparaíso para Cobija um bergantim inglês, [a] que – estando com os seus papéis todos prontos – recusou o governador de Valparaíso dar a sua assi87 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 natura; o comodoro inglês determinou a sua saída e dizem que houve algumas expressões desagradáveis da parte do governador, a ponto de ter-se o comodoro inglês preparado: um negociante francês, carregador desse brigue, foi mandado sair em 24 horas (o cônsul brasileiro nada me tem comunicado a esse respeito). Este acontecimento pôs em movimento a população de Valparaíso e todos os estrangeiros não estão livres de sofrerem aquilo que, em estes países tão pouco civilizados, mais de uma vez tem acontecido. A inveja que possuem em grau eminente os poderá mover a desatinos, de maneira que – mais cedo, mais tarde – receio não [sic] haja cenas desagradáveis. O ódio aos estrangeiros está elevado ao último ponto e, talvez, aí esteja a causa da guerra aos peruanos. Asseguro a V. Exa. que é um grande sacrifício o viver-se entre tais gentes, rodeado dos perigos das revoluções naturais, e sociais: seria para mim o dia da minha maior felicidade aquele em que o exmo. regente houvesse por bem lembrar-se de mudar-me para outro lugar: eu creio que [aqui] um cônsul-geral será suficiente, pois nem o governo, nem o povo fazem distinção destes aos ministros, e porque também penso que este governo não mandará agente algum a essa corte. O último correio que daqui saiu, em 17 do corrente, perdeu-se em um dos rios da cordilheira e, a ouvir-se a opinião dos maus e dos inimigos do governo, esse acontecimento não seria creditado [...] à casualidade, em um momento que parece recear-se, pois era portador da notícia do tratado que o governo ainda não tinha decidido a sua não ratificação. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópias Circular 88 Santiago, diciembre, 19 de 1837. Cadernos do CHDD Tengo el honor de poner en conocimiento de V. S. que el presidente ha tenido a bien expedir con fecha de ayer el decreto que sigue: Considerando: Que el tratado celebrado en el pueblo de Paucarpata a 17 de noviembre del presente año entre el general en jefe del ejército chileno, d. Manuel Blanco Encalada y d. Antonio José Irisarri, como plenipotenciarios del gobierno de Chile y los generales d. Ramón Herrera y don Anselmo Quiroz, plenipotenciarios del general d. Andrés Santa Cruz, no satisface las justas reclamaciones de la nación chilena, ni repara debidamente los agravios que se le han inferido, ni, lo que es más, pecava [sic] los males a que se ven expuestos los pueblos vecinos al Perú y Bolivia, cuya independencia y seguridad permanecen amenazadas; Que aún en los mismos artículos de este tratado, que son favorables a Chile, se encuentran clausulas dudosas y faltas de explicación que harían de todo inútiles las estipulaciones en su actual estado, y sólo darían lugar, como, debe temerse, a que después de dilatadas e infructuosas contestaciones se renovase la guerra; Que los plenipotenciarios del gobierno de Chile se han excedido en el otorgamiento del tratado de las instrucciones que recibieron, como ellos mismos lo hicieron presente al general Santa-Cruz al entrar en la negociación, arreglándose a los principios de honor e lealtad, con que el gobierno chileno les había hecho esta especial prevención; Declaro: Que el gobierno de Chile desaprueba el antedicho tratado; y que después de ponerse esta resolución en noticia del gobierno del general don Andrés Santa-Cruz, deben continuar las hostilidades contra el expresado gobierno y sus sostenedores en la misma forma que antes de su celebración. El gobierno, que desea ardientemente la paz, y que está dispuesto a renovar ahora mismo las negociaciones por un tratado, no omitirá sacrificios para obtenerla con tal que ellos sean compatibles con la independencia, la seguridad y el honor nacional, satisfecho de que una paz de esta clase es la única que conviene o que puede desear el pueblo chileno, y que le dan derecho a esperar la justicia de su causa, su constancia, la eficaz cooperación de sus aliados, y los recursos que el favor de la Divina Providencia ha puesto a disposición de su gobierno. 89 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Reitero a V.S. el testimonio de mi distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 2] Legação do Brasil Santiago, 20 de dezembro de 1837. O abaixo assinado encarregado de negócios de S. M. o Imperador do Brasil tem a honra de acusar a recepção da nota circular datada de ontem do senhor ministro dos Negócios Estrangeiros de Chile pela qual S. Exa. se serve comunicar-lhe o decreto de desaprovação do Tratado de Paucarpata e a continuação das hostilidades contra o governo da Confederação Peru-Boliviana. Formando [sic] o abaixo assinado os mais ardentes votos para que a Providência facilite a ambos os povos os meios de chegar, em breve, ao termo de suas diferenças e os de entrar em gozo dos inestimáveis benefícios de uma paz duradoura, se compraz em oferecer a S. Exa. o Senhor Ministro a homenagem de sua estima e consideração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros 90 1838 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 92 Cadernos do CHDD ofício • 22 jan. 1838 • ahi 230/03/15 Índice: Recepção de diversos ofícios. Continuação da guerra com o Peru. N. 1 Santiago, 22 de janeiro de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção das duas circulares de 5 de agosto de 1836, a de 22 do mesmo mês e ano, assim como o ofício de 5 de julho, a 2ª via da circular de 20 de julho de 1837 e a circular n. 10 de 27 de novembro de 1837, pela qual V. Exa. nos comunica as desagradáveis notícias da Bahia: tendo conhecimento da nulidade dos chefes revolucionários, e ao mesmo tempo dos sentimentos leais da maior parte dos baianos, eu estou intimamente convencido de que a esta hora os autores da perturbação da ordem pública naquela cidade terão recebido aquele castigo que a justiça e bem ser da sociedade brasileira exige. Oferecendo-se uma ocasião segura por mar a corveta de guerra Rover, que deverá sair em o 1º de fevereiro, por ela enviarei a V. Exa. as 2as vias e mais correspondência desta legação, e vários impressos, entre os quais V. Exa. verá a exposição do almirante Blanco, assim como, segundo dizem, a do general Lafuente, em os Mercurios que começam em 13 do corrente. Em o dia 30 de dezembro saíram cinco vasos de guerra para o Callao a comunicar não ratificação do tratado e a começarem as hostilidades; fala-se ainda em outra expedição de oito mil homens e que o Presidente da República irá à testa dela; agora, não sei que denominação levará, porque já os peruanos deram a conhecer que não queriam tais libertadores e restauradores de suas liberdades. Assim, será necessário que sejam conquistadores; porém, para isso, nem vinte mil homens. E essa nova expedição, no caso que venha a sair, não será para mais do que aumentar as desgraças destes povos. Um partido se sustenta com a guerra, a guerra é necessária e útil por consequência; e como a mesma guerra sustenta a Santa Cruz e a sua queda seja a primeira condição para a paz, não vemos quando acabará: várias vezes se 93 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 tem pensado uma revolução iminente aqui, porém estes povos indiferentes e de uma apatia sem igual esperam com prudência os últimos resultados. Dizem que o almirante Blanco vai responder a um conselho de guerra, onde melhor poderá justificar sua conduta, apresentando documentos que por patriotismo, continuando a guerra, não quis publicar; e isso mesmo me tem dito ele e todos os chefes chilenos que foram na expedição e que não foram ouvidos para a continuação dela, tomam inteiramente o seu partido e se queixam de que tão somente os peruanos emigrados sejam os ouvidos pelo governo. Acabam de chegar outros emigrados peruanos entre os quais se acha o general Gamarra. Tem-se pedido dinheiro para a sustentação da guerra, porém dizem-me que nada se tem podido obter e, nessas circunstâncias, como a guerra não se faz sem dinheiro, é provável que haja uma contribuição forçosa. A publicação do Juicio sobre los Tratados foi proibida! Quem proclama a paz é considerado inimigo: a redação do Araucano dizem-me que, do oficial-maior da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, passara para d. Felipe Pardo, emigrado peruano, ministro que foi aqui do Peru e que acompanhou a expedição. Não sei em que ficou o negócio do brigue inglês, o navio de guerra chileno que tinha saído a persegui-lo e, após o chileno, a corveta inglesa Rover, voltaram: o francês, que pôde refugiar-se a bordo de um vaso de guerra, depois de fortes reclamações do seu cônsul, obteve poder continuar a residir em Valparaíso; ele era simples carregador de alguns volumes e seu crime parece ser o ter aconselhado a um capitão francês de não ir com seu navio a certa comissão deste governo sem garantias. O governador de Valparaíso, espanhol violento, é quem hoje decide dos destinos deste país e, desgraçadamente, depois da morte do único chileno capaz, d. Diego Portales, ele vai em decadência e o resultado da expedição já foi por falta dele. A respeito dos tratados, continuam sempre as mesmas dificuldades: “as grandes ocupações da guerra: apresentando, como fiz, o borrão para ele, tenho cumprido com o meu dever; e, se eu tivesse tido meios de viver com mais decência, talvez ele estivesse concluído, o que certamente seria vantajoso para o Brasil. Se não evitasse, pela miséria em que vivo, de receber, talvez se tivesse feito 94 Cadernos do CHDD desaparecer alguns obstáculos porque, como os extremos se tocam, aqui como na Europa civilizada o ventre é muitas vezes bom meio para obter-se muitas cousas: entretanto eu não deixo de recear haver sobre esse objeto alguma intriga, e talvez de pessoa não estranha, porém nada ouvi dizer, não tendo mais do que certeza moral, e nenhuma física. Talvez quando eu for retirado e ficando aqui o cônsul-geral, ele possa obter mais alguma cousa, por que – como é negociante rico, que dá convites continuadamente e que, com particularidade, tem obsequiado aos ministros – está mais no caso de agradar do que o pobre encarregado de negócios em casa de quem jamais ninguém tomou um copo d’água. Deus guarde V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício22 • 22 jan. 1838 • ahi 230/03/15 Índice: Mapas da correspondência. N. 2 (2ª via) Santiago, 22 de janeiro de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] enviar a V. Exa a lista ou mapas da correspondência da Secretaria de Negócios Estrangeiros com esta legação, e a desta legação com a mesma secretaria nos anos de 1836 e 1837, notando-se a falta da circular n. 7. V. Exa verá que houve correspondência que só chegou às minhas mãos depois de dezessete meses como sejam as circulares de 5 de agosto de 1836. Não tendo podido encontrar aqui ou em Valparaíso papel de marca maior ou igual ao que me tenho servido até hoje fui obrigado a empregar este. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima 22Anexos não transcritos. 95 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 04 fev. 1838 • ahi 230/03/15 N. 3 Cópia São Vicente23, 4 de fevereiro de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Depois de haver tido a honra de escrever a V. Exa. enviando os mapas da correspondência oficial recebida e enviada, as 2as vias e muitos impressos sobre a guerra deste país com o Peru, entre os quais iam a exposição do general Blanco e do general peruano La Fuente, e de haver tudo mandado a Valparaíso ao cônsul-geral para partirem pela corveta inglesa Rover, me havia retirado ao campo a viver mais economicamente – visto as tristes circunstâncias em que me acho de não poder obter meios para minha subsistência, havendo o negociante que tinha no seu poder parte das £1.000 que havia sacado sobre o Tesouro e com que me ia suprindo mensalmente, suspendido seus pagamentos em consequência de haver recebido notícia da não aceitação do dito saque, e não podendo eu sacar por meus ordenados, como tinha já exposto a V. Exa., e não havendo ainda recebido a carta de crédito de Londres para eles, apesar de haver escrito em junho do ano passado – quando, dias depois, recebi o ofício do cônsul-geral, da cópia junta, pelo qual V. Exa. ficará informado haver-se incendiado a casa em que ele residia, e com ela tudo quanto existia no consulado. Hoje mesmo parto para a cidade havendo, como devia, oferecido minha casa ao cônsul e sua família; e daí na primeira ocasião mandarei a V. Exa. aqueles papéis que possa de novo obter e mais correspondência, devendo este partir por um passageiro que parte amanhã para Buenos Aires. Consta haver sido apresada no Callao a goleta de guerra chilena, a Peruviana. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima 23Entre parênteses: “(oito léguas de Santiago)”. 96 Cadernos do CHDD Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros Está conforme J. da C. Rego Monteiro v ofício • 12 fev. 1838 • ahi 230/03/15 N. 4 Santiago, 12 de fevereiro de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício de V. Exa. datado do 1º de dez[em]bro do ano passado, e a 2ª via da circular n. 10. Muito desejaria ver concluído o tratado de comércio com esta república, convencido como estou das vantagens que dele resultariam para o Brasil, que produz todos os gêneros de que precisa este país, como sejam o açúcar, erva-mate, café, algodão, arroz, tabaco, e madeiras, que em permuta nos levariam ouro selado, prata, cobre, trigos, ou farinhas, cânhamo, e frutas secas; porém apesar de todos os meus esforços, nada mais tenho conseguido do que o pedir-me o ministro que eu apresentasse um borrão, ou as bases dele, e já fazem dois meses que o apresentei e sempre o encontro com a mesma desculpa das grandes ocupações da guerra. Ontem estive com o presidente, e hoje com o ministro dos Negócios Estrangeiros, e falando-lhes de novo para que concluíssemos o tratado ambos me responderam que o oficial-maior estava enfermo, e no campo, e que antes de sua chegada nada se poderia fazer. Eu não pouparei os meios de desvanecer essas repugnâncias, e se não tivessem sido circunstancias imprevistas, e ordenados tão mesquinhos que não me têm permitido viver com alguma decência, talvez que estivesse concluído; sei o caminho que devo seguir, porém não tenho podido fazer aquilo que deveria, e queria. Não tenho ainda recebido um real dos meus ordenados desde que aqui cheguei, e havendo sacado sobre o Tesouro por £1.000 pelas quais havia enviado letra pelo equivalente, por não querer complicar contas, e das quais ainda me restava a receber uma parte, e com o que me ia suprindo até que viessem ordens 97 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 de Londres, vejo-me hoje sem saber que fazer havendo-se-me suspendido como já disse a V. Exa., o pagamento do resto dessas £1.000 pela notícia da não aceitação. Este governo como já disse em outra ocasião a V. Exa. é inteiramente contrário a fazer tratados com outra nação que não sejam os estados americanos espanhóis e o presidente, em a longa conversação que tivemos, por fim me disse que o faria com o Brasil, porém jamais com nação alguma da Europa, contra quem são tão grandes as queixas, a ponto de dizer-me que visto a pouca consideração que tinham seria preferível que estivessem debaixo do domínio da Espanha: soube também que várias reclamações que este governo faz ao francês, que ou não anui a elas ou mesmo não responde, e isso [o] tem de tal maneira ofendido que me disse o mesmo presidente ser impossível continuar assim, e que em breve ou as cousas tomariam outra direção ou então cortaria toda e qualquer comunicação com eles. V. Exa. não faz ideia da falta de homens que tem este país para governar; são mui raros os talentos, mui pouca instrução, e de uma desconfiança sem igual, seguindo as ideias as mais particulares em sua política. Sta. Cruz parece ser o único oposto a esses princípios tão pouco francos, sendo esse entre outros muitos motivos um dos que concorre para que se lhe faça a guerra. A posição deste país neste momento é bastante crítica, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Fazenda deu a sua demissão dizendo que não podia continuar a servir tendo o presidente pessoa a seu lado que estorvava a marcha dos negócios: essa pessoa é um primo do presidente, intendente de uma província, que em consequência de não haver o presidente recebido a demissão do ministro, dera a sua; dizem também que não será aceita, sendo pessoa influente em sua província. O presidente é de uma indecisão sem igual, e o partido oposto não descansará sem a queda do atual ministério. Hoje recebeu-se a notícia de haver sido tomada uma pequena corveta de guerra do Peru, a Confederação, ao sair do Callao, pela esquadra do Chile, que tendo deixado em Arica a comunicação da não ratificação do tratado, foi imediatamente à busca da esquadra peruana, que contando com a paz, talvez não tivesse tomado suas precauções. Estranha maneira de fazer a guerra, sempre por surpresa, que não corresponde à generosidade do inimigo: e esta 98 Cadernos do CHDD última é com o fim de ver se podem obter melhores vantagens em outro tratado, que eu duvido Sta. Cruz faça terceiro, havendo-se recusado este governo já à ratificação de dois. No caso de obterem tratado mais vantajoso, ou mais honroso, a paz se fará, e no caso contrário continuará a guerra. Parece-me que o resultado ou vantagem obtidas por mar em nada muda a posição de Sta. Cruz, e creio que melhor teriam feito se com mais franqueza tivessem mandado, ou pedido um ministro para de novo tratarem. Estou convencido de que uma outra expedição não poderá ir ao Peru, ainda que nisso muito se fale, porque sem meios outros que violentos não poderão obter dinheiro, e ainda que o Araucano que tenho a honra de enviar a V. Exa. nesta ocasião diga que tudo se tem pago, contudo corre inteiramente o contrário, assim como dizem-me haver uma grande deserção. Este governo está mui receoso da política do de Buenos Aires que não tem respondido às suas últimas comunicações relativamente à continuação da guerra, e que não tem querido mandar um ministro para aqui [h]á tanto pedido, e ultimamente instado, disse-me contudo o presidente, que o motivo de não ter vindo o general Guido [h]á muito nomeado, era o ele exigir 10 mil pesos adiantados, e não os haver. Isso prova que o general que por cá andou tendo conhecimento do país não se quer expor ao que eu tenho sofrido por falta de experiência. Os agentes deste governo – não só o que está em Buenos Aires, como o que se acha no exército nas fronteiras da Bolívia – não se tendo correspondido, como o governo desejava, o tem colocado numa posição falsa sem saber como obrar, e com que contar. O país começa a sentir os resultados da guerra: o comércio paralisado a agricultura em decadência, e qual as vantagens por fim dessa guerra, retrogradação de ambos os países, e conservação dos poderes extraordinários por mais alguns meses; nela enfim não se vê mais do que os conselhos e influência do desespero de alguns proscritos, que tudo querem sacrificar à sua vingança. O ministro dos Negócios Estrangeiros disse-me que o cônsul brasileiro lhe tinha escrito (não sei se oficialmente ou como amigo) pedindo-lhe que ele escrevesse a V. Exa. recomendando-o relativamente ao prejuízo que tinha sofrido com a queima da casa em que vivia. 99 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 15 mar. 1838 • ahi 230/03/15 Índice: Nota deste governo sobre a fugida do prisioneiro de guerra general Ballivián. Tratado de Inglaterra com o Peru. Convite do governo de Buenos Aires para um tratado. Continuação da guerra e possibilidade da saída de uma nova expedição. As notícias do Peru anunciam a guerra civil. Ofício do encarregado de negócios do Brasil em Lima relativamente ao tratado do Brasil com Chile. [N. 5] Santiago, 15 de março de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., A bordo da corveta peruana Confederação, apresada pela esquadra de Chile, achava-se o general Ballivián, que trazido a Valparaíso e hospedado em casa do governador daquela praça, dois dias depois conseguiu refugiar-se a bordo da corveta francesa Andromède. Este governo em consequência passou a nota circular cuja cópia tenho a honra [de] enviar a V. Exa com o número 1 e a minha resposta com n. 2. Felizmente o Brasil não tinha, neste momento, nem esperanças de ter vasos seus aqui e isso serviu-me para responder; o que não poderia fazer, em caso contrário, senão pela negativa, como fez o encarregado de negócios dos Estados Unidos do Norte. Seria comprometer a neutralidade o proibir-se a saída do general Ballivián; e quereria o governo de Chile constituí-lo prisioneiro a bordo da fragata francesa? Seria um absurdo: se o general Ballivián tinha dado a sua palavra de honra (nada o prova e ele o nega) tinha certamente feito mal em fugir, porém essa sua conduta jamais pertencia aos neutros o examinarem, vindo o general Ballivián por 100 Cadernos do CHDD um acaso a obter a sua liberdade da mesma maneira que por outro acaso tinha sido feito prisioneiro. Ignoro o como tenha respondido o cônsul francês, e em que estado esteja a pretensão deste governo para que o general não possa sair de Valparaíso. Parece haver chegado a ratificação por parte do governo inglês do tratado feito com o Peru, havendo nessa mesma ocasião sido elevado a encarregado de negócios o cônsul-geral inglês que ali se achava. Com a chegada de um próprio de Buenos Aires espalhou-se a notícia de que o governo daquela república propunha ao do Chile um tratado de aliança ofensivo e defensivo, assim como que pedia cinquenta mil pesos mensais, armas e vestuário para a continuação da guerra com o Peru; supondo exageração, alguma cousa creio existe de verdadeiro: geralmente aqui tem-se muita má opinião do exército argentino que está nas fronteiras da Bolívia. Este governo continua em os projetos de nova expedição, e com que sairá a esquadra com mil homens dentro de poucos dias, para ir introduzir a guerra civil em os departamentos do norte, levando a sua frente o general Gamarra (peruano emigrado); outros querem que ela irá [sic] em direitura ao Callao a ver se tomam o resto da esquadra peruana, ficando a grande expedição para sair dentro de três meses. Em estes projetos de continuação de guerra acompanham ao governo principalmente os peruanos emigrados, e duas ou três famílias do país, sendo toda a mais população contrária, não falo da baixa classe – porque essa em todos os países é sempre levada pela influência do momento e da que domina – porém, sim, dos proprietários e fazendeiros. As últimas notícias do Peru parece que não são mui satisfatórias para aquele país: falava-se de conspiração, e havia desavenças, e desconfianças entre peruanos e bolivianos, e aquilo que em meu ofício n. 17 de 15 de outubro do ano passado previ, se realizará mais cedo mais tarde: a guerra civil em os três Estados – Peru, Bolívia e Chile – qualquer que seja o resultado da contenda. A guerra contra o general Santa Cruz o sustentará por mais algum tempo, fazendo-o necessário, e a mesma guerra sustentará também pelo mesmo tempo este governo. V. Exa. verá pelo n. 3 a cópia do ofício do nosso encarregado de negócios em Lima, relativamente às dificuldades que ele 101 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 concebe devo aqui encontrar para concluir o tratado de que me acho encarregado: precisamente o ponto que ele me aconselha tentar obter, é o da dificuldade, e nesse sentido lhe responderei. E, mais, que empregarei os meus esforços não para obter essa convenção, porém sim para a conclusão do tratado. Em poucos dias espera-se de volta o oficial-maior da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, sem o qual nada se faz, e logo que chegue, verei o que posso obter. O brasileiro Machado que se achava preso por dívidas e injúrias à sua credora por fim saiu da prisão, porém ainda se acha complicado pelas despesas do processo. Eu o tenho favorecido com algumas esmolas, e ultimamente concorri para sua saída, porém nada dei por conta do governo, por não se achar ainda reconhecido como brasileiro nessa legação. Convencido de que os socorros públicos não devem ser dados, senão a aqueles brasileiros que se acharem inteiramente impossibilitados de trabalhar e que a este, se o trabalho lhe falta, é em grande parte por sua própria causa, não me animo a tomar a resolução de mandá-lo para o Brasil: o outro nunca mais me apareceu; sei entretanto que vive do seu ofício. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] N. 1 Circular Cópia Santiago, 17 de febrero de 1838. A consecuencia de haberse fugado el día 13 del corriente el general Ballivián, prisionero de guerra de este gobierno, de la casa del gobernador de Valparaíso, donde se hallaba hospedado bajo una palabra de honor, y se acogido a bordo de la fragata francesa Andromède, tengo el honor de dirigirme a V.S., solicitando se sirva expedir órdenes convenientes para que los buques de 102 Cadernos do CHDD su nación no le admitan a su bordo, en caso de que quisiese trasladarse a alguno de ellos desde la Andromède para aprovechar una oportunidad de salir del puerto. El general Ballivián, que se ha escapado faltando vilmente a su palabra, se ha hecho indigno de hallar acogida bajo ningún pabellón. No solo a Chile, sino también a todas a las demás naciones importa oponerse al abuso que se hace en este caso de nuestra generosidad y de uno de los medios más saludables de mitigar las calamidades de la guerra. El general Ballivián no es un reo que tenga derecho al asilo. Es un prisionero de Chile que por haber dado su palabra conserva el carácter de tal en cualquiera parte que se encuentre, y si un buque neutral le sacase de Valparaíso y le condujese a otra parte, violaría su neutralidad, porque nos despojaría de lo que nos pertenece, y le pondría en estado de volver al Perú y continuar hostilizándonos. Mi gobierno espera que V.S. se prestará a la solicitud que dejo expresada, tanto por el deseo de prevenir reclamos futuros cuanto por el beneficio que de elle [sic] reportará la humanidad. V.S. conocerá que si el habernos dado su palabra de honor nuestros prisioneros no ha de bastar para que dejen de ser favorecidos por los buques neutrales, nos veremos precisados a tomar medidas de rigor para asegurar a los que se hagan en lo sucesivo. Tengo el honor de reiterar a V. S. las protestas de mi mas distinguida consideración. Joaquim Tocornal Señor Encarregado de Negócios del Império del Brasil [Anexo 2] Cópia Legação do Brasil Santiago, 21 de fevereiro de 1838. O abaixo assinado Encarregado de Negócios do Império do Brasil teve a honra receber a circular de S. Exa. o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros da República de Chile com data de 17 do corrente relativa a fuga do General Ballivian prisioneiros de 103 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 guerra deste governo, e um convir com S. Exa. o Senhor Ministro em a exatidão do princípio sobre que S. Exa. funda sua solicitude, o abaixo assinado se limita a dizer, que não havendo em estas costas navios de sua nação nem esperando-se de pronto, prevê que não chegará o caso de que o General Ballivian procure asilo debaixo da bandeira do Império, circunstância que permite ao abaixo assinado prescindir da discussão sobre as ideias do governo de Chile neste particular assunto. O abaixo assinado reitera a S. Exa. o Senhor Ministro os seus protestos de respeito e veneração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Señor D. Joaquim Tocornal Ministro e Secretário d’Estado [Anexo 3] Cópia Lima, 15 de fevereiro de 1838. Ilma. Sr. Pela última comunicação de V. S., datada de 13 de dezembro próximo passado, vejo que esse governo continua a escusar-se de fazer um tratado de comércio com o Brasil. Os motivos por que assim obra são bem conhecidos: enquanto eles durarem nada se poderá obter atacando de frente. Como o governo, em as instruções que nos deu, recomendou que vamos d’acordo sobre a realização dos tratados de que estamos incumbidos, julgo não ofender a delicadeza de V. S. com manifestar-lhe minha opinião à vista do que teve a bem comunicar-me sobre este assunto interessante. Bem sabe V. S. que a atual guerra de Chile com o Peru tem por base haver sido anulado o tratado de comércio ratificado pelo Salaverry e que protegia o consumo do seu trigo; e ter o governo protetoral estabelecido portos de depósito na costa do Peru e imposto direitos dobrados aos navios que, vindo da Europa, tocarem primeiro em qualquer porto do Pacífico. Todo o empenho do Chile é renovar aquela vantajoso tratado e destruir estas inovações decretadas pelo general Santa Cruz, e para consegui-lo entra no seu plano apoiar os emigrados que podem vir ocupar os primeiros destinos no Peru e que, por 104 Cadernos do CHDD gratidão, serão mais condescendentes com aquelas pretensões. Não tendo, em troco, mais conveniências a oferecer-lhe que proteger a introdução do açúcar peruano no Chile, seu único mercado, segue-se que continuará a evadir-se ao tratado com o Brasil, enquanto durar a questão, e muito pior será se ela terminar a seu favor. Por outro lado, as vantagens que o Governo Imperial tem a propor, consistindo em fazer-lhe extensivos os direitos de 15% ad valorem que todas [as nações] pagam no Brasil, pouca atenção lhe merece um tão fraco incentivo. A reciprocidade a que tem direito, e o nosso governo manda exigir, aumenta a repugnância, e oferece obstáculos que chocam com leis e tratados em vigor. À vista destas dificuldades e estando convencido de que o governo chileno continuará a eximir-se de tratar definitivamente, eu, no lugar de V. Exa., poria em prática uma tentativa, que a ter bom resultado, não pode menos que ser aprovada pelo nosso governo. O principal objeto do tratado com Chile é con[tar] que os nossos gêneros, e sobretudo o açúcar, não possam competir naquele mercado com outros iguais a que se conceda preferência e rebaixa de direitos. Este inconveniente ficaria remediado se, pretextando dúvidas que podem sobrevir, e alegando a demora do tratado proposto, pudesse ao menos conseguir-se, a título de convenção preliminar, por mais ou menos, a seguinte declaração. O governo do Império do Brasil e o da República do Chile, querendo evitar qualquer dúvida que possa suscitar-se enquanto não estiver ultim[ado] o tratado de comércio de que se ocupam atualmente para fixar as suas relações de comércio e navegação, concordam por via de seus plenipotenciários devidamente autorizados, ........ pelo Brasil e ........ por Chile, na seguinte “Convenção”: os [cidadãos] e sua propriedade, os navios e equipagens, os produtos e carregamentos do Brasil, ou do Chile serão reciprocamente admitidos nos domínios da outra, e equiparados em regalias, e cargos com os indivíduos e iguais produtos da nação mais favorecida. Uma semelhante convenção, e que teve igual origem, foi celebrada pela França e o México em 1832, e lhe serve ainda hoje como único tratado, evitando assim exclusões, e tendo direito a todas as concessões. Enquanto ao tratado que me foi encarregado, nada tenho 105 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 feito até agora por subsistirem os obstáculos de que antes dei conhecimento a V. Exa. Deus guarde a V. Exa. Duarte da Ponte Ribeiro Ilmo. Sr. Manoel Cerqueira Lima v ofício • 22 mar. 1838 • ahi 230/03/15 [N. 6] Santiago, 22 de março de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar haver recebido hoje o ofício de V. Exa. n. 1 datado em 10 de janeiro e a circular de 13 do mesmo, relativa ao bloqueio do porto da cidade da Bahia. Pelo que tenho podido coligir, parece que as relações entre este governo e o de Buenos Aires estão rompidas e que o encarregado de negócios desta república ali residente passa a retirar-se, assim como o agente deste governo junto ao general das forças argentinas em as fronteiras da Bolívia. Há mais de dois meses que o correio que daqui saiu se acha em Mendoza, não havendo ainda chegado o que deveria sair em janeiro de Buenos Aires e nem esperança alguma de que chegue. Aqui parece também começar a haver desinteligência entre as pessoas do governo. A pequena expedição que deveria sair em poucos dias como anunciei a V. Exa. em o meu ofício anterior parece que será retardada, porque havendo sido nomeado (segundo dizem) o governador de Valparaíso para ir comandá-la, essa nomeação desagradou ao novo general em chefe, Bulnes, pelo motivo de que Garrido é espanhol: Garrido é o homem do governo, e Bulnes, inimigo do ministério e parente do presidente, que como sempre indeciso. A população vive em apatia e indiferença aos negócios públicos, e supondo-se ser impossível continuarem as coisas assim sem contudo poder-se indicar com certeza o momento, parece inevitável uma revolução, que não apresenta outro caráter, do que a saída de um militar com 106 Cadernos do CHDD poderes extraordinários, para em seu lugar entrar outro com as mesmas qualidades, e assim se vão governando em continuados movimentos estas chamadas repúblicas. Depois da chegada do oficial-maior da Secretaria dos N[egócios] Estrangeiros, tenho instado com o ministro para entrarmos em conferências relativas ao tratado, e parece-me que desta vez o concluiremos: segundo conversação que tive com o ministro, não creio que possa obter os 15% para os nossos gêneros, e nesse caso tampouco os indicarei para os de Chile, contentando-me com o princípio geral do mesmo que se conceder à nação mais favorecida, e havendo obtido isso tenho feito um grande serviço ao Brasil, porque eles ainda têm grande repugnância em fazê-lo conservando as esperanças de ainda restabelecerem o tratado feito com o Peru, e não ratificado por Sta. Cruz. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v Ofício • 23 mar. 1838 • ahi 230/03/15 Índice: Notícia sobre a chegada de um almirante inglês. [N. 7] Santiago, 23 de março 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Com a chegada de um navio de Bordéus em setenta e tantos dias, corre a notícia de que em fim de dezembro saíra de Inglaterra o almirante inglês para a estação do Pacífico com sete vasos mais, trazendo a seu bordo um comissário da parte do governo inglês para saber o motivo por que o governo de Chile não tem dado cumprimento aos seus compromissos relativos ao empréstimo feito em Londres, assim como também dizem que o almirante traz ordens para obrigar a aquela das duas nações que se nega a fazer a paz. Não sei até que ponto possa dar crédito a semelhantes boatos, entretanto julguei do meu dever apressar-me a comunicá-los a 107 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 V. Exa., persuadido de que alguma cousa pode existir de verdade quanto ao primeiro ponto, pois o comércio inglês não deve ver com indiferença duas nações que lhe devem, estarem a gastar ou a fazer a guerra à custa dele, maiormente em uma guerra que já parece mais de capricho do que fundada em justas causas; a respeito desta questão recomendo a V. Exa. a leitura do art[igo] inserido em The Foreign Quarterly Review n. XXXIX, publicado em outubro de 1837. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 10 abr. 1838 • ahi 230/03/15 [N. 8] Santiago, 10 de abril de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção do ofício de V. Exa. n. 2 datado em 10 de fevereiro do presente ano. Em data de 28 de março passado, conforme as ordens de V. Exa. tenho comunicado a este governo a existência do bloqueio no porto da cidade de S. Salvador. A guerra entre esta república e o Peru parece aumentar cada vez mais e pela cópia n. 1 junta verá V. Exa. o decreto deste governo declarando o porto do Callao e os adjacentes de Chorrillos e Ancón em estado de bloqueio a começar do dia 18 do corrente, em consequência de haver o governo protetoral declarado o bloqueio de Valparaíso para 18 de agosto. A saída dos navios desta república para fazer efetivo o bloqueio deverá ter lugar em poucos dias, dizem que irão quatro vasos e 500 homens de tropa, e eu creio que o fim principal é ver se podem destruir o resto da esquadra do Peru: continua-se a falar em uma outra próxima expedição com 1.500 homens com todos os peruanos emigrados. Recomendo a V. Exa. a leitura 108 Cadernos do CHDD do folheto que junto tenho a honra [de] enviar “a defesa que o ministro plenipotenciário desta República publicou no Peru para justificar sua conduta relativamente ao Tratado de Paucarpata”, de cujo folheto dizem-me ser a circulação proibida, assim como tudo o mais que possa ter por fim esclarecer a população sobre esta questão, que parece já ser mais particular aos dois presidentes, que nacional, pois com a paz será inevitável a queda de ambos. Relativamente ao nosso tratado, tem-se-me demorado de dia em dia, e por fim estamos convencionados a ter a primeira conferência amanhã, 11, e eu espero, se não continuarem as demoras, em duas ou três conferências concluí-lo e estou decidido a ceder de alguns artigos propostos, contanto que vença a dificuldade e destrua para sempre o artigo que nos era tão prejudicial: a exceção das repúblicas hispano-americanas admitida já pelo governo dos Estados Unidos do Norte em seu tratado com esta república. Quanto à reciprocidade dos 15 por cento não me será possível obter, e nem eu creio que isso seja um mal, uma vez vencido o outro artigo, porque nesse caso dando-se maior prazo ao tratado e considerando-se Chile debaixo dos mesmos princípios que a nação mais favorecida, ao governo ficará a liberdade de impor como melhor lhe convier: em todo o caso, farei todos os esforços em obter diminuição de direitos sobre os nossos produtos, principalmente da erva-mate e café, que pagam 35 por cento. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] N. 1 Circular Cópia (2ª via) Santiago, abril 3 de 1838. El presidente, con [fec]ha de ayer, se ha servido expedir por 109 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 el Ministerio de [Gu]erra y Marina el decreto de que tengo el honor [de] acompañar a V.S. [por] copia. Reitero a V.S. las segu[rid]ades de mi distinguida consideración. Joaquín [Toco]rnal Señor Encargado de Negocios del Imperio [del] Brasil Copia El gobierno de Chile, deseoso de mitigar lo posible las calamidades de la guerra se había [abs]tenido hasta ahora de ordenar al bloqueo de los [pue]rtos ocupados por el usurpador del Perú, medio [tan] legítimo de hostilidad, como fácil de llevar [a] efecto por la superioridad de las fuerzas nava[les] de la República. El usurpador del Perú ha [decid]ido adoptar diferente conducta. Él acaba de expedir decreto en que anuncia que desde el 18 de agosto pró[ximo] estará bloqueado el puerto de Valparaíso por las [fuerzas] de la titulada Confederación Perú-Boliviana para todas las naciones de la tierra. La defensa de la República pone al gobierno de Chile en la necesidad de retorcer las medidas hostiles con que el enemigo [le] amaga. En esta virtud he acordado y decreto: Art. 1º - El puerto del Callao y los adyacentes de Chorrillos y Ancón deberán considerarse, y serán efectivamente bloqueados por los buques de guerra chilenos desde el dieciocho de abril presente. Art. 2º - Comuníquese este decreto a nuestros agentes diplomáticos y consulares en las naciones amigas, y a los de dichas naciones en el territorio de Chile para noticia de las respectivas Cortes y del comercio en general, y publíquese por la prensa. Dado en el Palacio de Gobierno, sellado con las armas de la República, y refrendado por el ministro de Estado y del Despacho de Guerra y Marina en Santiago a 2 de abril de 1838. Prieto Ramón Cavareda Está conforme: Andrés Bello 110 Cadernos do CHDD [Anexo 2] Legação do Brasil Santiago, 4 de abril de 1838. O abaixo assinado encarregado de negócios de S. M. o Imperador do Brasil tem a honra [de] acusar recebida a nota circular que o senhor ministro dos Negócios Estrang[eiros] se serviu dirigir-lhe ontem incluindo o decreto com data de 2 do corrente expedido pelo ministro da Guerra e Marinha, pelo qual se declara o porto do Callao, e os adjacentes de Chorrillos e Ancón bloqueados pelos navios de guerra chilenos desde o dia 18 do presente mês. O abaixo assinado reitera ao senhor ministro os seus sentimentos de estima e alta consideração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício24 • 10 abr. 1838 • ahi 230/03/15 Índice: Comunicação relativa ao saque de £1.000. Não aceite. Estado em que continuo a achar-me sem poder receber meus ordenados. [N. 9] Santiago 10 de abril de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Em consequência do protesto do saque que fiz sobre o tesoureiro geral de £1.000 para fazer face às minhas despesas, por falta do recebimento dos meus ordenados, passou-me o governo desta república, que havia tido a bondade garantir o dito saque, a nota cuja cópia tenho a honra [de] enviar a V. Exa. com o n. 1 e a minha resposta com n. 2, pela qual V. Exa. conhecerá qual deva ser minha posição continuando a ver-me privado de receber meus ordenados. Eu estou intimamente convencido de 24Na margem superior direita, lê-se: “R. 15 de junho 1838”. 111 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 que meus ofícios n. 14 e 15 não chegaram às mãos de V. Exa., porque no caso contrário estou persuadido de que se por motivos que ignoro V. Exa. julgasse conveniente não mandar pagar o dito saque, teria contudo dado aquelas ordens necessárias, a fim de que pudesse receber meus ordenados, como pedi, e esperava da bondade de V. Exa., e então nesse caso ter-se-ia aqui pago, e não teria que passar pelos dissabores que estou sofrendo. Se as ordens viessem para receber meus ordenados, bem se poderia explicar a não aceitação e pagamento deles, porém no presente caso, é-me impossível atinar com os motivos que V. Exa. teve em consideração para não mandá-lo fazer, porque creio que se a revolução da Bahia dificultava a entrada pronta em o Tesouro das ditas £1.000 existiam sempre os meus ordenados e a nação nada perderia, nem creio que fizesse o menor sacrifício, pagando-se o meu saque e avisando-se para Londres. Se eu dei, ou mandei letra por igual valor, foi para facilitar a transação, não complicar contas; havendo escrito para Londres, pedindo que se me mandasse aqui pagar e ao mesmo tempo para aumentar as garantias ao governo. A posição em que me acho, sem meios de subsistência, se continuar, será contrária à dignidade, e direi mesmo aos interesses do Império, porque não poderei ter aquela independência que o lugar exige e tanto mais sofrerão eles quanto estou em o momento de começar as conferências para a celebração do tratado de comércio, para concluir o qual eu ainda faço tantos esforços e sacrifícios para obter com que viver de dia em dia. Pela conta junta n. 3 verá V. Exa. o prejuízo de 855 pesos pelo protesto e eu deixo à justiça de V. Exa. o decidir se eu devo sofrê-lo: fui privado, como V. Exa. verá da mesma conta, de receber 828 pesos que ainda me restavam e sou obrigado a pagar 855 pesos de prejuízos, até que V. Exa. decida se eu os devo perder.25 Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros 25A mencionada prestação de contas não foi preservada junto à documentação. 112 Cadernos do CHDD [Anexo 1] Cópia N. 1 Santiago, 31 de marzo de 1838. Habiéndose presentado a [es]te gobierno don Mariano Sánchez, como apoderado [del] general don José Cifuentes, solicitándo se le mande pagar por [la] Tesorería la cuenta que acompaña a consecuencia de no haber sido aceptada la libranza de mil libras [es]terlinas girada por V. S. en 13 de setiembre del año próximo pasado contra el ilmo. señor tesorero del [Im]perio del Brasil y a favor del mencionado señor [Ci]fuentes, tengo el honor de pasar a manos de V. S. [la] expresada representación y cuenta para que V. S. [se] sirva examinarlas, y exponer al gobierno lo que [ilegível] conveniente sobre su contenido. Reitero a [V.S.] las seguridades de mi distinguidos aprecio y conside[ra]ción. Joaquín Torconal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 2] [Cópia] N. 2 Santiago, 5 de abril de 1838. Exmo. Sr., Recebi com a honrosa nota de V. Exa. datada em 31 de março passado, a petição e conta adjunta de d. Mariano Sánchez, procurador-geral de d. José Cifuentes, que V. Exa. teve a bondade [de] [en]viar-me a fim de que examinadas por mim expusesse ao governo o que achasse conveniente sobre seu conteúdo. A conta está conforme as regras, e prática do comércio, e não sem grande pesar me vejo na necessidade de volvê-la a V. Exa. sem pagar eu mesmo ao [credor], porque circunstâncias que não estão ao meu alcance explicá-las me conservam privado de meus ordenados, e até da possibilidade de dispor com a brevidade que desejo de meus fundos particulares. Tampouco me 113 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 é possível compreender as causas que hão podido dar lugar à protesta de meu saque, e na ausência de comunicações de meu governo sobre este assunto não posso crer outra cousa senão que ele há sido protestado sem seu conhecimento. Conheço que esta explicação não é bastantemente satisfatória; porém o motivo indicado me priva do prazer de dar outra, redobrando meu pesar por ver que o governo de Chile tenha que fazer efetiva sua garantia em uma época em que as urgências publicas não lhe permitem talvez fazer sem sacrifícios estes suprimentos. Hoje mesmo escreverei ao meu governo sobre este objeto e espero confiadamente que, sem perda de momentos, procurará satisfazer esta responsabilidade. Reiterando Vossa Excelência os sentimentos de minha maior gratidão e respeito Tenho a honra de ser de Vossa Excelência humilde e obediente servidor Manuel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquim Tocornal Ministro e Secretário d’Estado de Negócios Estrangeiros v oficio • 14 abr. 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Demora de bloqueio do Callao. Demora do tratado. Recebimento da notícia de haver sido pago um saque meu feito em julho do ano passado. N. 10 Santiago, 14 de abril de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra comunicar a V. Exa. que este governo tem prorrogado o bloqueio dos portos do Callao, Chorrillos e Ancón para o dia vinte e seis do corrente, conforme foi comunicado pela nota do ministro dos Negócios Estrangeiros, cuja cópia tenho igualmente a honra de enviar junta. Ontem chegou a Valparaíso o almirante inglês e já vemos 114 Cadernos do CHDD ser falsa a notícia que tinha feito espalhar de que vinha com mais sete vasos, e provavelmente as outras serão também falsas, entretanto se souber com certeza alguma coisa, não deixarei de comunicar a V. Exa.. Continuam novas demoras relativamente ao tratado, como porém não poupe esforços para concluí-lo, creio que desta vez mais dias, menos dias o conseguirei. Felizmente hoje recebi a notícia de que Samuel & Phillips haviam aceito meu saque de £182, 16, 3 feito em 12 de julho do ano passado, e creio que no dia 16 receberei o seu importe, assim com isso irei vivendo até receber as ordens para poder sacar, o que não espero de Londres antes de dois meses, entretanto seria conveniente que a V. Exa. tivesse a bondade prevenir a falta delas. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] N. 1 Cópia Santiago, abril 11 de 1838. Tengo el honor de acompañar a V.S. copia del decreto expedido con esta fecha por el Ministerio de Marina. Reitero a V.S. los sentimientos de mi distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil Copia Santiago, abril 11 de 1838. S. E. se ha servidor decretar con esta fecha lo que siegue: el gobierno ha acordado y decreta: 115 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Artículo 1º - Le prorroga hasta el veinte y seis del corriente abril el término para hacer efectivo por los buques de guerra de la escuadra el bloqueo del puerto del Callao y los adyacentes de Chorrillos y Ancón, declarado por decreto del mismo mes. Art. 2º - Comuníquese esta resolución a quienes corresponda y publíquese por la prensa. Lo transcribo a V.S. para los efectos correspondientes en la parte que le toca. Diós gu[ard]e a V.S. Ramón Cavareda Al Ministro de Relaciones Exteriores Está conforme: J. R. Casanova [Anexo 2] Legação do Brasil Santiago, 14 de abril de 1838. O abaixo assinado encarregado de negócios de S. M. o Imperador do Brasil tem a honra [de] acusar recebida a nota de S. Exa. o Sr. ministro dos Negócios Estrangeiros da República de Chile, que acompanhava a cópia do decreto da mesma data expedido pelo Ministério da Marinha em que se declara ficar prorrogado até vinte e seis do corrente o termo para fazer-se efetivo o bloqueio do porto do Callao e adjacentes de Chorrillos, e Ancón. Aproveitando-se de mais esta ocasião para assegurar a S. Exa. os seus sentimentos de estima e alta consideração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v 116 Cadernos do CHDD ofício • 16 abr. 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Conferência sobre o tratado com o Brasil. Suposição de paz com o Peru. N. 11 Santiago, 16 de abril de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] comunicar a V. Exa. que hoje 16 de abril tive uma conferência relativamente ao tratado e que tendo convencionado em suas bases, este governo vai a passar-me seu contraprojeto; reservo-me para quando tiver a honra [de] enviá-lo a V. Exa. fazer, à vista dele, aquelas reflexões convenientes. Até hoje não consta haver saído a esquadra de Valparaíso a bloquear os portos do Peru, correndo entretanto deverem ter hoje mesmo dado à vela: relativamente à expedição existe grande segredo e creio que talvez, enquanto se fala muito em os preparativos dela, que se está tratando da paz, a qual o país o deseja com ânsia; tem-se notado grandes conferências entre este governo e o cônsul-geral da Inglaterra, o que faz crer ser por intermédio dele e o que se acha no Peru que se trata dela. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v oficio • 27 abr. 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Saída da esquadra a bloquear os portos do Peru. Passagem de um ministro do Peru à Corte de Londres. Preparos para a nova expedição. Projetos de uma sociedade de agricultura. N. 12 Santiago, 27 de abril de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra anunciar a V. Exa. a saída da esquadra desta 117 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 república, composta de cinco navios a bloquear os portos do Callao, Chorrillos e Ancón em o dia 17 do corrente. Em Valparaíso - a bordo da fragata inglesa Fly, chegada de Arica - se acha com destino à Corte de Londres um ministro enviado pelo governo do Peru: o novo encarregado de negócios ali residente, melhor terá podido informar a V. Exa. o objeto dessa missão. É muito provável que ele irá a essa a bordo da fragata inglesa Stag: chama-se Moura, é espanhol de nascimento e goza do crédito de ser hábil escritor; esteve alguns anos nesta república, como chefe de um estabelecimento de educação e, depois da revolução, que resultou a entrada da atual administração foi perseguido, e retirou-se ao Peru. Parece que se apronta com toda a atividade a nova expedição que dizem sairá dentro de um ou dois meses, composta em sua totalidade de 5.000 homens: dizem-me que a tropa e principalmente a maior parte da oficialidade, assim como a população, não estão dispostos à continuação da guerra, e é de supor que, no caso [em] que ela chegue a ter efeito, que seus resultados sejam os mesmos, ou piores que os da primeira. Fala-se aqui em a criação de uma sociedade de agricultura, sendo um dos objetos principais a cultura da beterraba para a fabricação do açúcar, mandando-se buscar para esse fim dois mil colonos; pelo caráter e gênio insaciável destes povos, duvido muito, que cheguem a efetuar seus planos, assim creio ao menos que por muitos anos não terá resultado, e mesmo que quando venha a excetuar-se, que não corresponderá à expectativa; acha-se à testa dessa ideia o ex-encarregado de negócios desta república em França há pouco chegado. Nada posso comunicar a V. Exa. relativamente ao tratado, estando à espera do contraprojeto deste governo. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v 118 Cadernos do CHDD oficio • 04 maio 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Notícias políticas. [N. 13] Santiago, 4 de maio de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., No 1º do corrente recebemos notícias do Peru e por elas sabemos que o general Sta. Cruz mandara convocar novos plenipotenciários para se reunirem em Arequipa no fim deste mês, e fazerem outro tratado que organize a Federação, visto ter caducado o de Tacna por não haver sido ratificado no termo prefixo: além desse motivo alega ser necessário alterar algumas das estipulações que a opinião pública tem reprovado. Aqui os preparativos de guerra continuam, entretanto não tenho podido com certeza descobrir até hoje, onde tenha este governo encontrado fundos para ela, e apesar de que as rendas ordinárias tenham consideravelmente diminuído estes últimos meses, ele não tem contudo aumentado as imposições, e se alguns negociantes e proprietários têm fornecido meios tomando seus papéis com grandes descontos, não pode essa quantia ser suficiente para fazer face aos gastos de uma guerra que já deve ter excedido a três milhões de pesos, e para a sua continuação. Eu creio impossível que a outra expedição saia sem que exijam contribuições forçosas, o que se acontecer, e o governo bem o sabe, desagradará consideravelmente ao país já assaz descontente, nem creio disposições tão favoráveis em a tropa, principalmente em a que fez parte da malograda expedição, para partirem sem que se lhe pague. Se o general Blanco, dotado de sentimentos nobres, não tivesse preferido a paz do seu país, a perseguição que tem sofrido, teria com uma só palavra marchado à capital e obrigado à ratificação do tratado, o mais vantajoso que poderia obter-se em as circunstâncias em que se achavam, tal era o entusiasmo das tropas pelo general que os tinha salvado dos maiores perigos. Dizem-me que havendo o Conselho de Guerra já dado sua sentença relativamente ao dito general, que o governo a guarda em silêncio. Várias nomeações de oficiais de terra e mar, em que se observa o maior nepotismo, com ataque a direitos adquiridos, tem ofendido e causado grande descontentamento. 119 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Eis a situação deste país, onde apesar do caráter apático de seus habitantes, mais cedo mais tarde é inevitável uma revolução, e não pense V. Exa. que a posição de sua rival seja mais vantajosa, pois a guerra a ambas dá por motivos opostos uma paz momentânea. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 07 maio 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Documento justificativo de governo de Chile relativamente à guerra do Peru. Notícias políticas. [N. 14] Santiago, 7 de maio de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] enviar nesta ocasião a V. Exa. para serem levados ao conhecimento do Governo Imperial dois exemplares da exposição dos motivos que teve o presidente desta república para desaprovar o tratado de paz celebrado em Paucarpata, conforme me foi pedido por este governo em sua nota circular de 5 do corrente (cópia n. 1). Parece que este governo conta com promessas de cooperação do Equador, que até agora pela sua posição e fraqueza, tem sido passivo espectador dos acontecimentos, e que a meu ver pelos mesmos motivos continuará seguindo a mesma neutralidade, maiormente se a atenção do seu governo for chamada para sustentar a ordem perturbada no seu interior, como V. Exa. verá em o Araucano n. 401 que tenho igualmente a honra [de] enviar nesta ocasião; assim essas novas esperanças e as antigas de revolução no Peru vão alimentando uma guerra já antinacional, e tão contrária aos verdadeiros interesses de ambos os países, e sem a qual Chile mais prontamente teria obtido seus fins, pois estou convencido de que ela unicamente sustenta ao general Sta. Cruz em Peru e Bolívia. 120 Cadernos do CHDD Corre aqui a notícia de que as tropas da Bolívia comandadas pelo general Brown entrarão em Jujuy e Salta, províncias unidas da República Argentina, porém como nesta capital se minta sem igual, rogo a V. Exa. dar sempre o devido desconto àquelas notícias que eu comunicar como incertas. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] N. 1 [Cópia] Circular Santiago, Mayo 5 de 1838. Tengo el honor de acompañar a V.S. 4 ejemplares de la exposición de los motivos que ha tenido S. E. el presidente para desaprobar el tratado de paz celebrado en Paucarpata el 17 de nov[iemb]re de 1837 y renovar las hostilidades interrumpidas por él. Espero que V.S. se digne poner en conocimiento de su gobierno este documento en que se halla probada hasta la evidencia la justicia que distingue la conducta del gabinete chileno en la contienda con el presidente de Bolivia; y reitero a V.S. las seguridades de mi distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 2] N. 2 [Cópia] Legação do Brasil Santiago, 7 de maio de 1838. 121 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Tenho a honra [de] acusar a recepção da nota circular de V. Exa. datada em 5 do corrente, que acompanhava quatro exemplares da exposição dos motivos que teve S. Exa. o senhor presidente para desaprovar o tratado de paz celebrado em Paucarpata em 17 de novembro do ano passado, e renovar as hostilidades por ele interrompidas. Assim como tenho a satisfação de, em conformidade dos desejos de V. Exa. expressados em sobredita nota, anunciar o haver hoje mesmo, aproveitando-me da próxima saída da fragata inglesa Stag para a Corte do Rio Janeiro, expedido aquele documento para ser elevado ao conhecimento do Governo Imperial, que [lhe] saberá dar[-lhe] a devida atenção e apreço. Reitero a V. Exa. os meus sentimentos de maior estima, e consideração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 12 jun. 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Notícia dos felizes acontecimentos da Bahia. Bloqueio deste governo em o Peru não respeitado pelos neutros. Influência dos peruanos emigrados. Sociedade de Agricultura. [N. 15] Santiago, 12 de junho de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Foi com a maior satisfação que recebi aqui em dias do mês passado a agradável notícia dos felizes acontecimentos da restauração da capital da província da Bahia. Eu rogo a V. Exa. de [sic] elevar ao Governo Imperial as minhas felicitações, conservando a esperança de que a esta hora iguais regozijos terão tido lugar por idêntico resultado em a província do Rio Grande do Sul, onde não pode deixar de ter sobremaneira influído a favor da legalidade e integridade do Império, dando nova força aos seus defensores tal acontecimento, que tão bem correspondeu aos esforços patrióticos 122 Cadernos do CHDD da atual administração: esse exemplo deve servir de escarmento aos novos revolucionários, e muito mais se o Governo Imperial – a bem dos bons, e da humanidade – fizer cair sobre eles o devido castigo. O boletim que apareceu na Corte, dando aquela interessante notícia foi aqui transcrito imediatamente em os dois papéis da república. Acabamos de saber que o bloqueio mandado estabelecer por este governo em os três portos do Peru não tem sido respeitado por nação alguma, e que mesmo um navio de guerra inimigo escapara à vigilância dos bloqueadores, acrescendo que antes de quinze dias depois de sua chegada às costas do Peru, já se sentia a necessidade de mantimentos, e é provável que voltem prontos, ou que vão de Guaiaquil. É incrível a facilidade com que se fazem tais expedições faltas de tudo; e por isso não admirará que a nova expedição que aprontam, e dizem sairá breve, tenha o mesmo resultado da primeira, e deste bloqueio, que antes de sair de Valparaíso já se sabia não seria respeitado, principalmente pelos franceses, que entretanto também não deram prazo em o de Buenos Aires. Assim é a política da Europa relativamente à América: o Direito das Gentes é unicamente o da força!! Os peruanos emigrados, e principalmente d. Philipe Pardo, de quem em outras ocasiões tenho falado a V. Exa. decidem inteiramente dos destinos desta república: asseguram-me que a exposição dos motivos para desaprovação do Tratado de Paucarpata é feita por Pardo, a qual dizem ofendera bastante ao general Gamarra, de cuja sinceridade se deve duvidar, assim como de todos os outros. A falta de um homem de capacidade para dirigir os negócios públicos, e levar adiante os planos de d. Diego Portales, único chileno que era capaz de alguma cousa, os levará de abismo em abismo. A grande economia e honradez da atual administração deste país os tem sustentado, pois que fazendo a guerra, ainda que é verdade mal dirigida, porém como não tenham sido incomodados com contribuições forçosas, estes povos ou por natural apatia, ou cansados, se deixam levar. Povo fácil de governar – porque como sejam geralmente faltos de vivacidade, e diremos mesmo estúpidos e sem a menor ideia de civilização – com um pouco de rigor se faz dele o que se quer, e bem o conhecia Portales que dessa maneira os governou por muitos anos. 123 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Enfim instalou-se a Sociedade de Agricultura de que falei a V. Exa. em meu ofício n. 12, estatutos da qual tenho a honra [de] enviar a V. Exa. junto. O presidente da república foi nomeado protetor e com toda a formalidade assistiu a sua instalação. Este governo já lhes mandou vir um professor de agricultura e quatro lavradores da Europa, porém já não falta quem prognostique que não durará, pois nada aqui tem sido estável. Tenho tido nessas reuniões ocasião de conhecer a falta que existe de homens instruídos; nelas, composta das principais influências, não aparece um orador. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 12 jun. 1838 • ahi 203/03/15 Índice: Recebimento de ordens para sacar pelos meus ordenados. N. 16 Santiago, 12 de junho de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra e satisfação de comunicar a V. Exa. de haver uma casa de comércio inglesa aqui estabelecida recebido ordens para tomar meus saques sobre Londres pelos meus ordenados, porém de tal maneira que apenas pude receber um quartel à razão de dois contos e quatrocentos; contudo eu espero que em o primeiro navio que chegar de Londres virão as ordens mais claras. Via-me já em os últimos apuros, pois justamente havia um ano que tinha feito o meu último saque, que podia receber, e cinco meses que se me havia suspendido o pagamento do resto das £1.000. Felizmente creio tudo concluído e logo que receber os ordenados que se me devem, pagarei aqui ao governo, que já pagou a Cifuentes, dando-lhe seus próprios bilhetes que deviam vencer-se em cinco ou seis meses, sem abonar-lhe prêmio; assim, espero que mui longe de terem feito algum sacrifício, que terão proveito na transação. 124 Cadernos do CHDD Junto achará V. Exa. a conta que me foi passada por Cifuentes, que julgo suficiente para minha justificação.26 V. Exa. verá que com essas quantias é que vivia, e notará a parcela [£] 538, 1, ½ que tive que pagar pela parte protestada em meu saque de maio de 1837, com o prejuízo de £21,11,7, assim como [£] 855,4 de prejuízo pelo protesto das £1.000. Espero que V. Exa. determinará aquilo que for de justiça atendendo a que tudo isso me tem acontecido pela distância em que me achava, sem poder dispor regularmente de meus ordenados. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 29 jun. 1838 • ahi 203/03/15 N. 17 Santiago, 29 de junho de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] comunicar a V. Exa. haver recebido deste governo uma nota circular com data de 23 do corrente enviando-me cópia do decreto pelo qual desde 24 do mesmo ficarão cerrados todos os portos da república, assim como outra com data de 26 do mesmo anulando os efeitos do primeiro (cópias n. 1 e 3). A proximidade da saída da expedição fez com que o governo da república fosse para Valparaíso por dias conforme me foi comunicado em nota de 23 deste (cópia n. 2). Naturalmente ali conheceram que tais embargos de nada serviam, senão de dar lugar a reclamações da parte dos neutros, e que não preenchiam o fim a que se propunham, pois imediatamente eles são decretados, não faltam navios de guerra estrangeiros que saiam a dar notícias ao seu comércio, ou para melhor dizer ao inimigo; além de que há muito que em Peru a esperam. Supunha-se que tal expedição saísse em 2 de julho, 26Não há cálculos anexados ao documento. 125 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 porém já tenho ouvido que não sairá antes de 15 do mesmo; e talvez fosse também essa uma das causas para a revocação do decreto. Sem esta guerra, cujos resultados são tão duvidosos, este país prosperava, a ponto que ela se tem feito quase com as rendas ordinárias, pois sendo estas de mais de dois milhões de pesos, as despesas não excediam de milhão e meio. Creio que até hoje os gastos da guerra devem andar por quatro milhões, porém não admira que tais expedições se façam com tão pouco, quando vimos na primeira irem os soldados nus e sem armamento (exposição do general Blanco) e que a quinze dias da chegada do bloqueio nas costas do Peru, já não havia mantimentos. E como prognosticar bem do resultado desta com tais elementos? Sta. Cruz jamais arriscará uma batalha sem a certeza da vitória. O único elemento com que as forças do Chile parecem contar é com a revolução no Peru, que os emigrados daquele país não cessam de fazer acreditar: e se essas promessas falharem, como falharam da primeira vez, que farão? Ou como é possível crer, que com cinco mil homens – que, dizem, agora – vão querer conquistar aquele país[?] Se tivessem adotado o plano de uma guerra passiva, e se deixassem Sta. Cruz exposto aos caprichos revolucionários dos seus mesmos, teriam certamente obrado com mais vantagens, e não teriam destruído a carreira de prosperidade em que marchava a República. Teriam pago grande parte da sua dívida externa e teriam feito conhecer ao mundo, que homens prudentes e hábeis políticos, dirigiam os destinos da nação. Eu não duvido da ambição do general Sta. Cruz, porém se seus projetos visam à futura Confederação dos Estados Hispano-Americanos, não se lhe poderá negar talentos e habilidade: certamente terá que encontrar grandes dificuldades, e creio mesmo que jamais seria nestes próximos anos que se poderia pôr em execução, pois as ambições particulares de cada Estado se opõem a esse gigantesco plano que por Bolívar, penso, foi meditado. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima 126 Cadernos do CHDD Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] N. 1 [Cópia] Circular Santiago, Junio 23 de 1838 . S. E. el presidente se ha servido expedir con esta fecha el decreto que tengo el honor de escribir a V.S. “Por cuanto conviene al interés público impedir la salida de los buques mercantes nacionales y extranjeros surtos en los puertos de la República, por tanto [ha] venido en acordar y decreto. Art. 1º – Desde el día veinticuatro del presente mes quedarán cerrados todos [l]os puertos habilitados para el comercio. Art. 2º – Esta resolución permanecerá en observancia hasta nueva orden del gobierno. Art. 3º – Circúlese a quienes corresponda para su cumplimiento. Al comunicar a V.S. esta resolución [de] S.E., le reitero las protestas de mi distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil [Anexo 2] N. 2 [Cópia] Santiago, Junio 23 de 1838. Tengo el honor de poner en conocimiento de V.S. que S.E. el presidente ha dispuesto la traslación del supremo gobierno desde el día 24 del corriente al puerto de Valparaíso, donde las exigencias del servicio reclaman su presencia por algunos días. Reitero a V.S. las seguridades de mi distinguida consideración. Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil 127 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 [Anexo 3] N. 3 [Cópia] Valparaíso, Junio 26 de 1838. El presidente de la República se ha servidor expedir hoy por el ministro de Guerra y Marina el decreto siguiente: “El gobierno no deseando no [sic] causar al comercio nacional y extranjero otro gravamen que el absolutamente necesario para la prosecución de la presente guerra contra el gobierno del general Sta. Cruz, viene en suspen[der] por ahora, y con relación al puerto de Valparaíso los efectos del decreto de 23 del actual que ordenó la clausura de todos los de la República. ¡Comuníquese! Tengo el honor de transcribirlo a V.S. para su inteligencia, y aprovecho esta ocasión de ofrecerle los sentimientos de distinguida consideración. Con que soy de V.S. [ass.] Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil v ofício • 08 ago. 1838 • AHI 230/03/15 [N.18] Santiago, 8 de agosto de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra [de] comunicar a V. Exa. a saída da expedição desta república contra o Peru, a qual teve lugar desde o dia 7 a 11 do passado, dirigindo-se primeiramente Coquimbo (de onde partiram em 23 do mesmo) para aí aumentarem suas forças, completando assim seis mil homens, segundo segundo dizem, e oitocentos cavalos, que foram em vinte e tantos transportes, e acompanhados por quatro vasos de guerra. Esta expedição parece ir mais bem arranjada, levando tudo quanto faltava na outra e os cavalos já ferrados de Valparaíso, para poderem entrar em campanha imediatamente desembarquem; porém apesar de todos esses novos preparos, eu creio que o elemento principal com que se conta para o bom resultado dela 128 Cadernos do CHDD é, como tenho em os meus ofícios anteriores dito a V. Exa., o serem secundados com alguma traição, porque de outra maneira, não sei como seis mil homens possam tirar vantagens de um país estranho, e contra um inimigo que dizem ter dobradas forças pelo menos: ignora-se o lugar de seu destino e pretendem que a esquadra, que se acha defronte do Callao o decidirá, conforme as inteligências que tenha do partido contrário ali ao governo, e com que se comunica. Em pouco tempo saberemos o resultado de uma questão (que bem pode ser prolongada, mais do que se não pensa), e cuja decisão não deixará de ter também alguma influência sobre a conclusão do nosso tratado, que apesar de minhas instâncias, é demorada de dia em dia. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v ofício • 16 ago. 1838 • AHI 230/03/15 Índice: Recepção do despacho de 15 de junho. Reflexões sobre o tratado. O almirante Blanco absolvido pelo Conselho de Guerra. [N. 19] Santiago, 16 de agosto de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Acuso a recepção do despacho n. 5 que V. Exa. me fez a honra dirigir com data de 15 de junho do corrente ano; faltando-me todos os mais posteriores ao de 10 de fevereiro. Eu não tenho poupado esforços para concluir o tratado, e apesar de que tenha sido entretido até agora tenho contudo a satisfação de crer que antes de oito dias o concluiremos, a não ser novo obstáculo as notícias do Peru: tenho feito visitas tão repetidas, que por fim convenci ao governo não deverem mais demorar, e em a visita que me fez o ministro ontem me anunciou, que hoje ou amanhã me passaria o contraprojeto. 129 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Este governo exigia que fosse a cópia literal do feito entre a república, e os Estados Unidos do Norte, fundado em que havia vantagens em adotar artigos já estabelecidos, evitando assim as dúvidas das interpretações; e desse acordo julguei dever apresentar o projeto que tenho a honra de enviar junto, e com o qual creio que se conformará este governo, à exceção dos artigos 8 e 11; e apesar de que as minhas instruções me dizem de [sic] oferecer os 15% e exigir o mesmo, contudo, vista a vantagem de sermos considerados debaixo do mesmo pé que a nação mais favorecida, não duvidarei, atendendo às razões que se me têm apresentado de mandá-los, tanto mais que se me promete diminuir os direitos de 35% que pagam a erva-mate e o café. A Inglaterra creio que (apesar da grande repugnância que este governo tem em fazer tratado e principalmente com a Europa) conseguirá concluir o seu para o que tantos anos trabalha. Ainda que não tenha recebido o despacho de V. Exa. de 3 de abril, [de] que V. Exa. fala no n. 5, repito contudo os meus agradecimentos a V. Exa. pelas providências que tem tido a bondade dar, tanto mais que havendo o de 11 de outubro de 1837 produzido seu efeito, minha posição já não é tão triste como foi por muito tempo. A irregularidade da correspondência nestes países, e a grande distância, foram causa de tantos sofrimentos meus, e como minha conduta fosse regular, e de homem de bem, sofria com minha consciência tranquila, hoje já vivo com mais satisfação, por isso que, ainda que meus ordenados de 2:400$000 não me cheguem senão para viver mesquinhamente, contudo não me falta o necessário: estes países são caríssimos, e o gênero de vida sendo diverso do da Europa, pede e exige outra decência, e despesas, que ali se podem evitar, e sem a qual não só se perde aqui da consideração pública, como do mesmo governo junto ao qual se está acreditado. O almirante Blanco foi absolvido pelo Conselho de Guerra, falta a decisão da Corte Marcial. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros 130 Cadernos do CHDD [Anexo 1] Em Nome da Santíssima e Indivisível Trindade, Sua Majestade o Imperador do Brasil, representado pelo Regente em seu Augusto Nome, e a República de Chile igualmente animados do desejo de encorajar o comércio, e navegação entre seus Estados respectivos por meio de um tratado de Amizade, de Comércio, e de Navegação pensaram não poder melhor preencher este fim que assentando por base [de] seus ajustes a mais perfeita igualdade, e reciprocidade, e nesse sentido têm escolhido, nomeado, e constituído para seus plenipotenciários, a saber: Sua Majestade, o Imperador do Brasil .......... e o presidente da dita República a .......... os quais plenipotenciários depois de terem respectivamente comunicado seus plenos poderes, que foram achados em boa, e devida forma, entraram em conferência, e tendo devidamente discutido, concluíram, e ajustaram os artigos seguintes. Art. 1º Haverá uma paz perfeita, boa inteligência, e sincera amizade entre S. M. Imperial, seus herdeiros, sucessores, e súditos, e a República de Chile, e seus cidadãos sem distinção de pessoas ou lugares. Art. 2º Ambas as partes contratantes concordaram em conceder aos seus ministros, e outros agentes públicos junto a eles acreditados os mesmos favores, honras, imunidades, privilégios, e isenções de direitos e impostos, de que gozam ou vierem a gozar os da nação mais favorecida, com as formalidades do estilo, conforme o Direito Público Universal, e das Gentes, e debaixo da mais perfeita reciprocidade. Art. 3º Em todos os portos, baías, ancoradouros, rios, lugares, e cidades de que a entrada e comércio são abertos às outras nações, as duas Altas Partes Contratantes poderão estabelecer cônsules-gerais, cônsules, e vice-cônsules, que gozarão dos mesmos favores, privilégios, prerrogativas e imunidades [de] que gozarem os da nação mais favorecida. 131 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Art. 4º Os cônsules e vice-cônsules, tendo sido devidamente nomeados pelas duas Altas Partes Contratantes, apresentarão as suas comissões, ou patentes ao governo junto ao qual são acreditados, e quando tiverem obtido o seu exequátur, serão tidos, e reconhecidos como tais pelas autoridades, magistrados, e habitantes do distrito consular em que residirem. Os arquivos, e papéis do consulado serão respeitados inviolavelmente, e por nenhum pretexto qualquer magistrado os apreenderá, ou por forma alguma terá neles ingerência. Art. 5º Os cônsules, e vice-cônsules exercitarão nos lugares da sua residência a autoridade de árbitros nas dúvidas que nascerem entre os súditos, mestres, e tripulações dos navios de suas respectivas nações, intervindo nisso as autoridades locais somente quando a tranquilidade o exigir ou as partes o requererem. Art. 6º Aos cônsules, e vice-cônsules, ou quem suas vezes fizer, pertence a administração dos bens de seus concidadãos, que morrerem ab intestato, encarregando-se da propriedade do defunto a benefício dos legítimos herdeiros, e credores, dando notícia conveniente às autoridades do país, e reciprocamente publicando o falecimento do seu concidadão, e não devendo fazer a entrega da sucessão sem que ao menos tenha passado um ano desde a data da publicação do falecimento. Art.7º Os ditos cônsules terão faculdade de requer o auxílio das autoridades locais para a prisão, detenção, e custódia dos desertores dos navios de suas respectivas nações, os quais poderão ser depositados em as prisões públicas a pedido, e a expensas do reclamador, para serem enviados aos navios a que pertenciam, ou a outros da mesma nação. Porém se eles não forem transferidos no espaço de três meses, contados do dia de sua custódia, serão postos em liberdade, e não serão mais apreendidos pela mesma causa. Art. 8º As Altas Partes Contratantes convieram mais, e concordaram 132 Cadernos do CHDD em que, apesar de estar declarado pelo art. 132 da presente constituição de Chile “que em Chile não há escravos, e que o que pisa seu território fica livre” se entenderá, assim mesmo, que essa disposição não compreende aos escravos que debaixo de qualquer título vierem a bordo dos navios públicos ou particulares do Brasil. Art. 9º Sua Majestade o Imperador do Brasil representado pelo Regente em seu Augusto Nome, e a República de Chile, desejando tomar por base deste convênio a mais perfeita igualdade, e reciprocidade, concordam mutuamente em não outorgar nenhum favor peculiar a outras nações em matérias de comércio, e navegação, que se não torne imediatamente comum à outra parte, que gozará dos mesmos livremente, se a concessão for feita livremente, ou prestando a mesma compensação, se a concessão for condicional. Art. 10 Os súditos e cidadãos de ambas as partes poderão frequentar todas as costas, e todos os países da outra, residir, e comerciar em todas as espécies de produtos, manufaturas, e mercadorias, e gozarão de todos os direitos, privilégios e isenções em navegação, e comércio de que os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida gozam ou gozarem, submetendo-se às leis, decretos e usos estabelecidos, e a que se sujeitarem os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida. Bem entendido que o comércio de cabotagem de cada um dos dois países não é compreendido neste artigo, por isso que fica reservado conforme as leis dos ditos países aos seus respectivos súditos e cidadãos. Art. 11 Em particular todos os súditos e cidadãos de uma e outra nação terão o direito de importar os gêneros, mercadorias e artigos de sua produção, ou manufatura a bordo de seus próprios navios ou de outra qualquer nação, em todas as partes do domínio da outra, pagando quando despachados para o consumo de um e outro país quinze por cento de direitos de entrada; como também todos os súditos, e cidadãos de uma e outra parte, terão o direito de comprar livremente os gêneros, mercadorias e artigos 133 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 de produção e manufatura da outra, e de exportá-los a bordo de seus navios ou de outra qualquer nação pagando os mesmos direitos, impostos e despesas que pagam ou vierem a pagar os naturais de cada uma de suas respectivas nações. Art.12 Quando se acharem excessivamente avaliados qua[is]quer artigo[s] de produção de um e outro país despachado[s] para consumo, mesmo os compreendidos nas pautas, será permitido aos cônsules de cada uma das Altas Partes Contratantes, fazer representações que, tomadas em consideração, serão resolvidas com a maior brevidade, sem todavia ficar suspenso o despacho dos mesmos gêneros. Art. 13 Excetuam-se da liberdade de comerciar aqui estipulada todos os gêneros e mercadorias de que as duas Altas Partes Contratantes reservam o monopólio exclusivo, os quais não serão despachados, nem mesmo admitidos à descarga sob pena de apreensão e sequestro a requerimento de qualquer dos agentes do governo da nação ofendida pelo transgresso deste artigo. Se contudo alguns destes artigos vierem a ser objeto de comércio livre, será permitido aos súditos de cada uma das Altas Partes Contratantes fazer tráfico deles tão livremente como os súditos nacionais. Art. 14 Serão considerados navios ou embarcações brasileiras ou chilenas todos aqueles de qualquer construção que seja, que forem possuídos, navegados, e registrados conforme as leis de seus respectivos países. Art. 15 Os navios e embarcações dos súditos e cidadãos das duas Altas Partes Contratantes não pagarão nos portos e ancoradouros da outra – a título de farol, tonelagem, portos pilotagem, quarentena, ou outros direitos semelhantes, ou análogos debaixo de qualquer denominação que seja – nenhum outro, nem maiores direitos do que aqueles, a que são ou forem sujeitos nos mesmos portos na entrada e saída os navios da nação mais favorecida. 134 Cadernos do CHDD Art. 16 Todos os negociantes, comandantes de navios, e outros súditos, e cidadãos de ambas as Partes Contratantes terão a mesma liberdade de dirigir seus próprios negócios em todos os portos e lugares sujeitos à jurisdição de qualquer delas, que os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida, não só pelo que diz respeito à consignação, e venda de seus gêneros, e mercadorias em grosso ou retalho, como pelo que toca à carga, descarga e remessa de seus navios. Art. 17 Os súditos e cidadãos de qualquer das Partes Contratantes não serão sujeitos a nenhum embargo, nem serão detidos com os seus navios, cargas, mercadorias, ou efeitos para qualquer expedição militar, nem para serem empregados para objetos públicos, ou particulares quaisquer que sejam, sem se dar aos interessados uma suficiente indenização. Art. 18 Ambas as Partes Contratantes prometem e se obrigam formalmente a prestar sua proteção especial às pessoas e propriedades de seus respectivos súditos e cidadãos de todas as classes, os quais poderão dispor das ditas propriedades de qualquer classe e denominação que seja por venda, doação, troca, ou outro qualquer modo; e quanto à administração da Justiça, os súditos e cidadãos das duas partes gozarão em seus respectivos domínios dos mesmos privilégios, franquezas, [e] direitos que a nação mais favorecida, não se podendo exigir maiores direitos ou impostos do que os que pagam ou virem a pagar os súditos naturais, ou cidadãos da potência em cujo domínio residirem. Serão isentos de todo serviço militar obrigatório de qualquer classe que seja, terrestre ou marítimo, e de todo empréstimo forçoso, exações ou requisições militares, nem serão obrigados a pagar contribuições ordinárias, debaixo de qualquer pretexto, maiores do que as que pagar os súditos naturais ou cidadãos do país. Art.19 A fim de mais efetivamente protegerem o comércio, e navegação de seus súditos respectivos, as duas Altas Partes Contratantes 135 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 convêm em não receber piratas, nem robadores do mar em algum dos portos, baías, rios, ou surgideros dos seus domínios, e impor o pleno vigor das leis sobre as pessoas que se provar serem piratas, e sobre todos os indivíduos residentes dentro de seus territórios, que forem convencidos de ter correspondência, ou ser cúmplices com elas. E todos os navios, mercadorias, e efeitos pertencentes a súditos, ou cidadãos de cada uma das Partes Contratantes, que os piratas tomarem, ou trouxerem para os portos da outra, serão entregues aos proprietários, ou aos seus procuradores devidamente autorizados, provando seus direitos perante os competentes tribunais. Art. 20 Se suceder que uma das duas Partes Contratantes se ache em guerra com outra terceira potência, a outra parte não poderá em caso algum autorizar os seus súditos a tomar ou aceitar comissões, ou cartas patentes para obrar hostilmente contra a primeira, ou inquietar o comércio, e as prosperidades de seus cidadãos. Art. 21 As duas Altas Partes Contratantes adotam em suas relações mútuas o princípio de que a bandeira cobre a mercadoria. Se uma delas permanecer neutral, quando a outra se ache em guerra com alguma outra potência, as mercadorias cobertas com bandeira neutral serão também rep[or]tadas neutrais ainda que pertençam aos inimigos da outra Parte Contratante. Fica igualmente convencionado que a liberdade da bandeira assegura também a das pessoas, e que os indivíduos pertencentes a uma potência inimiga, que se achem a bordo de uma embarcação neutral, não podem ser feitos prisioneiros, exceto se forem militares, e atualmente consagrados ao serviço do inimigo. Por consequência do mesmo principio de assimilação da bandeira com as mercadorias, a propriedade neutral encontrada a bordo de uma embarcação inimiga será considerada como inimiga; exceto se tiver sido embarcada na dita embarcação antes da declaração de guerra, ou antes que se soubesse no porto donde a embarcação saíra. As duas Altas Partes Contratantes não aplicarão este princípio no que toca às outras potências senão àquelas, que igualmente o reconheçam. 136 Cadernos do CHDD Art. 22 No caso em que uma das duas Partes se ache em guerra com outra potência, e que as suas embarcações tenham de exercer no mar o direito de visita fica convencionado, que se encontrarem uma embarcação pertencente à outra parte, que tenha permanecido neutral, enviem no seu próprio bote dois verificadores encarregados de proceder ao exame dos papéis relativos à sua nacionalidade, e carregamento. Os comandantes serão responsáveis com suas pessoas, e bens por todas as vexações, ou atos de violência, que cometerem, ou tolerarem nesta ocasião. Não será permitida a visita senão a bordo das embarcações que naveguem sem comboio, pois que, quando os ditos navios forem comboiados, será suficiente a declaração verbal do comandante do comboio dando a sua palavra de honra, que os navios que ele protege pertencem à nação, cujo pavilhão tem içado, e se destinarem a um porto inimigo, que eles não têm gêneros de contrabando a bordo. Art. 23 No caso que um dos dois países esteja em guerra com outra potência, nação ou Estado, os cidadãos da outra Parte poderão continuar seu comércio, e navegação com os ditos Estados; exceto com as cidades, e portos, que se achem realmente sitiados ou bloqueados, bem entendido que esta liberdade de comércio, e de navegação, não se estende aos artigos reputados contrabandos de guerra, como artilharia, morteiros, obuses, pedreiros, bacamartes, mosquetes, rifles, carabinas, espingardas, pistolas, piques, espadas, sabres, lanças, venábulos, alabardas, granadas, bombas, pólvora, mechas, balas, e todas as outras cousas pertencentes ao uso dessas armas: escudos, capacetes, peito[s] de aço, saias de malha, boldriés, e roupa feita de uniforme, e para uso militar: boldriés de cavalaria, e cavalos ajaezados; e geralmente toda a qualidade de armas, e instrumentos de ferro, aço, latão e cobre ou de qua[is] quer outros materiais, manufaturados, preparados, ou formados expressamente para fazer a guerra por mar ou por terra. Art. 24 Em nenhum caso uma embarcação de comércio, pertencente a súditos, e cidadãos de um dos dois Estados, e expedida para 137 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 um porto bloqueado pelo outro, poderá ser tomada, capturada, ou condenada, senão se tiver feito precedentemente uma notificação, ou aviso da existência do bloqueio, por algumas das embarcações, que fizerem parte do bloqueio. E a fim de que se não possa alegar uma pretendida ignorância dos feitos, e que a embarcação que tenha sido devidamente advertida se ache no caso de ser capturada, se voltar a apresentar-se diante do mesmo porto durante o tempo de bloqueio, o comandante da embarcação de guerra, que primeiro a encontrar deverá visar os seus papéis, expressando o dia o lugar, ou altura em que o visitar, ou fizer a notificação do bloqueio. Art. 25 Em caso de desinteligência ou rompimento entre as duas Altas Partes Contratantes (o que Deus não permita), este rompimento nunca se reputará existir senão depois do chamamento ou partida dos respectivos agentes diplomáticos; e os súditos e cidadãos das Altas Partes Contratantes que residirem nos estados da outra, poderão neles ficar para arranjar os seus negócios, ou continuar o seu comércio sem serem interrompidos de maneira alguma, enquanto se comportarem pacificamente, e se submeterem às leis. Art. 26 S. M. o Imperador do Brasil, representado pelo Regente em seu Augusto Nome e a República de Chile convêm em que o presente tratado deverá ficar em vigor por espaço de cinco anos contados do dia da troca das ratificações, e além desse termo, até a expiração de doze meses depois que uma das Altas Partes Contratantes tiver anunciado à outra a sua intenção de terminá-lo, findo o qual prazo cessará tão somente em as partes relativas ao comércio e navegação, ficando porém em as outras partes que se referem à paz e amizade ligando permanente, e perpetuamente ambas as potências. Sendo aprovado e ratificado etc. no espaço de .......... meses depois da assinatura dele. Em fé do que nós os plenipotenciários etc., etc. v 138 Cadernos do CHDD ofício • 16 ago. 1838 • AHI 230/03/15 [N. 20] Santiago, 16 de agosto de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., A saída de um próprio extraordinário para Buenos Aires, mandado por este governo me oferece a oportunidade de ter a honra [de] comunicar a V. Exa. as notícias publicadas (impresso junto) ontem nesta capital. Elas me foram confirmadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, que veio a minha casa horas depois de as saber, assegurando-me serem resultados de combinações e correspondência deste governo com o general Orbegoso desde abril deste ano. Eu ainda encontro algumas contradições nelas, e esperarei pelas notícias oficiais, supondo entretanto que tenha havido em Lima algum movimento; não vejo nele mais do que o princípio da guerra civil naquele país, que talvez se revolucionaram para assim evitarem a entrada, ou interferência do exército chileno em os negócios do Peru, exército que como comuniquei a V. Exa. no meu ofício n. 18, saindo de Coquimbo somente em o dia 23 do passado, apenas pode ter chegado às costas do Peru a esta hora: o lugar do desembarque deve ter sido Pisco, conforme me disse ontem o ministro. Se estas notícias de revolução em Lima se confirmarem terá o exército chileno ou de retirar-se, ou de seguir como auxiliador contra o outro partido; e depois se suscitarão as dúvidas das reclamações, tratados, e outras pretensões. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v 139 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ofício • 20 ago. 1838 • ahi 230/03/15 [N. 21] Santiago, 20 de agosto de 1838. Ilmo. Exmo. Sr., Este governo tem demorado o próprio que deveria ter saído para Buenos Aires, querendo naturalmente mandar notícias mais circunstanciadas. Ontem domingo 19 achando-me com o presidente recebeu ele notícias de confirmar-se o movimento no Peru contra o general Sta. Cruz em 30 de julho passado, porém parece que, se a chegada da expedição se demorasse, poderia haver derramamento de sangue entre as tropas revolucionadas, e as que estavam ainda fiéis ao general Sta. Cruz. Não querendo entrar em detalhes das vantagens, ou resultados que tais movimentos possam vir a ter, nem qual a consequência da política destas novas repúblicas, e passando em silêncio a moralidade ou imoralidade de tais ações, limitar-me-ei unicamente a lembrar a V. Exa. a triste exposição que a história terá de fazer destes povos em a presente guerra. Qual dos dois governos, qual dos dois povos, qual dos partidos excede ao outro em traições, má-fé, e ciladas? Relatar os fatos, que para vergonha destes países têm acontecido, seria longo, V. Exa. os conhece: os nomes de Vidaurre, Irisarri, e ultimamente Orbegoso, servirão sempre de opróbrio aos países que os viram nascer e que diremos dos autores de tais instrumentos? Impossível prever qual a meta de semelhante conduta, e qual a sorte destes malfadados países com tais elementos. Quão feliz me acho agora com a notícia (ainda que unicamente por carta particular do meu sucessor) de minha retirada destes países; ao exmo. regente e a V. Exa. dou as graças. Além dos inumeráveis motivos que me obrigavam a desejá-la com ânsia, acrescia o terrível exemplo da imoralidade destes povos para a minha tenra família, que não podia deixar de, precisando começar sua educação e apesar de meus desvelos, participar de tais qualidades, porque as primeiras impressões sempre nos ficam gravadas. Os meus princípios políticos, a minha educação, e meus sentimentos, em contraste continuado aos destes povos, não podiam deixar de fazer-me desejar uma pronta saída dentre eles; 140 Cadernos do CHDD e qualquer que seja a minha futura sorte, por má que ela seja, será sempre preferível à mais brilhante posição em que pudesse aqui viver, e quanto mais, que não tenho a contar senão privações, vexames, e prejuízos em minha ainda por mim ignorada fortuna. Que prazer poderia ter? Quando seis meses e mesmo mais de ano, se passa, sem que tenha notícias nem de minha família, nem de meus amigos. Se fosse do número dessa vil gente que em a capital da Bahia se revoltou, contra seu legítimo e paternal governo, não me teria cabido pior castigo, do que aquele que tenho sofrido. Terrível lição para mim, que em quinze meses aprendi mais em conhecimento da maldade do homem, do que em todos os dias da minha passada vida. Porém enfim, graças à bondade do exmo. regente e a de V. Exa. o termo de meus sofrimentos está quase a concluir-se, e só à espera das ordens de V. Exa. para efetuar minha viagem. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros P. S. – De novo se me há demorado para amanhã a entrega do contraprojeto de tratado. v ofício • 27 ago. 1838 • ahi 230/03/15 Índice: Notícias políticas do Peru. [N. 22] Santiago, 27 de agosto de 1838. Ilmo. Exmo Sr. Tenho a honra [de] enviar junto a V. Exa. o suplemento ao Araucano n. 417 com as notícias do Peru, unindo a elas cópias de dois decretos publicados em Lima em 30 de julho. O nosso encarregado de negócios ali residente melhor poderá informar a causa e consequência desse movimento. 141 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Apenas aqui se sabe da chegada da expedição chilena em o dia 4 de agosto corrente a trinta léguas de Lima: qual será a sua conduta com tais acontecimentos? E por ora nada respira relativamente à resolução que tomará este governo, que não creio esteja mui contente com tal revolução, principalmente sendo o chefe dela, o bispo Pizarro, pouco afeito aos chilenos. Já se vê que bem longe de ser resultado das combinações deste governo com o general Orbegoso, o motivo foi, como previ em meu ofício n. 20, o evitarem assim a interferência de Chile nos negócios do Peru: geralmente aqui se crê, que tudo tem sido aconselhado por Sta. Cruz, e de acordo com ele; só o tempo nos poderá esclarecer a esse respeito. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Cópia Extracto de una circular a los prefectos y gobernadores litorales f[ec]ha 30 de Julio. Si la expedición chilena tratare de impedirnos invadiéndonos, el ejército está resuelto y preparado a rechazarla. Mas como el objeto que ella ha blasonado es quitar toda intervención a S. E. el presidente de Bolivia en nuestras instituciones políticas y proclamado como queda la independencia del Estado cesa ya el motivo de esta guerra que tantos sacrificios y privaciones [h]a costado a pueblos q[ue] solo ansían por disfrutar la paz e la sombra de las leyes que ellos mismos se dieron. [Anexo 2] Extracto del Redactor Peruano f[ec]ha 31 de Julio 1838. Decreto Art. 1º – El Estado Nor-Peruano se declara independiente y libre de toda dominación extranjera. 142 Cadernos do CHDD Art. 2º – Se convoca una representación nacional en los términos que en seguida se acordarán. Art. 3º – El Estado existe en guerra con la República de Chile entretanto no se haga la paz, la que debe esperarse, supuesto que han cesado los motivos para la guerra. Art. 4º – Se darán las gracias a nombre de la nación a la división boliviana existente en esta capital por su buena comportación [sic] en el tiempo que ha permanecido en el Estado, y marchará a su país libremente. Art. 5º – Le comunicará a S. Exa. el presidente de Bolivia esta determinación tomada por la absoluta deliberación de los pueblos del Estado y se le remitirá copia de los documentos correspondientes. Art. 6º – El ministro de Estado en el Departamento de gobierno dispondrá la publicación de este decreto dado en Palacio de Gobierno en Lima a 30 de Julio de 1838. Luis José Orbegoso Por el Ministro, el Oficial Mayor: José Dávila [Anexo 3] Otro Decreto Art. 1º – Se concede anistia y absoluto olvido de delitos políticos y de opiniones pasadas. Art. 2º – Los que hagan sido separados del territorio de la nación pueden volver a él desde luego, quedando exceptuadas por ahora los que estén viviendo actualmente con los enemigos. v ofício • 28 ago. 1838 • ahi 230/03/15 [N. 2]3 Santiago, 28 de agosto de 1838. Ilmo. Exmo. Sr., 143 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 É com a maior satisfação que tenho a honra [de] participar a V. Exa. haver ontem às 9 da noite recebido o contraprojeto do nosso tratado com esta república. Uma enxaqueca fortíssima não me deu lugar ainda de examiná-lo, e a saída de um próprio extraordinário para Buenos Aires hoje às 10 da manhã não me dá tempo senão para enviar a V. Exa. cópia da nota que acompanha o contraprojeto. Em 26 deste recebi uma carta de ordem de Samuel Phillips & Co. dessa capital, para aqui receber a minha ajuda de custos para minha retirada, e segundo cartas de Buenos Aires aqui deve chegar a cada instante o meu sucessor. A correspondência n. 3 e 4, supondo ser uma delas a de 3 de abril não tem ainda chegado a meu poder. Passo a examinar o contraprojeto27, e creio que as primeiras notícias que tiver a honra de comunicar a V. Exa. será de sua assinatura. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo] Cópia Santiago, agosto 27 de 1838. Tengo la honra de acompañar a V.S. una nota de las alteraciones que me han parecido ne[ce]sarias en el proyecto del tratado de paz y comercio entre [es]ta República y el Imperio del Brasil. No se comprenden en ellas las de mera formula, concernientes a la alterna[tiva] de las dos Partes Contratantes. Si V.S. tuviese que hacerme algunas observaciones sobre la redacción, las oiré con gusto e las examinaré con la debida atención; y si, como me prometo, aprobase V.S. las modificaciones 27Tanto o contraprojeto como a resposta de Cerqueira Lima ao governo chileno sobre o assunto estão arquivados no mesmo volume, embora não haja documento que registre por que meios terão chegado à Secretaria de Estado. A bem da ordem cronológica, foram agrupados em sequência ao anexo a este ofício. 144 Cadernos do CHDD que propongo, le ruego se sirva avisármelo para proceder al canje de plenos poderes y formal celebración del tratado. Acepte V.S. el testimonio de mi distinguida consideración. (assinado) Joaquín Tocornal Señor Encargado de Negocios del Imperio del Brasil v nota de las modificaciones que el ministro de relaciones exteriores de la república de chile propone se haga en el proyecto de tratado que le ha sido presentado por el señor encargado de negocios del imperio del brasil28 Artículo 1. – Como en el proyecto. Artículo 2. – En lugar de concordarán en conceder, “conceden” etc. (Lo demás como en el proyecto). Art. 3. y 4. – Como en el proyecto. Art. 5. – En lugar de o las partes lo requirieren, o “alguna de las partes lo requiriere”. Lo demás como en el proyecto. Art. 6. – En el caso de fallecer un extranjero que no tenga albacea ni heredero en el territorio de la República, se notificará su muerte al respectivo ministro diplomático o cónsul para conocimiento de los interesados, y si no hubiere tal ministro ni cónsul, se hará insertar la noticia en los papeles públicos. Las justicias ordinarias procederán al inventario y deposito de los bienes del difunto con intervención de dicho ministro o cónsul, y no habiendo ministro diplomático ni cónsul de la nación a que pertenezca el extranjero difunto, procederán con intervención del defensor de ausentes. La administración y disposición de las testamentarías y abintestatos de los extranjeros difuntos, en el caso del presente artículo, se ajustarán a las leyes locales. Art. 7. – Al fin de este artículo se pondrá la cláusula siguiente: “bien entendido que la facultad de requerir el expresado auxilio de las autoridades locales expirará después que el buque a que pertenecieren el desertor o desertores haga salido de las aguas de la República con destino a país extranjero”. 28Documento aqui incluído por pertinente ao assunto e cronologicamente adequado. 145 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Art. 8. – Se suprime como contrario a la Constitución de la República. Art. 9. – Como en el proyecto. Art. 10. – Como en el proyecto. Art. 11. – Los frutos, géneros y mercaderías de la producción o manufactura de cualquiera de los dos Partes Contratantes no pagarán en los puertos de la otra parte contratante otros o más altos derechos que los que pagan o pagaren los frutos, géneros, y mercaderías análogos que fuesen de la producción o manufactura de la nación más favorecida; y los ciudadanos y súbditos de cualquiera de las dos Partes Contratantes [t]endrán el dere[cho] de comprar libremente en el territorio de la otra, y de extraer de los puertos de esta, cualquiera frutos, géneros y mercadería, de la misma manera y bajo los mismos derechos o impuestos que los hiciesen los súbditos o ciudadanos de la nación más favorecida, ya sea que hagan esta exportación bajo su bandera propia, o bajo otra cualquiera. Art. 12. – Habiendo leyes y reglamentos sumamente equitativos y liberales sobre el objeto de este artículo, no parece necesario conservarlo. Art. 13. – Desde donde dice los cuales serán despachados se substituirá lo siguiente: “cuyo tráfico ilegal será castigado con arreglo a las leyes”. La cláusula si con todo algunos de estos artículos es innecesaria, por comprenderse en las disposiciones de los artículos 9 y 10. Art. 14., 15., 16. – Como en el proyecto. Art. 17. – “Los súbditos o ciudadanos de cualquiera de las Partes Contratantes no serán detenidos con sus buques, cargas” etc.. Todo lo demás como en el proyecto. Art. 18. – Al fin se añadirá: “sin embargo de lo que queda estipulado, la diferencia del derecho denominado de patente, que se cobra o se cobrase en Chile a los comerciantes, tenderos, y fabricantes extranjeros no se entenderá derogado por este artículo. Los súbditos de S. M. el Emperador del Brasil serán tratados bajo este respecto, y bajo todos los otros, como los súbditos o ciudadanos de la nación más favorecida. Art. 19. – Al fin del artículo 19 se añadirá: “con deducción de los costos de aprensión de los dichos piratas, y del premio de salvamento a que según las leyes tuviesen derecho los apresadores”. 146 Cadernos do CHDD Art. 20. – Ningún súbdito de S. M. el Emperador del Brasil podrá recibir de príncipe o estado alguno con quien la República de Chile se halle en guerra, comisión, patente o letras de marca para hacer el corso contra la República de Chile o contra sus ciudadanos o habitantes. Y de la misma manera ningún ciudadano ni habitante de la República de Chile podrá recibir de príncipe ni estado algún con quien S. M. el Emperador del Brasil se halle en guerra, comisión, patente o letras de marca para hacer el corso contra las propiedades públicas del Imperio del Brasil, o las particulares de los súbditos de S. M. I.. Y, en caso de contravención a este artículo, el capitán y tripulación del buque corsario serán tratados como piratas. Art. 21. – Como en el proyecto. Art. 22. – Para precaver todo género de desorden en la visita y examen de los buques y cargas de cualquiera de las dos Partes Contratantes en alta mar, se estipula, que siempre que un buque armado, público o privado, perteneciente a la una de las Partes Contratantes que se halle en guerra con otra tercera potencia, encuentre algún buque de la otra parte contratante, que se mantuviese neutral, el primero permanecerá a la mayor distancia compatible con la ejecución de la visita, según las circunstancias del mar y el viento y el grado de sospecha de que esté afecta la nave que va a visitarse, y enviará su bote a ejecutar el examen de los papeles concernientes a la propiedad y carga del buque, sin causar la menor extorsión, violencia o maltratamiento, de lo que los comandantes del dicho buque armado serán responsables con sus personas y bienes; a cuyo efecto los comandantes de buques armados por cuenta de particulares estarán obligados, antes de recibir sus comisiones o patentes, a dar fianzas suficientes para responder de los perjuicios que indebidamente ocasionen. Art[s]. 23., 24. – Como en el proyecto. Art. 25. – Si por alguna fatalidad, que Dios no permita, las dos Partes Contratantes se visen empeñadas en guerra una con otra, han convenido y convienen de ahora para entonces, que se concederá el término de seis meses a los comerciantes residentes en las costas y puertos de entrambas, y el término de un año a los que residan en el interior, para arreglar sus negocios y transportar sus efectos a donde quieran, dándoles el salvoconducto necesario para ello, que les sirva de suficiente protección hasta que lleguen 147 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 al puerto que designen. Los ciudadanos de otras ocupaciones que se hallen establecidos en el territorio de la República de Chile o de S. M. el Emperador del Brasil, serán respetados y mantenidos en el pleno goce de su libertad y propiedad personal, a menos que su conducta les haga desmerecer esta protección, que en consideración a la humanidad las dos Partes Contratantes se comprometen a prestarles. Art. 26. – Como en el proyecto. Santiago, 27 de agosto de 1838. v Legação do Brasil Santiago, 31 de agosto de 1838. Tendo examinado com a devida atenção as alterações propostas por V. Exa. em sua honrosa nota de 27 do corrente mês, e depois das conferências verbais que tive a honra ter com V. Exa., com muito prazer convenho nelas com as pequenas exceções que vão marcadas na adjunta folha, não havendo, assim, inconveniente para que procedamos à troca dos plenos poderes, e à formal celebração do tratado no dia e hora que V. Exa. se dignar designar-me. Tenho a honra reiterar a V. Exa. a segurança do meu maior respeito e consideração. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros v resposta à nota das modificações propostas pelo exmo. sr. ministro dos negócios estrangeiros da república de chile, sobre o projeto de tratado apresentado pelo encarregado de negócios do império do brasil Artigos modificados 148 Cadernos do CHDD Art. 2. e 5. – Convenho em as modificações propostas. Art. 6. – Proponho que este art. fique em os termos seguintes: “No caso de falecimento dos súditos, e cidadãos de cada um dos respectivos países, se morrerem sem deixar testamenteiros nomeados, ou herdeiros se notificará”; o mais como na modificação, até as palavras “leis locais”. Acrescentando-se no fim do art.: “Bem entendido que qualquer concessão que se faça a esse respeito à nação mais favorecida, será considerada como feita aos súditos e cidadãos das Altas Partes Contratantes, assim e da mesma forma como se fosse aqui expressamente estipulado”. Art. 7. – Convenho em o aditamento, acrescentando-se “um mês” depois da palavra “expirará”. Art. 8. – Convenho em que seja suprimido. Art. 11. – Convenho nos princípios da modificação, salva a redação. Art. 12 – Convenho em a supressão desse art. Art. 13. – Não correspondendo a modificação ao objeto do art., proponho a supressão dele. Art. 17. – Convenho em a modificação. Art. 18. – Convindo em a adição, proponho que em lugar de “la diferencia del derecho denominado de patente” se diga “a diferença do imposto que” etc.. Art. 19. – Proponho que em lugar de “con deducción de los costos de aprensión de los dichos piratas” se diga “e pagando, se houverem, as despesas legitimamente provadas da sua libertação”; o resto, como na modificação proposta. Art. 20. – Convenho em a mudança proposta. Art. 22. – Convenho, acrescentando-se o resto do art. desde onde começa “Não será permitida a visita” até o fim do art. “de contrabando a bordo”. Art. 25. – Convenho na mudança proposta. Santiago, 31 de agosto de 1838. v ofício • 24 set. 1838 • ahi 230/03/15 N. 24 Santiago, 24 de setembro de 1838. 149 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Ilmo. Exmo. Sr., Tenho a honra [de] acusar a recepção das circulares n. 2, 3, e 4 e despacho n. 3 que chegaram às minhas mãos somente no dia 8 do corrente. Tenho a satisfação enviar a V. Exa. por cópia n. 1 o tratado que vai ser assinado um destes dias assim como o contraprojeto deste governo, e minha resposta n. 2 e 3, reservando-me para ser portador dos originais e para dar a V. Exa. pessoalmente todas as explicações necessárias. Espero, entretanto, que ele será do agrado do Governo Imperial, sendo tudo quanto se podia obter deste governo: e a comparação entre ele e o celebrado por esta república e os Estados Unidos do Norte, e por esta mesma república e a do Peru com tanto prejuízo nosso, será suficiente para demonstrar as vantagens que temos obtido. Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo] tratado de amizade comércio e navegação entre sua majestade o imperador do brasil e a república de chile assinado em santiago em .......... de setembro do ano de 1838 Cópia Em nome da Santíssima Trindade, Sua Majestade o Imperador do Brasil, representado pelo Regente em seu Augusto Nome, e a República de Chile igualmente animados do desejo de promover o comércio e navegação entre seus respectivos domínios e territórios, por meio de um Tratado de Amizade, Comércio, e Navegação, julgaram, que para melhor conseguir este fim, era conveniente adotar como base de suas estipulações a mais perfeita igualdade, e reciprocidade; e neste sentido elegeram, nomearam e constituíram seus plenipotenciários a saber: 150 Cadernos do CHDD Sua Majestade o Imperador do Brasil ao Sr. Manoel Cerqueira Lima, seu encarregado de negócios junto ao governo chileno; e o presidente da República de Chile ao Ilmo. e Exmo. Sr. D. Joaquín Tocornal, ministro do Interior, Relações Estrangeiras e Fazenda, os quais plenipotenciários, depois de terem respectivamente comunicado seus plenos poderes, que foram achados em boa, e devida forma, entraram em conferência e com madura deliberação concluíram, e ajustaram os seguintes artigos. Artigo primeiro Haverá perfeita paz, boa inteligência e sincera amizade entre Sua Majestade Imperial, seus herdeiros, sucessores, e súditos, e a República de Chile, e seus cidadãos, sem distinção de pessoas ou lugares. Artigo segundo As duas Altas Partes Contratantes têm concordado, e concordam em conceder reciprocamente a seus ministros e outros agentes públicos, junto a elas acreditados, os mesmos favores, honras, imunidades, privilégios e isenções de direitos, e impostos de que gozam, ou vierem a gozar os da nação mais favorecida; de maneira que quaisquer favores, imunidades, e privilégios que Sua Majestade o Imperador do Brasil, ou a República de Chile julgarem conveniente conceder aos ministros ou agentes de qualquer outra potência, se tornarão ipso facto extensivos aos da outra parte contratante. Artigo terceiro Em todos os portos, baías, ancoradouros, rios, lugares, e cidades, cuja entrada, e comércio estão, ou estiverem abertos às outras nações, as duas Altas Partes Contratantes poderão estabelecer cônsules-gerais, cônsules, e vice-cônsules, os quais gozarão dos mesmos favores, privilégios, prerrogativas, e imunidades, de que gozam ou vierem a gozar os da nação mais favorecida. Artigo quarto Os cônsules-gerais, cônsules, e vice-cônsules devidamente nomeados pelas duas Altas Partes Contratantes, apresentarão suas patentes ou comissões ao governo junto ao qual forem acre151 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ditados; e quando tiverem obtido o seu exequátur, serão reconhecidos, e tratados como tais pelas autoridades, magistrados, e habitantes do distrito consular em que residirem. Os arquivos e papéis do consulado serão respeitados inviolavelmente, e debaixo de nenhum pretexto poderá qualquer autoridade apreendê-los, ou por forma alguma ter neles a menor ingerência. Artigo quinto Os cônsules-gerais, cônsules, e vice-cônsules, exercerão nos lugares da sua residência as funções de árbitros, e louvados amigáveis nas dúvidas que ocorrem entre os súditos ou cidadãos, mestres, e tripulações dos navios de suas respectivas nações, não intervindo nelas as autoridades locais, senão quando a tranquilidade o exigir, ou alguma das partes o requerer. Artigo sexto Se nos territórios ou domínios de uma das Partes Contratantes falecer um súdito, ou cidadão da outra, sem deixar testamenteiro nomeado ou herdeiro, se notificará sua morte ao respectivo ministro diplomático, ou agente consular; e na falta de ministro ou cônsul se fará inserir a notícia nos papéis públicos. As justiças ordinárias procederão ao inventário e depósito dos bens do falecido, com intervenção do dito ministro ou cônsul, ou da pessoa autorizada por um deles; e na administração, e disposição dos bens abintestados, dos que assim falecerem, proceder-se-á na conformidade das leis locais: bem entendido que qualquer isenção, ou privilégio que uma das Partes Contratantes conceder a tal respeito aos súditos, ou cidadãos de qualquer outra nação, será, ipso facto, extensivo aos súditos ou cidadãos da outra parte. Artigo sétimo Os cônsules-gerais, cônsules, e vice-cônsules, terão a faculdade de requerer o auxílio das autoridades locais para a prisão, detenção, e custódia dos desertores dos navios de guerra, ou mercantes de suas respectivas nações, os quais serão depositados nos cárceres, e prisões públicas a pedido e expensas do reclamador, para serem enviados aos navios a que pertenciam, ou a outros da mesma nação. Porém se não forem transferidos no espaço de três meses contados do dia da sua prisão, serão portos em liberdade, e 152 Cadernos do CHDD não tornarão a ser presos pela mesma causa. A faculdade de solicitar o expressado auxílio das autoridades locais expirará um mês depois que o navio a que pertencia o desertor tiver saído das águas do respectivo Estado com destino a país estrangeiro. Artigo oitavo Sua Majestade o Imperador do Brasil, representado pelo Regente em Seu Augusto Nome, e a República de Chile, desejando adotar como base deste convênio a mais perfeita igualdade, concordam mutuamente em não outorgar nenhum favor especial a outra nação em matérias de comércio, e navegação, que se não torne ipso facto extensivo à outra parte, que gozará do mesmo favor livremente, se a concessão for gratuita; ou prestando a mesma compensação, se a concessão for condicional. Artigo nono Os súditos ou cidadãos das duas Altas Partes Contratantes poderão frequentar todas as costas e países dos domínios da outra, comerciando em toda espécie de produções, manufaturas, e mercadorias, cujo comércio for livre aos súditos ou cidadãos de qualquer outra nação; e não pagarão outros ou maiores direitos, impostos ou emolumentos, que aqueles que os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida são ou forem obrigados a pagar; e gozarão de todos os direitos, privilégios, e isenções que gozam ou vierem a gozar os da nação mais favorecida; sujeitando-se, porém às leis e costumes a que estes se sujeitam ou se sujeitarem, bem entendido que o comércio de cabotagem de cada um dos dois países não é compreendido neste artigo, por isso que fica reservado conforme as leis dos ditos países aos respectivos súditos ou cidadãos. Artigo décimo Os produtos, gêneros, e mercadorias da produção ou manufatura dos domínios de qualquer das duas <Altas> Partes Contratantes, não pagarão nos portos da outra parte outros ou maiores direitos do que os que pagam ou vierem a pagar os produtos, gêneros, e mercadorias, da mesma espécie da produção ou manufatura da nação mais favorecida; e os súditos ou cidadãos de qualquer das duas Partes Contratantes poderão comprar 153 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 livremente em o território da outra, e exportar dos portos desta, quaisquer produtos, gêneros, e mercadorias de lícito comércio, da mesma maneira, e pagando os mesmos direitos ou impostos, que os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida, quer façam esta exportação debaixo da sua própria bandeira, quer debaixo de outra qualquer. Artigo undécimo Serão consideradas, respectivamente, como embarcações brasileiras, ou chilenas todas aquelas, de qualquer construção que seja, que forem possuídas, navegadas, e registradas conforme as leis de seus respectivos países. Artigo duodécimo Os navios e embarcações dos súditos, ou cidadãos de qualquer das duas Altas Partes Contratantes, não pagarão nos portos, ancoradouros, rios ou fundeadouros dos domínios da outra, a título de farol, ancoragem, tonelagem, porto, pilotagem, quarentena, ou debaixo de qualquer denominação que seja, outros ou maiores direitos do que aqueles a que estão ou estiverem sujeitos nos mesmos portos na entrada e saída, ou navios ou embarcações da nação mais favorecida. Artigo décimo terceiro Todos os negociantes, mestres de navios, e outros súditos ou cidadãos de qualquer das duas <Altas> Partes Contratantes, terão em todos os portos ou lugares sujeitos à jurisdição da outra a mesma liberdade de dirigir seus próprios negócios que a de que gozam ou vierem a gozar os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida; não só pelo que diz respeito à consignação e venda de seus gêneros e mercadorias, em grosso ou retalho, como pelo que toca à carga, descarga, e despacho de seus navios. Artigo décimo quarto Os súditos ou cidadãos de qualquer das duas <Altas> Partes Contratantes não serão detidos com seus navios, cargas, mercadorias, ou efeitos para qualquer expedição militar, nem para serem empregados em objetos públicos, ou particulares quaisquer que sejam, sem que se dê aos interessados uma suficiente indenização. 154 Cadernos do CHDD Artigo décimo quinto As duas Altas Partes Contratantes se obrigam formalmente a que os súditos ou cidadãos de cada uma, de qualquer classe que seja, gozarão nos domínios e territórios da outra de uma especial e eficaz proteção em suas pessoas e propriedades, podendo em consequência dispor de todas estas por venda, doação, troca, ou outro qualquer modo, sem que sejam sujeitos a outros ou maiores direitos ou impostos, que os que pagam ou vierem a pagar, em casos idênticos, os súditos ou cidadãos da nação mais favorecida. E outrossim gozarão, quanto à administração da justiça, dos mesmos privilégios, franquezas, e direitos de que goza ou vier a gozar a nação mais favorecida. Bem entendido que nenhuma das duas Partes Contratantes terá direito, em caso algum, de exigir o estabelecimento de jurisdições particulares a favor de seus súditos ou cidadãos em o território da outra parte contratante. Serão isentos de todo o serviço militar obrigatório, de qualquer classe que seja, terrestre ou marítima; e de todo empréstimo forçoso, exações ou requisições militares. Não obstante a livre disposição das propriedades, que por este artigo se concede, fica convencionado entre as duas Altas Partes Contratantes que não será permitido em caso algum aos súditos de Sua Majestade Imperial vender seus escravos, nem permanecer em possessão deles no território chileno, por ser nele proibida a existência de escravos, segundo as leis fundamentais do Estado. Artigo décimo sexto A fim de mais eficazmente proteger o comércio e navegação de seus súditos ou cidadãos, as duas Altas Partes Contratantes convêm em que em nenhum dos portos, baías, rios, ou surgidouros dos seus respectivos domínios, se receberá piratas, ou roubadores do mar; e em que se tratará com todo o rigor das leis as pessoas que se provar serem piratas, e a todos os habitantes de seus territórios, que forem convencidos de cumplicidade com eles. E todos os navios, mercadorias, e efeitos, súditos ou cidadãos de cada uma das Partes Contratantes, que se encontrarem em poder de piratas, e forem trazidos aos portos da outra Parte Contratante, serão entregues aos proprietários ou a seus legítimos procuradores, provando-se a propriedade perante os tribunais competentes, e deduzindo-se as despesas de apreensão 155 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 dos ditos piratas, e o prêmio de salvamento, a que segundo as leis tiverem direito os apresadores. Artigo décimo sétimo Se suceder que uma das Partes Contratantes se ache em guerra com outro Estado, nenhum súdito, ou cidadão, ou habitante dos domínios da outra Parte Contratante, que permanecer neutral, poderá aceitar uma comissão ou carta de marca para ajudar o Estado inimigo, ou cooperar hostilmente com ele, contra aquela das Partes Contratantes que estiver em guerra, debaixo de pena de ser tratado como pirata. Artigo décimo oitavo As duas Altas Partes Contratantes adotam em suas mútuas relações o princípio de que a bandeira cobre a mercadoria. Se uma delas permanecer neutral, quando a outra se ache em guerra com uma terceira potência, as mercadorias cobertas com a bandeira da que tiver permanecido neutral, serão também reputadas neutrais, ainda que pertençam aos inimigos da outra Parte Contratante. Fica igualmente convencionado que a liberdade da bandeira assegura a das pessoas, ainda que estas pertençam ao Estado inimigo, exceto se forem militares em atual serviço. Em consequência do mesmo princípio da assimilação da bandeira com as mercadorias, a propriedade neutral, encontrada a bordo de uma embarcação inimiga, será considerada como inimiga, exceto se tiver sido embarcada a bordo da dita embarcação antes da declaração da guerra, ou antes de se ter dela notícia no porto de saída da embarcação. As duas Altas Partes Contratantes não aplicarão este princípio às mais potências, exceto àquelas que igualmente o reconheçam. Artigo décimo nono Para evitar todo o gênero de vexame na visita e exame no alto-mar dos navios e cargas, pertencentes aos súditos ou cidadãos de qualquer das duas Partes Contratantes, se estipula que sempre que um navio armado, público ou particular, pertencente a uma das Partes Contratantes, que se ache em guerra com uma terceira potência, tenha de visitar algum navio da outra Parte Contratante, que se conservar neutral, o primeiro permanecerá 156 Cadernos do CHDD na maior distância compatível com a execução da visita, segundo as circunstâncias de mar e vento, e grau de suspeita em que se achar o navio que tiver de ser visitado; enviando seu escaler a proceder ao exame dos papéis relativos à propriedade, e carga do navio, sem cometer a menor extorsão, violência, ou maus-tratos, ficando os comandantes dos ditos navios armados responsáveis por qualquer abuso, com suas pessoas e bens; para cujo efeito os comandantes dos navios armados por conta de particulares, serão obrigados, antes de receber suas comissões ou cartas de marca, a dar fiança suficiente, para responder pelos prejuízos, que indevidamente causarem. As estipulações anteriores, relativas à visita de navios, se aplicarão somente aos que navegarem sem comboio, pois sempre que os ditos navios forem escoltados ou comboiados por um ou mais navios de guerra, será suficiente a declaração verbal do comandante do comboio, debaixo de sua palavra de honra, de que os navios que vai comboiando pertencem à nação cujo pavilhão têm içado, e se se destinarem a um porto inimigo, de que os ditos navios não têm a bordo artigos de contrabando de guerra. Artigo vigésimo No mesmo caso de se achar uma das Partes Contratantes em guerra com uma terceira potência, os súditos ou cidadãos da outra parte poderão continuar seu comércio e navegação com a dita terceira potência, exceto com as cidades e portos que se acharem efetivamente sitiados ou bloqueados, bem entendido que esta liberdade de comércio e navegação não se estende aos artigos reputados contrabando de guerra, como peças, morteiros, obuses, pedreiros, bacamartes, mosquetes, rifles, clavinas, espingardas, pistolas, piques, espadas, sabres, lanças, venábulos, alabardas, granadas, bombas, pólvora, mechas, balas, e todas as outras cousas pertencentes ao uso destas armas; escudos, capacetes, peitos d’aço, saias de malha, boldriés, correame, e roupa feita de uniforme e para uso militar; boldriés de cavalaria, e cavalos ajaezados, e geralmente toda a qualidade de armas, e instrumentos de ferro, aço, latão, e cobre, ou de quaisquer outros materiais, manufaturados, preparados, ou formados expressamente para fazer a guerra por mar ou por terra. Os efeitos não compreendidos nesta relação serão de livre comércio. 157 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Artigo vigésimo primeiro Nenhuma embarcação de comércio, pertencente a um súdito ou cidadão de qualquer das duas <Altas> Partes Contratantes, que se dirigir a um porto bloqueado pela outra parte, poderá em caso algum ser apresada ou condenada, se precedentemente não tiver sido notificada a existência do bloqueio por alguma das embarcações bloqueantes; e a fim de que não se possa alegar ignorância do fato, e de que a embarcação, que tiver recebido a dita notificação se ache no caso de ser apresada, se tornar a apresentar-se diante do mesmo porto, durante o bloqueio, o comandante da embarcação bloqueante, que primeiro a encontrar, endossará a notificação do bloqueio nos seus papéis de mar, expressando o dia e lugar, ou altura em que o fizerem. Artigo vigésimo segundo Se por alguma fatalidade (o que Deus não permita), as duas Altas Partes Contratantes declararem guerra uma à outra, têm concordado e concordam, agora para esse caso, que se concederá o prazo de seis meses aos negociantes que residirem nas costas, e nos portos de ambas; e o prazo de um ano aos que habitarem no interior, para arranjar seus negócios, e transportar seus bens para onde quiserem, dando-se-lhes o necessário salvo-conduto para isso, o qual servirá de proteção suficiente, até que cheguem ao porto designado. Os súditos ou cidadãos de todas as outras ocupações, que estiverem estabelecidos nos territórios ou domínios do Império do Brasil ou da República de Chile, serão respeitados e mantidos em um pleno gozo de sua liberdade pessoal, e de seus bens, exceto se a sua conduta lhes fizer perder esta proteção, que em consideração à humanidade as Partes Contratantes se comprometem a prestar-lhes. Artigo vigésimo terceiro Sua Majestade o Imperador do Brasil, representado pelo Regente em seu Augusto Nome, e a República de Chile convêm em que o presente tratado permanecerá em pleno vigor, e observância pelo espaço de cinco anos, contados desde a data da troca das ratificações; e além destes cinco anos, até a expiração de doze meses que começarão a correr, logo que uma das Partes 158 Cadernos do CHDD Contratantes tiver anunciado à outra sua intenção de dar por acabado o tratado. Findo este último prazo cessará tão somente no que for relativo ao comércio, e navegação, permanecendo em vigor no que se refere à paz, e amizade, que hão de ligar sincera, e perpetuamente ambas as potências. O presente Tratado de Amizade, Comércio e Navegação será ratificado por Sua Majestade o Imperador do Brasil, e pelo presidente da República de Chile, e as ratificações serão trocadas dentro de doze meses, contados desde este dia, ou antes se for possível. Em fé do que nós os plenipotenciários de Sua Majestade o Imperador do Brasil, e da República de Chile assinamos o presente tratado, e fizemos pôr o selo de nossas armas. Feito na cidade de Santiago aos .......... dias do mês de setembro do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e oito, décimo sétimo da Independência e do Império. v ofício • 28 set. 1838 • ahi 230/03/15 Santiago, 28 de setembro de 1838. Ilmo. e Exmo. Sr., Tenho a honra levar ao conhecimento de V. Exa. duas cartas particulares do nosso encarregado de negócios em Lima, assim como três números do jornal El Peruano dando notícias dos últimos acontecimentos que tiveram lugar naquela capital. A pronta saída do correio não me dá lugar nem tempo a fazer delas um extrato, havendo-as recebido hoje mesmo: estas notícias foram aqui recebidas pelo governo com grandes demonstrações de contentamento; não sei se tinham motivo para isso, ou se foi para desvanecer por momentos os justos receios da população, que considera em grande perigo o exército chileno. O sr. Miguel Maria Lisboa chegou a esta capital em o dia 6 do corrente: achando-se o tratado concluído, e faltando unicamente assiná-lo, temos convencionado demorar a entrega da legação até então. A minha retirada está incerta, não podendo efetuá-la pela cordilheira antes de fins de novembro e não se apresentando ocasião pelo Cabo d’Horn. 159 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Deus guarde a V. Exa. Manoel Cerqueira Lima Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios Estrangeiros [Anexo 1] Lima, 1 de setembro de 1838. Amigo e Colega, Aproveito a saída de um barco para esse e lhe remeto por ele o n. 3 do Peruano, que não deixa de ser interessante. Ainda que se haja habilitado o porto de Chorrillos, as comunicações para o exterior são difíceis e arriscadas. Temos hoje três governos nesta república: 1º, o de Santa Cruz nos departamentos de Serra; 2º, o de Orbegoso nos departamentos do Norte, e nas fortalezas do Callao, aonde se acha hoje depois de estar oculto nesta cidade por alguns dias em consequência do resultado do dia 21; 3º, o de Gamarra, que manda nesta capital. À vista destas circunstâncias poderá o colega avaliar da minha situação e de todo o corpo diplomático, respectiva à conduta que precisamos seguir. O tempo, e sobretudo, a direção que tomar a cousa pública nos servirá de guia. Cada partido exagera além do seu e os males do outro. Nada de notícias do Brasil. Já as tenho de Lisboa até o mês de abril: ali houve uma terrível revolução no dia 13 de março, e continuam as desgraças causadas pelos exaltados. Se serão certas as más notícias do Rio Grande! Diga a mad[am]e que lhe agradeço a sua carta, a que responderei com prazer em outra ocasião. Tenha quantas felicidades lhe desejo como Amigo e colega Duarte da Ponte Ribeiro [P.S.] – Pardo está absolutamente separado de tudo q[uan]to é negócio público; vive comigo, e lhe manda e a mad[ame] mil recados. 160 Cadernos do CHDD [Anexo 2] Lima, 7 de setembro 1838. Caro amigo e colega, Não tenho confiança nem certeza de que atualmente possam chegar-lhe as minhas comunicações; é por esta razão que deixo essa tarefa para melhor ocasião. Se escrever ao nosso governo pode dizer isto mesmo, quando queira referir-se a notícias deste país. Temos atualm[en]te quatro chefes supremos no Peru: Orbegoso, presidente no Callao, com uma guarnição de 1.500 homens e com o general Nieto p[o]r seu delegado nos departamentos do Norte; Gamarra, presidente de Lima e portos imediatos aonde chegam as tropas chilenas; Riva Aguero, presidente em [Alto] Junín e departamentos do interior por delegação de Santa Cruz; e este, conservando ainda sobre o todo as faculdades que recebeu das assembleias, em cuja virtude tem governado até agora. Cada um tira para o seu lado; a todos faltam recursos. Tropas da serra baixam p[ar]a cerca desta capital; o p[aís] está na maior exaltação contra os chilenos; estes dispo[tos a] vencer a aversão que experimentam; e finalmente [tu]do agoura um tristíssimo resultado. Um tiro de fuzil que p[o]r desgraça se dispare nesta capital, será o sinal de um horroroso massacre; tal é o estado das opiniões e exaltação das cabeças. Sirva-se entregar a inclusa. A separação de Pardo p[o]r ver de longe a oposição que a expedição tinha a vencer depois que encontrou no Peru um governo nacional e não o de Santa Cruz; a sua perseverança em não querer absolutamente tomar parte em negócios políticos de nenhum gênero, tudo concorre para que agora seja o alvo de perseguições [etc.], posto que só esteja [ilegível] p[o]r ora. Memórias a mad[a]me, e creia-me Seu am[ig]o e colega Duarte da Ponte Ribeiro v 161 Pr ú ssi a Relatório da missão especial do Visconde de Abrantes (1846) Apresentação E nviado em missão especial à Prússia em 1844, Miguel Calmon du Pin e Almeida, então visconde de Abrantes, recebeu instruções do Ministério dos Negócios Estrangeiros para encetar, com a que chamou Associação das Alfândegas Alemãs, negociações para a assinatura de um tratado com o Brasil. De acordo com o documento, subscrito pelo então ministro Ernesto Ferreira França, as negociações com o governo prussiano não deveriam ser concluídas sem “ulteriores instruções” do Governo Imperial, que ainda não havia decidido sobre as bases que deveriam fundamentar o acordo. Abrantes também recebeu a orientação de remeter ao ministério informações a respeito do sistema administrativo da Prússia, organização e disciplina do exército, instrução pública, colonização por famílias alemãs, e todas as notícias, cuja utilidade para o Império lhe fosse sugerida pelo “conhecimento que V. Exa. tenha adquirido das necessidades do país nos altos empregos que ocupa e tem exercido”. Esta última orientação fez que Abrantes produzisse um relatório – originalmente publicado em 1853 – que traça um panorama da Prússia e está dividido em sete partes: Monarquia Prussiana, Governo, Administração, Justiça, Finanças, Instrução Pública e Exército. Os elementos reunidos e sistematizados por Abrantes proporcionam ao pesquisador um amplo e detalhado cenário daquele país em meados do século XIX. Temas como o acesso a cargos públicos, a composição demográfica da população prussiana, o funcionamento do sistema judiciário, aspectos da agricultura e da indústria, a composição e organização do exército e até o sistema previdenciário dos militares são esmiuçados pelo diplomata brasileiro, além de pormenorizadas informações acerca do Zollverein, a aliança aduaneira que teve por fim a adoção de um sistema fiscal uniforme e congregou um grande número de Estados alemães. Com a publicação deste relatório, o CHDD espera contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a Prússia, que lideraria a unificação alemã décadas mais tarde. A transcrição do relatório da Missão Abrantes, sob a supervisão do CHDD, foi efetuada pela estagiária Luiza Freire Magalhães, estudante de História na UFF. Seguindo a praxe adotada pelo Centro, a ortografia foi atualizada e as tabelas introduzidas pelo autor sofreram pequenos ajustes, para melhor visualização. instruções Cadernos do CHDD despacho . 23 ago. 1844 . ahi 268/02/09 Instruções de Ernesto Ferreira França, ministro dos Negócios Estangeiros, ao visconde de Abrantes, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em missão à Prússia. RESERVADO Ilmo. e Exmo. Sr., Inclusa achará V. Exa. a credencial que o acredita junto de S. M. El-Rei da Prússia, acompanhada de um pleno poder para tratar com a Associação das Alfândegas Alemãs. Ninguém mais habilitado do que V. Exa. para bem desempenhar a missão de que S. M. o Imperador, nosso augusto amo, houve por bem encarregá-lo; mas, como o Governo Imperial não resolveu ainda definitivamente sobre que bases convirá conduzir aquela negociação, cumpre que V. Exa. não conclua ajuste algum sem ulteriores instruções. Entretanto, V. Exa. coligirá – não só para seu uso, como também para enviar ao governo – todas as informações e dados indispensáveis e úteis sobre este importante assunto, acompanhando estes esclarecimentos de sua opinião sobre cada objeto e até formulando uma minuta de tratado nos termos em que julgar que seria vantajoso para o Império concluí-lo. Espera também o governo das luzes, zelo e experiência de V. Exa., que lhe remeterá úteis informações a respeito do sistema administrativo da Prússia, organização e disciplina do exército e instrução pública, colonização por famílias alemãs e todas as mais notícias, cuja utilidade para o Império lhe for sugerida pelo conhecimento que V. Exa. tem adquirido das necessidades do país nos altos empregos que ocupa e tem exercido. Além da sua missão de Berlim, dignou-se S. M. o Imperador encarregar-lhe uma incumbência de grande importância. Conhece V. Exa. as disposições da convenção preliminar de paz de 27 de agosto de 1828, estipulada entre o Império e a República Argentina com a mediação da Inglaterra, e está inteligenciado da história da guerra e negociação que precederam aquela convenção e de tudo quanto se tem passado desde essa época entre o Brasil e as repúblicas do Rio da Prata. Sabe V. Exa. que o Império não prescinde, por modo nenhum, da independência plena e absoluta da República do Uruguai, independência que se acha também estipulada entre a França e a dita 169 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Confederação Argentina, pela Convenção de 29 de outubro de 1840; e, ao mesmo tempo, não ignora V. Exa. que muitos suspeitam o governador de Buenos Aires de nutrir vistas ambiciosas contra o dito Estado do Uruguai. Conseguintemente, deve estar V. Exa. convencido do quanto importa ao gabinete imperial conhecer completamente quais são as vistas dos gabinetes de Londres e Paris, relativamente a essas repúblicas do Rio da Prata e a do Paraguai: como é que a Inglaterra entende os direitos e obrigações que lhe competem em consequência daquela mediação; e a França, as que se deduzem daquela sua convenção com a Confederação Argentina. Finalmente, muito convém que os agentes diplomáticos dessas duas nações, acreditados nesta corte, recebam instruções para poderem entender-se com o Governo Imperial sobre os negócios pendentes e quaisquer futuras ocorrências relativas a essas repúblicas. Para este fim, V. Exa. vai munido das cartas juntas, dirigidas aos respectivos ministros dos Negócios Estrangeiros da França e Inglaterra, e cumpre que V. Exa., pelas conferências que terá com eles e por todos os meios ao seu alcance, busque penetrar-se e inteirar o governo a respeito da política daqueles dois gabinetes, relativamente àquelas repúblicas, quais os pontos em que ambos esses gabinetes coincidem e se combinam e quais aqueles em que seus interesses divergem e se cruzam; deduzindo deste seu conhecimento as vantagens que o gabinete imperial pode esperar daqueles governos europeus, ou que inconvenientes deve recear, os meios de conseguir os primeiros e arredar os últimos. Também convém que V. Exa. informe circunstanciadamente acerca dos projetos e intenções que, nas grandes nações marítimas, porventura ocupem ou aos governos, ou a particulares, a respeito da navegação fluvial na América do Sul, companhias que se tiverem formado com esse intuito e tudo mais que for relativo a este importante objeto, sobre o qual deve haver grande reserva. Junta achará V. Exa. a cifra de que deve servir-se na sua correspondência secreta. Deus guarde a V. Exa.. Paço, em 23 de agosto de 1844. Ernesto Ferreira França Sr. Visconde de Abrantes 170 Relatório Cadernos do CHDD objeto da missão especial à prússia advertência Segundo as instruções que recebi do Governo Imperial, cumpria-me coligir, e dar informações sobre a “Instrução Pública”, “Organização e Disciplina do Exército” e “Sistema Administrativo da Prússia”. Havendo preparado em Berlim, durante o ano de 1846, várias memórias ou artigos sobre esses e outros assuntos, entendi que devia ajuntá-los agora aos trabalhos da missão especial. Moveu-me a isso antes o desejo ainda de satisfazer uma obrigação, que o de dar à luz um manuscrito, que aliás me custara penosas diligências e aturado estudo. I monarquia prussiana § 1° – origem e engrandecimento Carlos Magno, restaurando o Império do Ocidente no princípio do século IX, encarregou a vários senhores a defesa das fronteiras da sua vasta monarquia, que mais expostas se achavam às invasões e correrias dos bárbaros. Dava-se então às fronteiras o nome de marcas. O senhor que guardava a fronteira da Saxônia, sempre infestada pelos eslavos, conquistou a estes bárbaros em 931 o castelo de Bennabor. Ao território deste castelo e ao seu nome, alterado pelo dialeto germânico, deve sua origem a marca de Brandenburgo, situada então, como ainda, entre os rios Elba e Oder. Por mais de um século, depois da conquista de Bennabor, foram diversos senhores temporariamente investidos pelos imperadores no título de marchio (governador da marca) em alemão Markgraf1 ou margrave de Brandenburgo, até que, em 1134, Alberto, o Urso – da dinastia Ascania de Anhalt – o transmitiu hereditariamente a seus descendentes. 1 - O termo alemão Graf corresponde ao latino comes, e ao português conde. Assim, Burggraf era o conde que governava uma cidade ou castelo; Markgraf o que governava uma fronteira ou marca; Landgraf o que governava uma província interior, sendo feudo que relevasse imediatamente do imperador; e Pfalzgraf (comes palatii, ou conde palatino) o que governava como delegado do imperador mais de uma província, ou um círculo do império. Tinha o título de Herzhog (dux, ou duque) o senhor que comandava as tropas em uma, ou mais províncias. Todos estes nomes, que na restauração do império serviam para designar empregados, exercendo autoridade ou jurisdição em nome do imperador, converteram-se com o progresso do feudalismo em outros tantos títulos hereditários em certas famílias poderosas e independentes, a vários respeitos, do chefe do império. Desses títulos, porém, o que ainda prevalece, entre os atuais príncipes soberanos da Confederação Germânica, é o de Herzhog, ou duque. Apenas um pequeno príncipe, o de Hesse-Homburgo, conserva o título de Landgraf.(N.A.) 173 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Extinta a dinastia Ascania em 1320, o imperador Luís, o Bávaro exerceu de novo a investidura do Brandenburgo em seu filho Luís, da dinastia de Wittelsbach, ou da Baviera, cujos sucessores o cederam em 1373 ao imperador Carlos IV. Este imperador, que já pela sua bula d’ouro desde 1356 havia elevado o Markgraf de Brandenburgo à alta dignidade de Kurfürt2 ou eleitor do império, conferiu o título e posse do Estado, que lhe fora cedido, a seu filho Sigismundo, da dinastia de Luxemburgo, o qual, eleito imperador, achando-se oberado de dívidas, vendeu o mesmo Estado em 1415 por 400.000 ducados, a Frederico VI Burggraf de Nuremberg, da dinastia de Hohenzolern. Este príncipe, que foi Frederico I na série dos eleitores de Brandenburgo, é o chefe da real família que ainda ocupa o trono da Prússia; assim como a marca de Brandenburgo foi o berço da atual monarquia prussiana. Durante dois séculos permaneceu estacionário este novo Estado, que mal compreendia o território que forma hoje a província de Brandenburgo; mas, do princípio do século XVII em diante, engrandeceu-se com rapidez, já por heranças e conquistas, e já por tratados. Um príncipe, Alberto de Brandenburgo, eleito grão-mestre da Ordem Teutônica, possuidora do Ducado da Prússia, pequeno Estado feudal da Polônia, havia conseguido em 1525 secularizar o dito ducado e convertê-lo em propriedade sua, e hereditária na sua família. O eleitor João de Brandenburgo tinha efetuado em 1594 o casamento de seu neto João Sigismundo com uma filha única de Frederico, duque da Prússia, havida de uma irmã de João, duque de Cleves. Falecendo em 1609 o duque de Cleves e em 1618 o duque da Prússia, ambos sem outra sucessão, veio o referido João Sigismundo, já então eleitor, a herdar por cabeça de sua mulher um e outro ducados. Desta grande herança data o esplendor da casa de Brandenburgo. Frederico Guilherme, exaltado ao trono eleitoral em 1640, não só alcançou, no fim da Guerra dos 30 Anos, anexar aos seus Estados a Pomerânia Oriental, o Principado de Minden, e o Ducado de Magdeburgo, que lhe foram garantidos pela Paz de Westfália de 1648, mas também conseguiu extinguir o feudo da Prússia, fazendo-a reconhecer como ducado soberano pelo rei da Polônia em 1657. Desde então, este 2 - Antigamente era o imperador eleito pelos príncipes mais notáveis do Império Germânico, que gozavam do título de Kurfürt ou eleitor. Até 1690 limitou-se a sete o número dos eleitores, sendo três eclesiásticos (os arcebispos de Mogúncia, Colônia e Treveris), e quatro seculares (o rei da Boêmia, o duque da Saxônia, o conde palatino do Reno e o Markgraf de Brandenburgo). Depois daquela época, foram acrescentados mais dois: os duques de Baviera e de Hanover; e, nos últimos dias do mesmo império, mais um: o Landgraf de Hesse-Cassel. Dissolvido o império em 1805, extinguiu-se o título de eleitor: apenas o conserva hoje o soberano de Hesse-Cassel.(N.A.) 174 Cadernos do CHDD mesmo príncipe, denominado o grande eleitor, teve aspirações à púrpura real, de que só pôde usar, 40 anos depois, seu filho Frederico, o qual, por consenso prévio do imperador e outros monarcas, fez aclamar primeiro rei da Prússia, sendo como tal coroado em Königsberg no princípio do ano de 1701. Este primeiro rei não se descuidou também do acrescentamento do seu novo reino: ajuntou-lhe o Principado de Moers e o Condado de Legen por herança da casa d’Orange; mais o Condado de Tecklenburg, por compra à casa de Solms; e mais o Principado de Neuchâtel, na Suíça, por deliberação dos notáveis do mesmo principado: sendo porém faustuoso e dissipador, deixou exausto o Tesouro real e empobrecida a sua recente monarquia. No seguinte reinado de Frederico Guilherme I, foram ainda aumentados os domínios da Prússia com uma parte considerável da província da Gueldra, pelo Tratado de Utrecht de 1713, e com o distrito de Stettin entre o Oder e o Penne, e as ilhas de Wollin e Usedom no Báltico, pelo tratado de 1720 com a Suécia. Além destas aquisições territoriais, sendo a última de mor valia para o comércio marítimo, este segundo rei, assaz regrado em suas despesas, esmerou-se em acumular o Tesouro e organizar o exército, que de tanto serviram a seu filho Frederico II; mas, apesar dos referidos acrescentamentos e aquisições, a monarquia prussiana mal contava 2.240.000 almas em 1740, ano da exaltação do mesmo Frederico II ao trono erguido por seu avô em 1701. Este terceiro rei, abalizado general e hábil administrador, estreando o seu reinado pela herança da Frísia oriental e pela conquista da Silésia, conseguiu ainda ajuntar aos seus Estados toda a parte da Prússia que pertencia à Polônia e todo o território polaco desde a Pomerânia até ao rio Notze, por efeito da primeira partilha daquele reino, em 1772. E assim, além de merecer da posteridade o título de grande, não tanto por seus gloriosos feitos durante a Guerra dos Sete Anos contra as forças reunidas da Rússia, Áustria, França, Suécia e Saxônia, como pelas leis que publicou e instituições que fundou, em benefício comum, deixou – a seu sobrinho e sucessor – um Tesouro considerável e a monarquia prussiana com o dobro da superfície e o triplo da população que tinha em 1740. Frederico Guilherme II, herdeiro da ambição, sem que tivesse o gênio do grande Frederico, concorreu para a segunda e terceira partilhas da Polônia, em 1793 e 1795, obtendo com isso anexar ao seu reino as províncias polacas de Posen, Gniezno, Kalisz e outras. Com estas 175 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 aquisições e com a reversão dos margraviatos de Bayreuth e Anspach à casa real de Brandenburgo, legou este quarto rei a seu filho do mesmo nome um Estado poderoso, cuja população excedia de 8.000.000 de habitantes. Frederico Guilherme III, adquirindo (em compensação d’alguns territórios da margem esquerda do Reno, cedidos à França pelo tratado de Basiléia de 1795) os países de Hidesheim, Paderborn, Erfurt e Eichsfeld, achou-se em 1805 no trono de uma monarquia mais compacta, extensa e populosa, que a havida de seu pai: tinha então a Prússia 4.000 léguas quadradas de superfície e 9.000.000 d’almas. Despojada, porém, pela derrota de Jena e Paz de Tilsit, em 1807, da mor parte das províncias polacas – que formaram o Grão-Ducado de Varsóvia – e de importantes territórios germânicos – que compuseram o efêmero Reino da Westfália – ficou reduzida à quase metade do que era. A esta calamitosa época sucedeu a risonha de 1814: pelos atos do Congresso de Viena, bem que por um lado a Prússia cedesse quase todo o território polaco, adquirido pela segunda e terceira partilhas, para a reorganização do reino da Polônia, doado ao imperador Alexandre, alcançou por outro lado incorporar aos seus domínios metade do belo Reino da Saxônia e todos os magníficos países que formam atualmente o rico e populoso Grão-Ducado do Baixo-Reno. E assim, depois de haver sofrido por oito anos os mais acerbos revezes, conseguiu este rei, bom e pacífico, engrandecer ainda mais a monarquia prussiana, que ficou desde logo considerada como a quinta grande potência da Europa. Falecido em 1840, deixou a seu filho, o rei atual, Frederico Guilherme IV, um reino florescente, vasto e populoso. Comparada, pois, à Prússia do grande eleitor em 1640, com a do grande Frederico em 1740, e esta com a de Frederico Guilherme III em 1840, parece fora de dúvida que nenhum Estado europeu, à exceção da Rússia, avantajou-se tanto como a Prússia no período de dois séculos. § 2° – dinastia Um ramo da antiga e ilustre casa de Hohenzollern reina no Brandenburgo desde 1415 e, na Prússia, desde 1618.3 Thassilon, primeiro conde de Hohenzollern, foi contemporâneo de Carlos Magno, segundo as crônicas do século IX. Seu undécimo sucessor, Conrado I, foi 3 Outro ramo (católico) desta ilustre casa reina em Eching e Sigmaringen, dois pequenos Estados soberanos, encravados no reino de Württenberg.(N.A.) 176 Cadernos do CHDD investido em 1164 no Burgraviado de Nuremberg, feudo masculino. O vigésimo primeiro sucessor deste, Frederico V, na série dos burgraves, foi declarado príncipe do Império na Dieta de Nuremberg em 1363. Seu filho Frederico VI comprou, em 1415, como ficou dito, o Margraviado e Eleitorado de Brandenburgo, e foi o 1° na seguinte série dos eleitores e reis da dinastia de Hohenzollern. eleitores de brandenburgo reis da prússia Frederico I (VI de Nuremberg).............................1415 Frederico II, Dente de Ferro..................................1440 Alberto, o Achilles...................................................1470 João, o Cícero........................................................... 1476 Joaquim I, o Nestor.................................................1499 Joaquim II, o Luterano........................................... 1535 João Jorge..................................................................1571 Joaquim Frederico....................................................1598 João Sigismundo.......................................................1618 Jorge Guilherme...................................................... 1621 Frederico Guilherme, Grande eleitor...................1640 Frederico I (rei em 1701)........................................1688 Frederico1 Guilherme I..........................................1713 Frederico II, o Grande............................................1740 Frederico Guilherme II...........................................1786 Frederico Guilherme III.........................................1797 Frederico Guilherme IV..........................................1840 § 3° – divisão territorial e população O Reino da Prússia, composto de duas regiões, separadas uma da outra por vários pequenos Estados4, estende-se das fronteiras da Rússia às de França, no seu maior comprimento, e das costas do Báltico às raias do Império Austríaco, na sua maior largura. A região oriental, com a superfície de 4.222 milhas quadradas5 é dividida em seis províncias; e a ocidental, com 855 milhas, somente em 4 Hanover, Brunswich, Lippe, Waldeck e Hesse-Eleitoral.(N.A.) 5 A milha alemã, ou geográfica, é de 15 ao grau.(N.A.) 177 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 duas, a saber: Prússia, propriamente, Posnânia, Silésia, Pomerânia, Brandenburgo e Saxônia, na primeira região; Westfália e Renânia, na segunda. Estas oito províncias são subdivididas em 25 departamentos ou “regências”, estas em 325 comarcas ou “círculos”, e estes em 979 municípios ou distritos urbanos, e 42.632 distritos rurais, sendo alguns destes ainda subdivididos em “cantões”. Além disso, a monarquia prussiana compreende o Principado de Neuchâtel, que é ao mesmo tempo cantão da Confederação Suíça, com 13,95 milhas quadradas de superfície, e 65.000 habitantes em 17 distritos municipais. O quadro seguinte (A) mostra em resumo a divisão e população dos Estados Prussianos; e o quadro (B) indica as raças de que se compõe a mesma população e o número de habitantes, que pertencem às diversas crenças religiosas, professadas ou toleradas na Prússia. QUADRO (A) POPULAÇÃO DA PRÚSSIA EM 1843 [Divisão política] Províncias Círculos Cidades Cidades Könisgberg Gubin Dantzig Marienwerder 20 16 8 13 18 19 11 43 206.354 66.635 111.536 115.533 615.692 552.919 275.770 462.042 821.946 619.553 387.306 577.575 = 2.406.380 Posnan Bromberg 17 9 91 54 242.171 101.034 615.059 331.923 857.230 432.957 = 1.290.187 Brandenburg 2 Potsdam Frankfurt s/O[der] 16 17 72 66 625.871 237.593 509.164 562.179 1.135.835 799.772 = 1.935.107 Pomerânia 3 Stettin Kozlin Stralsund 12 9 4 35 23 14 165.335 85.038 60.232 351.987 328.068 115.490 517.522 413.106 175.772 = 1.106.350 Silésia 3 Breslau Oppeln Liegnitz 22 16 19 59 38 48 271.666 137.887 171.227 845.538 801.757 720.829 1.117.204 938.524 892.506 = 2.948.884 Saxônia 3 Magdeburg Merseburg Erfurth 15 16 9 49 69 20 248.055 243.475 111.602 399.271 457.562 223.941 647.326 701.037 335.543 = 1.683.906 Westfália 3 Münster Minden Arnsberg 11 10 14 28 27 43 86.364 88.429 141.448 332.401 364.448 408.353 418.756 452.877 549.810 = 1.421.443 Renânia 5 Colônia Düsseldorf Coblença Treveris Aix-la-Chapelle 11 13 12 13 11 13 59 25 11 14 127.050 317.684 95.950 55.397 102.408 338.313 503.772 393.150 422.941 292.043 465.363 851.456 489.900 478.338 292.043 = 2.679.508 Prússia 4 Posnânia 2 Total: 25 178 Regências [População] 325 979 4.246.173 Rural 11.225.592 Regências 15.471.765 Províncias Cadernos do CHDD Observações: Na população dos distritos rurais vão compreendidos 7.888 gendarmes, 72 empreg[ado]s nos telégrafos e 9.208 soldados que guarnecem as praças federais de Mogúncia e Luxemburgo. [a maioria das totalizações não corresponde à soma das parcelas, o que permite supor tenha havido erro nestas, já que os resultados terão sido conferidos. assim, optou-se por manter todos os dados conformes ao original. n.e.] QUADRO (B) População segundo as raças (*) Províncias Raças Prússia Oc. Posnânia eslavos Silésia Prússia Or. lituanos População População segundo a religião (**) Províncias 1.844.000 Prússia 603.036 146.000 Posnânia Saxônia vândalos 76.500 Brandenburg Silésia morávios 11.500 Pomerânia [Silésia] boêmios 10.500 Silésia Renânia franceses 10.000 Saxônia Pomerânia cassubes 4.000 Westfália Renânia Total: Católicos Protestantes Gregos Judeus Menonitas 1.763.460 1.687 27.979 13.009 903.306 372.789 42 87.102 1 24.638 1.896.837 82 13.520 30 9.360 1.090.146 27 6.824 3 1.406.882 1.474.773 24 26.703 103.354 1.576.270 10 4.262 4 815.882 591.684 6 13.766 107 1.953.165 622.429 1 26.367 1.159 5.820.123 9.428.911 1.879 206.529 14.313 2.102.500 Em todas: alemães 13.369.765 15.471.765 (*) Esta computação, feita por Heindrich em 1837, foi publicada pela Gazeta Oficial em 1840. Outros estatísticos, e entre eles Schneider, a contestam. Há quem eleve os oriundos da raça eslava ao número de 2.500.000. (**) Extraído de documentos oficiais, publicados em 1840.6 § 4° – religião A protestante, denominada evangélica e professada pela família real e pela maioria dos habitantes, pode ser considerada como a dominante, pelo menos na região oriental da monarquia. A católica romana, porém, quase que domina na região ocidental, sendo, além disso, professada geralmente na Posnânia e em grande parte da Silésia. 6 Apenas as cifras totais para gregos e menonitas correspondem ao resultado da soma das respectivas parcelas. 179 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Sobre o culto evangélico, ajuntarei algumas considerações gerais sobre a sua origem e progressos. Os últimos eleitores de Brandenburgo e os primeiros reis de Prússia foram, entre os príncipes alemães, os que mais favoreceram a Reforma religiosa, simbolizada pela Confissão d’Augsburgo de 22 de junho de 1730: protegeram abertamente a propagação das novas doutrinas, tomaram parte na primeira guerra religiosa, que terminou com a Paz de 1555; concorreram para a segunda, chamada Guerra dos 30 Anos, que acabou pela Paz de Westfália em 1648; e defenderam com ardor os seus correligionários, quando perseguidos em qualquer país. Consta que o eleitor João Sigismundo e seus sucessores, mormente o grande eleitor, haviam desde logo concebido o pensamento político-religioso de reunir as doutrinas divergentes de Lutero e Calvino, e constituir uma só igreja, que se denominasse cristã ou evangélica. O rei Frederico Guilherme I, herdeiro desse pensamento, esmerou-se, para realizá-lo, em captar a benevolência de todos os protestantes: com efeito, com o maior zelo e fervor escreveu longas epístolas, invocou tratados, recorreu a represálias e moveu o seu exército sempre que o exigiu a defesa do protestantismo; mas, apesar disso, foi obrigado a recuar na primeira tentativa que fizera para a desejada fusão. Os seus imediatos sucessores – Frederico, o Grande, por cético e Frederico Guilherme II, por libertino – olvidaram a realização daquele pensamento dinástico. Estava essa tarefa reservada a Frederico Guilherme III. Este príncipe, movido pelo duplo interesse de satisfazer ao sentimento religioso, renascido dos desastres da revolução, e de consolidar a sua monarquia, reconstruída pelo Congresso de Viena, tratou de executar o projeto dos seus maiores. Sem a unidade religiosa, mal poderia ele dirigir o protestantismo e dar-lhe o necessário vigor para que se convertesse nesse “muro de bronze” que, no conceito do ministro Massillon, seria mais eficaz que as guarnições militares e praças de guerra, para a defesa da Prússia contra a influência e catolicismo da França. Pela ordem de gabinete – ou decreto – de 17 de setembro de 1817, concebido em termos místicos e moderados, foi portanto, aconselhada – senão ordenada – a fusão das duas confissões, luterana e calvinista, em uma e única igreja, com o título de “evangélica”. Em execução deste decreto, marcou-se o dia 30 de outubro seguinte para a inauguração da nova igreja pela união das ditas confissões. No templo histórico, que serve de capela à guarnição de Potsdam, as tropas ali estacionadas assistiram em comum à cerimônia 180 Cadernos do CHDD da Santa Ceia, recebendo todas a comunhão segundo o rito primitivo da bíblia. No mesmo dia, igual solenidade foi praticada em Berlim, em um templo consagrado ao novo culto, em presença de deputações de todos os corpos da respectiva guarnição e de todos os institutos militares. E, no dia seguinte, repetiu-se com mais pompa a mesma solenidade, na mais antiga igreja de Berlim, sendo presentes o rei, toda a real família, a corte, estado-maior, a cúria ou consistório eclesiástico, professores da universidade, colégios e 63 ministros d’uma e d’outra confissão: e aí comungaram todos sem distinção, sendo o pão distribuído por um ministro luterano e o cálix por um calvinista. É, pois, a religião evangélica, em seu complexo, um amálgama, ainda não consolidado, das diferentes doutrinas de Calvino e Lutero, e de algumas práticas litúrgicas e disciplinares do catolicismo. Na sua parte dogmática, mormente a respeito da eucaristia, pende mais para o calvinismo, que para o luteranismo: na parte litúrgica, fosse em atenção aos antigos rituais dos primeiros reformadores, ou à conveniência de cortejar o catolicismo, admitiu o uso do altar e crucifixo, os kyrie, gloria, collecta, epistola, evangelho e credo no seu serviço divino: e, na parte disciplinar, aceitou o episcopado, as vestes clericais etc. O rei que, sem declarar-se pontífice, é de fato a cabeça da igreja evangélica, cuidou logo em formular e publicar a liturgia do novo culto, para que ao menos exteriormente fosse ostentada a união que desejava. Esta liturgia, publicada em 1821 e por muitas vezes corrigida e modificada, foi por outras tantas enviada, com ordens do gabinete, aos consistórios e superintendentes eclesiásticos para que a fizessem aceitar e observar em todas as paróquias e comunidades religiosas. E, não obstante a relutância com que os luteranos e calvinistas mais zelosos receberam a mesma liturgia e a resistência abertamente feita à sua execução por alguns pregadores e comunidades inteiras, que se separaram do grêmio da nova igreja, continuou esta a progredir e dominar, graças à direta influência do rei e seus cortesãos, e à irresistível propaganda de todas as autoridades gerais e locais. O governo da igreja evangélica, organizado em 1817 e mais desenvolvido posteriormente, depende do Ministério dos Cultos, de um Sínodo (que se reúne à vontade do rei), de oito consistórios eclesiásticos nas províncias, e de 370 superintendentes espirituais, que percorrem o reino, velando na exata observância dos ritos e fiscalizando o comportamento oficial e moral de 5.839 clérigos evangélicos, párocos e operários, que dirigem as almas e servem 181 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 em 8.115 igrejas e capelas, e em 744 casas onde, sem prerrogativas paroquiais, celebra-se o ofício divino. Os poucos bispos que há, criados por mera ostentação, parece que se limitam apenas ao exercício do poder da ordem, ou consagração. Em outro lugar tratar-se-á das atribuições das autoridades, coletivas ou individuais, que exercem o governo desta igreja. Fora do grêmio do evangelismo, existe atualmente não pequeno número de separatistas, que – não se conformando com a união das duas confissões, nem com a nova liturgia – continuam a exercer o seu culto, luterano ou calvinista, em comunidades à parte, com maior ou menor liberdade. Além destas seitas cristãs, há na Prússia as sociedades religiosas dos “Amigos” ou Quakers, e dos Menonitas, espécie dos antigos anabatistas: são, porém, mui pouco numerosas. A religião católica romana, quase dominante em algumas províncias e de livre exercício em todas as outras, pouco depende da administração prussiana. Seus diretores são os arcebispos de Gnesno, na Posnânia, e de Colônia, na Renânia; nove bispos, os cabidos diocesanos, 5.577 clérigos, vigários, capelães e operários, que servem em 5.182 igrejas e capelas. O seu governo tem por norma as leis gerais do catolicismo e a Concordata de 1821, celebrada entre S. Santidade e el-rei Frederico Guilherme III. Em virtude dela, compete ao rei o jus circa sacra; os bispos são eleitos pelos respectivos cabidos, devendo porém a eleição recair em pessoa regi grata; a instituição canônica, ou nomeação dos membros dos cabidos pertence alternadamente por seis meses ao papa e, por outros seis, ao respectivo diocesano; a colação, nomeação e destituição dos vigários e capelães compete ao diocesano. Também fora do grêmio do catolicismo existe na Prússia a seita dos neo-católicos, nascida da doutrina de Hermes, célebre teólogo alemão. O hermesianismo, tal qual ao princípio se anunciou e algum tanto se propagou nas dioceses de Colônia e Treveris, não parecia separar-se quanto aos dogmas da Igreja Romana: consistia a sua doutrina em substituir a lógica à fé, ou em chegar por meio do raciocínio à demonstração de Deus, da revelação e do catolicismo, com todos os seus mistérios e dogmas. Mas a Santa Sé – pressentindo que essa doutrina, que convertia a religião em puramente racional, acabaria pelo desprezo da tradição e d’alguns princípios essenciais ao catolicismo – apressou-se em condená-la, como tendo cheiro de heresia, pelo Breve Pontifício de 25 de setembro de 1835. E bem depressa realizado foi esse seu pressentimento. Hermesianos 182 Cadernos do CHDD mais ardentes foram surgindo e começaram, alguns, por condenar certos antigos usos e solenidades da religião católica e, quase todos, foram pondo em dúvida a graça, a culpa original, a unidade religiosa etc. Entretanto, posto que o neocatolicismo – considerado pelo evangelismo como instrumento de guerra contra a supremacia de Roma – tenha sido afagado e, mesmo, favorecido, contudo parece que o seu progresso, se algum tem feito, há sido mui lento e é pouco assustador. Algumas comunidades ou paróquias de neocatólicos se têm estabelecido na Prússia, outras na Saxônia etc. § 5° – vias de comunicação Com exceção da Inglaterra e da Bélgica, nenhum outro país da Europa tem compreendido melhor que a Prússia quanto as boas vias de comunicação aceleram o progresso material e moral de um povo: dão elas a mais eficaz proteção à agricultura e indústria, desenvolvem o comércio e a riqueza, e concorrem para a difusão dos conhecimentos úteis e consolidação dos princípios de ordem entre as diversas classes sociais. estradas Em 1796, só havia nos Estados prussianos a pequena estrada de 3½ milhas, de Berlim a Potsdam, que fosse solidamente construída e calçada; e ainda, em 1816, pouco mais havia, em todo o reino, de 500 milhas de estradas medíocres, mas empedradas e incômodas, salvo nas províncias de Westfália e do Reno, graças à dominação francesa, durante o Império de Napoleão. Atualmente, acha-se o mesmo reino cortado por 1.384 milhas de excelentes estradas, construídas segundo o método de McAdam, obra admirável em um país, onde geralmente falando, a pedra falta e o solo abunda em areia movediça, ou terra amolecida pela infiltração das águas, mormente nas províncias que se avizinham do Báltico. Ao rei Frederico Guilherme III, que visitou a Inglaterra, e ali observou os maravilhosos efeitos das estradas macadamisadas, deve a Prússia este imenso benefício. Tomando a peito a construção de iguais estradas, encarregando-a à direção das obras públicas, que faz parte do Ministério da Fazenda, e aplicando exclusivamente a este serviço uma parte das rendas do Tesouro, conseguiu abrir – nos sete anos decorridos de 1817 a [18]23 – mais de 240 milhas de estradas gerais e 77 de parciais ou municipais, com a despesa anual de 1.400.000 thalers. 183 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Não contente com este resultado, aliás satisfatório, o mesmo rei autorizou, em 1824, a Sociedade do Comércio Marítimo a empregar alguns dos seus capitães naquela construção, recebendo do Tesouro, por 12 anos, a consignação anual de 400.000 thalers para os juros e amortização das somas que fosse despendendo. Pouco tempo depois, animado do desejo de concluir, quanto antes, todas as grandes linhas de estradas, que mais necessárias fossem para o movimento comercial, ainda o mesmo rei aumentou as somas aplicadas a esse fim pelo Tesouro; e tão constante foi, que nem as enormes despesas, exigidas pelo armamento militar a que dera motivo a Revolução de 1830, nem o terror inspirado pela devastação do cólera-morbo puderam demovê-lo de tão louvável propósito, ou arrefecer o seu zelo: a obra continuou com a mesma atividade. Excitados pelo exemplo do governo, os habitantes de alguns círculos e municípios empreenderam também a construção de estradas parciais, municipais e vicinais, contentando-se com a módica renda das barreiras para juro dos capitais que despendiam e com um prêmio que o rei arbitrara a empresas tais e lhes era pontualmente dado, depois de verificada a solidez da obra. Assim, antes de falecer, em 1840, Frederico Guilherme III dotou o seu reino com 1.200 milhas de excelentes estradas, que custaram ao Tesouro 48 milhões, além da despesa anual de mais de meio milhão de thalers com a sua conservação e guarda. O rei atual, continuando no empenho de seu augusto pai, não só tem feito abrir novas estradas, como promovido a construção dos caminhos de ferro, de que logo me ocuparei: quase 200 milhas de estradas macadamisadas têm sido construídas nestes cinco anos do presente reinado. À vista dos budgets recentemente publicados, reconhece-se que o Tesouro despendeu com essa construção, nos três anos, de [18]42 a [18]44, a soma de 7.453.513 thalers, sendo calculada a despesa deste ramo especial do serviço em 2.782.000, a saber: • 1.557.000 para o material e mão d’obra da conservação, salários, pensões etc. dos inspetores e guardas das estradas; • 149.000 para ordenados, gratificações etc. dos engenheiros e mais empregados neste serviço; • 576.000 para os juros e amortização dos capitais emprestados para o mesmo serviço; e • 500.000 para abertura de novas estradas. 184 Cadernos do CHDD Segundo a exposição do atual ministro da Fazenda, a conservação, inspeção e guarda de cada milha das estradas gerais custa anualmente ao Estado 1.125 thalers e a renda proveniente das barreiras regula, também por milha, em 888 [thalers], de sorte que ao Tesouro incumbe suprir o déficit de 237 thalers por milha. Em geral as estradas reais da Prússia têm 44 pés de largura, inclusive a do caminho de verão, que não é empedrado: a sua inclinação é de oito polegadas em 12 pés, isto é, de oito em 144. O seu custo médio tem sido de 20.000 thalers por milha em chão plano e enxuto, e de 80.000 em terreno montuoso, paludoso ou cortado por águas correntes. São estas estradas percorridas por mais de 3.000 carros de largas dimensões, puxados por 18.000 cavalos, guiados por 4.400 homens, além das carruagens ordinárias e extraordinárias do correio geral, que transportam malas, viandantes e encomendas do comércio. caminhos de ferro Só em 1835 começou na Prússia a construção destes caminhos. O de Berlim a Potsdam, de 3½ milhas, que ligou estas duas residências reais, foi o que primeiro se construiu ainda em vida de Frederico Guilherme III, por empresa particular, sem outro algum auxílio do governo que o prestado pelo regulamento de julho de 1836 e lei de novembro de 1838, que – tendo em vista promover aquela e outras iguais empresas – providenciou sobre os abusos da agiotagem, regulou as desapropriações dos terrenos precisos, isentou as companhias de certos emolumentos e direitos etc. Organizando-se depois várias outras companhias, providas de capitais estrangeiros, entendeu o governo do rei atual que ao Estado cumpria dar mais enérgico impulso e mais conveniente direção aos trabalhos empreendidos por elas. Nesse intuito foi convocada em 1842 e reunida em Berlim uma junta, composta de deputações dos estados ou assembleias provinciais, a cujo exame e parecer submeteu o governo, em circunstanciada memória, um sistema geral de caminhos de ferro para todo o reino, indicando as linhas principais que deviam ligar a capital com as províncias, as fronteiras orientais com as ocidentais e os portos de mar com as cidades mais comerciais do interior; e estabelecendo o princípio de não encarregar-se o governo da sua construção e de limitar-se a auxiliar eficazmente as empresas que a quisessem fazer. Depois de profundamente discutida a matéria, consultou a junta (por 83 votos contra 14) que o auxílio mais eficaz do governo a empresas tais seria o da garantia de um certo juro a favor dos capitais que empregassem nas 185 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 construções e (por 82 votos contra 15) que, quanto aos fundos necessários para a realização dessa garantia e d’outras despesas necessárias, o país não se recusaria a sacrifícios, podendo até recorrer-se de novo à cobrança dos dois milhões de impostos, abolidos pelo rei em 1840. Dando o devido apreço a esta explícita e patriótica consulta, e à imensa importância que a questão dos caminhos de ferro adquiriu nos conselhos da política e da administração, o governo prussiano não só deu a algumas empresas a garantia dos juros de 2½ por cento, como tomou até 1/7 das ações de outras e fez, a mais de uma, empréstimos temporários de valiosas somas: tanto maior era a utilidade política ou administrativa do caminho projetado e a dificuldade de achar acionistas que o empreendessem, quanto maior foi o auxílio e solicitude do governo para levá-lo a efeito. O resultado desse empenho da parte da administração prussiana foi que, não havendo em 1816 um só caminho de ferro em atividade na Prússia, existem hoje (julho de 1846) 13 linhas desses caminhos, com a extensão de 134 milhas; acham-se em construção outras, que em 1850 deverão estender-se por mais 182; e estão em projeto e estudo ainda outras, cuja extensão será de 233: ao todo 546 milhas, que hão de pôr em contato diário todas as cidades notáveis do reino desde Aix-la-Chapelle, nas fronteiras de França, até Königsberg nas vizinhanças da Rússia; e desde os portos do oceano e do Báltico até as raias da Áustria. Além disso, ficará dentro em pouco estabelecida a comunicação direta entre aqueles mares e o Mediterrâneo pelas linhas de Hamburgo e Stettin a Berlim, Praga, Olmütz, Viena, Gratz e Trieste. Vivem ainda centenares de pessoas que, há pouco mais de 30 anos, empregavam quase um dia na jornada de Berlim a Potsdam, que agora fazem em 35 minutos. As mercadorias, que pelos canais e rios, ou pelas estradas eram transportadas em cinco dias de Berlim a Stettin, o são atualmente em pouco mais de quatro horas. Se algumas povoações e indivíduos têm sofrido com a deslocação de certas indústrias e capitais, muitas aldeias têm-se convertido em cidades, milhares de pessoas vão medrando em fortuna, a riqueza geral aumenta de dia em dia, e o bem-estar do maior número sensivelmente melhora. As despesas do Tesouro com as empresas e trabalhos dos mesmos caminhos têm sido, por ora, de pequena monta. Vê-se do último budget publicado (1844) que apenas 1.462.000 thalers são aplicados a fazer face aos empenhos de garantia de juros e outros auxílios prestados pelo governo. É mui difícil calcular com exatidão o custo de cada milha dos 186 Cadernos do CHDD caminhos de ferro construídos e em construção na Prússia. Servir-me-ei da recente estatística do barão de Reden para dar alguma ideia desse custo. O caminho de Berlim a Potsdam de 3½ milhas, iguais a 27 quilômetros, custou 5.194.000 francos; a Stettin, de 138 quilômetros, 12.372.850; a Frankfurt s[obre o] O[der], de 82 quilômetros, 10.388.000; de Breslau a Schweidnitz, 82 quilômetros, 5.442.570 etc. Segundo os relatórios e contas das diversas empresas, durante o ano findo (1845) o número de passageiros nos caminhos de ferro da Alemanha foi de 12.258.358 e o peso das diversas mercadorias transportadas chegou ao de 12.000.000 de quintais; o produto ou a receita andou por 9.553.000 thalers, pertencendo à Prússia mais de metade. canais Este meio, econômico e seguro, para facilitar o transporte dos produtos da agricultura e indústria, foi o de que mais se ocuparam os últimos eleitores de Brandenburgo, e primeiros reis da Prússia. Nem podia deixar de vir-lhes ao pensamento o comunicar, por valados, os três grandes rios – Vístula, Oder e Elba – que banham a região oriental da monarquia, deslizando-se através de extensas planícies, sem cachoeiras que obstem à sua navegação, nem Montes intermediários que dificultem a passagem d’uns para outros leitos. Assim, com o andar dos tempos, foram abertos, em diversas épocas, os seguintes canais: o de Natze, que une o Vístula ao Wartha, confluente do Oder; o de Frederico Guilherme, que liga o Oder ao Spree (em cujas margens se acha Berlim) que deságua no Havel e, este, no Elba. Além destes grandes canais, outros há secundários, a saber: quatro no vale do Vístula; três, no do Oder; seis, no do Elba; e um (o de Münster) que vai ter ao rio Vechte e, este, ao Zuiderzee, na Holanda. Nos referidos grandes rios da parte oriental e canais que os ligam, assim como no Ens e Reno da parte ocidental, navegam durante seis a oito meses do ano 10.960 barcos, com a capacidade de 576.000 toneladas e 40.000 pessoas de tripulação. Quem refletir no complexo de tão numerosas vias de comunicação – por água, calçadas e trilhos de ferro – poderá explicar facilmente os rápidos progressos que a agricultura e a indústria têm feito nos Estados prussianos, de 1816 para cá. Graças à solicitude verdadeiramente paternal do defunto rei e à paz da Europa, tem conseguido a Prússia elevar-se a um grau eminente de prosperidade. Não concluirei este § sem mencionar um fato, que talvez concorra para tranquilizar os ânimos avessos à construção de caminhos de 187 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ferro e à navegação por vapor, pelo receio do mal que possa daí vir a muitas indústrias e ocupações particulares. O número dos carreiros, alugadores de seges e barqueiros cresceu na Prússia, de 1830 a 1845, na razão de 58%! E o número dos barcos, empregados na navegação dos rios, e canais, que era de 6.821 no ano de 1839, elevou-se ao de 11.282 no de 1845! Isto consta da estatística oficial, cuja exatidão, ou esmero na perfeição dos trabalhos, ninguém contesta na Alemanha. § 6° – agricultura e criação de animais Era d’antes o solo da Prússia o patrimônio exclusivo da Coroa e dos nobres: a quem não pertencia à classe destes era vedado adquirir terras em propriedade, podendo, sim, possuí-las por títulos mais ou menos precários e debaixo de condições mais ou menos onerosas. Por isso, a maior parte das terras cultiváveis apenas achavam-se aproveitadas por paisanos7 ou lavradores, que se obrigavam por contratos, ou a trabalhar em certos dias por conta do respectivo senhor, ou a ceder-lhe metade dos frutos, ou a pagar-lhe certa renda em dinheiro ou gêneros. E contratos havia que asseguravam esta espécie de domínio útil a algumas famílias hereditariamente; a certas pessoas vitaliciamente; e a outras por prazos mais ou menos longos. Mas, em todos os casos, debaixo das condições e ônus acima indicados, e das penas de comisso, como é de praxe. Está visto que, em circunstâncias tais, os lavradores, geralmente falando, não tiravam do seu trabalho mais que uma escassa subsistência, nem podiam esmerar-se no melhoramento de terrenos, que em certas hipóteses e de um dia para outro, deixariam de pertencer-lhes: daí a falta de alento ou estímulo, e de capitais e crédito para desenvolvimento da cultura. Desejando remediar esse mau estado de cousas, Frederico, o Grande autorizou a fundação de caixas – os bancos hipotecários – para o fim especial de fazer empréstimos, a juro módico e lenta amortização, aos lavradores ou possuidores de terras. Bem que algum tanto melhorasse, por efeito dessa providência real, todavia a agricultura – longe de avantajar-se e progredir – permaneceu quase estacionária, até que uma calamidade pública e um golpe d’estado vieram tirá-la do abatimento em que se achava. A derrota de Iena, em 1806, pondo em evidência quanto convinha interessar as massas populares na defesa do país e sua independência, inspirou ao rei Frederico Guilherme III a abolição, em 1807, do princípio feudal que excluía a quem não era nobre do domínio direto 7 No sentido de camponês, aldeão. 188 Cadernos do CHDD das terras. E, como isso não tivesse bastado para o fim que se queria e fosse urgente consegui-lo antes da grande coalizão já premeditada, o mesmo rei decidiu-se, quatro anos depois, a tomar a mais vigorosa e extrema medida. Pelo Édito Real de 1811 foi decretado que os lavradores ou paisanos, que possuíssem o domínio útil, ficassem com a plena propriedade das terras, uma vez que cedessem aos respectivos senhores a terça parte das que possuíssem por título hereditário e a metade das possuídas por título vitalício, ou arrendamento de longos prazos, ficando – em ambos os casos – com o pleno domínio e, por consequência, isentos de qualquer ônus, prestação, renda etc. Esta resolução extraordinária, que, apesar de fundada em boas razões, não seria tomada por nenhum dos parlamentos que atualmente legislam, deu o mais enérgico impulso à agricultura da Prússia: como é natural, aos novos proprietários não faltou desde então nem atividade, nem zelo pelo melhoramento dos diversos ramos da economia rural. Além desta radical providência, outras foram dadas em benefício da agricultura. A construção de açudes, canais de irrigação e, sobretudo, a de novas estradas, que facilitaram os transportes e o consumo dos produtos da terra; a maior expansão dada às instituições de crédito, que fizeram avanços de capital, debaixo de condições moderadas; a duração da paz, que, amiga das artes, contribuiu para o aperfeiçoamento d’alguns processos agrícolas; a organização do Zollverein, que concorreu para o desenvolvimento da indústria nacional e converteu a Alemanha, d’antes fracionada em 40 Estados rivais, num vasto mercado comum para todos, foram outras tantas medidas de poderoso fomento e eficaz proteção a esta principal fonte de riqueza das nações. Além disso, o governo em sua constante solicitude não cessa de promover por meios diretos o progresso da agricultura. Há na capital uma “junta de economia rural” – composta de um diretor e 14 membros ordinários, além de um número indefinido de extraordinários e correspondentes, que pela maior parte residem nos diferentes círculos das províncias, homens em geral versados em ciências naturais, economia rústica, estatística, artes etc. – à qual incumbe: •consultar ao governo sobre todos os negócios relativos à cultura e aproveitamento das terras; •propagar o conhecimento e auxiliar a aplicação de novos processos e máquinas, que melhorem a produção e facilitem o trabalho de campo; •dirigir as sociedades agrícolas das províncias, e servir de intermediária entre elas e as autoridades competentes, em tudo que respeita a questões de bem comum. 189 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Reúne-se em sessão ordinária uma vez por mês e, em extraordinária, sempre que o diretor a convoca. E assim medra a agricultura na Prússia, onde aliás a imposição, ou taxa fiscal sobre as terras, é, além de pesada, desigual e odiosa. São as terras ali classificadas em equestres e comuns: aquelas, possuídas pelos nobres, pagam menor taxa que as segundas, possuídas pelos demais cidadãos. Na Westfália e Renânia, onde a dominação francesa melhorou o sistema fiscal, a taxa territorial não excede de 20% do produto da lavoura e pesa igualmente sobre todos os proprietários; mas, nas outras províncias, não só é aquela taxa desigual, como exorbitante em algumas. Na da Prússia, propria[mente], as terras equestres pagam 25% e as comuns de 30 a 50%; na da Pomerânia, pagam as primeiras 24, e as segundas 33; na da Silésia, pagam aquelas 28 e estas 33. Na da Saxônia e da Pomerânia pagam as equestres uma quantia fixa de 20 a 40 thalers por herdade ou fazenda, que em geral equivalem a um e 2%, enquanto as comuns (sobretudo na última destas províncias, cujo sistema de imposição é ainda o mesmo que existia no século XIV) pagam de 17 a 76%! Não pôde, pois, o bom rei que extinguiu o senhorio feudal das terras, repartir a taxa direta que sobre elas devia pesar: limitou-se a prometer, no Édito Real de 1810, que os estados ou assembleias provinciais, que seriam estabelecidas, tratariam da revisão da mesma taxa, para o fim de igualá-la e estendê-la a todas as províncias. Existem porém estes estados, ou assembleias, há mais de 20 anos e ainda não foi cumprida a promessa feita há mais de 30! Não obstante isso, ou apesar dessa imposição por demais odiosa e não pouco gravosa, a agricultura tem-se avantajado e progride não só nos Estados prussianos, como em geral na Alemanha, onde as condições da lavoura são as mesmas, salvo uma ou outra exceção aqui e acolá. E deste fato, que tem lugar numa região de 40 milhões de habitantes, assim como à vista do imposto territorial em vigor na Bélgica, França etc., é lícito concluir que a agricultura não é esmagada pelo fisco e, sim, pela falta de estradas e capitais a juro razoável; e que a verdadeira proteção que se lhe deve não consiste em aliviá-la de imposto e sim em proporcionar-lhe os meios de transporte barato e venda pronta dos seus produtos. A qualidade das terras nos Estados prussianos é vária e desigual. No Brandenburgo e Pomerânia, a vista perde-se sobre imensas planícies de área esbranquiçada, ou de extensas charnecas, que apenas se revestem de ervas inúteis e nem sempre admitem a plantação de pinhais; mas tal é a excelência dos métodos de cultura, que nas margens dos rios 190 Cadernos do CHDD e lagos, e em muitas paragens, existem searas de toda a espécie, matas vigorosas, prados artificiais abundantes, pomares, hortas e jardins. Na Prússia oriental e ocidental, e na Posnânia é o solo menos ingrato e produz grande cópia de cereais e madeiras. Na Westfália há vales assaz férteis, mas em geral o terreno é árido e pedregoso, sobretudo nas colinas e montes, onde a produção é mui escassa. Na Silésia, Saxônia e Renânia, a natureza foi mais propícia: o solo nestas ricas províncias é, com raras exceções, fértil e azado para toda a espécie de lavoura, inclusive a das vinhas, que floresce na parte superior da última. As planícies de Magdeburgo, regadas pelo Elba, e algumas terras da Lusácia passam por ser as de maior uberdade e a agricultura nestes distritos pode servir de modelo a qualquer país. Segundo a estatística de Hoffmann, a superfície total da monarquia prussiana, afora a parte ocupada pelas cidades, povoações e edifícios dispersos, é de 107.765.000 morgen8, que se distribuem do modo seguinte: • • • • • • terra arável em atual cultura – 44.000.000 pastos – 21.000.000 matas e bosques – 24.000.000 pomares, hortas e jardins – 464.000 vinhas – 41.000 rios, lagos, rochas e areais – 18.000.000 A quantidade e valor dos produtos agrícolas no Reino da Prússia,10 no ano de 1843, como demonstra a estatística oficial, foi o seguinte:11 9 Produtos Trigo – scheffel 9 Centeio “ Aveia “ Cevada “ Vinho – eimer 10 Beterraba – centener 11 Tabaco “ Oleaginosos – libras de azeite Batatas – centener Soma e valor: Quantidade 21.000.000 67.000.000 80.000.000 10.000.000 472.000 4.000.000 361.000 54.000.000 1.023.000.000 Val[or] em thalers 37.500.000 84.866.000 53.333.000 9.333.000 8.970.000 4.333.000 2.167.000 11.000.000 341.000.000 552.502.000 8 O morgen é igual a 180 ruthen quadrados; o ruthen, a 12 pés da Prússia; o pé, a 12 polegadas; e a polegada, a 144 linhas. (N.A.) 9 O scheffel é igual a 0,993 de fanega, ou a quase quatro alqueires nossos.(N.A.) 10 O eimer, igual a 80 garrafas ou a 20 medidas nossas.(N.A.) 11 O centener, igual a 108 libras nossas.(N.A.) 191 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Quanto às batatas, cujo valor corresponde a 3/5 do total produzido pela agricultura prussiana, ninguém pensou, há 50 anos, que essa humilde túbera, vinda dos sertões da América, se avantajaria ao ponto de exceder em importância à massa reunida de todos os outros produtos da terra, não somente nos estados da Prússia, como em outros da Europa. No consumo, esta enorme porção de batatas é distribuída assim: • • • • 128.000.000 para sustento do povo; 768.000.000 para o dos animais; 113.000.000 para as sementeiras; e 14.000.000 para a destilação de bebidas espirituosas. Aos produtos acima referidos acresce o do linho, que avulta em algumas províncias da Prússia: omiti-o, por não encontrar a sua produção estimada em nenhuma das publicações estatísticas que consultei. Posto que nos últimos dez anos a sua importação tenha sido maior que a exportação, como o atestam documentos oficiais, todavia é certo que a sua plantação e colheita ocupa uma boa parte da população agrícola. a criação de animais A criação dos animais úteis não tem prosperado na Prússia tanto quanto a cultura das suas terras, geralmente falando. Das diferentes espécies, somente duas – a dos carneiros e cavalos – têm melhorado consideravelmente. Ao eleitor Frederico Augusto, primeiro rei da Saxônia, que há 60 anos introduziu nos seus estados a raça dos merinos da Espanha, deve a Alemanha todo o melhoramento havido na criação dos carneiros. As províncias prussianas vizinhas da Saxônia, como a Silésia e Brandenburgo, participaram logo dos efeitos dessa introdução e o interesse que acharam os proprietários de terras na produção da lã, vendida sempre por alto preço, fomentou a propagação da mesma raça por outras províncias. O produto anual da lã no território prussiano já passa de 42.000.000 de libras, que valem 21.000.000 de thalers; e criadores há na Silésia, que já apuraram a renda de 60.000 thalers em cada tosquia. O número dos carneiros que existiam na Prússia, em 1843, elevava-se ao de 16.235.000. A necessidade de prover a remonta e serviço do seu numeroso exército concorreu para que o governo prussiano se tenha esmerado em melhorar algumas raças de cavalos. Em cada província há uma coudelaria real, onde os criadores particulares podem obter por cômodo 192 Cadernos do CHDD preço os garanhões escolhidos; e, por este meio, vai-se geral e sensivelmente melhorando as raças destes animais, tão úteis na guerra, como na paz. Subia o número dos cavalos, existentes em 1843, na Prússia, ao de 1.564.000. Pelo que toca às outras espécies de gado, bem que tenham aumentado em número, parece, contudo, que não se acham tão melhoradas no território prussiano, como na Inglaterra, Holanda e Bélgica. § 7° – indústria e mineração Pode-se asseverar, que a indústria atual da Prússia, progressiva e já florescente, como se ostenta, é o resultado de três causas de recente data: da lei de 1818, da paz que dura há 30 anos e da organização do Zollverein. É certo que algumas das belas artes e muitas das mecânicas haviam sido introduzidas e iam medrando nos estados prussianos antes de 1818. O acolhimento feito pelo grande eleitor e pelos dois primeiros reis, seus sucessores, aos huguenotes expulsos de França pelo Édito de Nantes, deu origem à célebre colônia francesa, composta de fabricantes laboriosos e amestrados, que se estabeleceu em Berlim e deu o primeiro impulso à indústria na província de Brandenburgo. E o desvelo com que Frederico, o Grande protegeu essa indústria nascente, abrindo algumas estradas, embora medíocres, fundando a Sociedade do Comércio Marítimo, restringindo a saída das matérias-primas e dificultando a entrada das manufaturas estrangeiras, não contribuiu pouco para o estabelecimento de várias fábricas, em geral imperfeitas e por conta do Estado, em várias províncias, principalmente nas da Silésia e Pomerânia. Mas também é certo que, fosse pelas perturbações e guerras da Revolução Francesa, ou pela afeição particular dos prussianos à cultura do campo, nunca a Prússia deixara, até aquela época, de receber do estrangeiro todos os artefatos agradáveis à vida e a mor parte dos necessários para o uso comum dos seus habitantes. Pelo que ninguém se recusará a admitir, que o pasmoso melhoramento atual da indústria prussiana seja devido às causas acima indicadas. Vejamos como obraram elas. A lei de 26 de maio de 1818 – posto que adotasse o princípio da liberdade do comércio, assim na exportação de quaisquer produtos nacionais, como na importação de todos os produtos estrangeiros, menos sal e cartas de jogar, monopólios do Estado – admitiu, contudo, o sistema de proteção à indústria doméstica, já seguido por 193 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 outras nações. E enquanto a Inglaterra, a França, a Áustria e a Rússia recorriam a proibições e a excessivos direitos para o fim de assegurar aos produtores nacionais todo o mercado interior, com exclusão mais ou menos absoluta dos produtores estrangeiros, a Prússia – mostrando-se nimiamente moderada – limitou-se ao princípio de favorecer a indústria própria até o ponto de habilitá-la a concorrer com a estrangeira no consumo doméstico, concorrência que, em vez de fatal, pareceu-lhe saudável ou conveniente para o aperfeiçoamento da fabricação interior. De acordo com este princípio, a tarifa das alfândegas estabeleceu, além do direito de entrada das mercadorias, outro de consumo, equivalente a 10% do valor das mesmas, como proteção suficiente à indústria do país. Mas esta proteção, fraca e suave como se anunciava, tornou-se realmente forte e pesada, pelo método seguido no lançamento, fixação e arrecadação d’um e d’outro direito, reunidos hoje debaixo do nome de importação. No lançamento, atendeu-se, quando se organizou a tarifa, à teoria corrente, entre os economistas alemães, que divide as mercadorias importadas em quatro grandes classes: 1o. nas que o país não produz, como chá, café, arroz etc.; 2o. nas que também produz como açúcar, vinho, tabaco etc.; 3o. nas que servem de matérias-primas, sejam brutas, como peles, algodão em rama etc., sejam fabricadas incompletamente, como o fio d’algodão, açúcar purgado etc.; e 4o. nas que consistem em manufaturas, ou artigos completamente fabricados. Estas classes foram subdividas pela tarifa em gêneros somente, ficando omissas as diversas espécies ou qualidades: por exemplo na classe “manufaturas” compreendem-se em geral tecidos de lã, d’algodão, de seda etc., sem que se faça menção de qualidade fina, entre-fina, grossa etc. Na fixação, prevaleceu a regra de elevar o imposto ao máximo sobre os produtos da 1ª classe, em benefício exclusivo do fisco e, sobre os da 2ª, em vantagem do mesmo fisco e proteção à cultura doméstica; ao médio, sobre os da 4ª, em proteção à indústria do país; e ao mínimo, sobre os da 3ª, em favor do desenvolvimento da fabricação nacional. Na arrecadação, enfim, adotou-se em geral o peso e, algumas vezes, o número e a medida, mas nunca o valor dos produtos, como base para a percepção do imposto. 194 Cadernos do CHDD Este método de lançar, fixar e arrecadar os direitos – preferido como mais expedito e econômico – tornou-se eminentemente favorável ao sistema protetor: o imposto sendo fixo, ou sempre o mesmo, em vez de diminuir, aumentava-se quando as manufaturas caíam de valor, por efeito de ulterior aperfeiçoamento das máquinas e processos industriais; e sendo uniforme sobre espécies ou qualidades de diferentes valores, passava de moderado a ser pesadíssimo, a respeito das manufaturas ordinárias e necessárias para o consumo das classes menos abastadas do povo. Um exemplo bastará para ajuizar-se da exorbitante proteção, que a tarifa, ainda em vigor, dá à indústria prussiana: no gênero tecidos d’algodão, cujo direito fixo e uniforme é 11 thalers (hoje 50) por centener, segundo a demonstração feita por Junghanus, a teia mais fina, a cambraia, paga por 12% e a mais ordinária e grosseira 165%. À vista disso, fácil é reconhecer a poderosa animação, que a citada lei de 1818 e a tarifa organizada para a sua execução, deviam dar à indústria interna da Prússia. Assegurando aos fabricantes domésticos o consumo das manufaturas mais necessárias para uso da mor parte da população, devia a mesma lei provocar o estabelecimento de fábricas que, começando pela produção lucrativa de artefatos ordinários, em poucos anos ganharam força e habilitaram-se para concorrer, como já o fazem, com os fabricantes estrangeiros na produção dos finos. Foi, pois, esta a principal causa do prodigioso aumento da indústria na Prússia. Depois, a paz geral concorreu também para esse aumento, dando alimento às artes e ciências, que derramaram conhecimentos úteis pelas massas populares e acumularam, mormente nas cidades, certo capital de inteligência, mais necessário que o de dinheiro, para o bom êxito das empresas industriais; permitindo grande redução nas despesas do Estado, que habilitara o governo a atender aos melhoramentos materiais do país e à construção de muitas obras públicas, favoráveis – senão indispensáveis – para o desenvolvimento das mesmas empresas; e retirando das oficinas de guerra, das guarnições reforçadas e dos campos de batalha grande número de braços robustos, que supriram vantajosamente o trabalho das fábricas. Por fim a organização do Zollverein, não deixou de contribuir poderosamente para o mesmo aumento, destruindo as barreiras ficais que paralisavam o movimento do comércio entre 40 Estados independentes, modificando certos monopólios, igualando a moeda circulante, abrindo um grande mercado comum e alargando o campo do consumo de mui variados produtos da fabricação doméstica. 195 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Atualmente acham-se em atividade na Prússia o seguinte número de estabelecimentos fabris: De fiação d’algodão, lã e linho – com [630.909 fusos] Teares de lã, linho, seda, e fitas, em grande ........................................................em pequena escala Moinhos, ou engenhos movidos por água, vapor etc. Cervejarias e alambiques Refinarias e fábricas de açúcar de beterraba Fábricas de fundição e obras de ferro, e cobre em grande [sic] Ditas de preparações e produtos diversos 4.102 123.210 291.420 26.383 19.719 139 1.258 746 Segundo a estatística oficial, trabalhavam nos referidos estabelecimentos: Mestres e oficiais – 410.222; Operários ou jornaleiros – 358.228. riqueza mineral A riqueza mineral da Prússia, posto não seja igual à de outros Estados, mesmo da Europa, é todavia maior do que se devia esperar da sua constituição geológica. O ferro e o carvão de pedra constituem os dois mais valiosos ramos de sua mineração. O primeiro, extraído mais ou menos em todas as províncias, abunda na Renânia, Westfália e Silésia, onde há as notáveis minas e fornos de Schmiedeberg, Tarnovitz, Sprottau e outras. O segundo, menos copioso que o ferro, só é extraído nas três referidas províncias e na de Saxônia. Depois destes, o zinco e o sal, constituem outros dois ramos importantes da indústria mineira: a sua exploração é feita em maior ou menor escala em todas as províncias, à exceção da própria Prússia e [da] Posnânia, sendo a Silésia a que produz mais zinco, e a Saxônia mais sal. O âmbar, que foi tão estimado como o ouro, é ainda hoje colhido nas costas da própria Prússia e na extensa restinga que se prolonga entre o Báltico e o lago Kurische. Em suma, o cobre, chumbo, alguma prata, cobalto, arsênico, antimônio, magnésia, alumina, vitríolo, pedra de cal, gesso e diferentes argilas são extraídos nas diversas províncias e produzem, reunidos, um valor superior ao do carvão de pedra. Foi a mineração antigamente uma espécie de prerrogativa especial da Coroa: só ao soberano – por seus delegados e pessoas particulares, ou associações por ele autorizadas – era lícito aproveitar as riquezas 196 Cadernos do CHDD escondidas nas entranhas da terra. Várias companhias foram estabelecidas no reinado dos eleitores e dos primeiros reis da Prússia, para dirigir, por conta do Estado, em comum com certas operações comerciais, os trabalhos da mineração. Sendo malsucedidas, empenhou-se Frederico, o Grande em fundar uma que, aliando os interesses públicos com os particulares, tivesse mais esperanças de bom êxito. Foi, portanto, criada por ele em 1772 a Sociedade de Comércio Marítimo que, com algumas e profundas modificações, ainda existe e serve de banqueiro e agente comercial do governo: dela tratarei no artigo finanças. A esta sociedade compete a gestão dos trabalhos mineiros por conta do governo e a direção dos numerosos estabelecimentos fabris, que tem fundado e alimenta.12 É, porém, fora de dúvida, que a mineração prussiana podia achar-se mais desenvolvida e ser mais produtiva do que é atualmente. A intervenção imediata do governo, benéfica e necessária na infância dessa indústria, não deixa de ser hoje um obstáculo para o seu aperfeiçoamento e maior vantagem. Inegavelmente, as máquinas e processos em uso atual nos estabelecimentos do Estado não têm acompanhado, como nos particulares, o progresso que as ciências e artes têm feito nos últimos 30 anos. E este fato, notado em uma administração sábia e solícita como a prussiana, seria prova bastante, quando outras faltassem, de que vai errado o governo, que ainda teima em exercer por sua contra outra indústria que não seja absolutamente necessária para assegurar, em todo tempo, a defesa da independência e do território nacional. Da estatística oficial consta que, atualmente, trabalham 5.768 estabelecimentos de mineração, empregando 80.192 mineiros, aos quais acompanham 182.251 pessoas de suas famílias. A renda proveniente destes estabelecimentos (em 1844) elevou-se a 32.800.000 thalers, dos quais 19.200.000 couberam à Sociedade de Comércio Marítimo ou ao Estado e 13.600.000, aos particulares. Do total desta renda pertence à mineração do ferro 17 milhões, à do carvão mais de 5, à do zinco mais de 2, à do sal mais de 1, e a dos outros produtos quase 6. Havendo tratado do comércio da Prússia na minha informação acerca do Zollverein, dispenso-me de o fazer aqui.13 12 O reino é dividido em cinco distritos de mineração, havendo conselhos de direção em cada um, com os quais entende-se a mesma sociedade.(N.A.) 13O texto que se segue foi extraído da documentação oficial, que integra o primeiro volume da Missão Especial de Miguel Calmon du Pin e Almeida. 197 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 o que seja zollverein14 § 1º. – Sua origem El-rei da Prússia, tendo 23 encravações de pequenos Estados soberanos dentro de seu reino, circunstância que o obrigava a manter outras tantas linhas de alfândegas ao redor delas, sem todavia poder vedar o contrabando, lembrou-se de propor aos príncipes, a quem pertenciam as ditas encravações, a adoção de um sistema fiscal uniforme e comum que, dispensando as linhas no interior, exigisse apenas a conservação da existente nas fronteiras da monarquia. Para realizar este pensamento, tratou de resolver as três maiores dificuldades que se lhe opunham, a saber: yy a da partilha das rendas yy a da manutenção dos respectivos direitos de soberania e yy da continuação de certos monopólios e interesses locais. Logo que deparou com o meio de resolvê-las15 celebrou, em 1819, o primeiro tratado de união de alfândegas com o príncipe de Schwarzburg Sondershausen e, tão feliz foi este ensaio que, por iguais e sucessivos tratados, conseguiu, antes do fim de 1831, associar ao seu sistema de alfândegas e de comércio, não só todas as outras encravações, como os Estados da Hessia Grã-Ducal e Eleitoral, e mais alguns menos consideráveis. Assim se formou a primeira união de alfândegas, chamada prussiana, ou da Alemanha Oriental. O exemplo da Prússia foi seguido pelo Reino de Württenberg, que formou outra união em 1824 com os principados encravados de Hohenzollern e depois com o Reino de Baviera; tomando esta segunda liga o nome de União de Alfândegas da Alemanha Ocidental. Foi ainda seguido o mesmo exemplo, e também por motivos de recíprocas encravações, pelos principados saxões da Thuríngia, que formaram em 1826, a terceira liga de alfândegas, que se denominou União da Thuríngia, ou da Alemanha Central. § 2º. – Sua extensão As três uniões acima referidas fundiram-se em uma só no ano 14 Explicação da minuta: observarei previamente que na redação omiti de propósito vários artigos, que aliás se acham em nossos anteriores tratados, porque alguns me pareceram supérfluos, e pouco dignos de entrarem hoje numa convenção entre nações cultas, e outros julguei-os mal cabidos numa estipulação com o Zollverein, potência meramente comercial, cuja existência depende duma união temporária. Assim, não tratarei de imunidades diplomáticas, nomeação e exequatur de cônsules, e liberdade de consciência, contrabando de guerra, extradição de criminosos etc. (N.A.) 15 Veja-se a diante § 3º (2ª, 6ª, 7ª e 8ª).(N.A.) 198 Cadernos do CHDD de 1833 e constituíram o atual Zollverein, que por isso e por ulteriores reuniões de outros Estados alemães, compreende não só os territórios da Prússia, Baviera, Württenberg, as duas Hessias e a Turíngia, como a Saxônia, Nassau, Cidade Livre de Frankfurt, Baden, Brunswick e Luxemburgo, país pertencente à Holanda e o último que se reuniu, em 1842. Estende-se, pois, o Zollverein por toda a Alemanha, à exceção das seguintes frações: Áustria própria, Boêmia, Meklenburg, Hanover, Oldenburg, Cidades Hanseáticas de Hamburgo, Bremen e Lübeck, e o Holstein, país pertencente à Dinamarca. § 3º. – Sua constituição O tratado de 22 de março de 1833 entre a União Oriental e Ocidental, e as convenções ulteriores que o têm desenvolvido, formam o corpo de leis que regem o Zollverein. Suas disposições mais substanciais são16: 1ª - Uniformidade, em todos os Estados que se uniram, de regulamento de alfândegas, de pauta de direitos de importação, exportação e trânsito, de pesos e medidas, e de moeda. Como padrão desta fixou-se o marco de prata de 333.855 gramas, dividido em 14 thalers, moeda da União Oriental e Central, e em 24½ florins, moeda da União Ocidental. Além disso, para facilitar ainda mais as operações comerciais entre os Estados e o pagamento dos direitos em todo o Zollverein, estabeleceu-se a moeda da associação de curso geral, valendo cada uma 2 thalers ou 3½ florins, e devendo ser cunhada em certa proporção por todos os coestados. 2ª - Liberdade de comércio interior, podendo os produtos d’um Estado entrar no território do outro sem pagamento de direito algum, à exceção: a) dos artigos de estanco em alguns Estados, como cartas de jogar e sal, conservando cada Estado, a respeito deles, as suas leis proibitivas e restritivas, e empregando por sua conta os meios necessários para a execução delas; e devendo, quanto ao sal, haver sempre acordo especial sobre o modo de introduzi-lo em algum Estado que tenha de ser suprido por outro, ou mesmo pelo estrangeiro, a fim de não prejudicar aos demais Estados; b) dos gêneros de produção comum, que são livres em um Estado e sujeitos a imposto em outro, ou que pagam menor em um, e maior 16 Foram compiladas à vista do tratado e convenções, e dos escritos de MacGregor e de Nourais e Beris.(N.A.) 199 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 em outro; sobre os quais (enquanto não houver na imposição interior a necessária uniformidade, a que se comprometeram todos os coestados) tem de recair o direito de compensação, que consiste em cobrar-se a favor do Estado para onde se remete, no primeiro caso, todo imposto a que nele estiverem sujeitos os gêneros semelhantes de própria lavra; e, no segundo, a diferença entre o menor imposto do Estado donde se remete e o maior do outro que tem de receber; limitando-se porém o direito de compensação aos seguintes gêneros: cerveja, cevada em maceração, tabaco indígena em folha, aguardente, vinho e mosto; c) de objetos semelhantes aos produzidos em virtude de patente ou exclusivo concedido por algum Estado, cuja introdução seja vedada, durante o tempo do dito exclusivo no território do mesmo Estado. 3ª Liberdade de trânsito em toda a união, sendo os produtos de um Estado, na sua passagem por outro, sujeitos somente, quando por estradas e caminhos de ferro, a taxa indispensável para sua conservação e reparo, e igual para todos; e quando por canais e rios, ao direito estabelecido pelas convenções em vigor para a navegação daqueles que foram declarados livres pelo Congresso de Viena, ou ao que for marcado pelos respectivos governos para o daqueles que o não foram, contanto que seja igual para todos e cessando quaisquer outras taxas, direitos ou alcavalas cobradas à entrada das cidades, ou pelo uso de calçadas, abertura de portos etc. 4ª Os portos prussianos do Báltico são considerados portos do Zollverein, e os súditos, navios, e produtos de qualquer coestado igualados em tudo aos da Prússia; assim como os cônsules de um Estado em portos ou cidades estrangeiras devem proteger e servir aos súditos dos outros Estados, como se fossem nacionais. 5ª Para a arrecadação e fiscalização das rendas da união, há em cada Estado da fronteira o número preciso de alfândegas, e uma ou mais juntas fiscais que as dirigem e lhes tomam as contas, sendo os empregados de umas e outras nomeados e pagos, segundo o regulamento comum, pelo respectivo Estado. As juntas fiscais, no fim de cada quartel, devem remeter as contas tomadas a outra, denominada junta central, composta de empregados de todos os co-Estados, à qual compete revê-las e refundi-las em uma 200 Cadernos do CHDD conta geral para ser enviada a cada Estado e ao Congresso. É licito a qualquer Estado ter um comissário seu na alfândega ou junta fiscal que lhe parecer, a fim de tomar nota das suas operações. 6ª Por um cartel reciprocamente estipulado entre os Estados, os empregados das alfândegas de um podem perseguir os contrabandistas dentro do território de outro; competindo todavia às justiças locais as diligências de busca, tomadias, prisões e o processo dos indiciados; pertencendo ao Tesouro do respectivo Estado as multas incorridas pelo contrabando, depois de deduzida a parte que couber ao denunciante ou apreensor, e ficando reservado ao respectivo soberano o direito de perdão, de cujo exercício dará sempre conhecimento aos outros Estados. 7ª Da renda comum bruta são, deduzidas: d) as despesas feitas a bem do interesse geral, e com a escolta de mercadorias até a fronteira estrangeira, ou até o limite interior de um dos Estados etc. e) as restituições por causa de erros de cálculo e outros enganos na arrecadação dos direitos. f) as gratificações dadas, ou despesas extraordinariamente feitas por acordo entre os Estados. 8ª A renda comum líquida é dividida entre os Estados, segundo a população de cada um, cujo número deve ser verificado de três em três anos, e a verificação comunicada por cada um a todos; levando-se porém à conta do quinhão de cada Estado a importância dos direitos que deixarem de ser cobrados sobre objetos introduzidos para uso da respectiva casa soberana, ou dos diplomatas acreditados na respectiva corte, ou dos príncipes mediatizados e outros privilegiados residentes no respectivo território; o valor de tais objetos deve ser declarado sempre no ato do despacho livre de qualquer alfândega. 9ª No primeiro de junho de cada ano deve reunir-se o Congresso do Zollverein, composto de plenipotenciários de todos os Estados, os quais nomearão dentre si o respectivo presidente; sendo o lugar da primeira reunião a cidade de Munique, e das seguintes a que for designada na sessão anterior, pelo mesmo Congresso, cujas atribuições são g) resolver as dificuldades e corrigir os defeitos que aparecerem na 201 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 execução do tratado e convenções orgânicas do Zollverein e não tiverem sido resolvidas ou corrigidas, durante o ano, por acordo entre os ministérios dos Estados; h) fazer a partilha, em divisão, da renda comum entre os Estados à vista das contas das alfândegas, tomadas pelas juntas fiscais e revistas pela central; i) deliberar sobre quaisquer propostas apresentadas por algum Estado, quer para alteração da tarifa ou do regulamento das alfândegas, quer para o melhoramento da arrecadação fiscal, e maior desenvolvimento da indústria e comércio da União. Cada Estado tem um voto.17 10ª O Zollverein deve durar até o 1.º de janeiro de 1842 (diz o tratado de 1833); mas se dois anos antes da terminação deste prazo nenhum Estado quiser o contrário, durará por mais 12 anos, e assim por diante de 12 em 12 anos.18 § 4º. – Sua representação no exterior Nenhuma convenção, ou ato público, tem até agora indicado qual dos soberanos do Zollverein o deva representar em suas relações com as outras potências. Entretanto, el-rei da Prússia, sem dúvida por acordo confidencial dos co-Estados, é quem dirige e tem concluído em nome da União as negociações dos tratados e convenções comerciais já celebradas pelo Zollverein com a Holanda em 1839, com a Inglaterra em 1841, e com a Bélgica em 1844. Mas o gabinete prussiano não assina nem ratifica esses tratados sem o consenso dos outros da União. § 5º. – Sua população Segundo o último censo oficial, feito no fim de 1843, a população dos Estados que formam o Zollverein eleva-se a 28.498.625 habitantes[...]. § 6º. – Portos e marinha mercante O Zollverein tem, como naturais, os portos da Prússia situados sobre o Báltico, sendo os mais notáveis Memel, Königsberg, Pillau, Elbing, Dantzig, Kolberg, Stettin e Stralsund. Além destes, tem como indispensáveis os portos situados sobre o Oceano Germânico, que 17Os estados são 12 e assim tanto peso e direito no Congresso tem a Prússia com 15 milhões de habitantes, como Frankfurt com apenas 66.000. Sem esta igualdade, o Zollverein não existiria.(N.A.) 18 Acha-se, portanto, no quarto ano da primeira continuação por mais 12.(N.A.) 202 Cadernos do CHDD apesar de estranhos, servem-lhe contudo, por via dos rios e caminhos que a eles vão ter, como de entrepostos para sua importação e exportação; e tais são Hamburgo, na foz do Elba; Bremen, na do Weser; Emden, na do Esm; Amsterdam, que se comunica com o Reno; Roterdam sobre o Mensa; e Antuérpia, sobre o Escalda, que também se comunica com o Mensa e o Reno. Estes últimos portos, à exceção do de Antuérpia, têm sido igualados aos primeiros ou naturais, em todos os tratados feitos com o Zollverein. A marinha mercante do Zollverein, que é a prussiana, compõe-se [...] de 795 navios de todas as dimensões, e de 58 vapores; daqueles, a mor parte se emprega na cabotagem e somente a menor serve para longo curso; e, destes, não há um só que se destine a outra navegação que não seja a costeira do Báltico e a fluvial19. § 7º. – Rios e outras vias de comunicação O Zollverein é banhado pelos seguintes rios navegáveis, que deságuam – os quatro primeiros – no Oceano Germânico e – os quatro últimos – no Báltico: 1º, o Reno, navegável desde alguns portos da Holanda até Basileia, na Suíça, atravessando a Prússia-Renana, Nassau, Hessia Grã-Ducal, Palatinado ou Baviera-Renana e Baden, e tendo por principais tributários o Meno e o Nekar; 2º, o Ems, navegável desde Emden até perto de Münster, atravessando o Hanover e a Westfália Prussiana; 3º, o Weser, navegável desde Bremen até acima da confluência do Fulda, atravessando o Hanover, o território prussiano de Minden, a Hessia Eleitoral e [a] Turíngia, e tendo por tributários principais o Wumma, o Aller, o Leina e o Warra; 4º, o Elba, navegável desde Hamburgo até acima de Melnich, atravessando o Hanover e Luneburg, a Saxônia Prussiana, o país de Anhalt, o Reino da Saxônia e o da Boêmia, e tendo por notáveis tributários o Mulda, o Saale, e o Havel, onde deságua o Spree, o que converte Berlim em porto de mar; 5º, o Oder, navegável desde Stettin até Ratibor acima de Breslau, atravessando a Pomerânia, Brandenburgo e Silésia, e tendo por tributários o Warta, o Niessa e o Bober; 19 O mesmo documento mostra a soma de direitos de porto etc.; a que está sujeita a navegação nos domínios da Prússia, onde um navio de 200 toneladas nacional ou de nação favorecida, paga somente libras 16-3-8, ou rs. 155$360, entretanto que o estrangeiro ou de nação não favorecida, do mesmo porte, paga libras 71-0-0, ou rs. 681$600.(N.A.) 203 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 6º, o Vístula, navegável desde Dantzig até Cracóvia, atravessando a Prússia própria e a Polônia; 7º, o Pregel, navegável desde Königsberg até os lagos e confins da Prússia Oriental; 8º, o Niemen, navegável desde Memel ou Tilsit até o interior da Rússia. Outras vias há de comunicação como sejam vários canais, cômodas estradas em todas as direções e, sobretudo, caminhos de ferro. Existem já no Zollverein e na Alemanha Austríaca nada menos que 23 linhas destes caminhos em atual serviço, percorrendo a distância de mais de 272 milhas germânicas ou 500 léguas francesas, e comunicando entre si obras de 50 cidades industriosas. Além disso, acham-se em construção e projetadas por companhias bem providas de capitais, o tresdobro das linhas existentes. Enfim, até o ano que vem estarão abertas as que devem ligar o Hamburgo a Berlim, e Praga a Viena; e espera-se que antes de três anos sejam concluídas as de Dresden a Praga, e de Viena a Trieste, e fique completamente estabelecida por caminhos de ferro a comunicação entre o Oceano Germânico e o Mar Adriático. § 8º. – Produção É notório o desenvolvimento da indústria fabril no Zollverein: de ano a ano avulta o número de fábricas de toda a espécie. Panos de lã ligeiros como os merinos, fazendas mistas de lã e algodão, lã e seda, e algodão e seda, meias e obras de igual ponto, e cristais e vidros são os artefatos que mais saída têm no comércio externo. Nada mais direi sobre esta indústria, porque antes convém que fale da agrícola com alguma extensão. Madeiras, lã, trigo, açúcar, tabaco e chicória, são os mais notáveis produtos da agricultura do Zollverein: tratarei em particular dos três últimos que se assemelham, ou substituem os nossos: 1. Quanto ao açúcar, segundo a Revista Comercial e Industrial de Berlim, [...] os estados da união na safra de 1843-44, produziram 21.631.955 libras de açúcar de beterraba, ou perto de 1/6 de todo o açúcar consumido pelo Zollverein, cuja quantidade andou a 145.368.769 libras, que corresponde a libras 5,2 por habitante. A Prússia só de per si produziu mais de 19 milhões deste açúcar, e os outros Estados perto de dois; achando-se provado que de 1841 a 44, o seu fabrico bem que aumentasse na Prússia, diminuiu consideravelmente nos outros: em 204 Cadernos do CHDD Baden, por exemplo, das oito fábricas que então trabalhavam, apenas duas continuam agora. E mesmo na Prússia julga-se que o aumento não pode ir a mais, porque havendo somente 25 léguas quadradas de terreno capaz de dar trigo sem grande trabalho, não é de esperar que destas se destinem à cultura da beterraba muito mais das 3½ léguas que já ocupa, sem risco de faltar o pão e haver necessidade de importá-lo por alto preço. Assim que parece que esta cultura tem tocado aqui o seu extremo limite, visto que deixa de ser lucrativa quando sobe o preço do pão e se torna mais caro o sustento e maior o jornal dos trabalhadores. Nem há receio de que por novos processos e aparelhos o seu produto se aumente com vantagem exclusiva, por isso que, aplicados ao fabrico do açúcar de cana, vem este como mais exuberante, a concorrer sempre com o de beterraba. A proteção dada no Zollverein a esta cultura, segundo a lei de 30 de julho de 1841, consiste em cobrar-se somente meio gros (24 réis) por quintal de raízes ou túberas, imposto que equivale a 10 gros (480 réis) por quintal de açúcar, visto ser este o produto de 20 quintais de raízes; ou por outra em pagar este açúcar 1/15 do direito a que está sujeito de cana colonial, que é de 5 thalers ou 150 gros por quintal, sendo destinado às refinarias. 2. Quanto ao tabaco, segundo a recente estatística do conselheiro Dieterici, [...] a produção do Zollverein em 1842, foi de 541.454 quintais, ou perto de ¾ de todo o tabaco consumido, cuja quantidade, na opinião do mesmo estatístico, andou por 750.799 quintais, que correspondem a 2¾ libras por habitante do Zollverein. A Prússia, com os pequenos Estados encravados, produziu 242.985 quintais; Baden, 110.000; Baviera, 101.000 etc. A proteção dada a esta cultura na Prússia e por consequência no Zollverein, não deixa também de ser considerável. O imposto a que foi sujeita pela lei de 1819, alterada depois pela de 1828,20 consiste atualmente em uma taxa sobre a terra cultivada com tabaco e dividida, segundo a sua maior ou menos uberdade, em quatro classes; pagando cada jeira da primeira 6 thalers; da segunda, 5; da terceira, 4; e da quarta, 3, ou, termo médio, 4½ thalers. E, pois que em regra, cada jeira das diversas classes produz, termo médio, 6¾ quintais de tabaco, vem o imposto a ser de 19 gros por quintal, entretanto que o tabaco estrangeiro, sujeito pela tarifa em vigor aos direitos de 6½ thalers por centener, vem a pagar 195 gros por quintal, isto é, 9 vezes 20 Documento n. 299, que acompanhou a mensagem do presidente dos Estados Unidos ao Congresso de 1840, sobre o comércio do tabaco.(N.A.) 205 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 mais que aquele. O mesmo documento deixa ver que a quantidade do tabaco estrangeiro importado no Zollverein montou a 248.749 quintais, e mostra o progresso havido nessa importação de 1841 para 1842. 3. A chicória, que por efeito do bloqueio continental, durante o Império francês, substituiu o café, é ainda geralmente usada na Alemanha. Há fábricas em que se a prepara, ou onde, depois de torrada e moída, é acondicionada em pequenos embrulhos para a venda de retalho. Usa-se porém dela combinando-a, ou misturando-a com 1/3 ou ¼, ou mesmo 1/5 de café. Tratei de averiguar a extensão de sua cultura e fabrico para ajuizar da vastidão do campo que o Zollverein ainda oferece ao consumo de café, visto que, moderado o preço deste e posto ao alcance do pobre, há de ser decerto preferido à beberagem de chicória. O autor (anônimo) da Nova Estatística dos Estados Prussianos, calcula que a Prússia exportara, em 1843, obra de 8.000 quintais de chicória preparada, e orça em 20 vezes mais, ou 160.000, a quantidade da consumida no interior. Mas pelas informações que procurou e pôde alcançar o cônsul-geral Sturz, julgo que aquele algarismo está muito aquém da quantidade consumida, mesmo na Prússia. É fora de dúvida que em muitas províncias, como a Pomerânia, Prússia própria, Posnan, Silésia, Brandenburg, Saxônia e Westfália, usa-se geralmente da chicória, e que, sobretudo no campo, é esse uso quase exclusivo. Só as três fábricas de Magdeburg, Genthin e Calbe preparam cada ano 150.000 quintais. Se a este produto se ajuntar o (que não foi possível verificar) de muitas outras fábricas que trabalham no Brandenburg, Saxônia e Westfália, e mais a quantidade preparada pelas famílias no lar doméstico, fora das cidades, para seu uso cotidiano, reconhecer-se-á que o autor anônimo falhou no cálculo que fez. Em suma, pessoas que se mostram bem informadas julgam que a quantidade da chicória consumida anualmente em todo o Zollverein acompanha de perto a do café que nele se consome e que, sendo esta de 780.000 quintais, a daquela deve ser orçada em 600.000, pelo menos. À vista do que, fácil é ajuizar da extensão da cultura desta erva na Alemanha e da larga superfície de terreno que ela deve ocupar. § 9º. – Movimento comercial Documentos [...] extraídos dos quadros oficiais, publicados pela repartição ou junta central, mostram a qualidade e quantidade dos produtos que no ano de 1843 foram importados e exportados no 206 Cadernos do CHDD Zollverein. A parte desta importação que nos convém examinar, foi a seguinte: 391.138 quintais de algodão em rama; 223.011 quintais de couros crus; 764.158 quintais de café; 8.334 quintais de cacau; 1.253.018 quintais de tabaco em folha, rolo, cigarros e rapé; 278.682 quintais de madeira de tinturaria, inclusive pau-brasil; 32.853 quintais de aguardente; 205.593 quintais de arroz. [...] as listas oficiais, que acabam de ser publicadas, mostra[m] que no ano findo de 1844 entraram nos portos do Báltico, que são os naturais do Zollverein, 6.318 navios do porte total de 486.324 toneladas, e saíram 6.509 do porte de 507.257 toneladas; assim como, que no ano anterior de 1843 haviam entrado 7.021 navios com 530.260 toneladas, e saído 6.980 com 541.410 toneladas. Houve portanto uma diminuição não pequena, cujas causas não me foi dado conhecer com precisão. Se a isto se ajuntar o número dos navios, que entram e saem dos consideráveis portos de Hamburgo, Bremen, Amsterdam, Roterdam, Antuérpia e outros sobre o Mar Germânico, poder-se-á fazer completa ideia da imensa navegação que o Zollverein alimenta. § 10º. – Renda [...] a receita do Zollverein, no ano de 1843, subiu a 25.665.770 thalers, provenientes, a saber: yy de importação, 24.680.215; yy de exportação 394.753; e yy de trânsito, 590.802. A despesa da arrecadação foi de 2.192.230 thalers, soma que corresponde a 8½ por cento do total da receita. O mesmo documento mostra como, ou em que proporção foi esta renda distribuída pelos 12 Estados que formam o Zollverein, alguns dos quais são coletivos, ou incluem dentro em si vários outros menores. Para ajuizar-se do aumento havido na receita das alfândegas unidas será suficiente observar-se que, sendo apenas o seu total de 12.000.000 em 1834, não só chegou a 25.000.000, em 1843, como, à vista da conta geral que há poucos dias se publicou, já se elevou a 26.000.000 em 1844. Esta soma, reduzida à nossa moeda, excede à de 37.000 contos. 207 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 II governo § 8° – autoridade soberana Ao rei compete o exercício pleno da autoridade soberana: ele exerce o poder legislativo, ouvindo ao Conselho de Ministros, ao ministro da Revisão das Leis e ao Conselho d’Estado; resolve os negócios mais graves da administração do Estado, à vista de relatórios dos seus ministros e consultas das administrações supremas, por onde correm os mesmos negócios; e só no que pertence à Justiça confia ele a sua distribuição a tribunais e juízes independentes no julgamento das causas. As repartições públicas, por cujo intermédio exerce o rei os seus poderes de legislar e administrar, são os seguintes. § 9° – conselho d’estado Criado pela lei de 27 de agosto de 1810, espécie de carta constitucional outorgada por Frederico Guilherme III, é formado: 1o. pelos príncipes da real família, tendo a idade de 18 anos completos; 2o.por todos os ministros d’estado e chefes das administrações supremas; 3o.por altos funcionários e outras pessoas que merecem a real confiança, sendo em regra, os marechais do Exército, generais comandantes, presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, e do de Contas, conselheiros íntimos do gabinete, presidentes em chefe das províncias etc. Conta atualmente 62 membros: posto que seja presidido pelo rei, quando lhe apraz, tem, contudo, um presidente efetivo e um secretário, que se intitula do Estado. Divide-se em sete seções: Relações Exteriores, Guerra, Justiça, Fazenda, Interior, Culto e Instrução Pública. Cada seção é presidida pelo conselheiro mais antigo, que pode chamar e ouvir quaisquer autoridades ou pessoas particulares: o ministro a cuja repartição pertence o negócio em discussão pode comparecer para explicá-lo ou incumbir essa diligência a algum conselheiro do seu ministério. Os príncipes não trabalham nas seções. Além de certo número de conselheiros d’estado, há em cada seção conselheiros relatores, que preparam os negócios, tomam parte 208 Cadernos do CHDD ativa nos trabalhos de exame, são ouvidos nas discussões, mas não assistem às votações. Nenhum negócio é submetido ao conselho sem que tenha sido discutido na seção ou seções competentes. Para haver conselho pleno, requer-se a presença de 15 membros, além dos príncipes. Reúne-se uma vez por semana no Palácio Real, e extraordinariamente quando é convocado. As decisões são tomadas por maioria de votos. Compete ao Conselho d’Estado: 1o. Discutir e corrigir todos os projetos de leis e regulamentos novos, ou de alteração e revogação dos existentes, que lhe forem propostos pelo Conselho dos Ministros, de acordo com o Ministério da Revisão das Leis. 2o. Consultar sobre as negociações diplomáticas e quaisquer outros assuntos, que por lei, ou vontade real, forem submetidos ao seu exame. o 3 . Examinar todos os relatórios anuais dos diversos ministros e outras administrações supremas, sobre os negócios expedidos por elas. 4o. Decidir os conflitos e divergências de opinião entre os ministros e chefes das administrações supremas. 5o. Resolver sobre a destituição de empregados públicos, à vista do relatório feito pelo presidente do conselho, tendo procedido às diligências necessárias e ouvido as repartições competentes sobre as causas da demissão. Estão sujeitos à imediata inspeção do Conselho de Estado: o Tribunal Superior de Contas e a Junta das Deputações Científicas e Técnicas, que existem anexas aos diversos ministérios. § 10° – conselho de ministros21 Organizado em 1817 e formado pelos ministros da Casa Real, Guerra, Cultos, Revisão das Leis, Estrangeiros, Interior, Fazenda e Justiça; pelos chefes das administrações supremas do Tesouro, do Banco, dos Correios e por alguns ex-ministros a quem el-rei dá essa prerrogativa. É presidido pelo príncipe real, ou presuntivo herdeiro da Coroa, e tem um secretário, dois conselheiros relatores e vários 21 Staats-ministerium. Verti esta designação alemã na de “Conselho de Ministros” por me parecer a mais própria.(N.A.) 209 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 empregados de secretaria para a guarda dos papéis, preparação e expediente dos negócios. São atribuições do Conselho de Ministros: 1o. Iniciar e submeter ao Conselho d’Estado os projetos de lei e regulamentos novos, ou de alteração dos existentes; o 2 . Examinar os relatórios anuais dos presidentes em chefe das províncias e os mensais dos presidentes dos conselhos de regência; o 3 . Deliberar sobre planos administrativos e quaisquer medidas de público interesse, que devam ser adotadas; o 4 . Fiscalizar os balancetes das caixas gerais, provinciais e militares, e seus orçamentos de receita e despesa; 5o. Concordar sobre propostas de pessoas para os cargos de presidentes em chefe, presidentes de regências e de tribunais superiores, chefes das direções de matas, minas etc. e outros empregados de igual categoria. o 6 . Conciliar quaisquer dúvidas entre os chefes das repartições ministeriais e supremas. o 7 . Acordar sobre a demissão de empregados públicos, sujeitando esse acordo, em certos casos, à resolução do Conselho d’Estado. o 8 . Prover com regulamentos gerais ao melhoramento das coudelarias. O secretário, ou algum conselheiro relator, apresenta o negócio, redige o protocolo das deliberações e comunica-as a quem de direito; mas nenhum deles tem voto. A qualquer dos ministros é permitido autorizar um conselheiro do seu ministério para relatar qualquer negócio ante o conselho. Estão imediatamente subordinados ao Conselho de Ministros: a Imprensa Régia, os Arquivos do Estado e do gabinete, e a comissão superior de exames para apreciar a capacidade dos aspirantes a empregos de assessores nas diversas repartições administrativas, composta de um presidente e vários conselheiros científicos e técnicos. § 11. – ministério da casa real Reorganizado em 1819 e dividido em duas direções: a primeira, que tem por chefe o próprio ministro d’Estado ou mordomo-mor 210 Cadernos do CHDD d’el-rei, dirige todos os negócios relativos às grandes dignidades e ao cerimonial da corte, à administração do Tesouro e bolsinho real, e dos feudos e bens vinculados à Coroa, à dotação e rendas dos príncipes e princesas da real família. A esta direção está anexa a “comissão áulica”, composta de dez empregados, para a gestão especial dos bens pertencentes à casa e família real. Para o expediente da mesma direção há secretaria, contadoria e tesouraria, com diversas caixas e o número de conselheiros e empregados correspondente a esses diferentes serviços. A segunda direção, cujo chefe goza das honras de ministro d’Estado, tem a seu cargo todos os negócios relativos à administração dos domínios, matas e tapadas da Coroa; à direção da polícia das florestas em todo o reino; à inspeção da escola especial para os aspirantes aos empregos de conservadores e guardas das matas. Além do chefe, há nesta direção dois subdiretores (sendo um deles o guarda-mor das matas) e mais 12 conselheiros e diversos outros empregados no serviço da secretaria, contadoria e tesouraria, assim como da “Comissão do desenho de plantas”, que lhe está anexa. §12. – ministério da guerra Divide-se em duas grandes repartições: 1ª – Geral da Guerra A repartição geral da Guerra se subdivide em cinco seções, a saber: I. Gabinete do ministro, por onde se expedem todas as instruções e ordens vindas do gabinete real, ou tomadas pelo governo. Esta seção contém dois conselheiros, um general e seis oficiais de ordenança às ordens, um juiz fiscal, dois guardas do registo secreto e dois arquivistas; vários oficiais da secretaria e chancelaria para o expediente, e um arquiteto. II. Dos negócios gerais, que tem a seu cargo todos os negócios relativos à organização, instrução e disciplina do Exército, com um diretor, dois subdiretores, três conselheiros, um oficial superior às ordens e diversos empregados no serviço de secretaria, contadoria e registo. III. De Artilharia, a quem compete a direção de tudo que se refere ao material de guerra pertencente a esta arma, assim para o serviço de campanha, como para as fortalezas etc. Tem um subdiretor, cinco conselheiros, um calculista e dez empregados no expediente 211 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 de secretaria, contadoria e registo. IV. De Engenharia, para a direção e inspeção de todas as obras militares, mormente da construção de novas fortalezas e reparo das existentes, e para a fiscalização dos fundos aplicados a este serviço. Com um subdiretor, três conselheiros e oito oficiais de secretaria, contadoria e registo, e outros empregados. V. Do pessoal do Exército: pertence-lhe tudo que é relativo aos interesses e pretensões individuais dos militares, à promoção e expedição de patentes. Tem um diretor imediatamente subordinado ao ministro da Guerra e oito oficiais de secretaria. A esta seção está anexa à chancelaria secreta, onde se faz o registo geral de todas as informações acerca do comportamento civil, moral e militar dos oficiais e empregados no serviço do Exército, e d’onde se extraem as fés de ofício e outros documentos para remuneração de serviços etc.; tem esta chancelaria um curador e vinte e dois oficiais de secretaria. 2ª – Administração econômica do Exército A administração econômica do Exército se subdivide em seis seções, a saber: 212 I. Da contabilidade militar, que fiscaliza todas as contas das despesas do Exército, do fundo destinado às pensões das viúvas dos militares e das casas pias para educação dos filhos e órfãos dos oficiais e outros empregados do Exército. Tem um diretor, que também inspeciona os trabalhos das três seções seguintes, três conselheiros e treze oficiais de contadoria, cálculo, escrituração etc. II. Do comissariado, que tem a seu cargo a fiscalização especial do que pertence ao sustento ou alimentação do Exército e às despesas de marchas, carros de bagagens etc. das tropas que se movem. Há nela dois conselheiros e quinze oficiais de escrituração. III. Dos fardamentos, a quem compete fiscalizar especialmente a distribuição e despesas do vestuário dos diversos corpos do Exército etc., com dois conselheiros e seis oficiais de escrituração. IV. Do serviço de saúde, para a direção e fiscalização especial das despesas dos hospitais militares, ambulâncias, e o mais que é relativo ao Corpo de Saúde do Exército, com dois conselheiros e onze oficiais de escrituração. V. Dos inválidos militares, que se ocupa da administração e fiscaliza Cadernos do CHDD as despesas dos diversos asilos em que são recolhidos os militares que honrosamente se impossibilitaram para o serviço do Exército. Tem um subdiretor, imediatamente subordinado ao ministro da Guerra, quatro conselheiros e dez oficiais de escrituração etc. VI. Das remontas, também, como a precedente, subordinada ao ministro da Guerra: incumbe-lhe a fiscalização das despesas com a compra de cavalos e da sua distribuição pelos diferentes corpos: com três conselheiros e vários empregados. Anexa a esta seção existe a comissão de compras, que autoriza os ajustes e contratos para o fornecimento de cavalos aos diversos depósitos etc., sendo presidida por um dos conselheiros da mesma seção. Dependem imediatamente deste ministério: 1o.A caixa geral, e pagadoria militar, dividida em duas seções, por onde se realiza toda a despesa com o pessoal e material do Exército, com dois conselheiros, diretores das seções, e 38 oficiais de escrituração, cálculo, registo etc. o 2 .Todas as oficinas militares, como fábricas de armas e de pólvora, fundição de artilheria, laboratórios pirotécnicos, etc.; e também todas as casas pias de educação dos filhos dos militares, e asilos de inválidos, o Instituto Médico-Cirúrgico de Frederico Guilherme I, e a Academia Médico-Cirúrgica, para o ensino especial dos que se destinam ao serviço de saúde do Exército. 3o.A comissão superior de exames, de que falarei no artigo do Exército. § 13° – ministério dos cultos, instrução e saúde pública Este ministério é administrado por quatro direções: 1a.Dos negócios da Igreja Evangélica: trata de tudo que é relativo ao governo, disciplina e economia do Evangelismo, correspondendo-se com os sínodos, consistórios e intendentes-gerais da mesma igreja. Tem por diretor um bispo, com nove conselheiros relatores e mais quatro oficiais de secretaria; a 2 .Dos negócios da Igreja Católica, que se ocupa do que pertence aos interesses do Catolicismo, correspondendo-se com os arcebispos, bispos, e outros supervisores deste culto. Servem nela um diretor, dois conselheiros relatores e dois oficiais de secretaria; 3a.Da Instrução Pública, para o expediente de todos os negócios 213 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 relativos a este importante ramo do serviço público, de que me ocuparei especialmente no artigo Instrução Pública. Servem nesta direção, além do diretor, doze conselheiros, o juiz da Universidade de Berlim e vários oficiais: 4a.Da saúde pública, que tem por incumbência tudo que diz respeito à conservação da saúde dos homens e também dos animais: com um diretor, sete conselheiros e vários oficiais. Agregada a esta direção acha-se a Junta de Higiene Pública, composta de um presidente e oito conselheiros ordinários e extraordinários, tendo por missão especial: 1o.consultar sobre todos os assuntos da alçada da ciência médica, em que for ouvida; 2o.propor todas as medidas para prevenir ou atenuar o mal das epidemias e epizootias; o 3 .fazer inspecionar os víveres e reprimir qualquer abuso que seja nocivo à Saúde Pública; e o 4 .providenciar acerca da inumação ou exumação dos cadáveres. Dependem deste ministério imediatamente: 1o.A diretoria do Monte de Piedade, destinado a socorrer os pregadores e outros ministros, ou pedagogos da religião reformada, que forem necessitados. o Todos os museus, bibliotecas, observatórios, e coleções 2 . científicas reais. o 3 .O seminário das escolas sábias; o Instituto de Música Eclesiástica, as academias das ciências e das belas artes; e o Instituto de Beer, fundado por um rico hebreu deste nome e destinado a auxiliar com uma pensão anual de 500 thalers aos escultores e pintores israelitas pobres, que, havendo obtido um prêmio da Academia das Belas Artes, quiserem aperfeiçoar-se nas escolas da Itália. § 14. – ministério da revisão das leis Este ministério divide-se em duas seções: 1a.Secretaria, para o expediente e registo dos negócios pertencentes ao ministério, com três conselheiros relatores, três oficiais e outros empregados; a Comissão legislativa, a quem cabe examinar e redigir os 2 . projetos de leis e regulamentos, iniciados ou admitidos pelo 214 Cadernos do CHDD Conselho dos Ministros, antes de serem submetidos ao Conselho d’Estado e revê-los depois de aprovados, antes de subirem à sanção do rei. Compõe-se esta comissão de sete conselheiros, podendo ter assento nela qualquer estrangeiro de eminente capacidade como membro extranumerário. O ministro dirige por si mesmo a primeira seção e preside a segunda. § 15. – ministério da justiça e comissão de censura O ministério divide-se em duas direções: 1a.Dos negócios judiciários de organização geral, competindo-lhe o expediente de tudo que se refere à administração da Justiça nas províncias regidas pelo direito prussiano, e pelo comum ou germânico. Há nesta direção treze conselheiros, dez oficiais e outros empregados. 2a.Dos negócios judiciários de organização especial, tendo a seu cargo expedir o que é relativo à administração da Justiça no Grão-Ducado do Baixo-Reno, ou província renana, regida pelo direito francês. O trabalho é feito por um diretor, três conselheiros e quatro oficiais. Dependem imediatamente deste ministério: 1o. A comissão superior de exames, para apreciar e julgar da capacidade e mérito profissional dos aspirantes aos cargos de assessores e comissários de Justiça, nos tribunais superiores e em alguns inferiores de maior importância. No artigo “Justiça” tratarei destes exames, e definirei os cargos aqui indicados. 2o.A comissão superior de censura, para julgar os recursos interpostos dos censores, que impedirem, como contrária aos regulamentos sobre a imprensa, a publicação de jornais, ou livros: composta de um presidente, dez conselheiros, três adjuntos, procurador régio, um secretário e quatro oficiais. Os censores são nomeados pelos presidentes em chefe das províncias, havendo dois [ou] mais nas grandes cidades e um nas pequenas. Nenhum escrito, à exceção dos licenciados pelo governo, pode ser dado ao prelo sem seu prévio consenso, cingindo-se no exercício de suas atribuições à lei e regulamentos. Na classe dos escritos licenciados entram os jornais, cujos redatores e editores têm alcançado, mediante abonação e fiança, uma permissão do governo para sua publicação. 215 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Os regulamentos, que regem a imprensa, são formulados de acordo com as resoluções da Dieta Germânica para a repressão de escritos subversivos da religião, da moral e da ordem pública. Exigem a assinatura do autor, ou editor, e do impressor. Impõem multas de 10 a 100 thalers e a confiscação dos impressos que, por suas doutrinas, forem dignos de repressão. Entretanto, apesar desses regulamentos, é inegável que a imprensa goza na Prússia de toda a liberdade que é justa e razoável. Exceto nas épocas de grandes comoções políticas, como as de 1821 e 1830, os censores mostram-se assaz indulgentes, e correm por toda a parte escritos políticos, que nem sempre vão de conformidade com as ideias do governo. § 16. – ministério dos negócios estrangeiros e diplomacia prussiana Divide-se o ministério em duas direções: A primeira, dirigida pelo próprio ministro: compete-lhe a correspondência diplomática e direção das legações nos países estrangeiros, todos os negócios do pessoal do corpo diplomático, a contabilidade da repartição e tudo que é relativo ao cerimonial e outros assuntos diplomáticos. Servem nela três conselheiros, que se encarregam dos trabalhos que lhes são marcados pelo ministro, e mais dois secretários, dois chanceleres, dois decifradores, vários oficiais e outros empregados. A segunda, que tem um diretor, é incumbida do expediente, em diferentes seções dos negócios, que não são meramente políticos, como a direção dos consulados nos países e portos estrangeiros, as relações comerciais, as reclamações a favor de súditos prussianos no estrangeiro e vice-versa, questões de limites e demarcações, de extradição etc.. Trabalham nesta seção seis conselheiros e muitos oficiais, e empregados na secretaria, chancelaria e arquivo. Os negócios a cargo d’uma e outra direção, posto que expedidos em separado; são todavia examinados e resolvidos em comum. Uma vez por semana reúnem-se em conferência todos os conselheiros de ambas, presididos pelo diretor da segunda e aí concordam nos relatórios, que devem ser submetidos à decisão do ministro, ou resolução do governo. Os negócios porém de alta política e os que exigem reserva, não fazem objeto dessas conferências, sendo tratados exclusivamente no gabinete ministerial, pelo conselheiro incumbido da correspondência política. A diplomacia prussiana, quanto ao seu pessoal, consta atualmente 216 Cadernos do CHDD de 29 missões, sendo 24 de enviados extraordinários e cinco de ministros residentes; e de três consulados-gerais (Alexandria, Síria e Cracóvia), cujos chefes exercem funções diplomáticas. A Prússia não manda, nem recebe embaixadores. Os diplomatas têm ordenados fixos. O de 6.000 thalers para os enviados; 3.000 para os residentes e encarregados dos negócios; 1.200 para os secretários das principais legações da Dieta Germânica, Londres, Viena, S. Petersburgo e Paris, e 800 para os das outras. A estes ordenados ajuntam-se, porém, quantias determinadas para despesas de representação, que variam segundo as circunstâncias e carestia das cortes, e elevam os vencimentos dos enviados a 25.000 thalers em Londres, a 23, 18, 11 e 10.000 nas outras cortes ou residências. Além das ditas despesas de representação, são abonadas, a alguns enviados, certas quantias para aluguel de casa etc. Aos secretários, também se acrescentam os respectivos ordenados com certas gratificações em algumas cortes. As ajudas de custo estabelecidas para os que são nomeados ou mudados, não excedem de 5.000 thalers para os enviados, 2.500 para os residentes e de 1.000 para os encarregados. Mas são ao mesmo tempo abonadas a todos as despesas de viagem, calculadas segundo as distâncias sobre os regulamentos das postas e preços das passagens por mar. E são-lhes pagas, além disso, depois de liquidadas competentemente as despesas que fizerem com estafetas e correios, com livros e gazetas, que remeterem ao ministério, e com o luto que tomarem por falecimento do soberano junto a quem residirem. Os diplomatas em disponibilidade vencem metade de seus ordenados fixos. No caso de obterem licenças, vencem durante estas os ordenados fixos somente. Mas ordinariamente também se lhes concede metade das despesas de representação. As aposentadorias na carreira diplomática são reguladas pelo tempo de serviço. Ao que tem servido de 15 a 20 anos é concedido 2/8 do ordenado; e de 20 até 50, mais 1/16 do mesmo ordenado de cinco em cinco anos, não podendo porém a pensão do aposentado exceder, em caso algum, de 6.000 thalers para os enviados e de 2.000 para os residentes e encarregados. 1o. Para a admissão, ou primeira entrança na carreira diplomática, deve o aspirante: provar que fez com aproveitamento o curso d’estudos d’um ginásio, e frequentou uma universidade por 217 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 três anos, quando menos; que serviu satisfatoriamente por um ano como auditor em um tribunal judiciário, e por outro ano como referendário em um Conselho de Regência; o 2 . passar por um exame escrito e outro oral: sobre a justiça e administração interior, o estado da agricultura, comércio e indústria do país; sobre economia política, direito internacional e estilo de chancelaria; e 3o. mostrar-se versado nas línguas francesa e inglesa, e no conhecimento da latina e grega. Este exame é feito ante uma comissão composta de conselheiros de legação e presidida pelo ministro, ou pelo diretor do ministério. § 17. – ministério do interior Dividido em duas direções, a primeira ocupa-se de todos os negócios relativos à polícia urbana, escolas agrícolas, municipalidades, sociedades anônimas e outras corporações; passaportes, prisões e casas de correção; asilos de pobres e casas de trabalho. Além do diretor, tem seis conselheiros, quatro oficiais do gabinete ministerial e vários outros empregados nas seções de passaportes, secretaria e contadoria. À segunda direção compete expedir tudo que diz respeito a negócios dos mediatizados22; dos capítulos e conventos de senhoras nobres; das dietas ou assembleias provinciais; das instituições de crédito das províncias; das pescarias; e das questões entre paisanos e os respectivos senhores de terras. Tem um diretor, seis conselheiros, sete oficiais de gabinete e 26 empregados no registo e na chancelaria, que é comum com a primeira direção. Dependem deste Ministério: 1º.A comissão superior para a decisão administrativa, em última instância, das reclamações de quaisquer corporações ou indivíduos para serem indenizados de perdas sofridas por ocasião de guerra, ou de operações militares: composta de conselheiros administrativos e técnicos. 2º. A junta de economia rural, de que tratei no § 6º. 3º. As diretorias gerais das companhias de seguro contra o fogo e da caixa de crédito territorial da Lusácia. 4º. A repartição da polícia, que trata especialmente, em suas 22Diz-se dos pequenos estados confederados e unidos a outro mais poderoso, quando não dependem, senão mediatamente, do poder mediador. 218 Cadernos do CHDD diversas seções, de tudo quanto pertence à polícia preventiva e correcional, à dos mercados públicos, caminhos de ferro, etc. Nesta repartição, que tem um presidente de elevada categoria, trabalham 80 oficiais de secretaria, chancelaria, registo etc., além de avultado número de inspetores, comissários, médicos, cirurgiões etc. À mesma repartição estão anexas: a Comissão especial de saúde, composta de oito membros, sendo quatro nomeados pelo presidente da polícia e quatro pela municipalidade de Berlim, para conhecer e consultar sobre as medidas locais de salubridade etc.; e a Comissão de exame dos ofícios mecânicos, composta de 15 mestres, para apreciar o mérito profissional dos artesãos que aspiram à mestrança nos respectivos ofícios. 5º.A junta revisora administrativa para decidir em última instância as questões sobre divisão de bens comuns, ou abolição de comunidades, composta de seis juízes do Tribunal Superior de Berlim. 6º.A comissão geral superior, para a decisão final das questões entre paisanos e senhores de terras, da qual me ocuparei no artigo “Justiça, § das Comissões Gerais”. § 18. – ministério da fazenda Dividido em quatro repartições: 1a. Da despesa pública, contabilidade e orçamentos, que constituem outras tantas seções. Dependem desta repartição: as diretorias do montepio das viúvas e das loterias, assim como lhe está anexo o registo secreto do ministério, contendo as informações sobre o mérito profissional, civil, e moral dos empregados de Fazenda. É servida por avultado número de conselheiros e oficiais de contabilidade, secretaria, chancelaria, registo etc. a 2 .Da renda pública, subdividida em seções – que correspondem: à Diretoria geral das alfândegas e direitos de importação, exportação e trânsito; à dita dos impostos sobre a indústria; à dita das rendas do interior; à dita das coletorias provinciais; à dita do selo, comissão do calendário e fábrica de porcelana de Berlim; e ao estanco do sal – com muitos conselheiros e oficiais, necessários para tão diferentes serviços. 3a.Do comércio, indústria e obras públicas, que se subdivide em outras tantas seções. A do Comércio ficou reduzida a menor esfera de atividade, depois da criação recente da Junta Superior do Comércio, de que logo falarei. Da seção da Indústria 219 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 dependem: a deputação técnica da indústria, composta de conselheiros científicos e práticos, que consulta sobre todas as medidas relativas aos interesses e desenvolvimento da indústria nacional; o Instituto Técnico da Indústria, com um diretor e 20 professores para o ensino das artes e ofícios; e a Escola Mecânica, com vários mestres para o ensino dos artesãos ou oficiais dos diversos misteres. Da seção das Obras Públicas dependem também: a deputação técnica das obras, composta de conselheiros profissionais e experimentados, para consultar sobre todas as construções por conta do Estado, examinando e verificando plantas e orçamentos, razões de necessidade, utilidade etc.: esta deputação serve ao mesmo tempo de comissão superior de exames para apreciar o mérito dos aspirantes a empregos no serviço das obras públicas, e da Agrimensura; e a Escola Real de Arquitetura, com um diretor e 16 lentes, para formar arquitetos e agrimensores, destinados ao serviço público e particular. a 4 .Das minas, fundições e salinas, igualmente subdivididas em outras tantas seções, que se ocupam da administração e fiscalização correspondente a cada uma. Desta repartição dependem o Instituto Mineiro, com um diretor e cinco lentes para o ensino dos que se dedicam ao serviço e trabalho das diversas minas do país; as cinco diretorias dos distritos mineiros do Brandenburgo, Silésia, Saxônia, Westfália e Renânia; e a Real Fundição de Ferro, de Berlim. Anexa a este ministério e em relação com as suas diferentes repartições, está a Tesouraria Geral, composta do diretor, quatro secretários, seis oficiais e vários fieis para as caixas geral e de minas. § 19. – real gabinete Divide-se em duas repartições: 1a.Dos negócios áulicos e civis: dirigida por um, ou dois conselheiros íntimos, em regra ministros d’Estado. 2a. Dos negócios militares: dirigida por outro conselheiro íntimo, general do Exército e ajudante de campo d’el-rei. Os ministros d’Estado e administradores supremos, que despacham com o rei, podem levar ao gabinete os seus relatórios, ou enviá-los ao conselheiro íntimo a quem competir o expediente para que os apresente. 220 Cadernos do CHDD A decisão real, minutada pelo próprio ministro presente, ou pelo conselheiro íntimo, é depois convertida – no ministério, ou administração respectiva – em ordem do gabinete ou decreto, que sobe à real assinatura. Aos conselheiros íntimos do gabinete compete o registo de todas as decisões e a comunicação delas aos ministros, quando ausentes. Segundo a citada lei de 27 de outubro de 1810, a todos os ministros compete resolver, independentemente e debaixo de sua própria responsabilidade, todos os negócios que correm pelas suas repartições, à exceção dos seguintes: 1o. Medidas legislativas novas, ou que alterem disposições de lei ou regulamento em vigor. 2o. Orçamentos gerais de receita e despesa do Estado. 3o. Concessão de aumento de ordenados, de pensões e gratificações não marcadas em lei, de doações, de socorros públicos ou particulares, que excedam às somas a isso aplicadas pelo orçamento. 4o. Quaisquer despesas administrativas em geral não previstas no mesmo orçamento. 5o. Nomeações de conselheiros e outros empregados de igual, ou superior categoria. 6o. Concessão de títulos, que deem honras de conselheiro e de quaisquer outras mercês de mais elevada categoria. administrações supremas, independentes dos ministérios § 20. – administração do tesouro e casas de moeda Dividida em duas seções: À primeira – do Tesouro do Estado – compete administrar os fundos provenientes: 1o.de qualquer excedente da receita arrecadada sobre a orçada; 2o.das economias realizadas em qualquer ramo ou artigo da despesa orçada; 3o.do produto da venda de quaisquer bens do Estado, não compreendidos na administração dos domínios, nem aplicados à amortização da dívida pública; e o 4 .de qualquer outra receita adventícia não contemplada no orçamento. 221 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 É ao complexo destes fundos ou cabedais, que se dá na Prússia o nome de Tesouro do Estado, cuja administração é separada da do Ministério da Fazenda e confiada a outra autoridade suprema. Vem pois a ser esse Tesouro um grande pecúlio ou reserva do Estado para fazer face a despesas extraordinárias e eventuais: e foi à custa dele, que o governo prussiano fez, em 1830, a avultada despesa de mais de 30 milhões com o armamento geral do país. Grande parte deste pecúlio é empregado produtivamente, mas com a necessária segurança. À segunda seção – das Casas de Moeda – cabe a administração e fiscalização das mesmas casas em Berlim, Breslau e Düsseldorf. O chefe desta administração suprema tem o título de ministro d’Estado. Nas seções acima indicadas empregam-se conselheiros superiores, como chefes delas, e o necessário número d’outros conselheiros relatores, oficiais de contadoria, registo, caixas etc. § 21. – tribunal de contas Criado em 1723, reformado em 1770 e estabelecido desde 1818 em Potsdam. Divide-se em duas direções: de Receita e de Despesa. Além dos diretores, ocupa 67 oficiais de contabilidade, trabalhando em diversas seções. É da sua competência julgar da exatidão e legalidade de todas as contas públicas, sem exceção, prestadas pelas estações encarregadas da arrecadação e aplicação das rendas do Estado. As repartições fiscais superiores dos conselhos de regência tomam as contas em duplicata às inferiores que lhes são subordinadas e remetem um dos exemplares, com os relatórios da verificação delas, a este tribunal para que as reveja e as aprove, ou glose e faça efetiva a responsabilidade de quem direito for. Posto que se ache debaixo da inspeção do Conselho de Estado, contudo este tribunal é supremo, ou só responsável ao rei. § 22. – direção geral dos correios Separada em 1814 do Ministério do Interior e confiada a um Correio-Mor, que tem o título de ministro d’Estado, incumbe a esta repartição suprema dirigir e administrar todos os correios e postas na capital e províncias, e todos os negócios relativos à segurança e circulação das malas e cartas, ao transporte de passageiros e encomendas, e à 222 Cadernos do CHDD arrecadação de portes, passagens, fretes etc. Nas diferentes seções em que se divide, empregam-se oito conselheiros e 128 oficiais de escrituração, contabilidade, registro etc. Depende desta repartição: O Escritório do Estado (Staatscomptoir), incumbido especialmente da publicação e venda do boletim e coleção das leis, e sua distribuição pelas estações públicas, tribunais etc., bem como da gazeta oficial e das folhas de anúncios (privilégio da tipografia do Estado) para a redação das quais há um escritório particular (Inteligenzcomptoir). § 23. – administração da dívida pública Esteve anexa ao Ministério da Fazenda até 1817, em que foi entregue a outro administrador supremo, que tem honras de ministro d’Estado. Dela tratarei no artigo “Finanças”. § 24. – a secretaria do estado A secretaria [de Estado] é uma repartição central e independente criada em 1826, tendo a seu cargo: registrar todas as decisões administrativas e fiscais, mercês etc., e verificar os orçamentos de receita e despesa, feitos pelos ministérios e administrações supremas, antes de serem levados ao exame do Conselho d’Estado. Tem por chefe um conselheiro íntimo superior, que relata ao rei os trabalhos dela, um diretor que os regula, doze conselheiros, treze oficiais de cálculo e registro. § 25. – administração do banco, da sociedade do comércio marítimo e do instituto de crédito da silésia São três repartições separadas e independentes umas das outras, embora se achem debaixo da direção de um só administrador supremo que, como os antecedentes, goza também do título de ministro d’Estado. Tem cada uma seus empregados próprios. Delas me ocuparei no citado artigo “Finanças”. § 26. – junta do comércio Estabelecida em 1843 pelo presente rei, que lhe deu algumas das atribuições até então exercidas pela repartição do comércio e indústria do Ministério da Fazenda, compete-lhe: consultar e propor todas as 223 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 medidas convenientes para a animação e desenvolvimento do comércio interno, externo e marítimo; interpor seu parecer acerca de ajustes e cláusulas de tratados de comércio e navegação; coligir todos os fatos e esclarecimentos que possam servir para a adoção de medidas a favor do comércio em geral, ou de algum seu ramo em particular, podendo para esse fim exigir informações de quaisquer autoridades, ouvir a opinião de corporações e pessoas competentes do comércio, reunir em conferência os negociantes, fabricantes e armadores de navios mais notáveis etc. Tem por presidente um conselheiro e diplomata distinto; mas o seu trabalho, que se ressente da novidade da instituição, não é ainda regular. Em todo o caso, servirá esta junta de núcleo para a organização d’um Ministério do Comércio, que já se vai tornando necessário. À esta nascente repartição anexou-se o Gabinete Estatístico, dirigido pelo conselheiro Dieterici, já mui vantajosamente conhecido por suas publicações. § 27. – repartição especial para o principado de neuchâtel A repartição para o expediente dos negócios relativos ao Principado de Neuchâtel é confiada à direção de um conselheiro íntimo, considerado como ministro d’Estado com um chefe de secretaria e oficiais competentes. v Além das repartições, acima indicadas para o governo do Estado, há a mencionar as grandes dignidades da corte, a saber: 1o. o mordomo-mor, que é ao mesmo tempo o ministro d’Estado da Casa Real; 2o. o grão-marechal; 3o. o monteiro-mor; 4o. o estribeiro-mor; 5o. o copeiro-mor; 6o. o marechal da corte; 7o. o grão-mestre de cerimônias; 8o. o intendente geral dos palácios e jardins reais; 9o. o intendente das músicas e teatros reais. 224 Cadernos do CHDD III administração § 28. – a divisão administrativa A divisão administrativa da Prússia é a mesma indicada no § 3º. Exerce o governo o seu dever de administrar o país por intermédio, em regra, de autoridades coletivas, ou conselhos e, em alguns casos, por autoridades individuais, mas nunca desacompanhadas d’outra influência legítima que lhes modere ou reprima o arbítrio. Essas autoridades são, nas províncias, os presidentes em chefe; nos departamentos os conselh[eir]os de regência; nos círculos os conselheiros provinciais; nos distritos, os burgomestres, ou comissários e os bailios. Nesta escala administrativa, pelo que pertence ao regímen local, várias exceções há nas províncias da Posnânia e Renânia, adquiridas modernamente pela partilha da Polônia e atos do Congresso de Viena: é, porém, certo que essas exceções, provenientes de antigos costumes e regulamentos, mantidos e em vigor nas ditas províncias, bem que estabeleçam grandes alterações quando à forma, todavia pouco se arredam quanto à essência do sistema administrativo geral. Além disso, o governo e as autoridades encarregadas da administração, no expediente dos negócios gerais e locais, recebem mais ou menos, as inspirações e concurso do povo, representado nas dietas ou assembleias provinciais, nas assembleias dos círculos, e conselhos municipais dos distritos. § 29. – presidentes em chefe (oberpræsidenten) Instituídos em 1808, compete-lhes: 1o.Velar nos interesses relativos à dieta ou assembleia provincial e às instituições, cuja esfera de atividade compreende toda a província. 2º.Organizar os projetos e planos de obras públicas e outros melhoramentos materiais, que se estendam a toda a província, ou a mais de um departamento ou regência. 3º.Combinar com os generais comandantes e intendências militares tudo quanto for do interesse do corpo do Exército, estacionado na província. 4º.Nomear e vigiar os censores, ou delegados da comissão de censura. 225 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 5º.Exercer o jus circa sacra catholicorum, resolvendo sobre o placet aos breves e bulas pontifícias e concedendo impetras à Cúria Romana, ou outras autoridades espirituais, para a confirmação canônica de certas dignidades e para dispensas eclesiásticas. 6º.Solver e conciliar as dúvidas e dissensões entre os partidos religiosos, em assuntos do culto externo. 7º.Presidir ao Consistório Evangélico e juntas de instrução e saúde pública, inspecionando os exames dos candidatos ao estado eclesiástico, ao magistério público e aos empregos na repartição da saúde. 8º.Conhecer em primeira instância dos conflitos entre os conselhos de regência, ou entre estes e outras autoridades gerais da província. 9º.Expedir regulamentos para toda a província, em casos extraordinários, que não admitam demora. 10º. Assumir toda a administração da província, no caso de guerra ou de iminência dela. 11º. Resolver por via de recurso todos os negócios municipais, menos quanto à nomeação dos burgomestres-maiores. 12º. Decidir se o modo por que os conselhos municipais pretendem lançar e arrecadar as suas imposições locais é, ou não, prejudicial às finanças do Estado, ou à renda pública. 13º. Conceder licenças para o estabelecimento de mercados e feiras, e para aberturas de novas farmácias. 14º. Presidir ao Conselho de Regência que tiver por cabeça a capital da província, dirigindo todos os negócios relativos à administração particular da mesma regência. Nas secretarias destes conselhos, a que presidem, têm os presidentes em chefe os seus gabinetes próprios, onde – assistidos por conselheiros de sua confiança e servidos por vários empregados – expedem todos os negócios relativos à província. São, pois, cargos de suma importância e, em regra, confiados a conselheiros íntimos23 e a ex-ministros d’Estado, que merecem toda a consideração real. 23 O título de conselheiro na Prússia é sempre ligado ao exercício d’um emprego público. Há conselheiros de Justiça, de Regência, de Finanças, de Instrução Pública, de Consistório, de Minas, de Obras Públicas etc., que são juízes dos tribunais e chefes de seção, ou relatores nas diversas repartições administrativas: conselheiros superiores, que servem como presidentes dos tribunais, diretores das diversas repartições administrativas etc.; conselheiros íntimos, que ocupam os empregos de vogais e chefes de repartições supremas etc.; conselheiros íntimos atuais, que exercem os cargos de ministros d’Estado, conselheiros d’Estado, diretores no Real Gabinete etc. Só a estes últimos, que aliás constituem a primeira classe dos conselheiros, é dado o tratamento de excelência: nenhum outro título, como os de conde, barão etc., goza desse tratamento.(N.A.) 226 Cadernos do CHDD § 30. – conselhos de regência (regierungen) Existiam com outro nome e menor esfera de atividade e jurisdição, desde os primeiros tempos do eleitorado e da monarquia. Reorganizados em 1808, 1817 e 1825, acham-se hoje estabelecidos nos 25 departamentos ou regências, em que são divididas as províncias. Cada conselho de regência é composto de três repartições diferentes, a saber: 1ª.Dos negócios internos: que tem a seu cargo a polícia administrativa em todos os seus ramos, trabalhos públicos, ou construções de estradas, canais etc., dentro dos limites da regência, segurança pública, economia rural e industrial, casas de trabalho, asilos, prisões etc. 2ª.Da administração dos impostos diretos, domínios e matas, a quem compete os negócios relativos a lançamento e arrecadação da taxa territorial e da pessoal, arrendamentos dos domínios e matas, contratos fiscais, cobrança das imposições para a sustentação das escolas e do culto evangélico etc. 3ª.Do consistório eclesiástico e juntas de instrução e saúde pública, nos conselhos de regência, que tem por cabeças as capitais das províncias; e nos outros conselhos, comissões do mesmo consistório e das mesmas juntas: compete-lhes, além dos negócios eclesiásticos (de que tratarei no § seguinte), todos os relativos à inspeção e fiscalização das escolas de ensino público, e ao exercício da medicina etc. A estas três repartições está anexa, sendo comum a todas, a Tesouraria Geral da Regência. Cada repartição tem por presidente particular um conselheiro superior e é dividida em seções. Cada seção tem por chefe um conselheiro redator, vários conselheiros de regência, assessores, referendários, assistentes e outros empregados para o seu expediente. As repartições reunidas formam o conselho pleno e assim neste, como em cada repartição, os negócios são resolvidos por maioria de votos. Nos negócios ordinários de mera execução de lei ou regulamento, quando nenhuma dúvida ocorre, o chefe da seção onde começam, despacha-os sem relatório ou sem ouvir ao presidente da repartição. Havendo dúvida, sujeita-os, com relatório, ao dito presidente, para 227 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 serem decididos em conferência: se há empate, o mesmo presidente decide e, se o não há e ele não se conforma com a deliberação tomada, leva-os ao conhecimento do presidente da regência, para submetê-los ao conselho pleno. Aí também, se há empate, decide o presidente, ou se este não julga conveniente a deliberação, suspende-a e submete-a ao juízo do presidente em chefe da província, salvo se houver perigo na dilação, porque em tal caso deve ser logo executada. Se o negócio a resolver é complexo, ou da alçada de mais de uma seção ou repartição, deve-lhes ser comunicado para que tomem parte no seu exame e decisão. São responsáveis os relatores, ou outros conselheiros e assessores pelos relatórios dos negócios que tiverem preparado; e todos os conselheiros de regência pelas decisões tomadas, salvo se tiverem declarado nas atas os seus votos em contrário. Não sendo porém estes os responsáveis, recai toda a responsabilidade sobre os presidentes da repartição, ou do conselho, conforme a instância em que as mesmas decisões houverem sido tomadas. Além dos negócios submetidos assim à sua deliberação, ao conselho pleno compete, exclusivamente, resolver sobre os seguintes: 1º.Proposição para ser alterada qualquer disposição de lei ou regulamento. 2º.Fixação dos princípios e regras para a repartição e cobrança das contribuições, não havendo regulamentos especiais. 3º.Todos os relatórios e informações aos ministérios sobre medidas administrativas e criações novas. 4º.O modo prático de executar novas leis e regulamentos. 5º.Qualquer exceção, ou desvio das regras estabelecidas nos regulamentos, não havendo tempo para recurso à sanção superior. 6º.Quaisquer suspensões, ou demissões de empregados públicos e nomeações, ou acessos dos subalternos da regência. 7º.Determinações do presidente em chefe, que forem relativas à administração geral e disciplina do serviço da mesma regência. Ao conselho pleno concorrem todos os conselheiros superiores, conselheiros de regência, conselheiros técnicos (da Religião, Instrução Pública, Medicina, Minas, Fazenda, Obras Públicas etc.), os assessores e o chefe da Tesouraria Geral, que além disso deve ser presente a qualquer seção, ou repartição da regência, onde for necessário o seu parecer. O presidente da regência, se o julgar conveniente, pode reunir ao mesmo conselho todos, ou alguns dos conselheiros provinciais, encarregados da administração dos círculos. 228 Cadernos do CHDD Os conselhos de regência acumulam o poder administrativo e o executivo em todos os negócios de sua competência. Em nenhum caso porém deverão impedir que qualquer cidadão pratique o que a lei não lhe veda, goze de sua liberdade e propriedade individual, e exercite os seus talentos e faculdades, como lhe aprouver, dentro dos limites legais e sem prejuízo do bem comum. No exercício destas duplas funções, pode cada conselho fazer regulamentos e estabelecer multas de 50 a 100 thalers e penas de quatro a seis semanas de prisão. A primeira repartição tem por executores de suas ordens e atribuições, os magistrados especiais de polícia, os conselheiros provinciais nos círculos, os burgomestres e conselhos municipais (e, em algumas regências, os comissários) nos distritos, bailios nos cantões e a força policial, ou gendarmaria, em toda a regência; podendo requisitar em certos casos o emprego da força militar e devendo, nos negócios que por lei pertencem à alçada dos tribunais, submetê-los à justiça ordinária. A segunda repartição faz executar as suas determinações pelos mesmos conselheiros provinciais e pelos seus próprios coletores, recebedores, rendeiros e administradores, auxiliados pelas autoridades policiais e judiciárias dos distritos e cantões. E a terceira repartição encarrega a execução dos negócios eclesiásticos aos intendentes gerais evangélicos, e dos relativos à instrução e saúde pública a inspetores especiais, sendo todos auxiliados pelas autoridades e agentes locais, subordinados à primeira; e no que toca à arrecadação, fiscalização etc., das contribuições para as igrejas e escolas, tem por executores os mesmos da segunda. Em geral, cada conselho compõe-se, além dos conselheiros superiores, presidentes das repartições e de um fiscal do selo, das seguintes classes de empregados: 1ª.de conselheiros de regência e técnicos, ordinariamente 24; 2ª.de assessores, cinco a oito; 3ª.de referendários, dez a 20; 4ª.de oficiais de secretaria, de chancelaria e assistentes (praticantes), 20 a 24; 5ª.de supranumerários da 3ª e 4ª classes. A Tesouraria Geral é formada pelo chefe (recebedor geral), contador, tesoureiro e vários escriturários. São, pois, os conselhos de regência, além de úteis para o regímen interno do país, outros tantos viveiros ou escolas práticas de 229 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 administração. Um mancebo, que completa os seus estudos acadêmicos e se destina ao serviço administrativo, com facilidade, feito o competente exame, é admitido como referendário ou assistente em qualquer dos 25 conselhos. Com a prática e aplicação consegue, passando por outro exame, ser promovido a assessor; e, por fim, se dá provas de inteligência, assiduidade e bom comportamento moral e civil, obtém o emprego de conselheiro no ramo do serviço de sua vocação. Das regências passam os conselheiros para repartições gerais de maior alcance, até que chegam aos ministérios, tendo percorrido todos os graus da escala administrativa, assaz habilitados para o desempenho de qualquer comissão ou cargo público, por mais elevado que seja. § 31. – consistórios São formados por clérigos da religião evangélica, de reconhecida ilustração e piedade, nomeados pelo rei. Há, como já notei, na capital de cada província, um consistório, presidido pelo presidente em chefe e composto de um síndico, ou superintendente geral, e 11 vogais, ou conselheiros eclesiásticos. Compete-lhe: 1º.Velar nos interesses espirituais da igreja evangélica em geral. 2º.Preparar e cooperar para a reunião do Sínodo, quando convocado por ordem real. 3º.Inspecionar – por si e pelos seus superintendentes – o serviço divino e cuidar especialmente em que os dogmas e a liturgia sejam mantidos em toda a sua pureza e dignidade. 4º.Dirigir a educação e instrução religiosa em todas as escolas maiores e menores da província. 5º.Examinar os candidatos a empregos da igreja e a ordenação clerical, como pastores, pregadores etc. 6º.Vigiar sobre o comportamento oficial e moral dos eclesiásticos e formar-lhes processo quando delinquirem. 7º.Conceder licenças e dispensas, menos para batizados e casamentos em casa; para omitir a terceira publicação de banhos, que são da alçada do conselho de regência; e ainda menos para a segunda e terceira publicação, que só compete ao ministro do Culto. 8º. Ordenar as festas de igreja, os dias de oração e penitência, segundo as instruções que receber do referido ministro e determinar os textos dos sermões, que devam ser pregados nessas ocasiões. 230 Cadernos do CHDD Não pode, porém, o consistório, sem o concurso e deliberação do conselho da regência: 1º.nomear superintendentes gerais eclesiásticos; 2º.destituir os clérigos de seus empregos e benefícios; 3º.alterar os direitos de estola existentes, ou estabelecer novos. No expediente dos negócios, cada consistório procede como qualquer das outras repartições do conselho da regência. A administração, arrecadação e distribuição das rendas destinadas às despesas do culto, côngruas etc. corre pela repartição dos impostos e tesouraria da regência. § 32. – conselheiros provinciais (landrat)24 São autoridades administrativas, subordinadas aos conselhos de regência: em cada círculo há um conselheiro provincial, que não só executa como delegado as determinações do conselho respectivo, mas também exerce atribuições próprias. Em todo o círculo, menos nas grandes cidades – onde há corpo municipal, imediatamente sujeito ao conselho de regência – tem ele a direção dos negócios da polícia geral e dos diversos ramos da administração, salvo o caso de haver para alguns dos mesmos ramos, como no das obras públicas e comissões, ou empregados especiais a quem caiba a direção particular. No exercício de suas atribuições e cumprimento de seus deveres, o conselheiro provincial é assistido pela assembleia do círculo e corpos municipais das vilas e distritos rurais; e no expediente dos negócios, é ajudado por um secretário, nomeado pelo governo, e por dois vogais. Em regra, o conselheiro provincial é proposto à confirmação real pela assembleia do círculo; mas em algumas regências ou departamentos essa proposição é feita somente pelos possuidores de terras equestres, os quais são todavia obrigados a dar conhecimento do proposto aos conselhos municipais urbanos e rústicos do círculo, para que possam representar ao conselho da regência o que se lhes oferecer contra a proposição. Os dois vogais do círculo são igualmente propostos pela assembleia do círculo ao respectivo conselho de regência, a quem compete a confirmação deles. As qualificações para os empregos de conselheiro provincial e 24 Correspondem aos subprefeitos na administração francesa. Verti este título alemão no de “conselheiros provinciais”, atendendo a que o Landrat tem assento, em alguns casos, nos conselhos de regência, que são realmente os governos provinciais da Prússia (N.A.) 231 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 vogais de círculo, são: idade maior de 25 anos, boa reputação e posses de terras equestres25, salvo, quanto a esta última, se não houver no círculo três indivíduos que a tenham, competindo, em tal caso, ao conselho de regência marcar os requisitos equivalentes que devam ter os propostos. O proposto, que for confirmado pelo rei para o cargo de conselheiro provincial, tem de passar, antes de tomar posse, por um exame de suficiência, menos no caso de ser já conselheiro, ou de haver passado por exame análogo ante alguma das comissões encarregadas da apreciação do mérito dos candidatos a empregos públicos. Se durante o exercício do seu cargo, perder o conselheiro provincial a posse de terras equestres, ou o requisito equivalente, deve dar a sua demissão. No seu impedimento temporário, é substituído pelo secretário do círculo, exceto se o conselho da regência nomear provisoriamente a algum dos vogais. § 33. – burgomestres, comissários e bailios Os primeiros são os chefes de cada municipalidade26. Os das municipalidades das grandes cidades têm o título de burgomestres maiores; os das outras são simplesmente designados burgomestres. Nas municipalidades rurais é diversa a designação desses chefes27, sendo porém suas atribuições e deveres, embora em menor escala, iguais aos dos burgomestres. Estes empregados são escolhidos e propostos pelos respectivos conselhos municipais à confirmação real, se se trata dos burgomestres maiores; e à dos conselhos de regência, se dos outros. A duração destes empregos é, em geral, ilimitada; mas, em regra, depois de três anos de exercício, podem os empregados pedir escusa. A qualificação para tais empregos é a mesma exigida para a eleição dos membros da assembleia do círculo. Têm os burgomestres e chefes das municipalidades rurais a direção e execução dos negócios da administração municipal, em todos os seus ramos, e da polícia preventiva e judiciária, ajudados pelas autoridades de justiça, nos casos de maior alcance, e auxiliados pelos demais empregados da polícia local. São, enfim, órgãos e executores das ordens dos conselhos de regência, os maiores; e os outros, das determinações dos conselheiros provinciais respectivos. 25 A tradução do termo alemão é mais ampla: abrange os haras, ou fazendas de criação de cavalos. 26 Der Magistrat: é o termo alemão que designa uma municipalidade ou governo municipal.(N.A.) 27 Shulze, que correspondem aos maires na administração municipal francesa.(N.A.) 232 Cadernos do CHDD Os comissários nomeados pelo governo somente para os círculos da província de Posnânia, são autoridades que têm a seu cargo a direção e execução das medidas administrativas e policiais nos distritos que lhe foram marcados, contendo cada um de seis a nove mil almas. O emprego destes agentes especiais tornou-se ali necessário, por não se ter ainda podido introduzir completamente a administração municipal prussiana naquela província polaca. Também há comissários em muitos distritos da província de Silésia, mas não são empregados do governo e, sim, meros delegados da polícia e administração dos círculos. Subordinados todos eles ao respectivo conselheiro provincial, executam as ordens deste, entendendo-se, quando necessário, com os conselhos municipais e outras autoridades locais. Os bailios, propostos pelos conselhos municipais rurais a contento do respectivo conselheiro provincial, são autoridades encarregadas da execução das medidas de administração e polícia em diversos cantões dos municípios do campo. A qualificação para o exercício destes empregos é a mesma para a eleição dos membros da assembleia do círculo. Os bailios executam as ordens dos conselheiros provinciais e todos os proprietários de terras equestres dos respectivos cantões estão imediatamente debaixo de sua alçada policial e administrativa. Além dos bailios, há em cada aldeia dos distritos e cantões rurais uma espécie de juiz ordinário28 ou delegado policial, proposto pelo conselho municipal, ou nomeado pelo senhor do lugar. Tais juízes, como os bailios, são também executores de ordens administrativas e policiais. Além das autoridades acima referidas, têm, demais, os conselheiros provinciais às suas ordens, como executores das suas determinações legais, os nobres que ainda gozam de jurisdição civil em certos distritos, os administradores de bens do domínio, os rendeiros e coletores da Fazenda, inspetores das matas, minas etc., e mesmo os diretores de grandes estabelecimentos de indústria fabril e de agricultura. § 34. – dietas ou assembleias provinciais Criadas pela lei orgânica de junho de 1823 e estabelecidas pela lei regulamentar de março de 1824, há uma em cada província: compõe-se de quatro estados ou ordens. 1ª.dos mediatizados, isto é, dos príncipes, duques e condes, que 28 Dorfrichter.(N.A.) 233 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 tendo exercido direitos de soberania no tempo do Império Germânico, foram privados de suas altas regalias pelo Congresso de Viena e ficaram prestando homenagem aos atuais soberanos alemães, em cujos estados acham-se os seus domínios particulares; 2ª.dos nobres; 3ª.dos cidadãos dos distritos urbanos; e 4ª.dos paisanos dos distritos rurais. A qualificação exigida para o deputado da primeira ordem limita-se a ter completado a sua maioridade. O mediatizado pode comparecer na dieta, ou representar-se ali por pessoa da sua família, ou por um procurador, contanto que o escolha nos deputados da segunda ordem. Para ser eleito deputado da segunda ordem requer-se, além da idade de 25 anos, posse de terras, que pertencessem a um nobre do antigo império, ou a quem tivesse assento em alguma das antigas dietas da província, e que pague a taxa territorial de 75 thalers. Para sê-lo da terceira ordem, exige-se: a idade de 31 anos, pertencer a uma confissão cristã, possuir terras e ter ao mesmo tempo servido no conselho municipal, ou exercer uma profissão industrial, e pagar certa taxa territorial ou imposto de patente, que varia segundo as localidades. Para a eleição do da quarta ordem, além da mesma idade e confissão acima exigidas, requer-se também posse de terras, cultivadas pelo próprio candidato, e o pagamento de um censo ou taxa, que igualmente varia. Os eleitores devem ter as mesmas qualificações dos elegíveis, menos quanto à idade, que basta a de 25 anos, e quanto à taxa ou imposto, que é menor. A eleição dos deputados da segunda ordem é direta por círculos. A dos da terceira também é direta nas grandes cidades, que dão – cada uma, de per si – um ou mais deputados; e indireta nas pequenas, cujos eleitores nomeiam outros, que escolhem o deputado comum a duas ou mais das ditas cidades. E a dos da quarta ordem, ainda mais indireta, é feita por eleitores de cantão, que nomeiam outros de distrito e, estes, outros de círculo, que elegem os deputados correspondentes. Estas eleições são dirigidas e presididas pelo conselheiro provincial do círculo. O número dos deputados de cada dieta, bem que não tenha por base a população, é contudo proporcionado à grandeza da província. Na primeira ordem há sempre tantos quantos são os mediatizados, que têm domínios na província; e nas outras, seja qual for o número total dos deputados das três ordens, cabe sempre 1/3 a cada uma. Por exemplo, 234 Cadernos do CHDD na Renânia, há quatro da primeira, 25 da segunda, 25 da terceira, e 25 da quarta, ao todo 79. As atribuições da dieta ou assembleia provincial, limitam-se: 1.ºA deliberar sobre projetos de lei particular da província, que lhe forem apresentados. 2º.A resolver sobre projetos de lei geral, que modifiquem direitos de pessoa ou de propriedade e alterem impostos, contanto que tenham relação com a província. 3º.A exercer o direito de petição e de queixa acerca de negócios ou atos contrários ao interesse da província ou de parte dela. 4º.A conhecer dos negócios municipais da província, sujeitando suas decisões à aprovação real. A duração da legislatura é de seis anos, mas os deputados eleitos são renovados por metade de três em três. As sessões têm lugar de dois em dois anos e duram o tempo marcado na convocação. Um comissário real é quem convoca, abre e fecha a sessão, serve de medianeiro entre o governo e a dieta, apresenta-lhe os projetos sobre que tem de deliberar, declara-lhe se a discussão deve ser pública ou secreta e, posto que não assista aos debates, tem contudo direito de comparecer e apresentar mensagens verbais ou por escrito. O presidente (marechal da dieta) e o vice-presidente são designados pelo rei, dentre os deputados da primeira e segunda ordem. A esse marechal ou presidente compete dirigir a polícia e os trabalhos da casa, nomear as comissões para o exame dos projetos, designar os presidentes e relatores das mesmas e assistir, querendo, às suas conferências. Para a abertura das sessões, assim como para a validade das decisões, é necessária a presença de ¾ do número total dos deputados pertencentes à segunda, terceira e quarta ordem [sic]. As deliberações sobre projetos apresentados pelo governo devem ser tomadas por 2/3 dos votos presentes e, sobre quaisquer outros assuntos, por simples maioria. O marechal da dieta encerra os debates quando julga a matéria esclarecida e procede à votação, interpelando cada um deputado, que responde sim, ou não. Em caso de conflito entre os interesses das diversas ordens, se uma delas por 2/3 dos seus votos requer a separação, as outras devem aceder e, cada uma deliberando em separado, submetem ao governo as suas decisões.29 29 Também os deputados de um círculo, se julgam contrária aos interesses dos seus constituintes alguma decisão tomada, podem formular, em separado, a sua opinião e submetê-la ao governo. 235 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Não pode a dieta: 1º.entender-se com os eleitores, nem comunicar-se com a dieta d’outra província; 2º.tomar resolução alguma, senão em sessão regularmente aberta; 3º.submeter ao governo petição ou queixa que tenha sido indeferida, senão em outra sessão bienal e com novas razões; 4º.conhecer de negócios de interesses individuais, remetendo-os às autoridades competentes. A nenhum deputado é lícito receber mandatos dos eleitores, mas podem apresentar, em nome e por parte destes, quaisquer petições e queixas. Os deputados vencem o subsídio de 3 thalers por dia. § 35. – assembleias dos círculos Foram organizadas definitivamente pela lei de março de 1828. Cada uma compõe-se de três ordens de deputados: 1ª.dos possuidores de terras equestres; 2ª.dos cidadãos eleitos pelos distritos urbanos; 3ª.de proprietários do campo eleitos pelos distritos rurais. As qualificações dos deputados destas assembleias, são: yy para todas as ordens, idade maior de 24 anos, profissão cristã, boa reputação; yy especialmente para os da primeira ordem, posse de terra equestre devidamente matriculada no registo do círculo; yy para os da segunda, ser ou ter sido membro do conselho municipal urbano e posse de bens de raiz, ou exercício de profissão industrial, sujeita à patente; e yy para os da terceira, além do exercício atual ou passado no conselho municipal rural, posse de terras, que cultivem. Os eleitores devem ter as mesmas qualificações exigidas para o cargo de deputados. A eleição dos deputados de círculo não é feita pela mesma forma em todas as províncias, onde forçoso foi respeitar antigos forais e leis consuetudinárias. Em geral, todos os possuidores de terras equestres têm assento de direito próprio na assembleia do círculo; em algumas províncias, porém, como nas da Prússia e da Saxônia, devem estes 236 Cadernos do CHDD possuidores eleger certo número de deputados, que os representem. Também em geral, à cada cidade do círculo que tem representação individual, ou manda um deputado à dieta provincial, compete eleger dois para a assembleia; e à cada uma que tem representação coletiva, ou manda deputado comum à mesma dieta, compete eleger um. Mas, na Westfália e Renânia esta eleição de deputados da segunda ordem é feita por um colégio eleitoral, composto de eleitores de todas as cidades do círculo. Em algumas províncias, a cada municipalidade, ou distrito rural, cabe eleger um deputado da terceira ordem; em outras, como na Pomerânia, Saxônia, Posnânia, Westfália e Renânia, os eleitores desses distritos reúnem-se em colégio e nomeiam três ou mais deputados que os representem na assembleia do círculo. Fica privado do direito de eleger, ou ser eleito deputado de círculo, quem perde a posse de terra equestre, ou de propriedade urbana e rústica, e fica inabilitado para exercer cargos municipais dentro do mesmo círculo. Em regra, os deputados do círculo são eleitos por seis anos, como os da dieta provincial e, como estes, renovados por metade de três em três; mas nas províncias de Brandenburgo, de Prússia, Saxônia e Pomerânia o são por toda a vida, podendo contudo escusar-se depois de três anos de exercício. As assembleias do círculo, além de consultivas, têm voto deliberativo sobre alguns negócios; suas atribuições são as seguintes: 1ª. Consultar sobre quaisquer projetos de imposto, ou de prestação de serviços, relativos ao círculo. 2ª. Repartir as contribuições gerais pelos distritos, quando o não tenha sido por lei ou regulamento. 3ª.Representar todas as municipalidades do círculo e deliberar sobre os negócios comuns, sendo suas resoluções obrigatórias para todas elas. 4ª. Tomar conta dos dinheiros públicos despendidos em todas as administrações municipais e locais de sua alçada. 5ª. Prover às despesas necessárias para a fundação de estabelecimentos de manifesta utilidade para o círculo e para ocorrer a qualquer calamidade pública, como a de fome, epidemia, inundação etc.; sendo, todavia, sujeitas essas providências à confirmação do respectivo conselho de regência. 6ª. Exercer o direito de petição e queixa. 7ª. Propor à confirmação real o candidato para o cargo de conselheiro provincial, e à do conselho de regência os dois vogais do círculo. 237 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Não podem as assembleias de círculo aumentar os ordenados dos empregados públicos, nem as despesas de expediente da administração do círculo, sujeita à sua inspeção. Cada assembleia do círculo deve reunir-se ordinariamente uma vez por ano, sendo convocada pelo conselheiro provincial ou, em falta deste, pelo decano em idade dos deputados. O mesmo conselheiro provincial é o presidente da assembleia e, como tal, dirige os trabalhos e mantém a polícia da casa. As três ordens de deputados discutem, deliberam e votam em comum. As suas decisões são tomadas por maioria de votos. No caso de empate, decide o presidente – se tiver voto como deputado do círculo; se não, o decano em idade. Os mediatizados do círculo mandam plenipotenciários seus que os representem na assembleia e protestem contra qualquer deliberação contrária aos seus interesses; e estes protestos, submetidos ao governo, podem embargar a sanção das deliberações. As resoluções das assembleias de círculo, depois de confirmadas as que carecerem de sanção, são executadas pelos conselheiros provinciais e seus subordinados. § 36. – conselhos municipais Como por mais de uma vez se tem dito, há municípios urbanos e rurais, designados pelo nome geral de distritos. A administração municipal urbana foi melhor organizada pela lei geral de 1808, e reorganizada definitivamente em 1831. O conselho, ou câmara municipal d’uma grande cidade, compõe-se do burgomestre maior, que é o presidente, e de certo número de conselheiros municipais ou vereadores, proporcionado à importância da mesma cidade: em regra, mais de cinco. O de uma pequena cidade, do burgomestre presidente, e de três a quatro vereadores. Todos os membros dos conselhos municipais são eleitos por três ou mais anos, conforme o uso peculiar da cidade, pelas corporações das diversas indústrias, e ofícios mecânicos, estabelecidas no seu recinto ou demarcação. Para ter voto nesta eleição, exige-se que o membro da corporação: yy seja matriculado nela, yy exerça efetivamente a sua indústria ou ofício, yy tenha 24 anos e yy boa reputação. 238 Cadernos do CHDD Para ser eleito membro do conselho municipal, requer-se que o candidato, além dos requisitos precedentes, goze d’uma renda de 1.200 thalers nas grandes cidades e 200, nas pequenas. A eleição dos burgomestres maiores depende da confirmação real e, a dos outros, do respectivo conselho de regência. Ao mesmo conselho compete anular toda a eleição municipal se a julga de grave inconveniência. Está nas atribuições de cada conselho municipal urbano: yy a administração dos negócios relativos à segurança e comodidade dos seus munícipes; yy a polícia dos mercados, fontes, iluminação etc.; yy a direção das construções e reparos dos edifícios destinados ao uso e recreio público; yy a execução de certas medidas administrativas e de polícia geral e judiciária, que lhe for incumbida; yy a arrecadação e distribuição dos rendimentos municipais, dando contas de sua receita e despesa à assembleia do círculo. Os membros dos conselhos municipais vencem ordenados, pagos pela caixa municipal e têm direito a pensões, passado certo tempo de serviço. Os burgomestres são os executores das deliberações dos conselhos, tendo por agentes vários empregados de administração e polícia, que lhe são subordinados. A administração dos municípios ou distritos rurais, não reorganizada ainda, como a dos urbanos, permanece no seu antigo estado. Em regra, cada distrito rural tem seu conselho municipal, composto d’uma espécie de burgomestre rústico30 e de alguns vereadores. Pelo que toca porém ao modo da eleição, qualificações de eleitores e elegíveis, extensão de atribuições etc., relativos a estes conselhos rurais, há tão grande diversidade, proveniente de usos e costumes, e forais peculiares dos diferentes municípios do campo, que não só é impossível reduzir a compêndio todas as discrepâncias do sistema seguido nos distritos urbanos, como muito difícil alterar repentinamente o que a tal respeito se acha estabelecido. Em várias partes da Westfália e da Renânia – onde a dominação francesa e o espírito que dominava então, puderam cortar algumas dificuldades, provenientes d’antigos costumes e de direitos adquiridos por certas corporações e indivíduos – mais uniformidade há 30 Schulze.(N.A.) 239 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 na administração municipal. Nas outras, porém, e em geral nas antigas províncias prevalece mais ou menos a primitiva e multiforme organização. É todavia de esperar, que as normas admitidas nas municipalidades urbanas não deixem de ir calando nos ânimos dos habitantes do campo, formando novos costumes e predispondo a população rústica à uniformidade que se deseja. E enquanto essa reforma de velhos hábitos, feita pacificamente pelo tempo e pelo progressivo aumento da instrução popular, não se efetuar em grande parte, ilusória será a lei que prescrever novos princípios para a administração municipal dos camponeses. Não obstante, porém, a diversidade, que ainda existe, na sua organização, é contudo certo, que a mesma administração, quanto ao essencial, ou aos fins de economia, e polícia, se não é completa, não deixa de ser satisfatória. § 37. – exames para a carreira administrativa Todos os aspirantes a esta carreira, que compreende diversos ramos – como do interior, obras públicas, finanças, minas, matas, saúde pública etc. – têm de passar por exames prévios. Os candidatos à administração do interior são sujeitos a dois exames, o primeiro para obter o lugar de referendário, e o segundo para ser promovido a assessor d’um conselho de regência: sendo aquele feito ante a comissão especial de exames do respectivo conselho, e este ante a comissão superior de Berlim. Para ser admitido ao primeiro exame, deve o aspirante provar yy que fez o curso d’um ginásio e, depois, o d’uma universidade, ambos com aproveitamento; yy que serviu no Exército; e yy que tem bom comportamento moral e civil. O exame, que se segue a esta prova, é escrito e oral. O escrito consiste em uma dissertação sobre um ponto de jurisprudência e em duas sobre assuntos econômicos, que o aspirante deve apresentar, jurando que ele mesmo as escrevera, ou que são trabalhos exclusivamente seus. Examinadas por dois membros da comissão especial e julgadas – por estes, ou no caso de divergência, por todos os outros membros – como suficientes, é o autor chamado ao exame oral, sendo questionado sobre a matéria das mesmas dissertações e sobre os princípios das ciências correlativas, como jurisprudência, economia, política, física, química, 240 Cadernos do CHDD matemática etc.; além disso deve, no mesmo exame, mostrar-se versado na história e na inteligência do latim e do grego. Aprovado o aspirante, é recebido como referendário e admitido à prática dos negócios debaixo da direção particular d’um conselheiro, e da vigilância do presidente da regência.31 É lícito a um referendário da administração do Interior, passar para a da Justiça, e vice-versa; mas neste caso o que requer a passagem deve mostrar por um discurso oral ante a comissão especial do conselho, ou do tribunal superior, para onde quiser passar, que tem o necessário conhecimento das ciências precisas para o novo emprego. Para a admissão ao segundo exame exige-se que o referendário prove, por certidões ou atestados do respectivo presidente, ter servido por dois anos em um conselho de regência, e ter dado boa conta de si, mostrando inteligência, zelo e assiduidade. Dada esta prova ante a comissão superior de exames, recebe o referendário da mesma comissão quatro pontos: um jurídico, outro financeiro, outro policial e outro de qualquer ciência acessória, sobre os quais deve apresentar dentro de seis meses outras tantas dissertações, jurando que foram de sua própria lavra. Examinadas estas dissertações e julgadas suficientes por dois membros da comissão superior e, quando discordem, pela maioria dos outros membros, é o referendário admitido ao exame oral, devendo responder a todas as questões que lhe forem feitas, não só acerca da matéria das mesmas dissertações, como dos princípios das ciências, mormente da jurisprudência, economia, matemática, física, química etc. Sendo aprovado, a comissão dá conta ao ministério competente do resultado do exame e classifica como excelente, ou bom, ou suficiente o mérito do examinado e, só então, pode ser o referendário promovido a assessor e tomar parte, como tal, nos negócios da competência dos conselhos de regência. Seguindo os mesmo trâmites, ou por teor igual, são feitos os exames para os lugares de referendários e assessores nos outros ramos da administração, chamados técnicos, como o de obras públicas, minas, matas, saúde pública etc., salva a diferença das matérias ou ciências especiais sobre que devem versar os mesmos exames, não só ante as comissões dos conselhos, como ante as deputações técnicas, que servem de comissões superiores em Berlim. 31A este exame é sujeito quem for nomeado para o lugar de conselheiro provincial (Landrat) e não tiver passado já pelo mesmo exame, ou pelo de referendário da Justiça.(N.A.) 241 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 E somente depois de obterem a nomeação de assessores pelos ministros das repartições competentes, podem os empregados administrativos ser elevados à categoria de conselheiros de regência, e depois elevados à de conselheiros superiores, conselheiros íntimos etc. IV justiça § 38. – legislação Compreende-se facilmente que a monarquia prussiana, formada, como se viu no §1°, pela sucessiva agregação de países diferentes, com leis e costumes peculiares, quase sempre respeitados e mantidos, não pode reger-se por uma legislação uniforme e geral. Assim, pois, a justiça é administrada em parte de uma província, segundo o Direito Germânico, em outra província mui considerável, segundo o Direito Francês, em algumas segundo o Direito Prussiano e, em quase todas, segundo o Direito Consuetudinário. O germânico, que também se diz comum, consiste nos direitos romano e canônico, e antigas leis do Império Germânico: rege ainda na parte da Pomerânia chamada a nova, cedida em 1815 pela Coroa da Suécia à da Prússia. O francês, que é assaz conhecido, vigora ainda no Grão-Ducado do Baixo-Reno, ou província da Renânia, destacada do Império de Napoleão, e incorporada à Prússia pelos atos do Congresso de Viena. O prussiano consiste nos códigos feitos, ou ordenados, por Frederico, o Grande. Este príncipe, desejando emancipar-se do Império Germânico e subtrair-se à influência da Áustria, conseguiu primeiro do imperador o privilégio de non appellando para o Tribunal Imperial; depois proibiu a seus súditos o recurso às universidades alemãs, como era de uso, para a decisão final dos seus pleitos; e, por fim, estabelecendo o seu tribunal de apelação ou supremo, cuidou na organização de um corpo de direito especialmente prussiano. Convencido, como o declarou em alguns éditos seus, da necessidade de remover os embaraços que sofria a administração da justiça – por causa do Direito Romano, não só escrito em latim, como interpretado tão diversamente pelos doutores – e de pôr termo à incerteza dos julgamentos, ao arbítrio dos juízes, à confusão do foro, à delonga dos processos e às argúcias dos advogados, encarregou a uma 242 Cadernos do CHDD comissão, presidida pelo jurisconsulto Svarez, a redação d’um código geral para o regímen dos seus estados, que tivesse por base principalmente a razão natural e, subsidiariamente, as leis e costumes vigentes no país; e que além disso fosse simples e inteligível, prevenisse todas as hipóteses ordinárias e dispensasse o meticuloso ofício dos advogados. A primeira parte deste desideratum do grande rei foi satisfeita, porque, embora se censure o Código Geral (Landrecht) – por conter, nos seus quatro volumes (com 2.464 páginas, e 38.819 artigos), muitas disposições de mera doutrina e conselhos ociosos, por tratar de hermafroditas, por amalgamar o cível e o crime, por estabelecer penas desiguais e atrozes, por facilitar o divórcio e promover a imoralidade, por admitir contratos estipulando direito a futuras heranças etc. – todavia, quem levar em conta o estado de civilização dos povos para quem legislava, os costumes e preconceitos, que nem a sua filosofia voltairiana, nem o seu duplo prestígio de rei e grande capitão podiam destruir, será forçado a reconhecer que um dos feitos mais gloriosos do reinado de Frederico II foi a codificação de leis que ordenara e, em parte, concluíra. Quanto, porém, à segunda parte, posto que conseguisse melhorar a administração da justiça, não obteve contudo o resultado que anelava, de fazer terminar qualquer processo dentro de um ano e acabar com o arbítrio dos juízes e com a chicana forense, que tão profundamente o aborrecia. Os códigos feitos em virtude do pensamento político e administrativo do mesmo rei e publicados, uns em sua vida e outros nas dos seus dois sucessores imediatos, foram os seguintes: 1º. Código dos Depósitos, para a execução da justiça civil, criminal e policial, em todos os tribunais prussianos, promulgado em 1783. 2º.Código das Hipotecas para os estados prussianos, promulgado também naquele ano. 3º. Código do Processo Geral para os mesmo estados, promulgado em 1793, com um primeiro suplemento de 1815. 4º.Código Geral (Landrecht) do Reino da Prússia, promulgado totalmente em 1794, com um primeiro suplemento de 1803. 5º.Código Criminal Prussiano, 1ª parte, promulgado em 1805. A esta legislação codificada, acresce a ulteriormente publicada na coleção ou Boletim Oficial das Leis. O direito consuetudinário é o complexo dos diversos costumes das antigas raças germânicas, combinados com regras utriusque juris e 243 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 com disposições, assentos e arestos das dietas e tribunais do país. Este direito é o que mais vigora na m[ai]or parte das províncias, servindo nelas o próprio Landrecht, ou código geral de direito subsidiário. Para facilitar a administração da justiça, ordenou-se desde logo que cada província compilasse as suas leis consuetudinárias; mas até agora só a da Prússia própria o tem feito, em parte. Além desta legislação codificada, vigoram na Prússia as leis posteriormente feitas e publicadas em coleções. Das mais notáveis, que alteraram princípios do direito antigo, escrito e consuetudinário, indicarei somente as chamadas orgânicas, ou que regeneraram aquele Estado. Depois do abatimento a que fora reduzida a monarquia pela Paz de Tilsit, o rei Frederico Guilherme III, ajudado pelos célebres ministros Stein, Hardenberg, Dohna e outros, empreendeu a tarefa de reformar a constituição social, agrária e industriosa das províncias que lhe restaram e reanimar por esse meio o espírito do seu povo. Nesse intuito por éditos e leis, que foi sucessivamente publicando de 1806 até 1820: yy Acabou com o privilégio da nobreza a respeito do domínio das terras, dando a qualquer cidadão o direito de adquiri-las e concedendo aos paisanos que as aproveitavam o pleno domínio de parte delas; yy Aboliu a condição dos adstritos à gleba, dando inteira liberdade aos servos e concedendo aos que pertenciam a domínios da Coroa a propriedade das terras que cultivavam; yy Permitiu às comunidades o poder de alienar e dividir entre os interessados quaisquer bens de raiz e servidões que possuíssem em comum; yy Concedeu aos nobres a faculdade de exercer qualquer profissão industrial, sem quebra da sua nobreza; yy Autorizou as famílias que tivessem feudos e morgados a poder, por acordo entre os respectivos membros, dividi-los, diminuí-los ou vendê-los, como lhes aprouvesse; yy Derrogou a lei de Frederico Guilherme I, que declarava inalienáveis os feudos e domínios da Coroa, permitindo a sua venda para amortização da dívida pública; yy Facultou a alienação dos bens de raiz pertencentes a conventos, igrejas, confrarias e escolas, contanto que ficassem convenientemente dotados; yy Extinguiu as corporações de ofícios, dando plena liberdade a 244 Cadernos do CHDD cada um para exercer a sua indústria; exceto unicamente a que o não pudesse ser: a) sem perigo público, como a de boticário, pedreiro e carpinteiro; b)sem reputação ilibada, como a de corretor, avaliador público e agrimensor; e c) sem prova de capacidade, como a de médico, advogado etc. yy Extinguiu todos os monopólios, à exceção dos do sal, das cartas de jogar, do correio geral e da loteria, que ficaram reservados ao Estado; yy Reformou o sistema fiscal seguido até então, sujeitando todos os prussianos sem diferença de classe, estado, ou condição e todas as suas terras e bens, ao pagamento dos impostos diretos, ou indiretos para a mantença do Estado; yy Estabeleceu bases razoáveis para o lançamento e arrecadação de todos os impostos, mormente os de importação, dando a possível proteção à indústria doméstica e à liberdade, compatível com as circunstâncias do tempo, ao comércio interno e externo; yy Organizou, enfim, o Exército, impondo a todos os seus súditos, sem distinção de nascimento, estado ou profissão, o dever do serviço militar por um determinado tempo. § 39. – organização judiciária Pela diversidade da legislação vigente, a justiça não é distribuída pelo mesmo teor nos estados prussianos: há uma organização geral de tribunais para as províncias em que rege o direito prussiano e o consuetudinário, outra especial para a Pomerânia nova e ainda terceira, especial, para a Renânia. E por isso, senão por deferência a certas conveniências locais, também a divisão do território prussiano para a justiça não é a mesma para a administração. Em 1815, estabeleceu-se a regra de haver um tribunal superior em cada um dos departamentos ou regências das sete províncias, sujeitas – no todo, ou em parte – à organização geral; mas, na prática, algumas exceções se fizeram, de sorte que os distritos dos tribunais superiores, ou relações, nem sempre vão de acordo com os das regências; e os círculos e termos judiciários, nem sempre combinam com os administrativos. O mesmo sucede na Renânia e Pomerânia nova, sujeitas a organização especial. À diversidade que há na organização e divisão judiciárias, acresce a que existe no foro. Posto que os prussianos sejam todos sujeitos 245 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 às leis do país, não têm, contudo, os mesmos juízes. Os príncipes do sangue; os mediatizados, nobres e cidadãos superiores; e os cidadãos inferiores constituem três classes de súditos, tendo cada uma seu foro à parte. Daí vem que há para [a] primeira foro especial; para a segunda, foro isento; e, para a terceira, foro comum. Mediatizados – como já notei em outro lugar – são os senhores, que gozavam de direitos soberanos no antigo Império Germânico e foram, depois, avassalados, conservando, porém, tão elevada categoria, que os reis podem casar com suas filhas sem quebra da realeza e que, eles mesmos, exercem jurisdição nos seus domínios particulares, podendo até lançar e arrecadar certas contribuições etc. Os nobres são de duas classes, a dos que gozam da autonomia, isto é, do direito de legar todos os seus bens a um só de seus filhos, percebendo os outros uma pensão vitalícia; e a dos que somente gozam da faculdade de instituir fideicomissos ou morgados na parte dos bens de livre disposição. Cidadãos superiores reputam-se aqueles, que não sendo nobres, gozam do foro isento, ou porque habitem certas cidades, ou porque exerçam emprego, ou indústria a que esteja ligado este privilégio. Cidadãos inferiores são todos os demais não compreendidos nas classes antecedentes e, em regra, os habitantes dos distritos rurais, ou paisanos. Releva, enfim, ponderar outra diversidade na constituição dos tribunais inferiores de primeira instância em todas as províncias, exceto na da Renânia. Uns são régios, isto é, constituídos pelo governo, e outros patrimoniais, constituídos pelos senhores de terras que têm a prerrogativa de exercer jurisdição em certos lugares, ou sobre certas pessoas. § 40. – tribunais inferiores ou de primeira instância (untergerichte) Para todas as causas do foro comum, são régios ou patrimoniais. I Os régios são coletivos, ou individuais, segundo a importância dos lugares: os primeiros compõem-se de três ou mais juízos, e os segundos de um e, às vezes, de dois todos nomeados pelo governo. A competência destes tribunais, no cível, é a mesma, com pouca diferença: uns e outros preparam e julgam as causas, legalizam certos 246 Cadernos do CHDD atos de jurisdição voluntária, têm a inspeção e direção dos depósitos, hipotecas e tutelas, arrecadam os emolumentos e selo dos papéis forenses etc. No crime, porém, a alçada dos coletivos é maior que a dos individuais: a aqueles é lícito julgar as causas, cuja pena seja castigo corporal moderado, ou prisão até três anos, ou multa correspondente; enquanto que a estes só é dado preparar a causa e, quando muito, formular a sentença, que tem de ser submetida à confirmação do tribunal superior, ou mesmo d’algum inferior coletivo a quem compita o julgamento. Para maior cômodo das partes, ou mais presteza na administração da justiça, há nos círculos mais extensos, ou mais distantes das sedes dos tribunais superiores, comissões de justiça e juntas de inquisição, que são como delegações dos mesmos tribunais dentro dos seus respectivos distritos. As comissões de justiça (Justizkommissionen) são compostas de um, ou dois, ou mais juízes, nomeados pelo governo sobre propostas dos tribunais respectivos e têm por missão preparar todas as causas cíveis do foro isento, inspecionar a administração das tutelas, fazer inventários, pôr selos, dar posses, proceder a vistorias e demarcações, liquidar contas de tutores e outras diligências semelhantes. Estas atribuições, porém, não são as mesmas em todos os círculos e províncias, havendo comissões que as têm mais restritas, outras mais amplas e até algumas com a faculdade de minutar sentenças: instruções particulares do governo e dos tribunais superiores dão maior ou menor competência às mesmas comissões, que em alguns casos auxiliam também as diligências dos tribunais inferiores de mais importância. As juntas de inquisição (Inquizitoriaten), igualmente compostas de um a três, ou mais juízes, nomeados como os das comissões, têm por missão preparar todas as causas criminais do mesmo foro isento, procedendo a corpos de delito, investigação etc., bem como auxiliar a preparação das do foro comum, que tenham de ser julgadas por alguns tribunais inferiores, régios ou patrimoniais. II Os patrimoniais (Patrimonialgerichte) são estabelecidos por famílias, pessoas e corporações que têm o domínio de terras a cujo possuidor pertença o exercício da jurisdição. Distinguem-se, como os régios, em coletivos e individuais, compostos do mesmo número de juízes, nomeados pelos senhores e possuidores das ditas terras. Em regra, estes tribunais só conhecem das causas cíveis do foro 247 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 comum. Mas, alguns há que não só têm nas criminais a mesma ingerência limitada dos régios, como até conhecem de certos negócios do foro isento. Ainda há outros, que exercem o direito de inspeção sobre tribunais inferiores mais pequenos. E até há dois, o do conde de Brühl na província de Brandenburgo e o do conde de Stolberg-Werningerode na de Saxônia, que servem como tribunais de apelação, tendo a alguns respeitos, a alçada de tribunais superiores. Os tribunais patrimoniais que reúnem a jurisdição cível e criminal são os instituídos pelos mediatizados, que têm a chamada alta e baixa jurisdição (Ober- und Niedergerichtsbarkeit) e, no seu exercício de julgar os crimes, são auxiliados pelas juntas de inquisição. Os mesmos tribunais, em geral, estão sujeitos pelas leis prussianas às seguintes regras: 1ª.Nenhum deles é isento da imediata inspeção dos tribunais superiores régios, aos quais são subordinados, sem exceção. 2ª.A jurisdição patrimonial transmite-se, com a propriedade das terras a que está anexa, a cada possuidor sucessivo delas, enquanto estiver inscrito no registro hipotecário, ou não transferir a sua posse a outra pessoa. 3ª. Os sujeitos à jurisdição patrimonial podem demandar, ante os próprios tribunais, aos respectivos senhores; mas, em caso tal, devem estes abster-se absolutamente de intervir na decisão dos pleitos. A nenhum senhor, porém, é lícito demandar, in causa propria, a quem estiver sujeito à sua jurisdição, senão ante um tribunal régio. 4ª. Não basta a posse da terra a que esteja ligada a jurisdição para que esta seja exercida: cumpre, além disso, que o possuidor se mostre, por exame, habilitado para servir de juiz. 5ª.O possuidor da jurisdição, que não puder, ou não quiser exercê-la, deve nomear pessoa regularmente habilitada para servir de juiz, estabelecendo-lhe o competente ordenado e submetendo a nomeação à confirmação do tribunal superior a que for subordinado. 6ª.Perde-se o exercício da jurisdição patrimonial pelo abuso dela, ou pela opressão aos seus dependentes; e aqueles que a exercem são, em todo o caso, responsáveis por qualquer negligência na administração da justiça, pelo mau estado das casas de audiência e detenção, pelo desleixo dos negócios fiscais que tiver a seu cargo, pela invasão de alheia jurisdição etc. 248 Cadernos do CHDD Há, nos diversos círculos das províncias sujeitas à organização geral, 534 tribunais inferiores régios, sendo 182 coletivos e 352 individuais; 6.597 tribunais patrimoniais, sendo 14 coletivos, 357 de dois juízes e 6.224 de um só; 130 comissões de justiça, e quase outras tantas juntas de inquisição. Entretanto, bem que o número dos tribunais patrimoniais seja 11 vezes maior que o dos tribunais inferiores régios, é contudo certo, à vista do relatório do ministro da Justiça publicado em 1841, que 76 por cento dos habitantes acham-se debaixo da jurisdição dos régios e apenas 24 por cento da dos patrimoniais. § 41. – tribunais superiores ou relações (obergerichte) Cada um compõe-se do presidente, de dois ou um, ou nenhum vice-presidente, de sete a 12 conselheiros, de três a dez assessores, e de certo número maior de referendários e auditores. Tribunal há em que esse número vai até 100. Os assessores ocupam-se do exame das causas, preparam as tenções, ou relatórios, e assistem às conferências, tendo voto consultivo. São ajudados no desempenho dos seus deveres de exame e preparação pelos referendários e auditores. Aos tribunais superiores, no exercício da sua dupla jurisdição cível e criminal, compete conhecer e julgar: Em primeira instância: 1º.de todas as causas cíveis, ou crimes em que são partes as pessoas que gozam do foro isento; e 2º.dos processos crimes, relativos a pessoas do foro comum e excedentes da alçada dos tribunais inferiores, régios ou patrimoniais. Em segunda instância, cabe-lhes o julgamento de todas as causas sentenciadas em primeira, seja pelos tribunais inferiores em geral, seja pelo próprio tribunal superior. E, ainda, em terceira instância, ou por apelação, compete a alguns dos mesmos tribunais conhecer de certas causas em que é dado esse recurso, a saber: yy quando versam sobre o status familiæ, ou questões de filiação etc.; e 249 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 yy quando, versando sobre propriedade, as duas primeiras sentenças difiram no todo, ou em parte, ou o valor da cousa litigiosa exceda de 500 thalers, ou não seja apreciável em dinheiro. Para o desempenho destas diversas funções, cada tribunal superior é dividido em duas seções, uma para julgar em primeira e outra, em segunda instância; e, sendo de apelação, ainda em mais uma seção, para conhecer deste recurso. As suas sentenças passam em julgado – no crime, em todos os casos, exceto nos de rebelião, ou crimes de lesa-majestade e nos de pena última, ou prisão perpétua; no cível, em todos os pleitos que couberem na sua alçada, ou não forem sujeitos à revista do Tribunal Supremo, como logo se dirá. Além disso, é da competência dos tribunais superiores: 1º.A guarda e inspeção dos livros das hipotecas dos respectivos distritos. 2º.A administração das tutelas dos pupilos que gozam do foro isento. 3º.A inspeção sobre todos os tribunais inferiores régios e patrimoniais, e a decisão de conflitos entre eles, ou de outros negócios que lhes digam respeito. 4º.A proposta dos membros das comissões de justiça e juntas de inquisição, e a direção e inspeção das mesmas, como delegações suas. 5º.O exame e fiscalização, por meio de visitadores de sua escolha (Justizvisitationem), do estado dos tribunais inferiores em geral, de seus livros, caixas etc. 6º.A autorização para certos negócios relativos à administração das tutelas dos pupilos do foro comum a cargo daqueles tribunais, como para a venda de bens fora da hasta pública etc. 7º.A decisão, na sua qualidade de cúria feudal (Lehuskurie) de negócios pertencentes aos feudos do respectivo distrito. Ante cada um dos tribunais superiores serve um certo número de comissários de justiça e de notários. Os comissários são empregados de justiça – que aconselham as partes em negócios forenses – que se encarregam, por mandato, da gerência e administração dos mesmos negócios, quando tenham de ser tratados e resolvidos judiciariamente e que tratam de litígios ante os tribunais, 250 Cadernos do CHDD como advogados ou procuradores. São nomeados pelo governo, que marca a cada um o distrito ou tribunal em que deva exercer o seu emprego. Não pode ser comissário ante os tribunais superiores, quem não passar pelo terceiro exame de justiça, ou não for assessor; e, ante os tribunais inferiores, quem não fizer o segundo exame, ou não servir como referendário. No exercício dos seus deveres, os comissários de justiça têm de observar estritamente as regras estabelecidas na Parte 1.ª, Tit. 3° da Ordem Geral Judiciária. Os notários são igualmente empregados de justiça – que escrevem todos os atos da jurisdição voluntária, quer estes careçam de ulterior confirmação d’um tribunal, quer produzam logo o seu efeito depois de concertados por outros notários. Na redação dos instrumentos que lavrarem, cumpre-lhes seguir as prescrições e fórmulas legais. Têm seu regimento na Parte 2ª, Tít. 1º da citada Ordem Geral. São nomeados também pelo governo e devem ter as mesmas qualificações, ou passar pelos exames exigidos para o emprego de comissários. A cada um marca-se o termo e o tribunal onde deva exercer o seu ofício. Para que os tribunais superiores possam inspecionar o exercício das funções, que competem aos comissários de justiça e notários dos seus distritos, são estes empregados reunidos em corporações ou institutos, tendo cada um seu diretor, a quem pertence fiscalizar o comportamento profissional dos seus colegas e informar e responder ao tribunal respectivo. Os comissários e notários que mais se distinguem por saber, zelo e moralidade são elevados à categoria de conselheiros. O Tribunal Superior de Berlim (Kammergericht) tem uma organização especial. É dividido em três câmaras: yy uma para a administração dos órfãos da antiga Marca-Eleitoral do Brandenburgo; yy outra para conhecer de causas por apelação (Ober-AppellationsSenat); e yy outra, que é a mais numerosa, para a instrução e julgamento dos negócios cíveis e criminais de sua competência, sendo-lhe anexas uma Comissão de Justiça, e uma Junta de Inquisição. Esta terceira câmara serve ao mesmo tempo de conselho íntimo de Justiça (Geheimer Justizrath), que é o tribunal especial para as causas dos príncipes do sangue, dos chefes das missões diplomáticas nos países estrangeiros e de alguns altos funcionários públicos. Serve igualmente 251 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 de Tribunal da Corte (Hofgericht) para conhecer dos negócios relativos aos criados e empregados da casa real. A cada presidente de tribunal superior, como chefe da justiça no seu distrito, compete: 1.Nomear todos os empregados subalternos, à exceção do secretário e do recebedor dos tribunais; 2. Transferir os conselheiros d’uma para outra seção, ou câmara do mesmo tribunal; 3. Fazer regulamentos para o expediente dos negócios judiciários e infligir penas disciplinares; 4. Inspecionar a vida oficial e o comportamento civil e moral dos empregados de justiça de sua dependência, remetendo anualmente ao governo informações ou listas (Konduitenlisten); 5.Dar licença para casamentos e dispensas temporárias do serviço aos empregados de justiça e aos juízes dos tribunais inferiores do seu distrito; 6. Rever extraordinariamente todas as caixas de emolumentos, depósitos etc., confiados à guarda e administração dos tribunais; 7. Nomear visitadores e comissários para quaisquer exames e diligências que forem convenientes; 8. Dar parte ao governo de todos os crimes de maior alcance que devam atrair a atenção pública etc. Há atualmente nos estados prussianos 20 tribunais superiores, ou relações, inclusive os de Berlim, Colônia e Greifswald, que têm organização especial, e o de Wermingerode, que é patrimonial. § 42. – comissões gerais (generalkommissionen) São tribunais judiciários e administrativos, especialmente instituídos para regular todas as relações entre senhores e paisanos, e conhecer d’outros negócios de economia rural. Já aludi no § 6º ao Édito Real de 1811, que adjudicou aos lavradores, ou paisanos o domínio das terras que cultivavam por título hereditário, ou vitalício, ou temporário, cedendo parte delas aos respectivos senhores. A esta medida, sucederam-se outras não menos enérgicas em benefício da agricultura. Por leis de 1823 e 1825, foi ordenado: yy que se dividissem as terras até ali possuídas em comum pelos habitantes de certos lugares; 252 Cadernos do CHDD yy que se suprimisse em toda a parte a comunhão do uso de pastagens nas charnecas, prados e devesas, e do corte de lenha e palha nas matas e campos; yy que fosse admitido o resgate de quaisquer foros, prestações de dinheiro, ou frutos, ou serviços, em determinados dias e ainda de servidões públicas etc. Evidentemente, a execução de tais medidas – que tantos interesses podiam ferir, que tantas contestações e conflitos fariam surgir entre os interessados na partilha dos bens e servidões comuns, entre senhores de terras e os lavradores – não podia ser cometida às autoridades ordinárias da justiça e da administração. Daí a necessidade destas comissões que, embora existissem desde o tempo de Frederico, o Grande (a quem se deve a primeira medida, que converteu os servos em adstritos à gleba, reprimiu o arbítrio e limitou o domínio dos senhores), foram contudo reorganizadas pela lei de 20 de junho de 1834. Há atualmente na Prússia sete comissões gerais – estabelecidas em Berlim, Soldin, Stargard, Breslau, Posen, Stendal e Münster – exercendo alguns conselhos de regência, como os de Königsberg, Dantzig etc., dentro dos seus departamentos, as mesmas atribuições que a elas competem. Cada comissão geral compõe-se do diretor ou comissário geral, d’um comissário superior como vogal técnico e dois vogais letrados, ou empregados de justiça, todos nomeados pelo governo. Exige-se que o diretor seja, pelo menos, conselheiro de regência e que os vogais tenham passado pelo terceiro exame da justiça, ou pelo segundo da administração. Compete às comissões gerais, ou aos conselhos que fazem as suas vezes, dirigir a execução do édito e leis mencionadas, e terminar as contestações por meio de composição, ou decidi-las judicial ou administrativamente, conforme o caso for. E no desempenho de suas funções são elas ajudadas por delegados seus, que se intitulam comissários econômicos (Ökonomiekommissarien), e na falta destes pelas comissões de justiça, nos diversos círculos, encarregando-lhes certas diligências locais, como exames e vistorias, preparação de processos etc. Além destes agentes, são ainda as ditas comissões auxiliadas por juntas de conciliação (Vermittlungsbehorden), compostas de dois até seis membros, nomeados pelas assembleias dos círculos e aprovados pela comissão geral respectiva. Estas juntas têm por missão intervir 253 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 em todas as questões sobre divisão ou partilha de terras e servidões, resgates de ônus, prestações etc. e terminá-las por acordo amigável. § 43. – tribunal supremo de justiça (geihemer-ober-tribunal) Criado em 1703 para certas causas em virtude do limitado privilégio de non appellando, concedido pelo imperador ao primeiro rei da Prússia e ampliado em 1746 pela concessão ilimitada do mesmo privilégio a Frederico II, acha-se este tribunal, depois de sucessivas reformas, organizado em Berlim da maneira seguinte: Compõe-se do presidente, dois vice-presidentes e 27 conselheiros, e é dividido em três câmaras, tendo cada uma sete conselheiros pelo menos, inclusive o presidente, salvo no caso de versar a revista sobre duas sentenças conformes em seus fundamentos, qu[ando] então deve a câmara revisora formar-se com 13 conselheiros. No fim de cada ano revezam-se os conselheiros d’uma para outra câmara. Compete ao tribunal supremo rever e julgar em terceira instância, e ainda em quarta, tendo havido apelação: 1. Todas as causas, cujo valor exceda de 500 thalers, nas províncias que formavam a monarquia em 1806, e de 2.000 nas adquiridas depois; 2.Os julgamentos das comissões gerais sobre regalias e privilégios de terras equestres; 3. As sentenças proferidas pelos tribunais de apelação de Münster e Greifswald, e tribunal patrimonial superior de Wernigerode, e as que versarem sobre interpretação do art. 691 do cód[igo] francês a respeito de servidões; 4.Conhecer da nulidade das sentenças por não se terem guardado as fórmulas essenciais do processo, e dos recursos de queixas contra empregados públicos. Os negócios da competência do mesmo tribunal são repartidos pelas três câmaras. À primeira, pertencem as causas relativas a divórcios e contratos matrimoniais; tutelas; heranças por testamentos, ou convenção32; estado de família e honras; feudos; municipalidades, corporações e associações não comerciais; direitos e interesses das igrejas, e consistórios, 32 Ao contrário do direito romano, o prussiano admite a herança, mesmo universal, por estipulação de contrato.(N.A.) 254 Cadernos do CHDD escolas e asilos de caridade; reclamações de regresso contra empregados públicos; sequestros e impostos; declarações de demência e prodigalidade; arrendamentos de prédios, salvo entre senhores e paisanos. É, também, reservada a esta câmara a decisão sobre a nulidade das sentenças e recursos de queixas contra empregados públicos. À segunda, competem as causas relativas a aquisição (exceto mortis causa), administração, ou alienação dos bens de raiz; julgamentos das comissões gerais; privilégio, servidões e encargos, ou ao resgate destes; divisão de terras possuídas em comum e competente demarcação de limites; qualquer reclamação real, contanto que não se funde em título de herança, ou de hipoteca registrada nos livros próprios; arrendamentos e prestações entre senhores e paisanos; censos e outros ônus, ou cláusulas enfitêuticas; reivindicação, usufruto, posse, domínio e preferência na compra de terras e jurisdição que lhes esteja anexa. À terceira cabem todas as causas, que por sua natureza não competirem às duas antecedentes câmaras e, especialmente, as relativas a questões comerciais sobre liquidação, cessão de bens, concordatas, reclamações, preferenciais etc.; recursos de regresso contra tutores; e indenizações por contrato, ou por ato ilícito. Posto que pertença à primeira câmara a decisão sobre a nulidade das sentenças e recursos de queixas contra empregados públicos, todavia, se as causas sobre que versarem as ditas sentenças e recursos forem, por qualquer título, sujeitas à competência das outras câmaras, a estas deve ser comunicada a mesma decisão para que a considerem. Havendo dúvida sobre a competência das causas a uma ou outra câmara, pertence ao presidente distribuí-la. E para que haja uniformidade no juízo, ou se evitem decisões contraditórias, cada uma câmara é obrigada a comunicar às outras o protocolo ou registo dos seus julgamentos. Quando alguma das câmaras, por maioria de votos, julgar conveniente desviar-se d’algum princípio até ali seguido, ou da interpretação já dada a uma lei, ou do sentido em que tiver sido aplicada, será esse julgamento, antes de posto em prática, submetido ao tribunal pleno, para que à vista de relatórios de dois conselheiros, escolhidos nas outras câmaras, resolva afinal e mande lavrar no protocolo o competente assento para servir de regra. E se, depois, ocorrer dúvida sobre o mesmo assento – que embarace a sua aplicação – cumpre ao tribunal recorrer ao governo, propondo-lhe um projeto de lei, convenientemente justificado, para remover a mesma dúvida. 255 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 § 44. – tribunais da pomerânia, a nova Sua organização, como já se viu, é toda especial. Constitui o que se chama Pomerânia-Nova o departamento ou regência de Stralsund, e o distrito de Peenedam pertencente à regência de Stettin. Divide-se para a administração de justiça em quatro círculos urbanos e quatro rurais. Em cada círculo urbano, o conselho municipal, dividido em duas seções, serve de tribunal de primeira e segunda instância[s] para o conhecimento e julgamento do cível e do crime; há, demais, um tribunal separado para a administração dos órfãos e são ambos de foro isento. Nos círculos rurais, o tribunal que há em cada um também se divide em seções de primeira e segunda instância e de administração orfanatória, sendo a sua competência de foro comum. Na capital judiciária, Greifswald, há os seguintes tribunais superiores: 1º.o tribunal áulico (Hofgericht) que conhece das causas relativas aos nobres que forem isentos dos tribunais urbanos e aos empregados de nomeação real; 2º.o consistório eclesiástico para administração e decisão dos negócios e questões religiosas; e 3º.o tribunal de apelação e supremo, para todas as causas judiciárias da Pomerânia Nova. § 45. – tribunais da renânia Constituídos segundo os princípios da legislação francesa, ainda vigente no Grão-Ducado do Baixo-Reno, têm estes tribunais uma organização também especial, ou diversa da geral prussiana. Nenhum deles acumula as jurisdições civil, criminal, comercial e voluntária. A província é dividida, para a justiça, em oito círculos e estes em 135 cantões. Para as causas cíveis e de polícia correcional, há no cantão um juiz de paz, com dois substitutos e um escrivão. O juiz, nomeado pelo governo sobre proposta do conselho da regência competente deve ter as qualificações exigidas para o emprego de assessor. Os substitutos, propostos pelo juiz ao tribunal de primeira instância, por este ao tribunal de apelação e por este ao governo, são igualmente nomeados, tendo as qualificações para referendário; os advogados e notários, enquanto exercem seus ofícios, não podem ser substitutos. Compete aos juízes de paz o julgamento: 256 Cadernos do CHDD 1º. das causas pessoais ou reais, até o valor de 20 thalers sem apelação e, com esta, até o valor de 300; 2º. das contravenções e delitos cometidos nas matas, pesca e caça, quando a pena não exceda de cinco dias de prisão e multa correspondente. Em cada círculo há um tribunal de primeira instância, composto do presidente e vários juízes, e dividido em câmaras, devendo cada uma ter pelo menos três juízes, inclusive o presidente. A competência destes tribunais, que se limita aos negócios puramente cíveis, é a mesma prescrita pelas leis francesas. Em Colônia, acha-se o tribunal de apelação (antiga cour imperiale) composto do presidente geral, três presidentes de câmaras, 26 juízes, procurador geral, dois assessores, três advogados gerais, quatro secretários etc. As três câmaras conhecem das causas cíveis, correcionais e criminais, funcionando cada uma segundo as disposições da legislação francesa. As causas crime são julgadas nos diversos círculos por tribunais d’assise, sendo cada um composto de cinco juízes, inclusive o presidente, que é sempre um dos conselheiros do tribunal de apelação, e de 12 jurados. Estes são sorteados da lista dos 60, que existe em cada círculo, organizada pelo presidente do respectivo conselho de regência, que os escolhe dentre os 300 cidadãos, que maior soma de contribuições pagam no mesmo círculo. Estes tribunais julgam em primeira e segunda instância, salvo o recurso em certos casos para a câmara criminal do tribunal de apelação. Para as causas comerciais, há sete tribunais, estabelecidos nas cidades mais importantes, cuja competência é conhecida. Junto a cada tribunal do comércio há também um conselho de peritos (prud’hommes) composto de 13 membros, eleitos pelos donos de fábricas e mestres dos ofícios mecânicos, que é consultado em todas as questões, para cuja decisão se há mister de conhecimentos profissionais. Finalmente há, em Berlim, o tribunal de cassação, composto do presidente, 11 juízes e um secretário, ao qual compete não só cassar as sentenças por má aplicação da lei, ou falta de solenidades essenciais, mandando julgar de novo as causas nos tribunais de primeira e segunda instância, mas também rever ou reformar as sentenças, entrando no mérito da causa, salvo no caso de ser indispensável novo exame de fato e novas provas, que exijam o regresso aos tribunais locais. Além dos tribunais judiciários, acima indicados, há ainda na 257 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Renânia 21 juízos especiais para o julgamento sumário e pronto de todas as questões relativas à navegação fluvial. Foram estabelecidos em execução das convenções celebradas entre os estados ribeirinhos, para facilitar e assegurar a livre navegação do Reno e existem nos portos fluviais onde há alfândegas, sendo exercidos em regra pelos juízes de paz, ou pelos tribunais de primeira instância, ou outra autoridade que funcione nos ditos portos. § 46. – exames para a carreira judiciária Em 1755, reinando Frederico, o Grande, foi estabelecida em Berlim uma comissão de exames para julgar da suficiência de todos os pretendentes a empregos da magistratura e do foro. Esta comissão, que ainda existe com o título de imediata ou superior (Immediat-JustizExaminations-Kommission) é composta de conselheiros do tribunal supremo, e do tribunal de cassação da Renânia: consta atualmente de sete membros, além do presidente, que é o ministro da Justiça. A mesma comissão superior tem delegações suas em todos os 19 tribunais superiores régios da monarquia; cada delegação, com o título de comissão de exames, é composta de quatro a seis conselheiros, membros do respectivo tribunal. Todos os aspirantes a empregos, ou ofícios de Justiça, precedendo licença do ministro da Justiça, têm de passar por três exames: 1º.para entrar na classe de auditor; 2º.para ser nomeado referendário; e 3º.para ser promovido a assessor. Os dois primeiros exames têm lugar ante a comissão do tribunal superior respectivo e o terceiro ante a comissão superior, em Berlim. Para alcançar a licença de admissão ao primeiro exame, deve o aspirante provar, com documentos autênticos: yy que fez o curso de estudos de um ginásio e o de direito em uma universidade, com aproveitamento; yy que tem bom comportamento moral e civil, e meios de subsistência, ou renda certa, embora módica, com que possa viver decentemente enquanto fizer o seu tirocínio judiciário; yy e que tem satisfeito ao dever do serviço militar. 258 Cadernos do CHDD O exame, que é verbal, e parte dele em língua latina, versa sobre princípios dos diversos ramos da ciência jurídica e história do direito. Aprovado o candidato por maioria de votos, é recebido como auditor, devendo começar a sua prática em algum tribunal inferior e passar, depois, para outro superior. Onde quer que tenha exercício, está o auditor debaixo da direção de um conselheiro e das vistas do presidente do tribunal; e se durante quatro anos não der provas de inteligência, zelo e moralidade, tem de ser despedido. Para a admissão ao segundo exame, deve o auditor provar – com atestados dos presidentes dos tribunais em que houver praticado – que fez progressos, tem aptidão e que comportou-se de modo irrepreensível durante a sua prática. O exame é escrito e oral. O primeiro consiste em relatar uma causa, pendente no tribunal e formular a sentença, ou decisão dela; o segundo versa sobre o direito pátrio e consuetudinário, e sobre regras do processo e prática forense. Sendo aprovado, é nomeado referendário e admitido ao trabalho de qualquer tribunal superior, ou mesmo empregado como juiz, ou comissário de justiça em algum inferior. Para ser admitido ao terceiro exame, cumpre que o referendário solicite a permissão ministerial, por intermédio do presidente do tribunal superior onde servir, e prove – com atestados do mesmo presidente e de qualquer outro em cujo tribunal tenha também servido – que exercera o seu emprego, por dois anos pelo menos, nos referidos tribunais e que se distinguira pelo seu amor ao trabalho, inteligência, assiduidade, bom comportamento moral e docilidade para com os seus superiores. O exame é também escrito e oral. O primeiro tem lugar sobre 12 relatórios das causas cíveis e seis de criminais, que o referendário tenha feito durante o seu exercício, e que deve apresentar à comissão superior; sendo-lhe lícito declarar que não deseja ser examinado ou questionado sobre alguns, cujo número todavia não poderá exceder ao da terça parte deles. Destes relatórios escolhe a comissão superior dois cíveis e um criminal para serem revistos por um dos seus membros, que se diz relator, e por outro, que se denomina censor; havendo divergência entre estes sobre o mérito de algum dos relatórios, passa a ser examinado pelos outros membros da comissão, cuja maioria decide. Se o resultado deste exame é favorável, o referendário é chamado para ser ouvido. O segundo versa sobre a matéria dos mesmos relatórios, princípios e regras de direito, e prática forense e das ciências acessórias. 259 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Concluído este exame, a comissão superior submete o resultado dele ao ministro da Justiça, classificando-o de excelente, ou bom, ou suficiente e informando com o seu parecer acerca do emprego para que julga mais habilitado o referendário examinado. Conforme a nota do exame e parecer da comissão superior são os auditores nomeados assessores, comissários de justiça, ou notários para servirem nos tribunais inferiores das grandes cidades (de 10.000 habitantes para cima) e nos patrimoniais de maior alçada, como os dos senhores mediatizados. Os assessores são, com o tempo, promovidos a conselheiros de justiça e depois, conforme o seu mérito e fortuna, elevados às classes de conselheiros superiores, conselheiros íntimos etc. § 47. – observações Sobre o processo, independência dos tribunais, execução das sentenças e despesas judiciárias nos Estados prussianos, darei breves explicações, não para que se alcance inteiro conhecimento, mas para que se faça ideia menos confusa de tão complicados assuntos; igualmente direi poucas palavras a respeito da estatística criminal dos mesmos Estados. I As fórmulas essenciais do processo, em um e outro foro, são quase as mesmas geralmente adotadas nos países em que o direito romano prevalece, ou serviu de fonte à legislação pátria. No cível, a citação, libelo, contrariedade, provas etc. constituem o essencial do processo: os tribunais, sobre tenções ou relatórios d’alguns de seus membros, que examinam a causa, proferem as suas sentenças que, segundo as alçadas e natureza do pleito, sobem dos de primeira para os da segunda instância, e destes para os de apelação, e revista. Os agravos são admitidos. No crime, o processo é instruído ou preparado sem contestação da parte, mas com o concurso de autoridades, que não entram no julgamento. A pronúncia compete ao tribunal a que é levado o processo instruído e, só depois dela, é ouvido o réu e admitida a sua defesa. O mesmo tribunal que pronuncia, julga de fato e de direito. Assim as autoridades que preparam, como as que julgam, obram ex officio. Todos os atos constitutivos do processo são escritos e reservados, dando-se deles conhecimento às partes e seus advogados somente. A confissão 260 Cadernos do CHDD do réu é essencial e às vezes extorquida por meios de constrangimento e violência. Entretanto o rei atual acaba de introduzir – por ensaio, nos tribunais de Berlim, somente – o processo crime público e oral. A recente lei de 17 de julho deste ano (1846) instituiu um procurador-geral (Staatsanwalt) junto aos tribunais de primeira instância e outro junto aos de segunda, e prescreveu as regras aconselhadas pelas circunstâncias, ou antes, pela prudência, segundo as quais deve ser ensaiada a nova forma de processo. Substanciarei aqui algumas destas regras. Os tribunais deixam de obrar ex officio: só em virtude de requisição do respectivo procuradorgeral podem eles tomar conhecimento dos crimes, salvo se houver periculum in mora. Os mesmos tribunais poderão nomear juízes preparadores dos processos, se tanto for necessário. À exceção do corpo de delito e outros atos preparatórios, todos os outros de acusação, pronúncia, defesa etc. serão públicos e orais, podendo todavia o tribunal, por motivo de conveniência, ou moralidade, vedar a presença de espectadores. As alçadas das instâncias e os recursos de apelação e revista permanecem os mesmos, mas o recurso de agravo ficou abolido. O acusado que for relaxado, o réu que for absolvido serão imediatamente postos em liberdade, sem que possa ser compelido, ou acusado pelo mesmo fato, ou causa. As sentenças serão desde logo executadas, menos nos casos em que for necessária a confirmação do rei. Contra as sentenças passadas em julgado, têm os réus, em qualquer tempo, o recurso de restituição, se provar que elas se fundaram em documento falso, ou dito d’uma testemunha perjura. Enfim, declarou-se inadmissível e ficou proibido o emprego de meios violentos, ou de constrangimento para obrigar o réu a fazer declarações, ou a confessar o crime. O júri não foi, pois, admitido ainda na Prússia e há mesmo quem presuma que, apesar da ilustração de seu povo, não será possível estabelecer utilmente essa boa instituição judiciária, em todas as províncias, sem prévios e longos ensaios, como os que há mais de 30 anos se têm feito na Escócia, país igualmente ilustrado. Só à nossa sofreguidão e inexperiência foi dado introduzir o júri, d’uma assentada, em todos os juízos criminais do Brasil: pensamos naturalizá-lo por uma lei, como a qualquer colono de S. Leopoldo ou de Petrópolis; mas aí estão as comarcas do interior, e algumas do litoral, protestando há mais de 15 anos contra o acerto dessa naturalização! 261 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 II Os juízes são independentes no julgamento das causas, mas essa independência, de que há tão louváveis e históricos exemplos, não inibe o governo de mudar os conselheiros ou juízes d’um para outro tribunal, quando o julga conveniente, nem de fazer processar e demitir ao juiz acusado de improbidade. Felizmente, em honra da magistratura prussiana, tem sido raríssimas vezes empregada essa salutar severidade. O governo abstém-se absolutamente de intervir nos atos dos tribunais, salvo nos casos seguintes: 1º.Quando dois tribunais disputam a competência sobre o mesmo negócio; 2º.Quando se trata de fixar o foro em que devem responder vários réus, pertencentes a foros diversos; 3º.Quando há necessidade de inquirir uma testemunha fora do país, ou há dúvida sobre a competência e execução de sentença d’um tribunal estrangeiro; 4º.Quando convém designar outro tribunal para julgar causas a respeito das quais se acha impedido o tribunal do lugar, por exemplo: a de responsabilidade, ou destituição d’um tutor, que não pode ser julgada pelo tribunal, que é ao mesmo tempo administrador dos bens dos órfãos do lugar etc. As sentenças cíveis dos tribunais, que passam em julgado, são executadas sem dependência de confirmação alguma, salvo nos casos únicos de versarem sobre legitimação de filhos naturais e sobre declaração de maioridade, nos quais devem ser submetidas, antes da execução, ao ministro da Justiça, que as pode suspender, segundo o exigirem as conveniências sociais, ou políticas. As criminais, que também passam em julgado, são igualmente executadas, sem dependência de confirmação, salvo nos casos de ser necessária a real, os quais se limitam aos seguintes: 1. Quando aplicam pena de morte, ou privação perpétua de liberdade; 2. Quando versam sobre causas de lesa-majestade, ou de duelo; 3. Quando condenam à perda de ordens honoríficas e do direito hereditário às ordens da Cruz de Ferro da Prússia e de S. George da Rússia. 262 Cadernos do CHDD III As despesas com a administração da justiça não pesam todas sobre o Tesouro Público; são feitas à custa: 1º.dos emolumentos pagos nas caixas dos diversos tribunais; 2º.das taxas ou quotas que pagam os possuidores de jurisdição patrimonial, em retribuição dos serviços que os tribunais régios prestam nos distritos da mesma jurisdição; e 3º.das quantias suplementares, que o dito Tesouro fornece. Estas despesas sobem anualmente, termo médio, a 5.000.000 de thalers, a saber: 3.400.000 provenientes dos emolumentos e taxas, e 1.600.000, de suprimento do Tesouro. Os ordenados dos juízes são, em regra, módicos: os dos tribunais inferiores vencem de 500 a 1.000 thalers e os dos superiores, de 1.200 a 1.500. Os membros do tribunal supremo e outros conselheiros, empregados em comissões superiores, gozam de mais avantajados ordenados. O excedente da receita, marcada no budget anual da Justiça, depois de realizada a despesa, também marcada, é distribuído em gratificações aos juízes que mais se distinguem pelo seu saber e zelo, e a certos empregados gratuitos (referendários e auditores), conforme o seu merecimento. Segundo as últimas estatísticas, há na Prússia 13.760 empregados de justiça, na razão de um para 1.120 habitantes, sendo juízes régios 2.615, juízes patrimoniais 2.423, referendários 1.385, auditores 974, comissários de justiça, notários etc. 6.363. IV Pelo relatório do ministro da Justiça Muhler e escritos do dr. Julius, diretor da nova penitenciária de Berlim, pelo método solitário, os crimes não têm acompanhado o aumento da população de 1836 para cá. Posto que naquele ano se formassem 207.247 processos e 312.805 no de 1841, todavia, estremadas as contravenções policiais, transgressões e delitos leves, como os de furto de lenha nas matas etc., reconhece-se que o número de casos graves ou crimes, em relação ao maior dos habitantes, vai em diminuição e é mesmo muito inferior ao de 1836. Nas 27 grandes prisões públicas, existentes nas oito províncias do reino, havia em 1836: homens, 6.994; mulheres, 1.746; total, 8.740. E, em 1841: dos primeiros, 9.807 e, das segundas, 2.004; total: 11.811. Releva porém notar, que tais prisões são grandes casas de correção e penitenciárias onde os condenados cumprem suas sentenças e 263 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 permanecem por anos. Nas grandes prisões de Spandau e da cidade de Brandenburgo, na província deste nome, existiam 1.456 indivíduos em 1841, sendo condenados à prisão perpétua 21; à de dez anos, 513; à de mais de um até nove anos, 600; à de menos de um ano, 245; e, à espera de julgamento, 77. A sexta parte destes indivíduos consistia em mulheres e 906 haviam sido julgados, ou eram processados pelos tribunais de Berlim: assim que esta capital, com perto de 500.000 habitantes, ou 1/3 da população de toda a província do Brandenburgo, forneceu 5/8 dos réus, julgados e por julgar. V finanças § 48. – sistema fiscal Antigamente as rendas do Estado prussiano, mais ou menos feudais, eram derivadas de direitos e taxas de consumo assaz desiguais, de alcavalas e prestações vexatórias, peagens de trânsito etc. Havia alfândegas de província a província, de círculo a círculo e até de cidade a cidade dentro do mesmo Estado. Perto de 60 tarifas diferentes achavam-se em vigor nessas alfândegas. Cobrava-se imposto ou taxa sobre 2.775 artigos ou objetos diversos. Era absolutamente proibida a entrada de muitos produtos estrangeiros. Os direitos de proteção à indústria doméstica elevavam-se até cento por cento. As taxas de trânsito eram tão exorbitantes, que ainda em tempo de Frederico, o Grande, os condutores de mercadorias da Saxônia para a Polônia preferiam fazer o rodeio de 40 léguas a transitar pela Silésia. Muitas corporações e pessoas, e grande parte das terras, eram isentas de qualquer imposto ou taxa, deixando assim de contribuir para a conservação da ordem pública aqueles que mais lucravam com isso. Só pelas leis orgânicas de Frederico Guilherme III, indicadas no § 37, foi alterado o antigo e estabelecido, em mais justiça e equidade, o novo sistema fiscal, que se não é o mais perfeito, passa por ser o melhor em toda a Europa central. O Édito Real de 7 de setembro de 1811 declarou que a reforma fiscal teria e continuaria a ter por bases: o livre gozo da propriedade territorial; o livre exercício da indústria; a abolição de todas as alcavalas e taxas vexatórias; a extensão do imposto a todas as pessoas e terras, sem distinção alguma; a simplificação do mesmo imposto e do método de sua arrecadação. 264 Cadernos do CHDD De acordo com estas bases, os ministros d’Estado conde de Bülow e Struensee formularam, em 1817, o projeto dessa reforma que, depois de examinado pausadamente pelo Conselho d’Estado, com audiência das autoridades locais e de corporações e pessoas inteligentes do comércio e indústria, foi adotado pelo rei e levado a efeito por várias leis, sucessivamente publicadas de 1818 em diante. Os princípios reguladores da mesma reforma, que ainda constituem no essencial o sistema da imposição prussiana, foram os seguintes: yy extensão da taxa territorial a todos os domínios e prédios rústicos, sem exceção alguma; yy extinção de todas as alfândegas interiores, ficando somente as das fronteiras; yy direitos de importação, calculados em dez por cento do valor das mercadorias e em 30 por cento dos gêneros coloniais, mas cobrados sempre por peso e contagem, cessando toda a proibição de entrada e qualquer outro direito protetor da indústria; yy livre entrada das matérias-primas; yy livre exportação dos produtos do país, à exceção do trigo e poucos outros artigos que ficaram sujeitos a um moderado imposto; yy liberdade de trânsito, cobrando-se somente as taxas indispensáveis para a conservação das estradas, canais, etc.; yy abolição de todas as alcavalas, prestações e taxas de consumo interno, sendo substituídas pelos impostos diretos sobre a indústria e sobre as classes (fora das cidades), pelos indiretos sobre a farinha e carne verde (dentro das cidades), e sobre a aguardente, cerveja, tabaco e vinho. Assim que (notá-lo-ei de passagem) não me parece mal cabido o desvanecimento com que alguns colaboradores, ainda vivos, dos ministros Bulow, Struensee etc., gabam-se de ter precedido a sir R. Peel e dotado a Prússia, há mais de 24 anos, com o mesmo sistema que o grande estadista inglês se esforça em admitir agora nas finanças da Grã-Bretanha. Em virtude pois do sistema de simplificação adotado e reduzido à prática, a receita da Prússia provém: I.- das rendas próprias, a saber: 1º.domínios e matas da Coroa; 2º.venda dos mesmos; 3º.minas, fundições e salinas; 4º.Correio Geral; 5º.Loteria. 265 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 II.- dos impostos diretos, a saber: 6º.taxa territorial; 7º.imposto das classes; 8º.dito sobre a indústria. III.- dos impostos indiretos, a saber: 9º.direitos de importação, exportação e trânsito; 10º.ditos de navegação do Elba, Weser e Mosela;. 11º.ditos do vinho e tabaco dos Estados da confederação, do açúcar moído e de guarda nos entrepostos; 12º.imposto sobre a aguardente; 13º.dito sobre a cerveja; 14º.dito sobre a farinha e carne verde; 15º.imposto sobre o vinho e tabaco cultivado no país; 16º.taxa de barreiras nas estradas; 17º.dita de pontes, barcas de passagem e navegação de canais e rios; 18º.selo dos papéis e cartas de jogar; 19º.estanco do sal. Direi poucas palavras sobre alguns itens desta receita, que ou por estranhos ao nosso sistema fiscal carecem de explicação, ou por análogos podem ser comparados, talvez com utilidade. Provém a renda dos domínios: dos foros, censos e prestações em dinheiro ou gêneros por contratos enfitêuticos; dos arrendamentos, mais ou menos temporários, das terras e prédios pertencentes aos mesmos domínios; e a das matas, da venda de lenha, e madeiras de construção, dos direitos de caça e outros, eventuais, como multas por infração dos regulamentos florestais etc. A renda das minas, fundições e salinas, é proveniente do trabalho e aproveitamento das que pertencem ao Estado, dos direitos pagos pelas fundições e salinas particulares e d’outros, eventuais, como multas etc. O Correio Geral não só cobra o porte das cartas, como renda, mas também arrecada os fretes de encomendas e passageiros, e o aluguel de carros de posta etc., que fazem parte deste monopólio da Coroa. O produto da loteria consiste em 12½ por cento para o Estado, dos prêmios extraídos, e do total dos prêmios não reclamados dentro de quatro anos. A taxa territorial é um imposto ânuo sobre o produto de todas as terras possuídas por quem quer que seja, mesmo pelo rei. Lançada 266 Cadernos do CHDD desigualmente em tempos antigos, é essa taxa exorbitante em certos lugares e moderada em outros, como se notou no § 6°. Para remediar tamanha falta de equidade, foi decretado por ordem do gabinete de 17 de outubro de 1810, que se procedesse a novo cadastro, cujo trabalho começado depois da paz geral, ainda não se acha concluído, apesar da diligência empregada na difícil tarefa da justa avaliação e classificação das terras, segundo as suas diversas qualidades, ou forças produtivas. Mas desde 1823 que se acha por lei estabelecido o princípio de diminuir-se a quinta parte da taxa, que pagavam as terras em 1789, e fixar-se na sexta parte do produto, a daquelas que na mesma época eram isentas de imposto. Segundo a estatística recente de Hoffmann, a taxa territorial, ainda em vigor, por milha quadrada, eleva-se na Prússia própria a 639 thalers, na Posnânia a 852, no Brandenburgo a 1.120, na Pomerânia a 774, na Silésia a 2.867, na Saxônia a 3.598, na Westfália a 3.721, e na Renânia a 4.969. O imposto das classes consiste numa contribuição mensal a que é obrigada cada pessoa, que não habita em cidade sujeita ao imposto da farinha e carne verde. As pessoas obrigadas a esta contribuição são divididas em quatro classes e cada classe subdividida em três categorias segundo a máxima, média e mínima fortuna de cada pessoa da respectiva classe. Assim, pagam as da primeira classe: yy da primeira categoria, 12 thalers por mês ou 144 por ano; yy da segunda, oito, ou 96; e yy da terceira, quatro, ou 48. A esta classe pertencem os ricos proprietários, capitalistas, banqueiros e negociantes de grosso trato. As da segunda classe, na mesma razão, pagam: dois, ou 24; 1½, ou 18; e um, ou 12. A esta pertencem os negociantes, proprietários, fabricantes e outros indivíduos abastados. As da terceira classe contribuem, pelo mesmo modo, com 20 gros[chen], ou 8 thal[ers]; 15 gros[chen], ou 6 thal[ers]; e 10 gros[chen], ou 4 thal[ers]. A ela pertencem os industriosos e lavradores que vivem independentes com o produto da sua indústria e lavoura. As da quarta classe pagam, também: 7 gros[chen] e 6 pfen[nige], ou 3 thal[lers]; 5 gros[chen], ou 2 thal[ers]; 12 ½ pfen[nige], ou ½ thal[ler]. Nesta são compreendidos os que vivem de salários e jornais, como os criados de servir, os oficiais de ofícios etc. 267 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 A repartição deste imposto é feita pelas assembleias dos círculos, conselheiros provinciais e câmaras municipais, às quais compete a sua arrecadação e entrega do seu produto à tesouraria da regência. Cada contribuinte deve, nos primeiros oito dias do mês, entrar com a respectiva quota, ou pagar d’uma vez toda a contribuição ânua, se quiser. A Câmara Municipal é responsável pela soma que couber aos seus munícipes segundo a distribuição feita, devendo preenchê-la, no caso de deficiência, por ulterior derrama sobre os mais abastados. São isentos deste imposto os menores de seis anos, os militares e os estrangeiros; e, dos que pertencem à quarta classe, os maiores de 60 anos e os que excederem ao número de três indivíduos em cada família. O imposto da indústria, consiste igualmente na contribuição mensal a que estão sujeitos todos os industriosos, sem exceção. Os contribuintes são divididos em quatro classes, a saber: yy à primeira, pertencem os que exercem qualquer indústria nas nove maiores cidades do reino; yy à segunda, os que exercem nas 121 grandes cidades sujeitas ao imposto da farinha e carne verde; yy à terceira, os industriosos das 355 pequenas cidades, tendo mais de 1.500 habitantes; e yy à quarta, os das vilas e povoações de menor população e os do campo. Nas três primeiras classes distinguem-se os industriosos privilegiados, ou que gozam de foro isento, dos não privilegiados. A contribuição mensal dos primeiros é: na primeira classe, de 2½ thalers, ou 30 por ano; na segunda, de 1½, ou 18; e, na terceira, de um, ou 12. A dos segundos e a de todos os da quarta classe (que não são privilegiados) é: na primeira, de um, ou 12; na segunda, de 20 grosch[en], ou 8 thalers; na terceira, de 15 grosch[en], ou 6 thalers; na quarta de 10 grosch[en], ou 4 thalers. O lançamento deste imposto, nas três primeiras classes, é feito pelas câmaras municipais das respectivas cidades e, na quarta, pelos conselheiros provinciais. O contribuinte deve, no princípio de cada ano, tirar o certificado, ou patente, sem a qual não pode exercer a sua indústria, [sob] pena de multa ou prisão e, no ato de recebê-la, cumpre-lhe pagar a respectiva quota mensal, ou todo o imposto, como quiser. A arrecadação é feita pelo mesmo teor do imposto das classes. O imposto da aguardente é o produto da cobrança de 2 gros[chen] 268 Cadernos do CHDD por 20 quartilhos de misto [mosto?] em fermentação para ser destilado; e, no de um, 2/3 de gros[chen], no campo, se o alambique não tiver capacidade para destilar mais de 900 quartilhos de misto [?] por dia. Igualmente, o imposto da cerveja consiste em cobrar-se 20 gros[chen] por quintal da cevada torrada para a fabricação da cerveja, sendo a fabricada no campo, em caldeirões, para consumo das famílias, isenta de imposto. A arrecadação é incumbida a agentes fiscais próprios, que inspecionam as fábricas e fiscalizam o pagamento do imposto. O imposto da farinha e carne verde é somente cobrado nas 129 grandes cidades do reino e seus arrabaldes, cujos habitantes são isentos do imposto das classes, como ficou dito. Consiste em 2/3 de thaler por quintal de farinha de trigo destinada ao consumo da respectiva cidade, quer seja moída dentro dela, quer venha de fora; e em 1/6 de thaler por igual peso de outra qualquer farinha, que possa ser combinada com a de trigo; e, bem assim, em um thaler por quintal da carne verde, seja de vaca, vitela, carneiro ou porco, também destinada ao mesmo consumo. Agentes especiais são encarregados da fiscalização, arrecadação e entrega do produto deste imposto às estações fiscais. O imposto do tabaco cultivado no país consiste numa taxa lançada sobre certa extensão do terreno destinado a essa cultura e proporcionada à sua respectiva uberdade. Para o seu lançamento, são os terrenos divididos em quatro classes: os da primeira ou mais férteis, por quadrado de seis varas pagam 6 gros[chen]; os da segunda, 5; da terceira, 4; e, da quarta, 3. Inspetores fiscais procedem anualmente à medição e classificação dos terrenos, com audiência dos interessados, e à arrecadação da taxa logo que a colheita esteja avançada, ou quando acabe. O selo dos papéis é fixo e variável. A taxa daquele é de 5 gros[chen] até 2 thalers, conforme a natureza do papel sujeito a esse imposto. A deste, é de ½ por cento do valor das letras, notas promissórias e quitações; 1/3 por cento dos contratos de compra e aluguel dos móveis; um por cento dos de imóveis; 1/2 por cento da compra de bens a herdeiros, isentos do selo das heranças e legados, o qual é de um até oito por cento, segundo os graus de parentesco, contados do mais próximo ao mais remoto; ou nenhum, sendo porém isentos dele os ascendentes, descendentes e as esposas. Nos processos, quanto ao cível, o selo é de um por cento até o valor conhecido de 20.000 thalers; e de 5 a 20 thalers, se não há valor apreciável; quanto ao crime, é de 15 gros[chen] a 50 thalers. São isentos de selo todos os papéis de menor valor que o de 50 thalers e todos os que dizem respeito ao fisco, a estabelecimentos pios e 269 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ao serviço militar. Agentes da repartição do selo vendem papel selado em folhas em branco, ou já escritas ou impressas para certos usos, como o de letras, passaportes, cadernetas de criados de servir, obreiros etc. O estanco do sal deriva o seu rendimento: yy da revenda do sal estrangeiro importado pela Sociedade do Comércio Marítimo, yy da venda do indígena produzido pelas salinas do Estado; e yy dos direitos pagos pelos senhores que gozam da prerrogativa de ter salinas suas em atividade. Por ordem do gabinete, de 22 de novembro de 1842, o preço fixo de 15 thalers por tonelada de sal foi reduzido ao de 12. Desta medida e d’outras, que mais facilitaram a vendagem por miúdo em benefício do povo, resultou que a renda do estanco de 5.700.000 thalers, realizados em 1841, fosse fixada para 1844 em 4.315.000. É de esperar que esta diminuição seja passageira. § 49. – budget [O]u fixação da receita e despesa pública, geral e provincial. Até o ano de 1821, a administração das finanças da Prússia era tão reservada, ou desconhecida do público, como a dos outros Estados não parlamentares da Europa. Frederico Guilherme III, desejando talvez predispor o seu país oficial, ou a bureaucracia prussiana, à mais importante das formalidades do governo representativo que havia prometido aos seus súditos, ordenou a publicação do primeiro budget e estabeleceu como regra que o mesmo se fizesse de três em três anos. Os orçamentos de receita e despesa, preparados pelos ministérios e repartições competentes, revistos pelo conselho de ministros e examinados pelo Conselho d’Estado, sobem portanto, à sanção d’el-rei e são publicados debaixo do título de Budget Geral no boletim das leis para ser executado em cada um dos três anos seguintes, ou enquanto outro não for promulgado. Nos budgets prussianos, a despesa com a administração e arrecadação das rendas públicas é contemplada e logo deduzida no orçamento da receita, fixando-se assim a receita líquida e omitindo-se na fixação da despesa a verba relativa à da mesma administração e arrecadação. Os dados à luz até hoje, são os seguintes: 270 Cadernos do CHDD budget thalers 182150.000.000 182950.796.000 183251.287.000 183551.740.000 183852.681.000 184155.867.000 184457.677.000 § 50. – receita pública Segundo a fixada em 1844, ainda em vigor, é essa receita34 composta das seguintes rendas e impostos.35 33 i 1° Domínios e matas da Coroa, deduzidos: a) despesas da administração 33 b) dotação do rei, família real e arras 9.924.541 3.261.279 + 2.573.099 5.834.378 – 5.834.378 4.090.163 2º Venda dos mesmos bens disponíveis para a amortização da Dívida Pública 3º Minas, fundições e salinas: menos despesas da administração:34 1.000.000 1.607.838 – 507.838 1.100.000 Fábrica de porcelana– produto líquido + 17.241 1.117.241 4.º Correio Geral – líquido 5.º Loteria – líquido 35 1.400.000 863.200 33Com a inspeção, polícia, construções, salários, impostos fiscais etc.; com guardas e derrubadores, replanta e cultura das matas, pensões às viúvas dos guardas etc..(N.A.) 34Com os empregados no aproveitamento das minas e salinas, no trabalho das fundições, nas escolas mineiras etc., e com tentativas, construções, etc..(N.A.) 35Esta repartição faz, à custa da sua renda, toda a despesa com o imenso trem, postas, agentes e empregados nos seus mui vários e distantes estabelecimentos.(N.A.) 271 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 ii 6.° Taxa territorial 10.427.944 Despesa com a arrecadação e cadastro – 585.637 9.842.307 7.º Imposto das classes 7.188.107 Despesa da arrecadação – 297.761 8.° Imposto sobre a indústria 2.435.460 Despesa da arrecadação – 98.491 6.890.346 + 2.336.969 27.540.226 36 3738 iii 9º Direitos de importação, exportação, e trânsito 12.293.110 10º Ditos sobre o vinho e tabaco dos países confederados, sobre o açúcar moído, de entreposto, etc 295.771 11º Ditos de navegação no Elba, Weser, Reno e Mosela 476.484 12º Imposto da aguardente 5.965.475 13º Dito da cerveja 1.302.484 14º Dito da farinha 1.591.665 dito da carne verde36 + 1.640.355 2.952.020 dito do vinho e tabaco cultivado no país 236.480 16º Taxas de barreiras nas estradas 1.249.605 17º Ditas de pontes, barcas de passagem, de navegação de canais e rios 817.580 18º Selo dos papéis e cartas de jogar + 3.826.193 29.415.202 Despesas com a arrecadação – 3.606.366 37 25.808.836 19º Estanco do sal 6.981.720 Despesas da administração, e compra do sal etc. – 2.653.588 + 4.328.132 Soma 38 57.677.194 36 Uma ou ambas as parcelas contêm erro, dado que a soma das parcelas à direita está correta, segundo o resultado final. 37Entre as despesas, aliás conhecidas, da arrecadação destes diferentes direitos, impostos e taxas, avulta a da conservação de pontes e canais, dos caminhos à margem dos rios para os cavalos de sirga etc.(N.A.) 38Apesar de detalhadamente conferida, a totalização dos dados apresentados é 8.000 thalers menor do que o resultado registrado. Como foram extraídos de publicação oficial do governo da Prússia, é legítimo supor que tenha havido um ou mais erros no lançamento dos dados, já que o resultado terá sido revisado pelo autor. 272 Cadernos do CHDD Vê-se pois que, desta receita, quase metade provém de contribuições diretas e permanentes; quase ¾, de taxas e impostos internos, independentes de qualquer interrupção de relações comerciais com os países estranhos; e só pouco mais de ¼ das rendas, das alfândegas. Bem diverso é o nosso sistema fiscal. § 51. – despesa pública Conforme a fixação de 1844, compõe-se esta despesa das verbas seguintes: 1ª Juros da dívida geral e provincial, e despesas da sua administração Amortização das mesmas dívidas Mais juros e amortização de dívidas provinciais posteriormente liquidadas 4.961.885 2.251.115 + 40.920 7.253.920 2ª Pensões aos servidores do Estado eméritos e a suas viúvas e descendentes, e outros socorros de igual natureza Ditas temporárias, em virtude de obrigações contraídas, como indenização de vantagens perdidas etc., por causa das reformas e mudanças políticas 985.527 + 1.232.121 2.217.648 3.ª Rendas perpétuas: a)Por direitos e regalias tiradas por lei b)Para juros de cauções prestadas por empregados públicos c)Para ditos dos fundos com que foram dotados alguns institutos públicos e dos avanços ou empréstimos temporários às diversas caixas fiscais d)Por subvenção à caixa das viúvas dos empregados civis 254.110 211.845 358.840 + 310.193 1.134.988 4.ª Repartições centrais: Gabinete real Secretaria de Estado Dita do Conselho de Ministros Escritório de Estado Tesouro do Estado e casas de moeda Arquivos do gabinete e do Estado 20.203 23.911 64.424 28.219 15.968 + 10.435 163.160 Arquivos provinciais Tribunal Superior de Contas Comissão geral das ordens honoríficas Gabinete estatístico 11.622 123.781 20.906 + 11.209 167.518 273 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 5.ª Ministério dos Cultos, Instrução e Saúde Pública 6.ª Dito do Interior e comissões gerais 7.ª Dito dos Negócios Estrangeiros 8.ª Dito da Guerra e subvenções às casas dos órfãos e filhas dos militares 9.ª Ministérios da Justiça e da Revisão das Leis Deduzidos emolumentos de Justiça, contribuições da jurisdição patrimonial e outros réditos eventuais 3.119.940 2.752.356 721.318 24.604.208 5.985.193 – 3.707.255 2.277.938 10. Ministério da Fazenda Repartição dos domínios e matas 158.653 + 99.909 258.562 Obras Públicas em geral, menos estradas Construção de estradas e pagamentos dos juros dos empréstimos contraídos para esse fim Para cobrir qualquer deficiência da Receita 2.008.917 2.782.800 + 1.000.000 5.791.717 11. Presidentes em chefe e conselhos de regência 12. Coudelarias nas diversas províncias 13. Fundição e recunho de moedas depreciadas que circulam, gratificações e socorros públicos 14. Despesas extraordinárias, inclusive reparação de pontes, canais e melhoramento de portos 15. Despesas imprevistas e remunerações pecuniárias por graça especial 16. Reserva para a garantia de juros prestada a empresas para construção de caminhos de ferro 1.704.489 173.432 516.000 2.500.000 850.000 1.462.000 57.677.194 §52. – dívida pública Graças ao governo econômico de Frederico Guilherme I, que acumulara o tesouro herdado por seu filho Frederico, o Grande e à melhor ordem que este príncipe organizador estabelecera nas finanças do seu reino engrandecido, a Prússia não teve dívida pública que avultasse antes do ano de 1806. A que atualmente pesa sobre a monarquia prussiana, foi quase toda produzida pelo desastre de Jena e condições espoliadoras da Paz de Tilsit. Além das perdas sofridas pela cessação da renda das províncias de que fora privada, a Prússia foi obrigada a pagar à França a contribuição de guerra de 120 milhões de francos e a sustentar, durante os anos de 1807 e 1808, um exército francês de 80 a 100.000 homens. A estes enormes encargos acresceram as despesas militares das campanhas de 274 Cadernos do CHDD 1812 a 1815, em que mais de 200.000 prussianos se acharam em armas. E com a paz geral, posto lhe coubesse boa parte das contribuições de guerra, que pela Lei de Talião teve a França de pagar, todavia forçado a reconhecer as dívidas das novas províncias que adquirira, a construir e armar fortalezas, a manter numerosos corpos de exército etc., mal pôde Frederico Guilherme III deixar de contrair um grande empréstimo no exterior e de achar-se a braços com multiplicados empenhos no interior. Mas logo que, aliviado do urgente trabalho de organizar, em harmonia com a dos antigos, a administração dos seus novos Estados, foi-lhe possível atender ao melhoramento das finanças, o mesmo rei decretou por ordem do gabinete de maio de 1818, a liquidação, e por outra de janeiro de 1820, a fundação da dívida pública, que se verificou constar, nesse ano, dos seguintes cômputos. i – dívida a juros Empréstimos contraídos no exterior Títulos antigos do Brandenburgo e outros com hipoteca nos domínios Títulos modernos, provenientes de empréstimos e outros avanços de dinheiro no interior para prestação de subsídios e outros pagamentos a governos estrangeiros, despesas da guerra, construção de fortalezas, abertura e melhoramento de estradas etc. Títulos, não completamente liquidados e somente calculados por memória ii. Capital Juros 35.982.009 1.799.100 9.360.670 448.115 119.500.000 4.780.000 15.249.039 609.960 – dívida sem juros Notas do Tesouro, ou papel-moeda em giro Dívidas das províncias restituídas e das adquiridas de novo, remíveis por prestações Indenizações prometidas aos municípios e regências pelas perdas que sofreram com a guerra, em liquidação Total da dívida conhecida 11.242.347 25.914.694 217.248.759 7.637.175 Tal foi a dívida pública, criada em menos de 14 anos, fundada e reconhecida em 1820. Na citada ordem do gabinete para a sua fundação, Frederico Guilherme III hipotecou, ao pagamento do seu capital e juros, todos os bens da Coroa e rendas do Estado: obrigou-se, por si e seus sucessores, a amortizar anualmente um por cento, pelo menos, do mesmo capital: aumentou com novas rendas o fundo especial da caixa da administração e amortização da dívida: separou a mesma caixa do Tesouro Nacional e 275 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 confiou-a à gerência d’uma junta, ou repartição independentemente do Ministério da Fazenda, e estabeleceu como regra, que de dez em dez anos o governo tomaria quaisquer outras medidas que mais favoráveis fossem à consolidação do crédito público e ao interesse dos credores e dos contribuintes do Estado. O fundo acrescentado e especialmente aplicado aos juros e amortização da dívida geral, às prestações para o resgate da provincial e às indenizações que se fossem liquidando, durante o primeiro decênio (de 1822 a 1832) elevou-se à soma de 10.143.027 thalers certos, além de suprimentos eventuais do Tesouro. Foi o mesmo fundo composto das seguintes rendas, que deviam passar imediatamente das arrecadações fiscais para a caixa da amortização, a saber: 1º Do produto dos domínios e matas da Coroa anualmente 2º Do produto da venda anual de bens nacionais disponíveis 3º Do produto do estanco do sal de Berlim 4º Das sobras da despesa pública, no caso de deficiência das anteriores rendas 5.868.000 1.000.000 3.275.027 A junta ou repartição independente, encarregada da administração e amortização da dívida pública foi então composta e ainda consta de um administrador supremo, considerado como ministro d’Estado e quatro vogais, a saber: dois conselheiros de finanças, o diretor da justiça municipal de Berlim e um negociante acreditado. Na transferência dos títulos d’uns para outros possuidores, no pagamento dos juros e na amortização da dívida segue esta administração o método mais usado na Europa, que a alguns respeitos difere do praticado na caixa da amortização do Brasil e que, em meu conceito, não devemos adotar enquanto não mudarem nossas atuais circunstâncias. Os títulos de dívida, resgatados por efeito da amortização anual, são conferidos pela mesma administração e pela Câmara Municipal (Magistrat) de Berlim, a quem incumbe depositar os ditos títulos no arquivo do tribunal de apelação da referida cidade. Durante os dois decênios de 1822 a 1842 realizou-se a amortização de 67.872.000 thalers e reduziu-se a dívida pública a 150.103.000, dos quais só vencem juros de três e 3½ por cento 138.861.000. No decênio corrente, que terminará em 1852, espera-se que fique reduzida a 110.000.000. 276 Cadernos do CHDD Outras dívidas, que correm por conta do Banco Geral e da Sociedade do Comércio Marítimo, como logo se verá, estão ainda a cargo da monarquia prussiana; acham-se porém amplamente garantidas pelos fundos dos mesmos estabelecimentos de crédito, cujos recursos sobram para o exato pagamento dos seus juros e lenta amortização. § 53. – budget municipal Cada município, seja urbano ou rural, tem rendas próprias para as despesas que correm por sua conta; o orçamento de sua receita e despesa, aprovado pelo conselho da regência respectiva, é convertido em budget. Ao mesmo conselho compete fiscalizar e tomar anualmente as contas. A receita municipal urbana é, em geral, derivada: 1º da décima do aluguel das casas; 2º de um módico imposto adicional ao da farinha e carne fresca; 3º das contribuições a que estão sujeitos os cocheiros e todas as carruagens públicas e particulares; 4º de certas taxas municipais dos mercados e outros lugares de cômodo, ou recreio público; 5º de multas e mais rendimentos eventuais. E sua despesa provém da conservação das calçadas e passeios, limpeza e iluminação da cidade, polícia, escolas primárias e asilos de pobres. O budget da cidade de Berlim para o ano de 1844 foi de 1.500.355 thalers a renda e de 1.442.085 a despesa. O Tesouro Público concorreu para esta com a consignação de 86.360 thalers, destinada à sustentação dos pobres. A receita dos municípios rurais é quase toda formada por pequenas taxas e contribuições pagas pelos munícipes e sua despesa maior procede da sustentação das escolas primárias e pobres. § 54. – meio circulante O padrão monetário da Prússia foi regulado por Frederico, o Grande em 1750 e por Frederico Guilherme III em 1821. Segundo este, que pouco alterou aquele, o marco de Colônia39, de ouro de 21¾ quilates é dividido em 35 fredericos d’ouro, devendo cada um pesar 113,13 39 Marco de Colônia = Kilog. 0,233957.(N.A.) 277 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 grãos e conter 903 milésimos d’ouro fino e 97 de liga. Igualmente, o marco de Colônia de prata de 12 dinheiros é dividido em 14 thalers, devendo cada um pesar 343,76 grãos e conter 750 milésimos de prata fina e 250 de liga. De acordo com este padrão, são cunhadas e correm as seguintes moedas: De ouro: frederico ½ frederico frederico dobrado thaler thaler dobrado ou thaler do Zollverein De prata: 1/6 thaler dobrado 1 /12 [thaler dobrado] 1 /30 [thaler dobrado] 5 thalers 2 ½ thalers 10 thalers 30 silbergroschen 1 silbergrosch 12 pfennig 5 silbergroschen 2½ [silbergroschen] 1 [silbergrosch] De cobre: Peças de três pfennig, de dois e de um. As moedas fracionárias do thaler desviam-se do padrão monetário e são muito mais fracas, apenas contêm 222 milésimos de prata fina. O thaler do Zollverein, cunhado em virtude das convenções de 1838, entre os Estados da União das Alfândegas, vale 2 thalers de Prússia e 3½ florins do Reno, pesando cada um 572,9 grãos e contendo 9/10 de prata fina. Calculou-se que, em 1840, circulavam nos Estados prussianos mais de 50.000.000, em moedas de ouro, prata e cobre, e perto de 2.000.000 em moeda do Zollverein, cunhada em Berlim e Breslau. A esta circulação metálica deve acrescentar-se a de papel, que monta às seguintes somas: 1ª mais de 11.000.000 de papel-moeda de 1, 3, 5, 10 e 50 thalers, que giram a par do ouro e quase sempre com ágio de um e dois por cento, mormente no tempo das feiras; 2ªmais de 14.000.000 de bilhetes do Tesouro de 50, 100 e 500 thalers, tendo por hipoteca igual quantia de títulos da dívida pública fundada; 3ªperto de 100.000.000 de apólices hipotecárias das sete caixas de crédito territorial, que são recebidas como dinheiro pelo banco e pelos tribunais, nos depósitos que recebem; 4ª 1.000.000 de notas do banco nobre da Pomerânia; 5ª notas do Banco Geral, cuja emissão começou e deve elevar-se a 15.000.000. 278 Cadernos do CHDD Pelo que se pode calcular o meio circulante da Prússia, sem contar com os papéis de crédito do comércio, em mais de 200.000.000. § 55. – banco geral (hauptbank) Foi instituído em 1765 por Frederico, o Grande, como banco de circulação, desconto e empréstimo sobre penhores (Giro-, Diskonto- und Leihbank) com o fundo capital de 8.000.000, emprestados pelo mesmo rei e com o direito de receber todo o dinheiro pertencente aos cofres dos órfãos, o dos depósitos públicos e o que os capitalistas particulares lhe confiassem, pagando juros até três por cento. Foi, pois, desde sua origem administrado pelo governo, como banco do Estado. Emitiu notas que circularam como dinheiro; mas três anos depois foi-lhe cassada essa faculdade pelo próprio instituidor, que a julgara inconveniente, limitando-se daí em diante às operações de desconto e empréstimos sobre cauções. Empregando o seu capital e os fundos que lhe foram confiados por depósito e empréstimo, pôde o banco alargar a esfera de suas transações e prosperar; mas, havendo emprestado consideráveis somas sobre hipotecas de bens de raiz na Prússia meridional, achou-se em grande embaraço no ano de 1804. Auxiliado, porém, pelo Tesouro, contraindo os seus descontos e empregando outras medidas, conseguiu remover a crise. Em abono de sua administração apresenta-se o fato de haver, nos 38 anos decorridos depois da sua fundação, não só reembolsado – ainda em vida de Frederico Guilherme I, sucessor imediato do seu instituidor – os 8.000.000 que recebera do Tesouro, como acumulado um fundo próprio de 9.000.000, que se lhe achara depois da derrota de Iena. Napoleão, ocupando Berlim em outubro de 1806, sequestrou esse fundo e todos os outros existentes no banco, do que resultou que suas obrigações e letras, representando os valores que tinha, seus e alheios, caíssem a 75 por cento e suas operações se paralisassem. Depois da Paz de Tilsit, em 1807, o governo – ocupado em conjurar os desastres da monarquia – não pôde reparar logo os do banco. Só em 1810 foi-lhe possível atender a essa grande conveniência do Estado, começando por declarar dívida pública não só todas as obrigações e letras do banco, e suas caixas filiais, mas também todos os fundos particulares, que lhe tivessem sido e fossem confiados, hipotecando a seu pagamento todos os bens da Coroa e nacionais. 279 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Com esta providência, ficou o banco habilitado a recomeçar suas operações, em pequena escala, durante os anos que precederam à paz geral; e com maior largueza e progressiva atividade d’então para cá. Dos depósitos pertencentes a órfãos e mentecaptos, paga o banco os juros de três por cento até o dia da maioridade, ou declaração de sanidade; e, desse dia em diante, os de 2½ por cento, que são também os que deve pagar pelos depósitos em comum de maiores e menores, e pelos judiciais de bens litigiosos, massas em liquidação etc.; por todos os outros fundos, que recebe raras vezes, paga mais de dois por cento. Os descontos são feitos segundo a prática geralmente seguida: prazos de dois a três meses, firmas conhecidas, ou caucionadas, e juro variável, segundo as exigências do mercado, em regra de 3½ a quatro por cento; não lhe sendo lícito altear, ou diminuir o juro de anteriores descontos, sem prévio anúncio pelas folhas públicas. No depósito de valores e empréstimo sobre penhores, também segue a prática ordinária, ou abonada pela experiência: comissões e juros moderados, e prazos (nos empréstimos) de quatro a seis meses, quando muito. Tem o banco caixas filiais nas cidades em que mais se concentram as transações comerciais, a saber: em Breslau, Dantzig, Magdeburg, Münster, Stettin, e Königsberg. Separado, em 1817, da administração do Ministério da Fazenda, constitui hoje o Banco Geral uma repartição independente, tendo por chefe um alto funcionário com o título de ministro d’Estado, que preside à junta de direção, composta de quatro conselheiros superiores e um fiscal. Subordinadas a esta juntas estão: yy a secretaria do banco; yy a contadoria central de todos os depósitos realizados no banco e suas caixas filiais; yy o escritório dos depósitos; yy a caixa geral; yy a dos descontos; yy a dos depósitos; yy a dos empréstimos sobre cauções; yy a chancelaria; e yy a agência do banco. Servem nestas diversas estações, ou seções, vários conselheiros e os empregados da contabilidade, escrituração, recebedoria, pagadoria etc. As caixas filiais são administradas ad instar do banco, por direções compostas de empregados do governo. 280 Cadernos do CHDD Para maior segurança na gerência deste grande estabelecimento de crédito, a sua direção independente é inspecionada por uma curadoria (Kuratorium), composta de três altos empregados do Estado, sendo membros dela de jure o presidente do Conselho de Estado, o ministro da Justiça e, o terceiro, um conselheiro íntimo da escolha do rei. Tal era o estado do Banco Geral até o meado deste ano de 1846; tratarei da reforma ou melhoramento que vai ter. Por ordem do gabinete, de 11 de abril, modificada por subsequentes ordens de 16 e 18 de julho e pelos novos estatutos agora publicados e não executados ainda, foi restituída ao banco a faculdade de emitir notas e concedida aos capitalistas particulares a de entrarem com 10.000.000 de thalers como acionistas, ou com direito aos dividendos. Nos termos das mesmas ordens e estatutos, cingir-se-á o banco às seguintes regras: yy A emissão não excederá, nos primeiros três anos, a soma total de 15.000.000 e, daí em diante, a de 21.000.000; as notas serão do valor de 25, 50, 100 e 500 thalers, e recebidas como dinheiro nas estações e cofres públicos. yy O valor das notas emitidas será representado sempre por 1/3 em dinheiro, ou barras, 1/3 por letras descontadas ao comércio e 1/3 por depósitos, ou cauções aceitas pelo banco. yy A junta da direção fará publicar, no fim de cada trimestre, um balancete, declarando exatamente a soma de notas em circulação e a de dinheiro, ou barras, letras e depósitos existentes no banco. yy A emissão será feita por uma comissão especial, anexa à junta de direção, debaixo da inspeção da curadoria. Cabe aqui indicar abreviadamente as razões e alcance desta reforma, ou medida de crédito, adotada com tanta urgência pelo atual ministro da Fazenda. Verificou-se, pelo último balanço do Banco Geral, que do seu ativo de 41.658.876 thalers, só podia ele dispor de 18.899.312 para descontos ou suprimentos ao comércio e indústria, visto que, por causa da sua antiga crise, dos desastres do seu confisco e das ulteriores necessidades do governo durante a guerra, no mesmo ativo se achavam compreendidos 12.725.000 thalers de títulos da dívida pública, 8.915.000 de títulos hipotecários e outros de realização difícil e duvidosa, 595.000 do valor de prédios e outros bens, constantes do inventário etc. Isso posto, se por um lado se revelava a causa da notória escassez de numerário, provocada pelas empresas dos caminhos de ferro e pelo maior desenvolvimento do comércio e indústria depois da organização 281 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 do Zollverein, por outro tornava-se evidente a necessidade de promover, quando antes, a circulação monetária e utilizar todos os capitais dispersos e desempregados, para o fim de acudir com mais amplos suprimentos aos negociantes e industriosos do país, que não podiam contentar-se com o minguado desconto de 18.000.000. Para alcançar tão importante, como urgente fim, resolveu-se agora o governo não só a dar ao Banco Geral a expansão que fica mencionada, como a consentir, por uma das citadas ordens de gabinete, na fundação de bancos particulares nas províncias, por companhias de capitalistas reunidos, debaixo das condições – de responsabilidade solidária de todos os indivíduos que os fundarem – e de não serem suas operações prejudiciais ao crédito público e ao Banco Geral. E posto que nenhum tenha sido instituído ainda, todavia o favor popular com que fora recebida esta permissão real, faz esperar que alguns sejam brevemente organizados. Além do Banco Geral, há na Prússia o Provincial da Pomerânia, criado em 1824 com permissão régia e fundado pelos proprietários de terras equestres ou nobres daquela província, com o capital de 1.000.000 de thalers e faculdade de aumentá-lo com 2.000 ações de 500 thalers, quando lhe convier. Este banco provincial é também de emissão e suas notas de um, três e cinco thalers são recebidas como dinheiro corrente nas estações públicas provinciais; não lhe é dado emitir, em notas, mais que o valor do seu fundo capital. A sua administração é confiada a uma direção, cujos membros são eleitos pela assembleia dos acionistas e confirmados pelo governo. O presidente em chefe da Pomerânia, na qualidade de comissário real, tem o direito de fiscalizar suas operações e de examinar anualmente seus livros e caixas; e ao ministro d’Estado do Interior compete a inspeção particular dele. § 56. – sociedade do comércio marítimo (seehandlung) O malogro de várias companhias comerciais, até então fomentadas pelo governo prussiano em benefício dos seus portos do Báltico, moveu Frederico, o Grande, a fundar em 1772 esta sociedade, com o capital de 1.200.000 thalers em ações de 500, vencendo juros de dez por cento, além dos dividendos. O mesmo rei adiantou-lhe a mor parte daquele capital; foi-lhe concedido por 20 anos o privilégio exclusivo 282 Cadernos do CHDD da importação do sal de Inglaterra, França, Espanha e Portugal para o consumo da Prússia e Lituânia. Por inexperiência no tráfico marítimo e sinistros, achou-se a Sociedade em circunstâncias tão críticas no ano de 1782 que, para salvá-la, teve o Estado de socorrê-la com 1.612.072 thalers. Renovado, porém, o seu privilégio até 1808 e elevado o seu capital a 1.500.000 thalers, em 3.000 ações com juros de cinco por cento, sem dividendos, pode então ela fazer mais largas e lucrativas operações no comércio marítimo. Como o Banco Geral, foi a mesma Sociedade vítima da catástrofe de Jena: suas ações e obrigações decaíram de valor e o Estado, tomandoas a si, declarou a sua importância como dívida pública e mandou-as converter em títulos desta. Reorganizada por lei de 17 de janeiro de 1820, ficou sendo, desde então, a Sociedade do Comércio Marítimo um perfeito estabelecimento de crédito e agência comercial e industrial do governo. A esfera de sua atividade é das mais importantes. Compete-lhe exclusivamente: 1º Continuar com a importação do sal estrangeiro para o consumo dos Estados prussianos, devendo, porém, descarregá-lo em armazéns reservados em cada porto e pô-lo à disposição dos agentes do estanco real, aos quais incumbe a venda por grosso e miúdo. 2º Fazer esta mesma venda por agentes seus nas províncias da Prússia própria e da Silésia, dando contas ao referido estanco. 3º Agenciar e promover todos os negócios pecuniários do governo em países estrangeiros e mesmo no interior, quando sua intervenção comercial for necessária; pelo que cabe-lhe, mediante comissões moderadas: �mover os fundos; �realizar cobranças ou pagamentos de conta do Estado; �fazer a compra de todos os produtos estranhos, de que precisar o serviço público; �verificar o pagamento de juros e a amortização de empréstimos contraídos fora do país etc.. 4ºNegociar empréstimos por parte do Estado e adiantar-lhe fundos, sempre que pelo governo lhe seja isso incumbido, ou exigido. 5ºPromover por todos os meios ao seu alcance a indústria fabril e mineira, e as transações do comércio marítimo. O Estado afiança todas as operações feitas por esta sociedade, que tem sido feliz e tão medrada se acha, que já tem podido e continua 283 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 a prestar valiosos serviços. Negociou em Londres, no ano de 1822, um empréstimo de 3.500.000 libras, a juro de cinco por cento, que está quase extinto; outro, de 12.600.000 thalers, em 1832, também a juros de cinco por cento, que deve ficar amortizado em 1857; e adiantou mais de 13.000.000 para a abertura e construção de novas estradas. No que toca à indústria, a Sociedade do Comércio faz trabalhar por sua conta um bom número de fábricas e alimenta a quase todas com avanços e com a exportação de seus produtos. As minas do Estado são custeadas por ela e os produtos vendidos ou exportados com vantagem. Não só tem promovido o comércio e navegação de longo curso, como a fluvial: navios construídos e armados pela Sociedade levam artefatos e produtos do país à América, Índia, China e Austrália, tendo alguns feito a viagem de circunavegação, e muitos barcos de vapor de sua propriedade navegam pelo Oder, Spree, Havel, Elba etc. Não chegou ainda ao conhecimento do público a importância do capital ativo da Sociedade do Comércio Marítimo: à vista, porém, da massa de suas transações em dinheiro, exportações e importações, suprimentos às fábricas, navios e barcos que possui etc., calcula-se que deva exceder de 30.000.000, sendo talvez ¼ dessa soma perfeitamente disponível. A administração desta Sociedade é independente e encarregada a um diretor supremo, que tem prerrogativas de ministro d’Estado, e a uma junta de sete vogais, sendo três conselheiros superiores, dois fiscais e dois assessores. O diretor, que preside a junta, delibera com ela sobre os negócios mais graves e resolve sem ela os de fácil expediente. Para o serviço de sua competência, tem esta administração sua secretaria, contadoria e tesouraria, com os empregados competentes; e nas diversas cidades comerciais e portos de mar, tanto nacionais como estrangeiros, conserva agentes, ou comissários e escritórios seus. Debaixo da administração da Sociedade do Comércio Marítimo está o Real Monte de Piedade de Berlim, que empresta sobre quaisquer penhores, mas nenhum proveito daí lhe vem. Depois de deduzidas as despesas do custeio, todo produto daquele Monte é entregue à administração dos hospícios e estabelecimentos de caridade. § 57. – instituto de crédito da silésia Este estabelecimento foi organizado modernamente para servir de complemento às caixas hipotecárias das províncias, mormente às da 284 Cadernos do CHDD Silésia. Forçoso é, para ajuizar-se da índole e destino do mesmo estabelecimento, dar abreviada notícia das ditas caixas. Terminada a Guerra dos Sete Anos, em 1763, acharam-se as antigas províncias da Prússia e a moderna da Silésia em estado de grande miséria e sua agricultura, completamente arruinada. Procurando remediar esse calamitoso estado, Frederico, o Grande, concedeu aos possuidores de terras e lavradores, uma moratória de três anos para a satisfação de suas dívidas e adotou, depois, o plano sugerido por certo negociante para a fundação de um banco hipotecário na Silésia, tendo por fim mobilizar, ou pôr em circulação, metade, pelo menos, do valor das terras e haver, por esse meio, capitais que pudessem ser emprestados a juros módicos aos agricultores que deles necessitassem, quer para livrarem-se d’antigas dívidas mais onerosas, quer para aumentar a sua cultura. Foi pois criada, em 1769, a caixa hipotecária da Silésia, debaixo dos auspícios do mesmo rei, que emprestou-lhe 300.000 thalers a dois por cento, para habilitá-la a ocorrer às primeiras despesas dos juros e amortização das apólices, ou títulos hipotecários que fosse, desde logo, emitindo. A exemplo desta e com certas modificações exigidas pelas circunstâncias locais, outras caixas se fundaram nas diversas províncias, a saber: na Marca Eleitoral e Nova Marca de Brandenburgo, em 1777; na Pomerânia, em 1780; na Prússia Ocidental, em 1787; na dita Oriental, em 1788, e na Posnânia, em 1821, recebendo cada uma de 100 a 200.000 thalers, adiantados pelo Tesouro Público, para seu primeiro fundo. Segundo o plano adotado em 1769 e melhorado com o andar dos tempos, os princípios que serviram para a fundação e ainda regulam as operações das ditas caixas hipotecárias, resumem-se nos seguintes: 1ºOs proprietários possuidores de terras equestres e outras (admitidas posteriormente pela reforma da constituição agrária da Prússia, indicada nos §§ 6 e 41) reuniram-se, com permissão régia, em Sociedade de Crédito Territorial (Landschaftlicher Kreditverband), obrigando-se solidariamente ao pagamento dos juros e amortização das apólices, ou títulos, que emitissem e hipotecando para esse fim as mesmas terras que possuíam. 2ºPara verificar-se essa hipoteca e a entrada de cada proprietário como sócio, foram as suas terras medidas e avaliadas por peritos, nomeados em parte pela direção da sociedade formada e em parte pelo mesmo proprietário, servindo de base para a avaliação o produto médio delas nos últimos dez e, em certas paragens, nos últimos 20 anos. 3ºCelebrada e registrada a hipoteca com a declaração do valor das 285 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 terras e admitido o proprietário como sócio, cabe a este o direito de receber da caixa, por empréstimo, metade ou, em algumas províncias, até ⅔ do mesmo valor em apólices hipotecárias, ou em dinheiro. 4ºO proprietário de terras que já se achem hipotecadas não pode ser admitido como sócio, senão remindo a anterior hipoteca; isto é, recebendo apólices para pagamento do seu credor, quando este convenha em aceitá-las e obrigando-se a satisfazer os juros e amortização delas. 5ºAs apólices hipotecárias (Pfandbrieffe) são assinadas pela direção da caixa que as emite, e isentas de selo; o seu valor nominal é de 20, 50, 100, 500, 1.000 e, às vezes, 2.000 thalers. Em regra, vencem os juros de 3½ por cento ao ano, pagos no fim de cada semestre pela respectiva caixa. 6ºA emissão das apólices verifica-se pela entrega delas ou ao sócio, que as recebe por empréstimo e se encarrega de negociá-las, ou às pessoas que as compram diretamente à mesma caixa, como agente, em caso tal, do sócio a quem pertencem. Algumas, tomadas por pessoas certas, têm a cláusula de inalienáveis, que põem o possuidor ao abrigo de qualquer extravio; mas, em geral, são passadas ao portador, podendo este transferi-las por endosso ou traspasse a quem lhe aprouver. 7ºOs sócios que recebem apólices, ou o valor delas, são obrigados a entrar para a caixa no fim de cada semestre com a soma correspondente aos juros de 3½ por cento ao ano, a mais um ou dois por cento, conforme o ajuste para sua amortização, e a mais 1 /6 por cento para as despesas da administração. 8ºNo ato de realizar-se o empréstimo em apólices, aquele que as recebe deve entrar com 1/6 por cento do valor total para o fundo de reserva da caixa, destinado a fazer face a perdas futuras; a este fundo igualmente se leva qualquer dom ou subvenção do Estado, ou das assembleias provinciais. 9º Não é lícito ao portador da apólice exigir da caixa o pagamento do seu valor nominal; nem tampouco à caixa obrigar ao sócio devedor o do empréstimo que lhe fez, enquanto este satisfizer por semestres a quantia correspondente aos juros, amortização e comissão. 10ºO sócio, que não é devedor à caixa, tem direito a um prêmio anual módico, deduzido dos lucros da mesma, em compensação do seu empenho hipotecário, que só utiliza aos outros; e aquele que, depois de haver pago a sua dívida, não quiser continuar na sociedade, pode exonerar suas terras da hipoteca e retirar-se. 11ºSe o devedor é impontual no pagamento da soma que se 286 Cadernos do CHDD comprometera entregar no fim de cada semestre, a direção da caixa, depois de mandá-lo intimar, tem o direito – por meio de um processo sumário e privilegiado – de tomar conta das terras hipotecadas, fazendo-as aproveitar por agentes seus, ou arrendandoas, ou mesmo vendendo-as para seu reembolso, salvo no caso de sinistro ou calamidade, que possa justificar a impontualidade. 12ºCada uma das caixas hipotecárias é administrada por uma diretoria, que regula todas as suas operações; por uma comissão especial, que se reúne de seis em seis meses para fiscalizar as contas; pela assembleia dos sócios, que é convocada em circunstâncias extraordinárias; e por um comissário real, que inspeciona a diretoria e preside à comissão especial e à assembleia. Além disso há, em cada círculo da respectiva província, comissões e delegados da caixa, que inspecionam as terras hipotecadas, dão parte de qualquer diminuição de valor que possam sofrer e fazem todos os exames e diligências necessárias para a boa administração e mantença do crédito do estabelecimento. O comissário real é nomeado pelo governo d’entre os sócios proprietários mais aptos e independentes; e todos os sócios, reunidos em assembleias ou em comissões por círculos, nomeiam a diretoria, a comissão especial e as delegações dos mesmos círculos. À vista, pois, dos fins e natureza destas caixas hipotecárias, reconhece-se facilmente a conveniência ou necessidade da fundação do instituto em questão. Não podendo as ditas caixas, em quase todas as províncias e sobretudo na da Silésia, emprestar aos seus sócios mais de metade do valor das terras hipotecadas, sucedia que muitos, aliás carecidos de maior suprimento, ficassem privados de alcançá-lo por segundo empréstimo sobre o valor da outra metade, visto achar-se a totalidade sujeita a tão privilegiada e especial hipoteca. Foi portanto, para remover este grande inconveniente, que se estabeleceu em Berlim, depois da paz geral, o Instituto de Crédito da Silésia, cujo benefício, apesar do seu título, longe de limitar-se à dita província, estende-se à mor parte delas. Dotado com o fundo capital de 300.000 thalers, debaixo da direção e garantia do Estado, teve por missão emprestar aos sócios das caixas estabelecidas, que necessitassem de maior auxílio, mais ¼ do valor das suas terras já hipotecadas, seguindo em tudo o mais as regras em vigor para o regímen e operações das mesmas caixas. A administração deste instituto pertence a um chefe, independente 287 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 dos ministérios, que preside a uma diretoria composta de quatro conselheiros e um fiscal. O seu balanço anual é apresentado ao tribunal de contas. Até 1844, segundo os dados que hão chegado ao conhecimento público, as caixas hipotecárias da Prússia têm emitido e emprestado mais de 100.000.000 em apólices e o instituto, perto de 1.000.000. Correm estas apólices quase sempre acima do par, oscilam menos e são tidas em mais favor que as ações de caminhos de ferro e os próprios títulos de dívida pública. Não porei remate a este § – cujo assunto é de manifesta vantagem para um país como o nosso, que tem por fonte principal da sua riqueza a indústria agrícola – sem reiterar a opinião, já há dois anos emitida por mim: consultado, em 1844, sobre a possibilidade de criar-se na Bahia um banco hipotecário, fui de parecer, na resposta que fiz imprimir na tipografia do Jornal do Commercio, que o sistema de crédito territorial não podia medrar, nem desenvolver-se onde a legislação hipotecária não estivesse de acordo com as conveniências e necessidades do mesmo crédito. Pelos exames que acabo de fazer no país clássico do crédito hipotecário e fatos que averiguei e opiniões que ouvi a homens práticos, inclusive o próprio conde Cieszkowski, cuja autoridade citei na dita minha resposta, cada vez mais convencido estou da solidez daquele parecer. Frederico, o Grande, primeiro fautor das caixas hipotecárias, à vista das operações e regímen prático das que instituíra na Silésia, Brandenburgo e Pomerânia, tratou logo de promulgar em 1783 o seu “Código das Hipotecas”, segundo o qual não são válidas as que não forem especiais e públicas, ou não designarem a coisa obrigada e o valor da obrigação, e não constarem de escritura celebrada e registrada em livros próprios, ante os tribunais locais e debaixo da direção e inspeção imediata dos mesmos; ficando assim removidos os embaraços e inevitável perigo, que as hipotecas gerais e ocultas ou legais deviam necessariamente trazer ao crédito e desenvolvimento das referidas caixas. Os governos da Baviera, do Hannover, da Hesse Eleitoral e d’outros Estados da Alemanha que, a exemplo da Prússia, admitiram e promoveram a instituição de caixas ou bancos hipotecários, têm procedido pelo mesmo teor e reformado a sua legislação sobre hipotecas. O imperador Alexandre, para levar a efeito a sociedade de crédito territorial que fundara em 1818, no seu novo reino da Polônia, começou por alterar as disposições hipotecárias do código francês que, admitido em 1807 no efêmero Grão-Ducado de Varsóvia, ainda se acha em vigor no mesmo reino. 288 Cadernos do CHDD Nenhum dos países, cuja legislação reconhece como válidas as hipotecas gerais e ocultas, conseguiu ainda estabelecer, ou fazer vingar, em proveito da sua agricultura, o sistema de crédito hipotecário. Não há muito que li nas folhas francesas uma longa carta, escrita de Nice por Filippe Dupin ao chefe da Ordem dos Advogados de Paris, na qual é habilmente sustentada a imperiosa necessidade de reformar-se a legislação hipotecária francesa, em harmonia com o mesmo sistema de crédito. Entre os seus argumentos sobressai o de não ser justo que por amor de pupilos e outras pessoas miseráveis na frase das leis, fique toda a massa dos agricultores do país privada da imensa vantagem do crédito territorial; tanto mais, quanto o interesse de tais pessoas pode ser eficazmente ressalvado por outras seguranças e a prosperidade da agricultura não pode deixar de ser-lhes vantajosa na mor parte dos casos, senão em todos. VI INSTRUÇÃO PÚBLICA § 58. – seu sistema Não me é dado revelar sobre este assunto circunstância alguma essencial, que tivesse escapado à notícia e análise de M. Cousin: o seu Relatório sobre a instrução primária e Memória sobre a instrução secundária da Prússia são escritos clássicos e geralmente conhecidos. Todavia, obrigado por minhas instruções a ocupar-me do mesmo assunto e auxiliado, tão benevolamente, como fora o sábio francês, pelo governo prussiano, atrevo-me a oferecer aqui, em mais resumido quadro, o que nos importa saber acerca do estado atual do ensino público na Prússia. Os últimos eleitores e primeiros reis da Prússia cuidaram, por conselho e regulamentos, de excitar no seu povo o desejo de iniciar-se nos conhecimentos mais úteis ao homem social. Instituíram escolas e consignaram fundos para a sua mantença. Mas, nem por isso se propagou a instrução elementar: o progresso então feito limitou-se à cultura das ciências e belas artes, despertadas e alimentadas pela reforma religiosa, e suas discussões. Frederico, o Grande, mais enérgico que os seus predecessores, foi quem assentou a pedra angular do edifício, tão admirado hoje, da instituição prussiana. No seu Landrecht, ou Código Geral, impôs a todos os 289 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 pais, tutores, fabricantes etc., a obrigação de mandar às escolas seus filhos, pupilos, aprendizes etc., logo que chegassem à idade de seis anos,[sob] pena de multa e prisão, salvo o caso de extrema pobreza. Começada assim, forçoso foi que o mesmo rei e seus sucessores continuassem a obra. A injustiça que haveria na aplicação daquela pena, se os pais e tutores não pudessem evitá-la, tornou desde logo necessário o melhoramento das escolas existentes e a criação de novas. A ideia óbvia da inutilidade dessas escolas, se não fossem regidas por mestres idôneos, aconselhou imediatamente o estabelecimento de seminários para habilitar os aspirantes ao magistério e de comissões de exame para a apreciação dessa idoneidade. E o natural receio da falta de aspirantes e futuros mestres, se não lhes fosse aberta uma carreira esperançosa, lembrou ao mesmo tempo a fundação de caixas especiais para dar pensões aos que se impossibilitassem e socorros às suas viúvas e órfãos. Tal foi o processo lógico que, reduzido à prática, deu em resultado o sistema, que será desenvolvido nos seguintes §§. Cabe, porém, a Frederico Guilherme III, o reorganizador da monarquia, todo o progresso que o mesmo sistema há feito nos últimos 25 anos. Por lei de 1819, compilando e ampliando as antigas disposições e costumes, regulou definitivamente a organização, direção, inspeção e sustentação das escolas de instrução primária e secundária. Recomendo a quem carecer de mais amplo conhecimento da doutrina dos capítulos e §§ desta lei, que consulte as citadas obras de M. Cousin, onde a achará quase por extenso. Para o meu fim, que não é instruir aos lidos, julgo suficiente extratar da mesma lei e de outras mais modernas que examinei, as regras capitais e indispensáveis para que se possa compreender, sem mais profundo estudo, qual o plano seguido e quais os meios empregados pelo governo prussiano para o desenvolvimento da educação elementar e científica dos seus súditos em geral. Essas regras, tendo em vista as diversas conveniências do sistema de ensino, resumem-se nas seguintes: I. Permanece a obrigação e pena imposta pelo Landrecht, nos termos seguintes: Os meninos d’um e d’outro sexo serão mandados para as escolas primárias logo que completarem sete anos e permanecerão nelas até os 14. As comissões e inspetores das escolas e autoridades da polícia local vigiarão no cumprimento deste preceito, advertindo aos pais, 290 Cadernos do CHDD tutores etc., intimando-os, impondo-lhes a pena e fazendo recolher as multas às caixas das escolas respectivas. Os filhos dos pobres, reconhecidos como tais, receberão ensino gratuito na escola de seu distrito e serão socorridos à custa da caixa da mesma. II. As escolas de instrução primária ficam a cargo do conselho municipal em cada distrito urbano; e da sociedade das escolas do campo (Landes-Schulverein) em cada distrito rural. Esta sociedade é composta de todos os proprietários – quer tenham filhos ou não – e de todos os pais de família domiciliados no distrito, e deverá ser formada em todo aquele que a não tiver ainda. A mesma sociedade reunir-se-á anualmente, presidida pela autoridade civil mais graduada do lugar, para tratar do interesse da escola ou escolas do respectivo distrito. III. À despesa da mantença, melhoramento e nova criação dessas escolas, são aplicadas: 1ºAs rendas próprias que tiverem, por efeito de antigas ou modernas doações, legados etc. 2º A prestação mensal (Schulgeld) a que são obrigados os meninos d’ambos os sexos que as frequentarem. 3º Nos distritos urbanos, as somas que os conselhos municipais devem consignar anualmente para a instrução primária. 4º Nos distritos rurais, a contribuição em dinheiro ou em gêneros (Beitrage) a que é obrigado cada membro das sociedades das escolas do campo. 5º E, em todos os distritos, as subvenções ou socorros, que em caso de necessidade, receberem das caixas das províncias ou das do Estado. IV. A administração e fiscalização destas escolas são confiadas: 1. Em cada distrito rural, a uma comissão especial (Schulvorstand), composta do vigário ou pastor, d’um membro da câmara municipal e de um, dois, ou mais pais de família, nomeados pela Sociedade das Escolas do Campo do mesmo distrito. E quando este compreenda várias aldeias, ou povoações rústicas e tenha mais 291 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 de uma escola, haverá comissão especial para cada um, ou para cada duas, se a distância d’uma a outra não exceder de meia légua. 2. Em cada distrito urbano, de pequena cidade, a uma comissão especial composta como a antecedente, se houver uma só escola, e aumentada com mais um eclesiástico e maior número de pais de famílias, se houver mais de uma; aos pais de família residentes na cidade pertence a escolha dos que devem pertencer à dita comissão. 3. Em cada distrito urbano de grande cidade, a igual comissão especial, composta como dito fica, em cada bairro, e a uma comissão central (Schulkommission) formada dos mesmos elementos das especiais, ou de eclesiásticos, um de cada confissão, católica ou evangélica, de membros da câmara municipal, e de pais de família. Às comissões especiais, indicadas em primeiro e segundo lugar, pertence: yy velar na ordem, disciplina e moralidade da escola, ou escolas de sua alçada; yy arrecadar as suas rendas de qualquer espécie; yy fiscalizar a caixa respectiva e correr com as despesas de cada escola. À comissão central, indicada em terceiro lugar, compete mais a administração da caixa comum do que a das escolas, cuja inspeção particular é incumbida às comissões especiais dos bairros. Na arrecadação dos rendimentos ou receita das escolas, as ditas comissões são eficazmente auxiliadas pelas autoridades municipais e fiscais dos distritos. O Beitrage e o Schulgeld são considerados como impostos públicos e arrecadados até por via executiva. V. Para cômodo presente e segurança futura dos mestres, determina-se: 1ºQue continuem a favor deles todas as vantagens de que gozarem por efeito de antigos usos, como yycertas propinas por ocasião de casamento, batizado e enterramento yyter sucessivamente assento na mesa de cada pai de família do distrito yygozo d’um terreno para horta e jardim nos distritos rurais yyisenção de ônus, taxas municipais etc. 292 Cadernos do CHDD 2º Que as caixas das escolas lhes prestem, além dos ordenados, os socorros precisos, quando enfermos, ou impossibilitados e arbitrem pensões às suas viúvas e filhos que ficarem desamparados, dando demais a estes ensino gratuito nas escolas dos seus domicílios. VI. Se por alguma causa grave não bastar a receita d’alguma destas caixas para as despesas da escola ou escolas de sua competência, a comissão respectiva, com a demonstração justificada do seu déficit e por intermédio das autoridades encarregadas da direção e inspeção do ensino público, recorrerá à caixa das escolas da regência, ou da província e, em último caso, ao governo do Estado. VII. Para evitar tudo que possa ser prejudicial ao ensino e à moralidade e prestígio dos mestres, é-lhes proibido: 1º Servir emprego algum incompatível com o seu magistério, ou que por qualquer maneira o embarace de dar lições e reger pessoalmente os trabalhos das classes etc. 2º Cobrar, ou receber a contribuição dos pais, a prestação dos discípulos e qualquer outra renda da respectiva escola e agenciar, ou promover subscrições em proveito próprio ou alheio, entre os mesmo discípulos e seus pais. 3º Exercer qualquer ofício mecânico, impróprio da sua condição, mormente se não for asseado. VIII. As escolas de instrução secundária e os seminários ficam a cargo das regências, ou províncias. À despesa de sua sustentação, melhoramento e novas criações, são aplicadas: 1.As antigas dotações e rendas próprias de que gozam e quaisquer doações, ou legados que aceitarem. 2. O rendimento dos bens eclesiásticos secularizados, que lhes têm sido, ou forem concedidos pelo Estado. 3. As somas das contribuições para o ensino público, arrecadadas na respectiva regência ou província. 4. Os suprimentos que, em caso de necessidade, lhes forem feitos pelo Estado. 293 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 IX. A administração destas escolas e seminários é confiada aos consistórios, nas regências das capitais das províncias, e às comissões dos consistórios em todas as outras regências. As suas rendas, de qualquer natureza, são arrecadadas pelas estações e empregados públicos fiscais e recolhidas a caixas próprias, devendo haver uma em cada regência e cumprindo ao respectivo consistório criá-la e fundá-la, naquela que a não tiver ainda. X A estas caixas provinciais, ou das regências, incumbe-se – a respeito dos estabelecimentos de instrução secundária – o mesmo que, a respeito dos de instrução primária, ficou incumbido às caixas das escolas nos distritos urbanos e rurais; Tais são as bases do sistema prussiano, quanto à instrução primária e secundária. Quanto às escolas de instrução superior e de aplicação, segundo as leis e regulamentos em vigor, continuam a cargo do Estado, que diretamente administra as suas rendas próprias e ocorre às despesas de sua sustentação e melhoramento. Resta, para complemento do mesmo sistema, que se conheça como o governo dirige a instrução pública em geral e qual a organização particular das diversas escolas. § 59. – direção O ensino público na Prússia é distribuído por quatro categorias de escolas, como acabei de indicar e vêm a ser: 1. De instrução primária, que compreende as escolas públicas elementares, médias, burguesas e as particulares. 2. De instrução secundária, que compreende os ginásios, próginásios e seminários, para mestres de instrução primária. 3.De instrução superior, que compreende os seminários filosóficos, anexos às universidades; os seminários para as escolas sábias; as universidades e a Academia de Münster. 4. De aplicação, que compreende os institutos, as academias e grandes e pequenas escolas para a cultura teórica e prática das belas-artes e dos diversos ramos de indústria nacional. Todas estas escolas, sem exceção de nenhuma, são dirigidas e inspecionadas pelo governo. As da quarta categoria o são pelos 294 Cadernos do CHDD ministérios do Interior e da Fazenda e as de primeira, segunda e terceira pelo Ministério dos Cultos e Instrução Pública. Vejamos como. Na terceira repartição do Ministério dos Cultos (§ 13) acham-se centralizados todos os negócios relativos à instrução pública da sua competência. Por esta repartição o ministro dirige e inspeciona diretamente as escolas da terceira categoria, que só dependem do governo, entendendo-se com os respectivos comissários reais, reitores e diretores; e indiretamente as da primeira e segunda categorias, servindo-se das seguintes autoridades. Em cada província, a Junta de Instrução Pública do consistório e em cada regência a comissão da mesma junta (§§ 30 e 31) tem a seu cargo a direção e instrução de todas as escolas públicas ou particulares de instrução primária e secundária, existentes nos seus respectivos departamentos, cumprindo-lhes velar particularmente na escolha dos compêndios, no método do ensino, na disciplina e economia das classes e caixas, na moralidade dos mestres e aproveitamento dos discípulos. Em cada círculo, um inspetor (Kreisschulinspektor), nomeado pela junta do consistório respectivo, é encarregado da superintendência das mesmas escolas e da execução pontual dos regulamentos e instruções que receber. Em cada distrito, sendo de cidade grande, a Schulkommission ou comissão central; sendo de cidade pequena, ou do campo, o Schulvorstand ou comissão especial (que em regra há uma para cada escola) têm por missão cuidar na administração disciplinar e econômica das respectivas escolas. Além disso às juntas dos consistórios compete nomear visitadores para o exame das caixas e do estado das ditas escolas e, para qualquer averiguação, ou diligência, que julgar conveniente ao melhoramento do ensino, ou à correção e repressão de defeitos e abusos. Assim, pois, a ação do governo, partindo do ministério e seguindo pelos canais acima apontados, chega ao mais humilde cantão ou aldeia do reino. § 60. – escolas primárias O seu principal fim (diz a lei) é ensinar aos meninos os deveres do homem para com Deus, inspirar-lhes o desejo de viver segundo os preceitos do cristianismo e completar a instrução religiosa que já tiverem recebido no seio de suas famílias e, outrossim, infiltrar-lhes no 295 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 espírito os princípios de obediência às leis e de amor e fidelidade ao rei e à pátria. Estas escolas dividem-se, como já se notou, em elementares, médias, burguesas e particulares. Tratarei da organização de cada uma delas e, depois, das regras comuns a todas. I. Elementares (Elementarschulen) Em regra as matérias do seu ensino limitam-se às seguintes: 1º Instrução religiosa, segundo a confissão do discípulo: estudo do catecismo, leitura da bíblia, orações, assistência aos ofícios divinos etc. 2º Caligrafia, leitura e ginástica. 3º Cálculo e aritmética prática. 4º Língua alemã e, nos países d’outra língua, esta e ao mesmo tempo aquela. 5º Noções práticas dos trabalhos manuais e da cultura da terra, mormente nos distritos rurais. Cada uma destas escolas, que são ordinariamente as do campo ou distritos rurais, têm um mestre e, às vezes, um substituto. II. Médias (Mittelschulen) O seu ensino compreende, além das matérias ou classes antecedentes, mais as seguintes. 6º Elementos de geometria e princípios de desenho. 7º Música e canto. 8º Elementos de física e história, particularmente a da Prússia. 9º Para as meninas, o ensino de coser, bordar e outros trabalhos próprios do seu sexo. Estas escolas existem ordinariamente nos distritos urbanos, ou nas cidades; cada uma tem dois, ou quatro mestres e substitutos. III. Burguesas (Bürgerschulen) São escolas maiores de instrução primária. O quadro das matérias do seu ensino é mais extenso e profundo, que o das precedentes. Ei-lo: 296 Cadernos do CHDD 1ºReligião e moral; lição da história sagrada, explicação dos preceitos divinos etc. 2ºLíngua alemã e também a particular do país; leitura dos clássicos, composição e exercícios de estilo etc. 3º Língua latina. 4ºEstudo aprofundado de aritmética prática e elementos de matemática. 5º Física, até chegar-se à compreensão dos principais fenômenos da natureza. 6º Geografia e história, até que se obtenha uma noção geral da Terra, dos povos que a habitam, dos Estados em se divide e das leis prussianas. 7º Música, e canto mais aperfeiçoado. 8º Caligrafia e leitura com maior perfeição. 9ºDesenho. 10ºExercícios ginásticos. Estas escolas acham-se organizadas nas cidades mais populosas, tendo cada uma de cinco a sete mestres e substitutos, e às vezes mais. Algumas delas, cujo ensino é mais desenvolvido, ou mais aperfeiçoado, gozam do título de pró-ginásios. Os reitores, diretores e mestres destas três espécies de escolas públicas primárias, são responsáveis pelo exato cumprimento dos regulamentos e pela ordem e decência que nelas se deve guardar. Os castigos corporais são permitidos, em casos mais graves, contanto que não enfraqueçam o sentimento de honra, nem ofendam ao pudor. Os alunos incorrigíveis, cujo exemplo possa contaminar os outros, devem ser expulsos das escolas. O ano escolar conta-se de Páscoa a Páscoa, ou de S. Miguel a S. Miguel, conforme o uso do país. O curso anual é dividido em semestres e no fim destes fazem-se exames e passam-se os aproveitados d’umas para outras classes. A tais exames devem assistir delegados das autoridades encarregadas da inspeção do ensino público e das comissões a cujo cargo esteja a administração particular da escola. Findo o ensino primário, em qualquer destas escolas, o aluno recebe do reitor, diretor ou mestre e da comissão respectiva um certificado, contendo a declaração da capacidade intelectual e disposição religiosa e moral do mesmo aluno ao deixar a escola respectiva. Sem exibir este certificado, não poderá aluno algum entrar para os ginásios, nem ser admitido como aprendiz nas oficinas e fábricas, e nem receber a primeira comunhão. 297 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 IV. Escolas particulares São instituições de educação e ensino, fundadas por indivíduos d’um, ou d’outro sexo, à sua própria custa, ou sem estipêndio do Estado. Debaixo desta designação compreendem-se não só as escolas para externos e os colégios para internos, mas também os mestres, que dão lições pelas casas, e os preceptores estabelecidos no seio das famílias. A lei não veda o ensino particular, mas sujeita-o à inspeção das mesmas autoridades que dirigem e inspecionam as escolas públicas. Resumirei aqui o regulamento em vigor, de 31 de dezembro de 1839, relativo ao ensino particular, que não se acha nas obras de mr. Cousin. É o seguinte: Seção 1ª – Das escolas particulares. 1.ª As escolas e colégios particulares não poderão ser estabelecidos senão nos lugares em que não houver suficiente número de escolas públicas. 2.ª As pessoas, que quiserem obter dos consistórios e comissões dos conselhos de regência a permissão para abrirem escolas tais, deverão passar pelo mesmo exame a que são sujeitos os aspirantes ao magistério da instrução primária. 3.º Além disso, exibirá certificados do burgomestre e do vigário, ou pastor do seu domicílio, em abono da sua moralidade. 4.º A permissão do conselho de regência para o estabelecimento de qualquer escola particular poderá ser cassada, sem que a autoridade seja obrigada a declarar o motivo. 5.º Nenhum indivíduo, demitido de cargos públicos por haver pertencido a sociedades secretas, poderá estabelecer escola ou colégio; nem estrangeiro algum podê-lo-á fazer, sem autorização especial do Ministério do Interior e do presidente da polícia. 6.º 7.º e 8.º As escolas particulares estão sujeiras a mesma inspeção das públicas. Os seus diretores devem observar os regulamentos gerais da instrução primária. Não admitirão mestres que não tenham certificado dos consistórios e comissões das regências. Participarão à autoridade qualquer mudança ocorrida no pessoal dos mestres que empregarem. Convidarão a mesma autoridade para assistir aos exames dos seus alunos. 298 Cadernos do CHDD 9.º À mesma inspeção das autoridades que dirigem a instrução primária ficam também sujeitas as escolas que têm por fim o ensino dos trabalhos próprios do sexo feminino, como coser, bordar, fazer ponto de meia etc. 10. Aos diretores de todas estas escolas que infringirem o presente regulamento será imposta administrativamente a multa de 20 thalers. Seção 2ª – Dos mestres particulares. 11. Reputam-se tais os indivíduos d’um ou d’outro sexo que dão lições à hora, ou em dias determinados, em certas casas. 12. Nenhuma pessoa poderá exercer o emprego de mestre particular sem obter a permissão e exibir o certificado exigidos nos artigos 2º e 3º. 13. Esta permissão será renovada no princípio de cada ano e é revogável em qualquer tempo, a juízo da autoridade. 14. A mesma permissão não será dada a quem tiver pertencido a sociedades secretas, nem a estrangeiro sem a autorização exigida no artigo 5º. 15. São considerados como mestres particulares os que ensinarem música, desenho, esgrima etc. em suas casas, ou nas alheias. 16. As autoridades que inspecionam a instrução pública farão vigiar todos esses mestres e mestras, e comunicarão à polícia qualquer irregularidade no seu comportamento ou exercício. Seção 3ª – Dos preceptores. 17. Consideram-se como tais as pessoas d’um ou d’outro sexo, que são admitidas nas famílias para dirigir a educação dos filhos no próprio lar doméstico. 18. Nenhum indivíduo poderá oferecer-se, nem ser aceito como preceptor ou preceptora, sem apresentar licença especial do consistório ou comissão do conselho de regência a que pertencer o lugar ou casa onde quiser empregar-se. 19. Esta licença será concedida à vista de certificados autênticos que afiancem a capacidade intelectual, moral e civil da pessoa que a solicitar. 20. Os nomes das pessoas que obtiverem tais licenças serão publicados no boletim oficial do conselho da regência. 299 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 21. Os pais e tutores, cujos filhos e pupilos não frequentarem os ginásios, continuam na obrigação de declarar como e onde [se] lhes dá a instrução conveniente, sempre que forem questionados pela autoridade inspetora do ensino público. O seguinte quadro (A) extraído dos mapas oficiais, que devo à bondade do ilustrado ministro dos Cultos o sr. Eichhorn, apresenta o número das escolas públicas de instrução primária, dos mestres que as dirigem e dos discípulos que as frequentam em todas as regências, círculos e distritos da Prússia; das particulares, que poucas devem existir, não alcancei esclarecimento algum que mereça ser mencionado aqui. (A) instrução primária C B A no fim do ano de 1843 Escolas De Mestres De Mestres e De elementares meninos Mestres e Mestras e e Discípulos Discípulas e ou do 1.º substitutos substitutas meninos substitutos meninas mestras meninas grau Nas cidades: 2.761 5.653 964 --------266.291 255.471 Nos distritos rurais: 20.885 22.257 833 --------918.573 887.811 Escolas médias, ou do 2.º grau Nas cidades: ------323 1.005 316 1.496 35.902 39.620 Nos distritos rurais: ------13 36 9 43 1.289 1.290 Escolas burguesas ou maiores Nas cidades: ------97 666 ----14.768 --Nos distritos rurais: ------3 6 ----27 --Somas: 23.646 27.910 1.797 436 1.713 325 1.539 1.237.850 1.184.192 § 61 – seminários para mestres de instrução primária (schullehrer-seminarien) São colégios destinados a instruir e formar aqueles que aspiram ao magistério das escolas primárias. Há grandes e pequenos seminários. 300 Cadernos do CHDD A mor parte das escolas burguesas, e mesmo das médias, constituem os pequenos seminários. Os grandes, que em geral são internatos e em grande parte antigos, têm sido cuidadosa e expressamente fundados em todos os departamentos ou regências da Prússia. Para a matrícula do seminarista, requer-se a idade de 16 a 17 anos curso completo da instrução elementar: esta regra é comum aos grandes e pequenos seminários. Também em todos dura três anos o curso dos estudos: no 1.º são repetidas todas as matérias do ensino das escolas elementares; no 2.º dá-se maior desenvolvimento às mesmas matérias e a precisa noção dos conhecimentos acessórios para bem compreendê-las; – no 3.º pratica-se o magistério na escola primária anexa ao seminário, ou em alguma da cidade onde este se acha. Pode ser dispensado do primeiro ano o aspirante que se mostrar assaz versado nos estudos elementares, ficando-lhe o curso reduzido a dois anos. Todo o seminarista, enquanto estuda, é dispensado do serviço militar. A lei recomenda que os grandes seminários sejam estabelecidos nas cidades pequenas e mais próximas dos asilos de órfãos e desvalidos, que possam ser admitidos como aspirantes ao magistério primário. Os que forem absolutamente destituídos de meios e tiverem reconhecida capacidade, serão admitidos à custa do Estado, que lhes dará estipêndios, ficando porém obrigados a aceitar e reger as escolas primárias que lhes forem designadas. Os grandes seminários ou são especiais para cada uma das confissões, católica e evangélica, ou mistos para ambas ao mesmo tempo. O número dos seminaristas em cada um não deve exceder ao de 70. Aos consistórios é muito recomendado que velem particularmente na direção e inspeção destes seminários, donde (diz a mesma lei) devem sair homens sãos de espírito e de corpo, compenetrados dos deveres de sua alta e santa missão, dignos do respeito e amizade dos seus alunos e dos pais de família e, portanto, habilitados para se encarregarem da educação religiosa, moral e civil da juventude. O seminarista, concluído no seu curso, deve passar pelo exame d’uma comissão, composta de dois eclesiásticos, nomeados pelo bispo diocesano, ou pelo consistório, ou por ambos, segundo a natureza especial ou mista do seminário, e de dois leigos, designados sempre pelo mesmo consistório e presidida por um conselheiro da regência respectiva. Sendo aprovado por esta comissão, recebe o seminarista o seu certificado de capacidade e seu nome é publicado no boletim oficial da regência como candidato para o magistério de instrução primária. 301 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 A nomeação do candidato para o emprego de mestre pertence, em regra, nos distritos rurais ao Schulvorstand ou comissão especial da escola; nos distritos urbanos, aos conselhos municipais, ou à corporação, família ou pessoa que tiver fundado a escola; quanto às escolas que recebem subsídios do Estado, às precedentes entidades e juntamente ao consistório; e, quanto às sustentadas exclusivamente pelo Estado, ao consistório só. Ordinariamente é sempre aceito e nomeado para a cadeira vaga o candidato que é recomendado pelo inspetor do círculo. O mestre nomeado recebe o seu diploma do Conselho da Regência e deve solicitar, dentro de dois meses, a confirmação régia. No mesmo diploma são exarados os deveres e obrigações principais do seu cargo, e as vantagens e vencimentos a que tem direito. No tempo de M. Cousin havia 33 grandes seminários, hoje existem 41. § 62 – ginásio e pró-ginásio (gymnasium und progymnasium) São grandes e pequenos liceus, que têm por fim o ensino dos conhecimentos úteis à vida e o desenvolvimento do estudo clássico, ou a preparação para a cultura, com aproveitamento das artes e ciências nas escolas superiores. As matérias do ensino, em cada ginásio, são as seguintes: 1. Religião: seus dogmas e moral: escritura santa e história geral da Igreja. 2. Língua alemã: conhecimento dos livros e escritores clássicos nacionais; desenvolvimento dos preceitos da prosa e poesia; e exercícios por escrito e orais para adquirir-se o hábito de escrever e falar corretamente. 3. Latim: estudado pelos clássicos de Roma e exercícios por escrito e orais sobre assuntos de lógica, gramática, filosofia etc., para adquirir-se o hábito de escrever e falar a mesma língua. 4. Grego: também estudado pelos clássicos da Grécia e os mesmos exercícios, exigidos para o latim. 5. Matemáticas puras e aplicadas: estudadas para o fim de desenvolver a inteligência, formar o espírito lógico, ou o gênio matemático. 6. Ciências naturais: física, química, história natural e leis gerais e forças da natureza, não só explicadas teórica, como praticamente. 7. Filosofia: todos os seus princípios elementares. 8. Geografia e história, particularmente da Prússia, em toda a sua extensão. 9. Música e canto: com exercícios. 302 Cadernos do CHDD 10.Elementos da língua hebraica para os alunos destinados ao serviço da Igreja. 11.Língua francesa, sendo permitido o ensino de qualquer outra estrangeira. 12.Desenho e ginástica. Estas matérias são distribuídas por seis classes, precedendo ordinariamente à 6ª (por onde começa o curso dos estudos) uma classe preparatória, para os alunos que dela carecerem ainda. A 6ª e 5ª classes são a inferiores, a 4.ª e 3.ª as médias, a 2.ª e 1.ª as superiores. Os alunos não passam d’uma para outra categoria de classes, senão mediante exame e o da passagem para as superiores é tão severo, que a lei exige a unanimidade dos votos dos examinadores. O curso dos ginásios dura cinco anos. O ensino nas duas classes superiores, que é o mais profundo, absorve ordinariamente os três últimos anos do mesmo curso. Os pró-ginásios diferem dos ginásios somente quanto ao número das classes e não quanto ao método e perfeição do ensino. Ordinariamente o pró-ginásio distribui por três classes todas as matérias do curso; mas nem por isso deixam de ser estudadas com seriedade. Concluído o curso do ginásio ou pró-ginásio passa o aluno pelo exame de despedida (Abiturientenexam) perante o diretor e professores respectivos; versa sobre todas as matérias estudadas: religião, letras, ciências etc. Em resultado deste exame recebe o aluno um certificado em que a direção declara por números o mérito do examinado: o n. 1 equivale a bom; n. 2 a sofrível e n. 3 a incapaz. Nenhuma universidade ou academia pode admitir ou matricular, nenhuma municipalidade ou corporação pode dar estipêndios ou favorecer a quem apresentar o n. 3. O Estado e a cidade de Berlim só concedem estipêndios aos do n. 1. Os do n. 2 são, não obstante, aceitos pelas universidades, na esperança de que se tornem mais diligentes. Não é proibido na Prússia o estabelecimento de instituições particulares (colégios ou escolas) de instrução secundária. Ao contrário, julgando-o possível e útil, o governo deu-lhe regulamento. Mas tal é a abundância e crédito dos ginásios, que não há instituto particular que possa concorrer com eles. Nenhum existe, portanto. Só os príncipes e senhores, que podem pagar a professores hábeis, dão em casa a seus filhos a instrução secundária, indispensável para a entrada nas universidades, que quase todos frequentam. 303 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 § 63 – seminários para professores de instrução secundária Existem atualmente na Prússia nove colégios com este destino, a saber: cinco antigos, que se denominam filológicos e estão anexos às universidades de Königsberg, Berlim, Breslau, Halle e Bonn; e quatro modernos, que se intitulam Seminários para as Escolas Sábias, fundados pelo governo. Na Memória de M. Cousin acha-se a íntegra dos estatutos dos seminários filológico e sábio de Berlim, cujas regras são comuns aos das outras cidades. Consignarei aqui algumas dessas regras. Nenhum destes seminários deve matricular mais de oito seminaristas. Estes são internos nos sábios e recebem estipêndios do Estado, obrigando-se a servir pelo menos três anos no magistério de instrução secundária; são, porém, externos nos filológicos. Para a matrícula do seminarista requer-se que não tenha menos de 20 nem mais de 30 anos; que apresente certificado de curso completo d’um ginásio, ou do primeiro ano d’uma universidade; e que passe por um exame escrito ou oral para reconhecer-se a sua capacidade ou suficiência. Dura quatro anos o curso destes seminários. Os estudos consistem: 1º em exercícios escritos, sobre a exata inteligência dos clássicos latinos e gregos, sobre pontos de arqueologia e de teoria pedagógica, e sobre assuntos propostos pelo diretor, ou por qualquer dos seminaristas; e 2ºem discussões orais (Disputationes) nas quais devem os seminaristas fazer as objeções e reparos que tiverem aos escritos dos seus colegas e agitar questões sobre as matérias e pontos que carecerem de explicação etc. Estes exercícios escritos e orais, têm lugar de 15 em 15 dias, em conferência geral. Concede-se oito semanas para que o seminarista apresente qualquer trabalho escrito sobre o assunto que lhe for dado, [sob] pena de ser expulso quando a isso falte sem motivo justificado. Os mesmos exercícios devem ser feitos em língua latina nos filológicos e em alemão nos sábios. Também nestes o último ano do curso é consagrado à pratica do magistério, devendo os seminaristas dar lições ou reger cadeiras no ginásio da cidade que o diretor lhes designar. Os exercícios escritos são guardados pelos diretores, que em relatórios ou informações periódicas dão conta ao Ministério dos 304 Cadernos do CHDD Cultos do aproveitamento dos seminaristas e do mérito dos seus trabalhos. Os estrangeiros, que se distinguem nas universidades, podem ser admitidos nos filológicos sem condição e, nos sábios, com a de servirem, como os nacionais, por três anos. Os seminaristas que mais se distinguem naqueles, têm por prêmio a impressão gratuita dos seus exercícios escritos; e, nestes, adquirem direito ao ensino gratuito nas universidades. No conceito de M. Cousin, o número de oito alunos, fixado para cada seminário, é insuficiente para criar a emulação tão necessária aos estudantes. A pessoas competentes, ouvi que o sábio francês, nesse seu reparo, dera mais valor a um preconceito universitário, que à grande conveniência de não habilitar-se para uma carreira especialíssima senão o número de indivíduos que dela possam viver. Os 72 que se habilitam cada ano nos referidos seminários, são mais que suficientes para o suprimento das cadeiras que vagam em todos os ginásios e ainda na mor parte das escolas burguesas. Não basta o curso completo e a aprovação destes seminários, para que se obtenha a nomeação de professor. O seminarista tem ainda de passar pelas seguintes provas. 1ºExame pro facultate docendi ante uma das comissões que existem, debaixo da inspeção do consistório respectivo, nas cinco referidas universidades de Königsberg, Berlim, Breslau, Halle e Bonn. Este exame tem por fim a apreciação da capacidade do seminarista para entrar no exercício de professor de instrução secundária e versa: sobre as línguas alemã, latina, grega e hebraica; teologia, filosofia e pedagogia; matemática, física, química e história natural; geografia, história, arqueologia, mitologia e história literária dos gregos e romanos. O que se propõe ao magistério das escolas burguesas, pode ser dispensado do grego e hebraico. O seminarista, aprovado neste exame, recebe um certificado, que o declara apto para o ensino secundário e passa, como exige a lei, a fazer o seu noviciado, que consiste em ensinar ou reger cadeiras gratuitamente, por um ano, em qualquer ginásio ou escola burguesa, debaixo da inspeção do respectivo diretor. 2ºExame pro loco, ante alguma das mesmas comissões, que tem por fim apreciar, findo o noviciado, o mérito do seminarista para reger a cadeira à que aspira nos ginásios, ou pró-ginásios, ou escolas burguesas, ou mesmo nas Escolas de Divisão do Exército. Este exame versa mais particularmente sobre 305 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 as matérias, cujo ensino pertence à cadeira que tem de ser ocupada. O que é aprovado obtém, finalmente, carta de professor. Também a passagem d’uma cadeira de classe inferior para outra superior não é alcançada pelo professor de instrução secundária sem sujeitar-se a 3ºExame pro ascensione, que versa sobre os conhecimentos especiais, necessários para o exercício de mais elevado ensino. Nem tampouco professor algum pode ser promovido ao cargo de diretor d’uma escola secundária, sem submeter-se a 4ºExame pro rectoratu, que versa sobre a aptidão necessária para a direção geral dos diversos ramos, ou classes do ensino da mesma escola. O primeiro e segundo exames são escritos e orais, o terceiro e quarto somente orais, consistindo em discussão geral ou colloquium, entre o professor aspirante e os membros da comissão. O quadro junto (B) extraído, como o antecedente, dos mapas oficiais que recebi, apresenta o número dos seminários, ginásios e pró-ginásios, e dos mestres e alunos que fazem os seus cursos em todas as províncias e departamentos do reino. (B) instrução secundária no fim do ano de 1843 Estabelecimentos Professores Substitutos Estudantes A.Seminários para mestres de instrução primária: B. Pró-ginásios: C. Ginásios: D.Seminários para professores de instrução secundária: Somas: 41 --- --- 2.546 12 43 30 848 114 982 550 24.359 9 176 --1.025 --- 72 580 27.825 N.B. - Em 1831, como refere M. Cousin, o número dos estabelecimentos de instrução secundária era de 140 e os estudantes respectivos, 26.041. E assim, o aumento havido nessas escolas não foi correspondido pelo dos discípulos. 306 Cadernos do CHDD § 64. – universidades Houve, antigamente, nos Estados que formam o atual Reino da Prússia, mais universidades que as que existem agora. As de Wittemberg, célebre pelo seu professor Lutero; de Frankfurt sobre o Oder, fundada em 1506; e de Münster, erigida em 1631, foram suprimidas pelo governo prussiano, que limitou-se a criar uma de novo, em 1818, na cidade de Bonn, para substituir a antiga de Colônia, organizada em 1388 e dissolvida pela revolução, ou pelo Império Francês, quando tinha por fronteira a margem esquerda do Reno. São atualmente seis as universidades, que se acham abertas e alimentam a instrução superior na Prússia, a saber: yy a de Königsberg, na província da Prússia própria, yy a de Breslau, na da Silésia, yy a de Greifswald, na de Pomerânia, yy a de Berlim, na de Brandenburgo, yy a de Halle, na de Saxônia, e yy a de Bonn, na da Renânia. Todas possuem, em maior ou menor escala, os estabelecimentos necessários para a cultura e desenvolvimento da instrução científica ou superior: yy bibliotecas yy museus d’antiguidades yy coleções zoológicas e outras yy jardins botânicos yy observatórios astronômicos yy laboratórios de química e física yy anfiteatros anatômicos e yy enfermarias etc. Cada uma delas, em regra, tem quatro faculdades: yy a de Teologia yy a de Filosofia ou Ciências yy a de Direito e yy a de Medicina Fazem exceção a de Greifswald que só tem três – ou, menos a de medicina – e a de Bonn, onde há cinco – ou, mais a de Teologia Católica, distinta da protestante. O curso dos estudos é de quatro anos para a de Medicina e de três 307 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 para as outras faculdades. Exige-se, para a matrícula dos estudantes, idade de 18 anos pelo menos e certificado n. 1, ou n. 2 dos ginásios. O regímen de cada universidade é confiado 1º a um comissário real, que a inspeciona e vela na execução das leis e regulamentos universitários; 2ºa um reitor, eleito anualmente pelo senado acadêmico e confirmado pelo rei; e 3ºao dito senado acadêmico, formado pelos decanos das faculdades, lentes – ordinários e extraordinários – e o respectivo juiz da universidade. Pertence ao governo a escolha do decano entre os lentes de cada faculdade. A nomeação dos lentes é feita pelo Ministério dos Cultos, que os propõe à confirmação do rei. Os atos, ou exames, precedentes à colação dos graus de bacharel, doutor e licenciado, são exigidos e mais ou menos severos, nestas universidades, que muito se distinguem nessa parte d’outras da Alemanha. Ainda há pouco li no jornal de Frankfurt um rescrito do grão-duque de Hesse, recomendando à sua Universidade de Giessen, que não conferisse graus acadêmicos a quem não frequentasse as suas aulas. A par das universidades, existem na Prússia mais três instituições científicas para o ensino, cultura e difusão dos conhecimentos relativos à instrução superior. 1.A Academia de Münster, organizada em 1824 sobre as ruínas da universidade suprimida, consta de duas faculdades: a de Teologia Católica e a da Filosofia ou Ciências; vários lentes distintos regem as suas cadeiras; recebe e matricula os alunos do seminário católico de Münster e do ginásio de Paderborn. O seu regímen interno é quase igual ao das universidades. 2. A Academia Real das Ciências, fundada por Frederico I, em 1700. 3. A Academia d’Economia Política e Rural de Eldena, perto de Greifswald. Os trabalhos e publicações das duas últimas academias, compostas de membros distintos, todos pelo seu saber e muitos por seus escritos, são poderosos instrumentos de progresso intelectual, e de civilização. O quadro seguinte (C) mostra o número das faculdades, lentes e estudantes das universidades prussianas e Academia de Münster. 308 Cadernos do CHDD (C) instrução superior no fim de Estabelecimentos 1840 Faculdades Lentes Estudantes 1.º Universidade de Greifswald 3 28 216 2.º Dita de Königsberg 4 37 430 3.º Dita de Berlim 4 94 1.776 4.º Dita de Breslau 4 47 951 5.º Dita de Halle 4 53 844 6.º Dita de Bonn 4 57 828 7.º Academia de Münster 2 19 350 25 335 5.395 Somas: § 65 – escolas de aplicação As mais notáveis, que – pela maior parte, como já notei – acham-se debaixo da direção dos Ministérios do Interior e da Fazenda, são as seguintes: 1º Instituto Técnico da Indústria – Grande escola, ricamente dotada com várias coleções científicas, biblioteca, laboratórios, oficinas etc., tem por fim completar a educação artística dos mancebos que se votam à indústria em geral. Em 15 aulas, regidas por outros tantos mestres de reconhecido mérito, dão-se lições teóricas e práticas de física, química, matemáticas, mineralogia, tecnologia, mecânica, engenharia civil, desenho, escultura, relevo, obra de talha em madeiras, fusão e trabalho em metais etc. Exige-se para a matrícula dos alunos: idade de 16 anos, pelos menos; curso de uma escola média ou de alguma das escolas de indústria. O curso dura três anos, pelo menos. Cada Conselho de Regência deve mandar para o instituto um aluno do respectivo departamento. A tais alunos dá o Estado o estipêndio anual de 300 thalers. E a todos aqueles que se matriculam é permitido servir no Exército um ano somente. 2º Escolas de indústria – Estabelecidas em Dantzig, Gumbinnen, Liegnitz, Graudenz, Münster, Treveris e outras cidades industriais. Ensinam, em menor escala, as matérias do curso 309 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 do instituto, para o qual preparam os alunos. 3º Escola Real d’Arquitetura, de que já falei no § 18. 4º Instituto e escolas mineiras, já indicadas no mesmo § 18. 5ºEscolas agrícolas – fundadas em várias localidades das províncias, tendo cada uma seu horto ou terreno apropriado ao ensino prático da cultura das terras. Estas escolas são alimentadas pelas sociedades de agricultura, que existem organizadas em quase todas as regências e especialmente protegidas pela junta de economia rural, já mencionada no § 6.º. 6º Escolas do comércio – estabelecidas nas principais cidades do reino. 7º Escolas de navegação e pilotagem – nos portos de Stettin, Dantzig, Königsberg e outros. 8º Escolas florestais – em várias províncias, para o ensino da cultura, replanta e conservação das matas. 9º Escola mecânica – com diferentes mestres e oficinas para a instrução mais completa daqueles que aspiram a ser peritos, ou mestres e contramestres dos diversos ofícios, ou misteres. 10ºInstituto e escolas de música – sagrada e profana. 11ºInstituto e escolas para surdos e mudos, e para cegos. § 66 – despesa Já se viu no § 58 quais são e donde se derivam as rendas, que pela lei orgânica de 1819 foram aplicadas ao serviço da instrução primária e secundária da Prússia. Indicarei agora donde manam as aplicadas à mantença da instrução superior. Todas as universidades têm, mais ou menos, suas dotações ou rendas próprias, provenientes de antigas doações régias; de bens eclesiásticos secularizados, que em várias épocas lhes têm sido adjudicados; de legados e doações, que se lhes têm feito. Estas doações, porém, são administradas pelas repartições fiscais do Estado, que arrecada os seus rendimentos e se encarrega de satisfazer a despesa das mesmas universidades, suprindo a deficiência que possa haver e que há, ordinariamente. Debalde procurei conhecer com exatidão a despesa geral da instrução pública nos estados prussianos. Os documentos, que me forneceu o Ministério dos Cultos, habilitaram-me somente para consignar, no quadro junto (D), a parte dessa despesa que corre pela administração ou repartições fiscais do Estado, a saber: da realizada com a sustentação das universidades, ginásios, pró-ginásios e seminários; 310 Cadernos do CHDD e com os auxílios que o Tesouro Nacional presta às escolas primárias necessitadas. Monta essa despesa parcial em 1.721.380 thalers. Entretanto, por informações que alcancei de pessoas versadas na estatística prussiana, não duvido estimar, como outros têm feito, em obra de 1.000.000 thalers a soma total das contribuições, taxas e subvenções com que as sociedades das escolas do campo, os conselhos municipais urbanos, algumas corporações eclesiásticas e outras, concorrem para a sustentação das referidas escolas primárias e pagamento das pensões e socorros aos respectivos mestres etc. A ser pois exata essa estima, que no conceito de muitos pode estar aquém e não além da despesa realmente feita, vem a instrução pública a custar à Prússia a soma anual de 2.700.000 thalers. A despesa com as escolas de aplicação, bem que se realize e corra pelos Ministérios do Interior e da Fazenda, devem contudo entrar no budget da instrução pública da Prússia. Também falharam-me os esclarecimentos que solicitei sobre essa despesa: nem mesmo, pelo que ouvi, julgo fundado o cálculo de que não andará longe da soma de 300.000 thalers. (D) quadro da receita e despesa da instrução pública40 Estabelecimentos 1.º Universidades: Renda de bens próprios Prestação Contribuição dos pais dos Subvenção municipal Estudantes do Estado --- Receita total Despesa total 564.200 657.600 657.600 89.700 3.700 2.º Ginásios e Pró-Ginásios: 92.950 50.200 215.550 302.800 661.500 661.500 3.º Seminários: 5.270 6.150 19.810 124.050 155.280 155.280 --- 247.000 247.000 247.000 4.º Escolas primárias: Somas:41 --187.920 --60.050 235.360 1.238.050 1.721.380 1.721.380 N. B. – Na subvenção do Estado às universidades e ginásios, entram somas provenientes de bens dotais desses estabelecimentos, que são administrados pelo governo. 40Corrigiu-se o resultado da soma das parcelas da coluna “Subvenção do Estado”, de 1.238.920 no original. 311 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 § 67 – observações O sistema que acabo de resumir tem seus adversários e seus admiradores: entre os primeiros sobressai lorde Brougham e, entre os segundos, avulta M. Cousin. Tenho a convicção moral – disse aquele lorde, orando, em 1834 – de que este país não admitirá jamais o sistema de ensino público adotado na Prússia; sistema arbitrário, que tem por base o constrangimento; por apoio, as baionetas; por norma, a ordenança militar e, por direção, a vara de um sargento. Não creio que nada se possa ter imaginado de mais eficaz para tornar impopular um sistema de educação, do que o rigor das penas impostas aos pais que não mandarem seus filhos às escolas. Não permita Deus que tal sistema seja ensaiado na Inglaterra! Como se vê, este trecho equivale ao mais famoso libelo contra o regímen escolar prussiano. Ao contrário, cada página, cada observação dos escritos do acadêmico francês importa o panegírico, a recomendação do mesmo regímen. Em meu humilde conceito, ambos foram excessivos no vitupério e no louvor. Um, fautor da nova Universidade de Londres, defendeu o sistema de liberdade absoluta; o outro, membro da Universidade da França, sustentou o sistema de direção exclusiva do Estado. E nenhum deles quis averiguar o mérito d’um terceiro sistema, misto, ou médio entre aqueles extremos. Não cabendo examinar aqui se o ensino público primário deve ser livre ou obrigado, limitar-me-ei a alguns reparos mui breves sobre as duas opiniões diametralmente opostas, de personagens tão distintas e de tanta autoridade. Parece-me que o orador inglês, na sua repugnância a qualquer sistema de constrangimento, atendeu mais a um preconceito ultraliberal, que à obrigação, contraída por quem governa um povo, de instruí-lo, ou desenvolver a sua inteligência, como o mais eficaz, senão único meio de promover o seu melhoramento moral e material. Ao preceito do Landrecht e à legislação idêntica, deve a Prússia, a Saxônia e a Noruega essa massa de conhecimentos úteis que, inegavelmente, se acha derramada em todas as classes dos seus habitantes. Não falta quem atribua a uma antiga lei da Escócia, que obrigava o pai a dar instrução ao filho, a superioridade intelectual do povo escocês sobre o inglês. Nem o que se passa nos outros países, onde se deixa ao livre arbítrio 312 Cadernos do CHDD dos pais um ato que tanto importa à prosperidade pública, serve para condenar o sistema prussiano, que foi mais injuriado, do que combatido pelo mesmo orador. Antes impor multa e prisão ao pai negligente, que punir no filho a negligência do pai. Na Baviera, uma lei embaraça o casamento dos noivos que não sabem ler; na Áustria, outra lei expele das fábricas e oficinas os aprendizes que não escrevem; em mais de um país livre, na própria Inglaterra, nega-se ao analfabeto o gozo de certos direitos políticos. Por outro lado, não acompanho ao acadêmico francês em todos os seus encômios. Julgo demasiada a direção exclusiva que, no sistema de instrução, se reserva o governo prussiano. Deve-se dirigir e inspecionar o ensino particular, como muito e muito convém; mas dificultá-lo a ponto de proibi-lo indiretamente, é por sem dúvida violento e nocivo ao verdadeiro fim do mesmo sistema, que é a maior propagação dos conhecimentos indispensáveis. Repugna à minha razão que um mancebo, vítima da negligência ou pobreza de seus pais, seja privado da primeira comunhão, pelo fato de ignorar o alfabeto, embora saiba de cor o catecismo: tal pena, se é para o homem da academia um meio digno de louvor, é para o homem da religião um escândalo digno de horror. Isto pelo que toca ao sistema, em si mesmo; agora, pelo que respeita ao modo porque fora e vai sendo executado, cumpre também não dissimular o que há de censurável. Nenhum homem justo aplaudirá o espírito de propaganda religiosa, que preside à direção do ensino público na Prússia. É natural em um governo protestante o anelo de firmar a sua força e prestígio na homogeneidade da religião, língua, literatura e costumes; não é porém razoável que, para levá-lo a efeito, falte aos deveres de tolerância e imparcialidade, inerentes ao governo d’um Estado, cujos habitantes, por metades quase iguais, pertencem a dois cultos diversos. Quem examinar a estatística da instrução primária da Prússia, depois da execução da lei de 1819, reconhecerá, à vista dos mapas oficiais de 1820 em diante, que foi estabelecido muito maior número de escolas para os do culto evangélico, do que para os do católico. Na Renânia e Westfália – onde a população católica estava, e está, para a evangélica na razão de 19 para seis – havia, em 1820, para aquela, 436 escolas e para esta, 247; na Silésia, onde a mesma razão era e é de 14 para 14, 313 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 existiam 157 para os evangélicos e 112 para os católicos; na Posnânia, onde só 1/3 dos habitantes pertencia e pertence ao culto evangélico, achavam-se 106 para este e outras 106 para o católico; e na Prússia própria, habitada em grande parte pela raça polaca, geralmente católica, que compõe mais de 1/3 da população da província, contavam-se 255 para os protestantes e só 49 para os católicos. A esta desigualdade acresce a circunstância, mais agravante ainda, de serem mistas – ou servirem para ambos os cultos – muitas escolas católicas, tendo o competente mestre protestante, ao qual se confia a direção escolar, como aconselha o espírito de propaganda. Igualmente se reconhece, à vista dos citados mapas, que na fixação dos ordenados dos mestres dessas escolas, foram menos favorecidos os do culto católico, que os do evangélico. Nos distritos rurais, a retribuição daqueles varia de 20 a 400 thalers e a destes, de 20 a 500; e nos distritos urbanos, a dos primeiros vai de 50 a 500, e a dos segundos de 50 a 1.200. É certo que, de então para cá, tem-se aumentado muito o número das escolas primárias e melhorado os ordenados dos respectivos mestres; mas sempre na proporção estabelecida em 1820, de sorte que a mesma desigualdade existe ainda, segundo as informações que tive. Aos defeitos do sistema e sua execução, que ousei apontar, devese atribuir principalmente o notório fato de não ser ainda tão completa, como aliás se devia esperar, a educação intelectual da mocidade prussiana. O dr. Müller, de Leipzig, acaba de publicar um excelente trabalho a este respeito, fundando-se na estatística oficial da Prússia de 1843. Existiam no seu território 2.922.124 meninos de um e de outro sexo entre as idades de seis a 14 anos: deste número total, frequentaram as escolas 2.328.146 e deixaram de frequentá-las 663.276. Concedendo que boa parte dos compreendidos neste último número recebe educação em particular e, mesmo, nas escolas secundárias que admitem alunos de 13 anos, ainda assim não será menos considerável a porção de crianças que ficaram sem instrução elementar. Outro fato, em abono do precedente, foi averiguado agora. Asseverou uma folha pública que ia em aumento o número dos analfabetos entre os conscritos ou recrutas para o Exército. A gazeta oficial, em contestação, deu à luz um mapa autêntico, pelo qual se mostra que esse número fora de 10,17 por cento em 1839, de 9,08 em 1841 e de 6,88 em 1843. Assim que, embora se destruísse o alegado aumento, ficou sempre o fato de que em 1.000 mancebos de 20 anos encontram-se ainda 70 sem saber ler nem escrever. 314 Cadernos do CHDD Como uma das causas, que explicam a existência destes fatos, deve ser contada a repugnância dos pais católicos em levarem seus filhos a escolas, ou regidas por mestres de outro culto, ou inspecionadas por agentes saturados do proselitismo dos consistórios. Entretanto, apesar de tudo quanto fica ponderado, forçoso é confessar, que nenhum povo excede ao prussiano em instrução elementar. Fundada em cálculos estatísticos seguros, tem-se estabelecido como regra que o número dos indivíduos entre seis e 14 anos, ou em idade da escola, corresponde a 1/6 ou 19,3% da população total. Segundo a publicação do citado dr. Müller, sobre os mapas do ensino público da mais recente data, o número dos que frequentavam as escolas primárias, em todos os distritos da Prússia, era no mínimo de 13,93 por cento, no máximo de 17,72 e, no médio, de 15,05. Decerto é este o maior auge a que se tem elevado na Europa a educação popular. Comparado o número dos estabelecimentos de instrução primária com os dos meninos de ambos os sexos, que os frequentam, cabe a cada escola 99 discípulos; e comparado o número dos mestres com o dos discípulos, cabe a cada um daqueles 78 destes. Nos estabelecimentos de instrução secundária, feitas as mesmas comparações, cabe a cada escola 216 alunos e a cada professor e substituto, 17 discípulos. Nos seminários, o número dos que se habilitam para o magistério primário, não só basta, como sobra. O termo médio das vagas, que ocorrem anualmente nas cadeiras elementares, não excede ao número de 838; e, sendo 2.000 os seminaristas habilitados também anualmente, há candidatos suficientes para o suprimento daquelas vagas e ainda para o serviço das escolas médias e burguesas. Não deixarei porém este grave assunto sem a seguinte e final observação. O que há de mais digno de ser imitado, no sistema de que me tenho ocupado, é a estreita liga do ensino da religião com os das letras indispensáveis ao homem social. São intuitivas as razões que abonam a necessidade dessa dupla e simultânea educação. Mas para consegui-la, são necessárias duas condições essenciais: 1ª instrução e moralidade no clero, ou nos vigários e diretores espirituais, a quem cabe persuadir aos pais que atendam ao ensino dos filhos, dirigir a parte religiosa da educação e inspecionar as escolas de sua freguesia; 2ª capacidade e morigeração nos mestres, a quem pertence velar no aproveitamento intelectual, no comportamento moral e civil dos discípulos, na ordem e disciplina das mesmas escolas. 315 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Lastimo, que nos falte, em geral, uma e outra dessas condições. Não exprobro aos nossos padres a sua insuficiência (salvas algumas honrosas exceções) para o desempenho dessa parte de sua santa e alta missão, pouco ou nada havemos feito para instruí-lo e moralizá-lo. Nem imputo aos nossos atuais mestres, geralmente falando, a incúria e desmazelo que esteriliza o ensino em nossas escolas primárias, ou o mesquinho progresso que fazem os discípulos que as frequentam: também pouco ou nada temos feito para formá-los, ou dar-lhes a habilitação profissional que exige o magistério. Mas não basta que lamentemos, cumpre que desde já envidemos nossos esforços para remover-se tão nocivo estado de cousas. A criação, em cada bispado, d’um seminário eclesiástico e o melhoramento dos poucos que existem, sendo dotados com a renda conveniente para que cada um possa pagar mestres hábeis e alimentar certo número de seminaristas pobres; a instituição, em cada província, d’uma escola normal para o ensino ou habilitação dos aspirantes às cadeiras de instrução primária; o estabelecimento d’uma junta diretora do ensino público em cada presidência provincial, de inspetores em cada município e de comissões em cada freguesia, que superintendam e fiscalizem todas as escolas públicas ou particulares, são outras tantas medidas de necessidade indeclinável. Comecemos por aí, que acabaremos por conseguir o indispensável melhoramento das nossas atuais escolas. Enquanto o não fizermos, serão baldados quaisquer outros meios que empregarmos: ensinar a ler e escrever, sem infiltrar no espírito dos adolescentes os princípios da religião e da moral; multiplicar o número das escolas, sem confiá-las a mestres idôneos; não dirigir e inspecionar a disciplina das mesmas escolas e o comportamento dos que regem as suas cadeiras; abandonar a educação da mocidade ao arbítrio, ignorância e imoralidade de quem quer abrir escola ou colégio – nada mais é, por fim de contas, que desmoralizar a geração nascente, malbaratar os dinheiros públicos e converter o ensino popular na mais nociva das indústrias. Tudo isto é sabido: mas, nem sempre é inútil repetir o que se sabe. VII EXÉRCITO § 68 – sistema militar Logo que, chegado a Berlim, procurei informações sobre este objeto, o sr. barão de Renduffe, ministro de Portugal naquela corte, além de outras atenções e finezas que lhe devi, teve a bondade de dar-me 316 Cadernos do CHDD vários exemplares d’uma sua memória, já impressa em Lisboa, sobre a organização do Exército Prussiano. Algum tempo depois, foi publicado o primeiro volume da obra de M. Haillot sobre os exércitos estrangeiros, contendo o da Prússia. Aproveitando d’um e d’outro escrito, o que me pareceu claro e explícito, dei-me ao trabalho de estudar, à vista da legislação e regulamentos prussianos e d’outros escritos alemães, o que julguei obscuro e omisso. Creio que darei mais amplos esclarecimentos. O sistema militar que prevaleceu na Prússia até 1806 foi muito diverso do que atualmente vigora: darei abreviada notícia do antigo, antes de falar do atual. I. Ainda no começo da Guerra dos 30 Anos (1618 a 1648), a força militar do Eleitorado do Brandenburgo consistia na reunião dos contingentes dos senhores feudais: cada um destes, arrebanhando seus vassalos, armados a sua custa, a pé ou a cavalo, sem organização especial, nem disciplina, acudia à voz do eleitor que se limitava a pagar o coronel, ou tenente-coronel dos contingentes. O Ducado da Prússia, que então se reuniu ao Eleitorado, fazia exceção desta regra: a ordem teutônica, que ali reinara, tinha estabelecido um sistema e um núcleo de força militar permanente, que os futuros duques conservaram. A prolongação da mesma guerra, fazendo ressaltar o que havia de precário e ineficaz no concurso feudal para a sua sustentação, autorizou o governo eleitoral a introduzir no Brandenburgo o que se achava em vigor na sua nova província da Prússia: foi, portanto, organizado um corpo de tropas permanente, composto de nacionais e estrangeiros contratados. O grande eleitor achou, em 1640, esse corpo de tropas que apenas contava 4.000 combatentes; publicando, porém, uma ordenança e alguns regulamentos para o serviço, recrutamento, aboletamento etc. conseguiu dar-lhe mais estabilidade e disciplina e elevá-lo à força de 28.000 homens. Com este exército combateu ele gloriosamente, nas guerras da Polônia, Suécia, França etc. D’então começa a importância militar da Prússia. Frederico I, rei de Prússia, ajudado pelo seu general príncipe de Dessau, deu mais desenvolvimento às instituições militares do grande eleitor, seu pai; o pequeno exército, que se havia medido com polacos, suecos e franceses foi elevado à força de 42.000 e boa parte dele, em auxílio da Áustria, bateu-se com os turcos em várias campanhas. Seu filho Frederico Guilherme I, austero e previdente, além do desejo de ter à sua disposição um exército disciplinado, pressentiu que 317 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 do aperfeiçoamento do sistema militar, iniciado por seu avô, dependia a sorte da sua dinastia e a grandeza da Prússia. Em poucos anos, ainda ajudado pelo velho Dessau, alcançou o que desejava. Sem experimentálo em guerra, nem empregá-lo fora do campo das manobras, deixou a seu filho um exército de 80.000 combatentes, instruídos em todas as armas, obedientes, subordinados e endurecidos na fadiga do mais rígido e aturado serviço. Foi com este exército que Frederico, o Grande fez a conquista e as duas guerras da Silésia, sustentou depois a [Guerra] dos Sete Anos, e alcançou as vitórias de Czaslau, de Hohenfriedberg, de Lowositz, de Praga, de Rosbach, de Lissa, de Zorndorf e de Turgau, contra austríacos, russos, saxônios e franceses. Segundo declara este príncipe guerreiro nas memórias que escreveu, o seu exército, na Paz de Hubertusburg em 1763, contava 151.000 combatentes, em 1768 elevava-se a 161.000 e em 1773, concluída a primeira partilha da Polônia, achava-se forte de 186.000 homens. Por sua morte, em 1786, deixou-o com 100.000 soldados aguerridos. Frederico Guilherme II, sobrinho do grande rei, serviu-se deste exército para invadir a Holanda, fazer guerra à Polônia e começar hostilidades contra a Revolução Francesa em virtude da Declaração de Pillnitz. Aceitando porém a Paz de Basileia, em 1795, pôs o exército em descanso. Seu filho Frederico Guilherme III, que o sucedeu em 1797, quis antes aplicar-se ao regime administrativo do reino, que envolver-se nas lutas que ensanguentavam a Europa; mas forçado, por fim, a lutar com o exército francês, teve de sofrer a derrota de Iena e resignar-se à Paz de Tilsit, como logo se verá. Nos diversos reinados a que tenho aludido, o sistema militar encetado pelo grande eleitor, desenvolvido por Frederico Guilherme I e por Frederico, o Grande resumia-se no seguinte: yy A obrigação de seguir a bandeira do senhor feudal foi convertida na de servir em um regimento do exército permanente. yy Todos os súditos prussianos, menos os nobres e os naturais de certas cidades privilegiadas, ficaram sujeitos a essa obrigação. yy O exército compunha-se de soldados nacionais e estrangeiros, sendo aqueles recrutados por tempo indefinido e estes contratados por certo número d’anos. yy O reino foi dividido em cantões militares: a cada cantão pertencia um regimento e dele tirava, por vontade ou por força, os recrutas que lhe eram necessários. Daí o nome de “cantonistas” que tiveram os soldados nacionais. 318 Cadernos do CHDD yy O recruta, ou cantonista, depois de servir um ou dois anos era licenciado, ficando porém obrigado a reentrar nas fileiras quando fosse chamado e a comparecer duas vezes por ano para o exercício ou manobras que duravam algumas semanas. yy Os soldos dos licenciados eram aplicados à caixa destinada à despesa do engajamento de soldados estrangeiros, cujo número igualava, em regra, ao dos nacionais. yy Os postos militares pertenciam aos nobres exclusivamente: nenhum cantonista podia aspirar a maior graduação que a de sargento. O próprio Frederico II, com toda a sua filosofia, sustentava que só o nobre podia usar de espada; porque, no caso de desonrar-se não achava abrigo, nem mesmo na casa paterna, entretanto que o plebeu, se perdia a honra, voltava mui tranquilo a exercer o ofício ou indústria de seu pai. yy Nenhuma cultura de espírito ou instrução era exigida para o serviço militar: bastava que o soldado obedecesse como instrumento de guerra e que o oficial soubesse manobrar na parada e no campo da batalha. yy O princípio da antiguidade era invariavelmente seguido nas promoções: do que resultava que, à testa dos regimentos e do exército se achassem oficiais superiores e generais tão ignorantes, como fátuos e brutais. Tal era o antigo sistema militar. II. Uma grande catástrofe provocou a reforma desse antigo sistema, que aliás havia concorrido tanto para o engrandecimento e glória da Prússia. O exército, em descanso há quase dez anos, vivia do renome que herdara do gênio de Frederico, o Grande. No conceito dos seus chefes, mais vaidosos que hábeis, os franceses da revolução eram os mesmos de Rosbach. Os preconceitos da nobreza que ocupava todos os postos, a ambição de acessos, as ideias de reação e as sugestões da diplomacia estrangeira forçaram Frederico Guilherme III, senão a provocar, ao menos a aceitar, contra o voto do seu coração, a guerra de 1806. Em um dia, todo esse exército, forte de 170.000 combatentes, perdeu, com a batalha de Iena, a herança do grande rei. Desde logo foi essa fatal derrota atribuída à indisciplina dos soldados nacionais que, sempre licenciados e afeitos a outros misteres, mal sabiam servir em campanha; ao frio concurso dos soldados 319 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 estrangeiros, pela mor parte réus de polícia, que formavam 1/3 do exército e não se batiam em defesa da pátria; à imperícia dos oficiais, nobres sem instrução; e à incapacidade dos chefes, que tinham mais fatuidade que ciência da guerra. O bom senso nacional viu, na mesma derrota, a demonstração prática de que a força militar, longe de consistir na bravura individual de grandes massas e na arrogância dos chefes, dependia toda da disciplina e subordinação dos soldados, e da instrução especial dos seus comandantes. Assim, pois, foi geralmente reconhecida a necessidade d’uma pronta reforma. Com a Paz de Tilsit, obrigou-se o rei vencido a reduzir o seu exército e a não elevá-lo, durante dez anos, a mais de 42.000 homens. Entretanto, aconselhado pelo exemplo e política da sua dinastia, apoiado no voto e sentimento de todas as classes civis e ajudado por homens d’estado esclarecidos, que chamara na ocasião do infortúnio, o mesmo rei resolveu estabelecer outro sistema militar, que, corrigindo os vícios do que se achava em vigor, o habilitasse a iludir aquela obrigação e a poder entrar com vantagem na futura e inevitável reação contra o predomínio da França. Firme neste propósito, surdo aos clamores dos generais, às murmurações da nobreza, às previsões dos filhos da antiga escola, Frederico Guilherme III, por decretos e regulamentos sucessivamente publicados, de 1807 a 1813, adotou como bases do seu novo sistema as que vou substanciar aqui: yy Foi proibido o engajamento de estrangeiros e estabelecido o princípio de que o exército seria composto de nacionais somente. yy Todo o súdito prussiano, sem distinção de nascimento, classe ou condição ficou obrigado a servir no Exército e, portanto, abolido o privilégio da nobreza e de certas cidades, quanto a essa obrigação. yy O recrutamento deixou de ser feito por cantões e estabeleceramse regras para torná-lo menos odioso, ou mais justo e geral, em todos os círculos e distritos do reino. yy Publicou-se nova ordenança penal: os castigos da chibata e do stock (pau) foram abolidos, em regra; e só admitido[s], por exceção e com certas precauções, contra os soldados incorrigíveis; os oficiais ficaram também sujeitos a penas que não pudessem ser iludidas. yy Foi simplificada a administração econômica dos corpos, melhorado o seu armamento e equipamento, alterado o regulamento das manobras e introduzido no exército o exercício de campanha, ou de combates simulados, e o de atirar ao alvo. 320 Cadernos do CHDD yy Ficou estabelecido que em tempo de paz, a promoção dependeria absolutamente de exames, em que os aspirantes aos postos se mostrassem habilitados com a instrução e conhecimentos necessários para o desempenho deles; e que, em tempo de guerra, o valor e a prudência seriam títulos suficientes para elevar qualquer soldado à classe de oficial. yy Foi modificada a condição da antiguidade para os acessos, ficando em seu inteiro vigor até o posto de capitão e dependendo mais do mérito, que dela, a elevação aos seguintes postos, até o de general. yy Reorganizaram-se as poucas escolas militares que existiam e criaram-se novas, em harmonia com as necessidades do tempo e com os progressos das artes e ciência da guerra. yy Proibiu-se o licenciamento dos soldados nos primeiros anos do serviço ativo, para que os corpos se achassem completos; os soldos dos comandantes dos regimentos e companhias foram aumentados para não dar pretexto a dilapidações. yy Reorganizou-se o corpo de saúde e o regímen econômico do exército, criando-se repartições centrais para a sua direção e fiscalização. yy Instituiu-se enfim o Landwehr, ou milícia, formando-se batalhões em todos os círculos, compostos de soldados que acabassem o serviço ativo e dos indivíduos válidos que não pertencessem ao exército. Tal foi em sua essência o complexo das reformas para o estabelecimento do novo sistema militar que, aperfeiçoado em 1814 e 1815, acha-se atualmente em prática nos estados prussianos. Na organização do Exército, de acordo com estas reformas, houve particular cuidado em adestrar-se o maior possível número de soldados: os recrutas, ao cabo de dois anos de serviço ativo eram dispensados, com a obrigação de comparecerem à primeira chamada, e substituídos por outros. Com esta diligência e com a instituição do Landwehr, pôde o rei na primavera de 1813 apresentar em campanha um exército aguerrido de 120.000 homens, que logo depois elevou-se a mais de 300.000, inclusive 142.000 do Landwehr. § 69. – organização Não sendo da profissão, tomei o prudente arbítrio de entrar mais no exame dos meios necessários para a criação d’um bom exército, que no das regras seguidas para a organização das suas divisões, brigadas, 321 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 regimentos, estados-maiores etc.; darei, portanto, aqui uma noção geral da força armada da Prússia, recomendando a quem carecer de maiores esclarecimentos que recorra à citada obra de M. Haillot. A hierarquia militar prussiana compreende os seguintes postos: 1ºFeldmarschal, ou marechal do Exército41 2º General de Infantaria e de Cavalaria, iguais entre si 3ºTenente-general 4º Major-general, ou marechal de campo 5º Coronel que, se comanda brigada, tem o título de brigadeiro 6ºTenente-coronel 7ºMajor 8º Capitão de 1ª e de 2ª classe 9º Primeiro-tenente de 1.ª e 2.ª 10º Segundo-tenente ou alferes 11ºAspirante, ou soldado de talim (Foehnrich porte-epée), que corresponde, entre nós, a alferes aluno. A força armada da Prússia compõe-se dos seguintes elementos: 1º da Guarda Real 2º da Linha 3ºGendarmaria 4º da Reserva 5ºdo Landwehr de 1ª classe 6ºdo Landwehr de 2ª classe 7ºdo Landsturm O primeiro, segundo e terceiro formam o exército ativo; o quarto e o quinto, o exército auxiliar42 e o sexto e sétimo, o exército passivo. I O exército ativo, considerado em suas diversas armas, compõe-se: Infantaria yy da Guarda: de dois regimentos de guardas a pé; dois, ditos, de granadeiros; um batalhão de caçadores; um, dito, de atiradores; uma companhia de veteranos oficiais inferiores, guardas dos palácios reais. 41 Nenhum prussiano tem esta graduação militar: atualmente só goza dela um estrangeiro, o duque de Wellington. (N.A.) 42 Coloquei a Reserva e o Landwehr de 1ª classe, com o título de auxiliar, entre o exército ativo e o passivo, porque aquelas forças, além de prontas à primeira voz e de servirem nas manobras e em outras ocasiões, formam realmente as mais sólidas colunas do exército prussiano e fazem a guerra dentro e fora do país.(N.A.) 322 Cadernos do CHDD yy da Linha: de 32 regimentos de granadeiros. E fuzileiros: quatro seções de caçadores; quatro, ditas, de atiradores. Cavalaria yy da Guarda: de um regimento de guardas do corpo; um, dito, de couraceiros; um, dito, de dragões; um, dito de hússares; dois, ditos, de lanceiros; um corpo de caçadores a cavalo.43 yy de Linha: de oito regimentos de couraceiros; quatro, ditos, de dragões; 12, ditos, de hússares; e oito, ditos, de lanceiros. yy da Gendarmaria: de um corpo de 150 homens, empregados no serviço dos quartéis-generais da guarda e dos outros corpos do exército. Artilharia yy de uma brigada da Guarda, e yy de oito brigadas da Linha. Engenharia yy de uma seção de sapadores da Guarda, e yy de oito seções da Linha. Cada Regimento de Infantaria da Guarda ou da Linha compõe-se de dois batalhões de mosqueteiros e um de fuzileiros; cada batalhão consta de quatro companhias; e cada companhia contém 154 praças, inclusive oficiais e inferiores. Cada Regimento de Cavalaria compõe-se de quatro esquadrões; cada esquadrão contém 145 cavaleiros, inclusive oficiais inferiores. Cada Batalhão de Caçadores e Atiradores da Guarda tem a mesma organização de um batalhão de regimento de infantaria. Cada Seção de Caçadores e Atiradores da Linha compõe-se de duas companhias com a mesma força de uma companhia de batalhão de infantaria. Cada Brigada de Artilharia compõe-se de três batalhões e uma companhia de artífices; cada batalhão é formado por três companhias a pé e uma a cavalo; cada companhia consta de 96 praças, inclusive oficiais e inferiores. Cada Seção de Sapadores compõe-se de duas companhias na paz e três na guerra; cada companhia conta 84 praças na paz e 250 na guerra. A Guarda, acantonada em Berlim e seus subúrbios, forma um corpo d’Exército, designado pelo título de Guarda Real. Como se acha organizado, consta de duas divisões; de quatro brigadas de infantaria e 43 Contém de 80 a 100 homens: na guerra serve de corpo de guias e na paz, de correios de gabinete e de acompanhar a el-rei nas suas viagens.(N.A.) 323 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 cavalaria da guarda; de duas, ditas, da reserva; e do Landwehr de 1ª classe; de uma, dita, de artilharia, de uma seção de sapadores e de duas companhias de inválidos.44 A Linha divide-se em oito corpos de Exército acantonados nas províncias, a saber: yy o primeiro corpo com o seu quartel-general em Königsberg, na Prússia; yy o segundo em Stettin, na Pomerânia; yy o terceiro em Frankfurt sobre o Oder, no Brandenburgo; yy o quarto em Berlim, embora o corpo estacione quase todo na Saxônia; yy o quinto em Posen, na Posnânia; yy o sexto em Breslau, na Silésia; yy o sétimo em Münster, na Westfália; e yy o oitavo em Coblença, na Renânia. Cada corpo tem organização igual à da Guarda, ou as mesmas divisões, brigadas, seções e companhias de inválidos. A Gendarmaria divide-se em gendarmes do exército e gendarmes das províncias. Aqueles formam um corpo de 150 cavaleiros, praças experimentadas e de confiança, que servem como ordenanças nos quartéis-generais, cabendo 20 ao da guarda e 15 a cada um dos outros dos oito corpos de exército. Estes, comandados por um oficial general, formam oito companhias, que também se chamam brigadas, estacionadas nas oito províncias: cada companhia, ou brigada, consta de 175 praças, inclusive oficiais e inferiores, sendo 2/3 de cavalaria e 1/3 de infantaria. A Artilharia, composta de nove brigadas anexas, como já se viu, à Guarda e aos oito corpos da linha, é comandada em chefe por um inspetor geral, em regra príncipe do sangue e administrada por três inspeções especiais, em Berlim, Breslau e Coblença. Três companhias a pé de cada brigada servem nas guarnições das 26 praças de guerra do reino; as nove restantes, a pé e a cavalo, servem na guarda e na linha com 270 bocas de fogo, canhões, obuses e morteiros. A Engenharia consta do corpo de engenheiros e de nove seções de sapadores. O corpo é composto ordinariamente de 250 oficiais de todas as classes, desde segundos-tenentes até tenentes-generais. E cada uma seção é formada por duas ou três companhias, como já se notou, sendo cada companhia dividida em três subseções, a saber: 44.Corpo de elite em que prestava o serviço militar a aristocracia prussiana.(N.A.) 324 Cadernos do CHDD yy a 1.ª de sapadores, yy a 2.ª de mineiros, e yy a 3.ª de pontoneiros. Esta arma é também comandada em chefe por um general, inspetor geral e administrada por três inspeções especiais em Berlim, Breslau e Coblença. Em suma, o exército ativo tem ordinariamente a força de 80.000 [homens] no inverno, ou antes de receber, na primavera, os recrutas que devem substituir os licenciados para a reserva (de 100.000 no resto do ano e de 120.000 na época das manobras); em tempo de guerra, porém, completando os seus quadros e chamando a reserva, eleva-se a 240.000. II O exército auxiliar, igualmente considerado em suas diversas armas, compõe-se: Infantaria yy da Reserva: de nove regimentos e de nove batalhões mistos, anexos aos nove corpos d’exército da Guarda e da Linha. yy do Landwehr de 1.ª classe: de quatro regimentos, auxiliares da guarda; de 32, ditos, auxiliares da linha; de 36 seções de caçadores; outras 36 de atiradores. Cavalaria yy do mesmo Landwehr: de oito esquadrões de lanceiros, auxiliares da guarda e de 96, ditos, de dragões e hússares, auxiliares da linha. Artilharia e Engenharia yy do Landwehr de 1ª classe: de 36 seções d’artilheiros e outras 36 de sapadores, anexas aos regimentos de infantaria. Os regimentos e batalhões da Reserva, assim como os regimentos, esquadrões e seções de caçadores, de atiradores, de artilheiros e sapadores do Landwehr de 1.ª classe, têm a mesma organização e força, que os da Guarda e da Linha. A Reserva é formada por todos os soldados que depois de servirem por dois ou três anos na Guarda ou na Linha, são licenciados com a obrigação, ainda por dois anos, de voltar, quando chamados, para os corpos d’onde saíram e onde continuam a ficar alistados. Esta força é em regra igual a 1/5 da efetiva da Guarda e da Linha. 325 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 O Landwehr de 1.ª classe é formado por todos os súditos prussianos, de 20 a 32 anos de idade, que não servem no exército ativo. Daí vem que até a reserva, enquanto não é chamada a serviço ativo, pertence a este Landwehr. Composta em geral de ex-soldados da Guarda e da Linha, recentemente adestrados no manejo das armas e em todo o vigor da idade, esta classe do Landwehr é a mais valiosa parte do Exército Prussiano. Os seus regimentos (compostos, cada um, de três batalhões), os seus esquadrões e seções são numerados em correspondência aos do exército ativo, ao qual se reúnem no caso de guerra. O reino divide-se, para o Landwehr, em tantos distritos, quantos são os seus batalhões e esquadrões: cada um destes toma, além do número que tem, o nome da cidade capital do respectivo distrito e nele se recruta. Na mesma capital do distrito há um depósito de armamento e equipamento para o batalhão ou esquadrão que lhe pertence, assim como existe em permanência de serviço o respectivo quadro, pago pelo governo. Este quadro, para cada batalhão de infantaria, compõe-se de: yy 1 major comandante, yy 1 oficial ajudante, yy 4 primeiros sargentos, yy 4 segundos, yy 8 cabos, e yy 1 armeiro. E, para um esquadrão de cavalaria, de: yy 1 capitão ou primeiro-tenente, yy 1 quartel mestre, e yy 3 sargentos. Os oficiais e inferiores que formam estes quadros são considerados como em serviço ativo e entram nas promoções do exército. Os batalhões e esquadrões devem reunir-se duas vezes por ano nas capitais dos respectivos distritos, mas em regra só o fazem uma vez, no outono, e permanecem por três semanas em exercícios e manobras. O mesmo dever corre às seções d’artilharia, de caçadores, de atiradores e de sapadores. Chamado a serviço e reunido ao exército ativo, o Landwehr vence o mesmo soldo e goza das mesmas vantagens que a tropa de Linha. Marcha e faz a guerra dentro ou fora do país. A força total deste exército auxiliar eleva-se, em paz, a 150.000 e, em guerra, a 174.000. 326 Cadernos do CHDD III O exército passivo, que apenas se arma e move-se nos casos de guerra, ou invasão do país, é formado pela segunda classe do Landwehr e pelo Landsturm. Este Landwehr é composto dos súditos prussianos de 33 a 40 anos de idade, que acabaram de servir no de primeira classe. Esta milícia sedentária conserva a mesma organização, tem o mesmo número de regimentos e batalhões, de esquadrões e seções das diversas armas que o Landwehr de primeira classe, permanecendo juntamente com este nos respectivos distritos. A única diferença entre um e outro Landwehr consiste em que o da segunda classe: 1ºnão tem depósitos de armamento e equipamento, nem quadros pagos pelo governo nos seus distritos; e 2º.não é obrigado a reunir-se senão de longe em longe, e isso mesmo por companhias, nos lugares em que cada uma permanece, para a verificação das listas, e número das praças. O Landsturm, que corresponde às nossas antigas ordenanças, é composto de todos os súditos prussianos, de 41 a 50 anos de idade que acabaram de servir no Landwehr de segunda classe e de todos os mancebos de 17 a 20 anos, que ainda não entraram para o exército ativo. Consiste, portanto, na leva em massa da população que pode pegar em armas. Não tem organização própria e, quando chamada a serviço, segue a do Landwehr de segunda classe, ao qual se incorpora, engrossando os seus batalhões e seções. A força total deste exército passivo eleva-se, quanto ao Landwehr, a 150.000 homens; quanto ao Landsturm, não é possível fixá-la. O destino desta força sedentária, torno a dizer, limita-se a guarnecer as praças fortes e a defender as cidades e o campo no caso de guerra, ou invasão do país; não se reúne ao Exército ativo, nem marcha como o auxiliar. § 70 – recrutamento A lei impõe a todos os súditos prussianos, indistintamente, a obrigação de concorrer para a defesa da pátria, desde a idade de 20 até a de 39 anos. Esta obrigação, infiltrada pela educação e exemplo tradicional no espírito da mocidade, é satisfeita sem relutância do povo, nem pre- 327 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 juízo da indústria nacional. O serviço militar naquele período de 19 anos é repartido assim: yy um ano até três no exército ativo, yy dois na reserva, yy sete no Landwehr de primeira classe, e yy outros sete no Landwehr de segunda classe. O exército ativo, como escola prática onde se habilitam os obrigados ao mesmo serviço, compõe-se de três classes de soldados: 1ª.de voluntários, 2ª.de recrutados, e 3ª.de capitulantes ou contratados. Os voluntários são de três espécies, a saber: 1º.Dos mancebos de 17 anos que aspiram a postos militares e que, depois de examinados e aprovados por uma comissão quanto à sua idoneidade literária [sic] e física, escolhem o regimento em que desejam servir, assentam praça e servem como soldados, embora sejam príncipes; 2º.Dos da mesma idade que se apresentam, alegando e provando que se destinam à carreira científica, magistério público, estado eclesiástico etc. e que têm meios de prover às despesas do seu fardamento e equipamento e sustentação durante o serviço, igualmente examinados e aprovados pela mesma comissão, servem no regimento de sua escolha por um, até dois anos somente; 3º.Dos que, na mesma idade, também se apresentam, provando a necessidade que têm de antecipar o seu tempo de serviço para não sofrer ulterior interrupção na carreira profissional a que se destinam, como a de cirurgião, boticário, veterinário etc., e comprometendo-se a fazer à própria custa as despesas do seu fardamento etc., pelo que são admitidos nas fileiras e servem por um ano somente. Os recrutados o são pela maneira seguinte: em cada distrito do Landwehr reúne-se anualmente uma comissão composta de dois militares, dois empregados civis e um médico, designados pelos ministros da Guerra e do Interior. As autoridades locais apresentam a esta comissão as listas dos mancebos de 20 anos domiciliados nos municípios e cantões do mesmo distrito. À vista delas, são chamados por anúncios, em dias determinados, os alistados e, ante a comissão, passam por exame corporal 328 Cadernos do CHDD e sanitário, e alegam as razões que têm para gozarem dos favores que lhes outorgam os regulamentos. Apreciando as razões e provas oferecidas e resolvendo todas as dúvidas, a comissão organiza as listas dos recrutados, que devem servir ou por um ano somente, ou pelos três que a lei prescreve. Os recrutados para servir um ano somente, permitindo-se-lhes, além disso, satisfazer a essa obrigação depois de completarem 23 anos, são os seguintes: 1º.os filhos únicos de famílias, ricas ou pobres, que carecerem deles para a gerência dos seus negócios; 2º.os filhos das famílias pobres que se acharem encarregados da sustentação delas; 3º.os filhos dos lavradores e rendeiros, que não tiverem outros braços que os substituam no cultivo das terras; 4º.os filhos dos fabricantes efetivamente empregados no serviço das fábricas; e 5º.os aprendizes de ofícios, já avançados no tempo da sua aprendizagem, ou que não puderem interrompê-la sem dano seu. Os recrutados por todo o tempo dos três anos são: 1º.os mancebos que não estiverem nas circunstâncias dos antecedentes; e 2º.os que se acharem sentenciados por contravenções ou delitos leves, devendo porém formar classe separada, nas listas, para que fiquem sujeitos a maior vigilância e mais severa disciplina durante o serviço. São excluídos do recrutamento: 1º.os sentenciados por crimes graves; e 2º.os que tiverem defeitos físicos que os inabilite para o serviço. Os mancebos, educados nas casas e colégios militares à custa do Estado, são obrigados a servir o dobro do tempo legal no exército ativo e os que o forem, parte à custa do Estado e parte à custa própria, mais um ano além do marcado pela lei. Os regulamentos prussianos não admitem que indivíduo algum, dando dinheiro, ou homem por si, se exonere da obrigação de servir no exército. Os recrutas, alistados pelas comissões dos distritos, prestam logo juramento às bandeiras e voltam para seus domicílios, onde permanecem até que sejam chamados. 329 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 As mesmas comissões remetem uma duplicata das listas dos recrutados, e dos seus juramentos, às comissões superiores do recrutamento que existem, compostas pelo teor daquelas, nas capitais militares das oito províncias, onde estacionam os corpos d’exército. Cada comissão superior, resumindo as listas, dá conta delas aos ministros da Guerra e do Interior, que fixam, de acordo e em atenção às conveniências públicas, o número de recrutas que deva ser tirado de cada distrito ou província. O número fixado é depois distribuído, no Ministério da Guerra, pelos diversos corpos d’exército e essa distribuição comunicada às comissões superiores, que, entendendo-se com as dos distritos, fazem chamar os recrutados e correm com as despesas de sua marcha para os lugares ou regimentos em que têm de servir. Se o número dos alistados no ano findo não é suficiente para as vagas ocorridas no exército ativo, é suprido pelo dos alistados nos anos anteriores, que deixarem de ser chamados a serviço. Cada corpo d’exército tira os seus recrutas dos distritos da província em que se acha acantonado; a guarda, porém, recebe-os, indistintamente, de todos os distritos do reino. Os capitulantes, ou contratados, são os próprios soldados que, tendo concluído o seu tempo e dado provas de moralidade e perícia, requerem continuar no serviço. Estabeleceu-se, em regra, que não fossem admitidos mais de 30 por companhia ou esquadrão, ou 360 em cada regimento de infantaria e 120 em cada um de cavalaria. A conveniência de reter nas fileiras homens espertos e bem comportados, que servissem de guias aos novos recrutas, aconselhou a admissão dos capitulantes, que, depois de 12 anos de serviço, além do aumento de soldo durante o respectivo contrato, adquirem certo direito a serem condecorados com medalhas, despachados oficiais inferiores para o Landwehr e nomeados para pequenos empregos civis nas repartições das rendas e obras públicas, no correio e postas, nas municipalidades etc. O recrutamento do Landwehr de primeira classe consiste em inscrever nos seus quadros: 1º.os que, tendo servido por um ou dois anos somente no exército ativo, são dispensados da reserva e passam logo a pertencer-lhe; 2º.todos os soldados que acabaram de servir na reserva; e 3º.todos os homens válidos de 25 a 32 anos, não pertencentes ao dito exército ativo e domiciliados nos seus distritos. 330 Cadernos do CHDD Enfim, o recrutamento do Landwehr de segunda classe, custa apenas o trabalho de ir contemplando, nos seus regimentos e batalhões, esquadrões, seções etc., os que vão deixando o serviço do de primeira classe, ou chegando à idade de 33 até 39 anos, também domiciliados nos mesmos distritos, que são comuns a uma e a outra classe. § 71 – escolas militares O governo prussiano quer que os seus soldados não sejam analfabetos e imperitos; que os oficiais inferiores, agentes primários da disciplina, ordem e economia militar, tenham certo cabedal de conhecimentos teóricos; e que os oficiais não limitem o seu saber ao comando de um regimento e ao jogo das armas. Para consegui-lo, tem estabelecido as seguintes escolas: 1º.Escolas de Regimento: uma em cada um, dirigida pelo capelão, ou outro oficial, tendo por mestres alguns oficiais inferiores que, em certos dias e horas, ensinam a ler, escrever e contar, aos soldados que o não sabem, e explicam-lhes o catecismo; 2º.Batalhão – Escola de Infantaria: formado anualmente em Potsdam, no mês de abril, com soldados, escolhidos em todos os regimentos do exército, para se adestrarem nas manobras, adquirirem certo grau de perícia e servirem de guias ou instrutores. O quadro permanente deste batalhão consta de um comandante, um capitão, cinco oficiais subalternos, quatro sargentos, 16 cabos e nove músicos. Quando em atividade, servem nas suas companhias os oficiais necessários, destacados d’outros batalhões. 3º.Esquadrão – Escola de Cavalaria: formado em Berlim, na mesma época e para o mesmo fim que o antecedente, com soldados dos diversos corpos de cavalaria e artilharia montada. Além das manobras, há ensino de equitação e de regras sobre a remonta, economia regimental etc. O seu quadro permanente compõe-se de um major, um chefe de esquadrão, 21 oficiais destacados, dois picadores e 32 oficiais inferiores. Os soldados, que se adestram nestas duas escolas, ficam usando de um distintivo militar, que apreciam em muito. 4º.Escola para Oficiais Inferiores: grande colégio, estabelecido em Potsdam, para o fim de completar a educação dos alunos da Real Casa dos Órfãos da mesma cidade e do Instituto de 331 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Annaburg45, e habilitá-los com a teoria e prática necessárias a bons oficiais inferiores. Para a admissão exige-se que o aluno tenha completado 17 anos e apresente certificado em abono de sua instrução elementar e de sua disposição para a carreira das armas. Contém este colégio 300 alunos que, findo o curso de dois a três anos, passam a servir como soldados e são depois empregados como oficiais inferiores. 5º.Escolas de Cadetes (Kadettenanstalten): estabelecidas em Culm, Potsdam, Wahlstatt, Bernsberg e Berlim, são também colégios. As quatro primeiras admitem alunos de 11 a 12 anos de idade e com a instrução elementar necessária. O seu curso dura três anos e o ensino compreende línguas latina, alemã e francesa, elementos de geografia, história natural, desenho etc. A quinta, ou de Berlim, que é a principal, recebe os alunos das antecedentes, já adiantados e na idade de 14 a 15 anos, sendo, portanto, escola de aperfeiçoamento. O seu curso, também de três anos, abrange a repetição das matérias já estudadas e o ensino mais desenvolvido da geografia e história natural, e o de matemáticas elementares e sua aplicação, princípios de tática, de fortificação, ciência do artilheiro e desenho de todos os gêneros. Estas cinco escolas são organizadas militarmente: os alunos divididos em companhias, comandadas por oficiais experimentados, fazem exercícios de infantaria nos seus pátios e áreas. Contêm as mesmas escolas 800 alunos, que são: yy ou gratuitos, recebendo estipêndios do Estado; yy ou favorecidos, pagando a módica pensão de 60 a 100 thalers por ano; yy ou meio pensionistas, contribuindo com 160 a 200 thalers; yy ou pensionistas, dando 250 a 300 thalers. Pertencem à classe dos gratuitos os filhos dos oficiais do exército, mortos em combate; dos favorecidos, os filhos dos oficiais que têm bons serviços e poucas posses; dos meio pensionistas, os filhos dos empregados civis, nas circunstâncias dos precedentes; e dos pensionistas, os filhos dos outros cidadãos em geral. As quatro escolas provinciais exigem a menor das quantias acima indicadas e a de Berlim a maior; e é nesta que se acha a comissão de exames para julgar da capacidade dos alunos no fim do curso dos seus estudos. 6º.Escolas de Divisão para a Infantaria e Cavalaria: há uma em cada divisão do exército e, por consequência, dois na guarda e 16 na 45Veja-se adiante, § 77.(N.A.) 332 Cadernos do CHDD linha; e têm por fim habilitar, com os necessários estudos, os soldados que aspiram à nomeação de Foehnrich-porte-epée, ou alferes aluno. Cada uma destas escolas é organizada assim: inspetor dela, o comandante da divisão; diretor, um oficial superior; fiscal dos estudos, o capelão da mesma divisão; professores, de quatro a seis oficiais distintos, sendo preferidos aqueles que tiverem frequentado a Escola Geral da Guerra. O curso é de três anos e, em cada um, o ensino começa a 15 de outubro e termina a 15 de julho. Nos primeiros anos aprendem os alunos o que é indispensável ao bom serviço d’um oficial das ditas armas; e, no terceiro, repetem as matérias principais e aprontam-se para responder, no fim do curso, ante a comissão de exames d’outra escola de divisão, que em regra é a mais vizinha. 7º.Escolas de Brigada para Artilharia e Engenharia: também há uma em cada brigada d’artilharia e, por consequência, um na guarda e oito na linha. São organizadas como as de divisão e têm por fim habilitar os mancebos que aspiram à nomeação de alferes alunos das ditas armas. O seu curso é de quatro anos e o ensino dividido em duas classes bienais. As matérias estudadas elementarmente na primeira classe e mais profundamente na segunda são: yy línguas alemã e francesa, yy geografia e história, yy matemáticas e sua aplicação, yy fortificação, yy artilharia, yy desenho, principalmente de máquinas de guerra, e yy obras de fortificação. Ao ensino da primeira classe são admitidos os oficiais inferiores mais inteligentes, que estão a concluir o seu tempo de serviço e que têm de passar para a reserva, ou Landwehr de primeira classe. Os alunos, que terminam o curso, comparecem ante a comissão de exames da escola de brigada mais vizinha a dar conta de si, ou vão para a escola central d’artilharia de Berlim, de que passo a falar. 8º.Escola Central d’Artilharia e Engenharia em Berlim: o seu fim é habilitar aqueles que aspiram à nomeação de alferes aluno, ou ao posto de segundo-tenente nestas armas científicas. Tem por inspetor um oficial-general, por diretor um oficial superior (sendo este de engenharia, quando aquele é de artilharia e viceversa) e, por lentes, vários oficiais distintos por seus estudos na Escola Geral da Guerra e alguns professores hábeis da 333 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 classe civil. À matrícula nesta escola deve preceder exame de suficiência ou a apresentação de certificado do curso feito nas escolas de brigada. As matérias do ensino, que dura três anos, são as seguintes: a)Primeiro ano, artilharia elementar: yy fortificação de campanha, yy matemáticas elementares, yy geografia física e política, yy língua alemã e francesa, yy história geral, yy esgrima, yy desenho, yy tática elementar, yy deveres militares, yy exercícios práticos. b) Segundo ano, artilharia: yy fortificação permanente, yy ataque e defesa de praças, yy história das guerras modernas, yy matemáticas mistas, yy desenho d’arquitetura, yy máquinas de guerra etc., yy química, yy física, yy exercícios práticos. c) Terceiro ano, artilharia: yy arquitetura militar, yy desenho de terrenos, yy cálculo integral e diferencial, yy teoria de curvas, yy balística, yy arquitetura hidráulica, yy química, yy estudos de coudelaria. Os alunos, que terminam os cursos das escolas de brigada e se sujeitam a exame nesta central, sendo aprovados, ficam com direito à nomeação de alferes alunos e são matriculados no segundo ano. Com igual direito ficam aqueles que começam nela os seus estudos e são aprovados no fim do primeiro ano. Findo o segundo ano, os que são aprovados ficam com 334 Cadernos do CHDD direito ao despacho de oficiais agregados (aggregierten Offiziere) de artilharia e engenharia e, se o obtém, usam dos uniformes, mas só vencem o soldo de infantaria. Terminado o terceiro ano, os aprovados adquirem direito, segundo as notas dos seus exames, a serem despachados oficiais efetivos, ou segundos-tenentes em alguma das duas armas. Os reprovados, em qualquer ano do curso, são despedidos e passam para as armas de infantaria e cavalaria. Uma comissão especial, presidida pelo diretor e composta dos principais lentes, dirige e fiscaliza o método do ensino nesta escola central. 9º.Escola Geral da Guerra (Allgemeine Kriegsschule). É a mesma academia militar criada por Frederico, o Grande, que foi reorganizada em 1816. Uma comissão de estudos, presidida por um oficial-general, dirige esta grande escola. Seu fim é completar a instrução teórica e prática dos oficiais de todas as armas, já suficientemente versados nas ciências militares e habilitá-los a resolver as mais elevadas questões da arte da guerra e servir utilmente ao país como bons oficiais d’estado-maior e generais. Para a matrícula nesta escola requer-se que o oficial tenha servido com patente três anos, pelo menos, [e] passe por um exame escrito e em concurso, pela maneira seguinte. A comissão d’estudos formula anualmente certas questões sobre matemáticas, geografia, história, tática etc. e remete-as em cartas fechadas às comissões, que nomeia ad hoc em cada divisão do exército. Os oficiais respectivos que aspiram à matrícula, comparecem no mês de março ante a comissão da sua divisão, que, em presença de todos, abre as questões e as distribui. Em ato sucessivo e à vista da mesma comissão, que toma nota do tempo que cada um emprega e dos livros que consulta, devem os oficiais apresentar por escrito a resolução das ditas questões. Tais escritos, com informações das comissões ad hoc, são remetidos à escola geral, e a comissão d’estudos, examinando-os, designa os oficiais, que melhor conta deram de si, e podem ser matriculados. O número dos designados nunca deve exceder ao de 36, a saber dois por divisão, ou quatro por corpo de Exército, e guarda. O curso é de três anos: abre-se a escola a 15 de outubro, e fecha-se a 15 de julho. As matérias do ensino são: 335 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 a) Primeiro ano: � tática elementar, � artilharia, � matemáticas elementares, � história antiga e da idade média, � geografia astronômica e física, e � noções de geognosia, hidrografia e atmosferologia. b) Segundo ano: � tática superior, � fortificação de campanha e permanente, � geografia militar, � cálculo integral e diferencial, e � teoria das curvas, � história moderna, � lógica, � física, � estudos de caudelaria. c) Terceiro ano: � história das guerras modernas, � deveres do oficial do estado-maior, � fortificação de todos os gêneros, e � história dos cercos mais notáveis das guerras modernas, � geodésia, � matemáticas mistas. Em todos os anos estuda-se também a língua francesa. Estas matérias são explicadas por 24 lentes, sendo dez oficiais distintos do exército e 14 professores eméritos da Universidade de Berlim. No fim de cada semestre há exames. O oficial que, no exame do segundo semestre do ano não se mostra aproveitado, é despedido. Durante o curso, os matriculados devem examinar todos os estabelecimentos militares de Berlim e fazer – a cavalo, antes do fim do terceiro ano – uma viagem estratégica nos arredores da capital, debaixo do comando de um oficial superior. Nesta viagem, são obrigados a reconhecer os terrenos, figurar duas forças em hostilidade recíproca, fazê-las manobrar, executar passagens de rios etc. Terminada essa campanha simulada, que dura 15 e mais dias, cada oficial deve apresentar à escola geral uma memória escrita, instruída de planos e desenhos, sobre todas as operações que concebera e poderia executar. Os oficiais que se matriculam nesta escola contraem a obrigação de servir mais dois anos, por cada ano que nela estudarem. 336 Cadernos do CHDD § 72. – promoções e exames I. Nenhum indivíduo pode alcançar o posto de oficial em tempo de paz sem estudos e bom comportamento; e, em tempo de guerra, sem dar provas de valor e prudência. Os mancebos militares, que se distinguem e passam por exames na escola de cadetes de Berlim e nas escolas de divisão e de brigada de artilharia, são recomendados ao ministro da Guerra e apresentados a el-rei, para que os nomeie alferes alunos e, nessa qualidade, vão servir nos regimentos e corpos das diversas armas. O alferes aluno não pode ser despachado oficial do exército sem exame prévio. Se é aprovado plenamente pode ser proposto, sem outras provas, para segundo-tenente; se não, é despedido ou fica esperando a passar por segundo, e às vezes terceiro exame, precedendo licença d’el-rei. Aos comandantes dos corpos de infantaria, cavalaria e artilharia compete propor o alferes aluno plenamente aprovado e o mais distinto dos do seu comando para qualquer vaga de segundo-tenente; e em regra exigem que os seus oficiais subalternos lhes apresentem uma lista de três dos que julgam mais aptos, sobre a qual, ouvindo aos oficiais superiores, escolhe o que deve ser proposto. Assim se verifica a primeira entrança para os postos do exército. Do posto de segundo-tenente até o de capitão, inclusive, na infantaria e cavalaria, a promoção tem por base a antiguidade somente. Na artilharia porém, os primeiros-tenentes não podem ser promovidos a capitães, nem na engenharia os capitães de segunda classe a capitães de primeira, sem que ajuntem à antiguidade o mérito provado por outro exame. Do posto de major, inclusive, até o de general, a promoção tem base [n]o merecimento; mas, quando muitos se acham em circunstâncias iguais, como frequentemente acontece, o ministro propõe a el-rei os mais antigos. Para ser empregado dos estados-maiores do exército e dos corpos de exército, nas escolas militares de maior ensino, nas inspeções etc., exige-se que o oficial tenha o curso da Escola Geral da Guerra. Aos oficiais despachados, ou promovidos, dão-se patentes, sendo assinadas por el-rei as de capitão e daí para cima; as outras o são pelo ministro da Guerra. A nomeação e promoção dos oficiais inferiores pertence ao comandante do batalhão, esquadrão etc., sobre proposta do da companhia. 337 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 II. Os exames exigidos são feitos ante as comissões seguintes: 1º.Para a nomeação de alferes aluno: ante a respectiva comissão d’exames da Escola de Cadetes em Berlim e das de divisão e brigada d’artilharia. Cada comissão é composta do diretor e de certo número de oficiais professores da respectiva escola. Como já se observou, os exames dos alunos d’uma escola de divisão são feitos ante a comissão de outra mais vizinha. 2º.Para a nomeação de segundo-tenente: ante a comissão superior d’exames militares em Berlim, presidida por um oficial-general e composta de um oficial superior do estadomaior e oito oficiais distintos, como examinadores. Versa o exame sobre línguas alemã e francesa, história geral e a particular da Prússia, aritmética, planimetria, trigonometria, geografia, esgrima e composições. 3º.Para a promoção ao posto de capitão d’artilharia: ante a comissão de exames desta arma em Berlim, presidida por um oficial-general e composta de seis oficiais superiores e subalternos. O exame é escrito e versa sobre todos os conhecimentos necessários a um bom artilheiro. 4º.Para a promoção a capitão de primeira classe do corpo de engenheiros: ante a comissão de exames de engenharia em Berlim, presidida por um oficial-general e composta de cinco oficiais superiores. O exame é também escrito e versa sobre as matérias indispensáveis ao exercício do posto. Estas comissões dão conta ao Ministério da Guerra do resultado dos exames, acompanhando-a das provas escritas e notando o mérito dos examinados. Dessas notas, das informações dos respectivos chefes e em circunstâncias iguais da antiguidade, depende o despacho e promoção. § 73. – soldos, etape e licenças I. O quadro seguinte, extraído da obra de M. Haillot e verificado, mostra 338 Cadernos do CHDD o soldo e gratificações dos oficiais do Exército ativo: conservo-o calculado em francos para que seja mais facilmente reduzido à nossa moeda. 46 Soldo Mensal Gratificação Para em Servir em Aumento Entrar em Servir Em paz em cidade de cidade de 2ª guerra campanha 1.ª classe e 3ª classe General em chefe General de Cavalaria e General de Infantaria Tenente-General 3.710 2.470 990 112 75 1.855 742 801 112 75 1.233 556 615 95 70 Major-General 925 556 615 95 70 Coronel de Infantaria 771 93 385 52 40 Coronel de outras armas Tenente-Coronel47 800 93 400 57 43 Major de Infantaria 556 93 278 33 22 Major das outras armas 586 93 293 37 26 Capitão de 1ª classe – Infantaria 371 93 183 29 22 Capitão de 1ª classe – de outras armas 400 93 200 37 26 Capitão de 2ª classe – Infantaria Capitão de 2ª classe – de outras armas 186 222 93 93 186 186 29 37 22 26 Primeiro-Tenente de Infantaria 93 29 92 18 12 Primeiro-Tenente de outras armas 111 29 111 22 16 Segundo-Tenente de Infantaria 63 29 63 18 12 Segundo-Tenente de outras armas 80 29 74 22 16 Além destes vencimentos, os generais que comandam corpos de exercício em tempo de paz, recebem mensalmente a gratificação adicional de 1.991 francos para despesas de secretaria e representação. Os oficiais dos regimentos dos guardas a pé e dos guardas do corpo também recebem gratificação adicional para despesas de mesa e uniforme. E, em geral, todos os oficiais do exército percebem rações do combustível necessário em um país frio. Os oficiais inferiores e soldados não vencem soldo e pret avantajados em tempo de paz; mas encontram sobeja compensação no seu bom agasalho em excelentes quartéis e na perfeita administração das suas caixas regimentais, que lhes assegura uma vida cômoda. 46O soldo desta patente depende do comando ou comissão que se lhe dá: o certo é o igual ao do major.(N.A.) 339 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 II. A etape fornecida às tropas difere segundo o estado em que se elas acham. Consiste, quando em repouso nos quartéis, em 1 libra ¼ de pão; sendo a despesa com os outros víveres suprida pela caixa regimental, onde entra, além de certa dedução do pret, uma gratificação (Victualen-Zulage) que o estado abona. Quando em marcha, em duas libras de pão, meia de carne, legumes e sal necessário para o jantar e ceia; sendo fornecida pelos donos das casas que aboletam os soldados e que recebem, por cada um, 5 groschen (233 réis) pagos em parte pela dita caixa e em parte pela de guerra. E quando em campanha, se estão bem acantonadas, em duas libras de pão, 1½ de carne, quatro onças de arroz (ou cinco de cevadinha, ou seis de legumes, ou 2/3 de salamim de batatas), uma onça de sal e 1/10 de aguardente. Estas etapes são fornecidas à custa das referidas caixas, pelas intendências militares, que dirigem as operações do comissariado, como logo se verá. III. Aos comandantes da guarda e dos corpos de exército, compete dar licenças para dentro do país por três semanas aos comandantes das divisões, brigadas, regimentos etc., e por três meses a todos os outros oficiais. Igualmente podem dá-las aos seus respectivos oficiais, oficiais inferiores e soldados e, também, para dentro do país: 1º.Os comandantes de divisão, brigada e inspetores por quatro semanas. 2º.Os comandantes de regimentos, batalhões, esquadrões, companhias destacadas, por 15 dias. As licenças para fora do país são reservadas a el-rei, quanto aos oficiais, e ao ministro da Guerra, quanto aos oficiais inferiores e soldados. § 74. – demissões e pensões I. Todo o oficial prussiano, ao completar 40 anos de idade, tem direito a pedir sua demissão de serviço. Se é ainda capaz de servir, obtém-na condicional, ou com obrigação de passar à reserva; se incapaz, absoluta ou com isenção de qualquer serviço. Num e noutro caso o oficial demitido fica no gozo da sua patente, usa do seu uniforme e 340 Cadernos do CHDD até, se o seu comportamento foi recomendável, recebe uma graduação superior à que tinha. A demissão forçada, ou dada ao oficial por efeito de sentença condenatória, ou decisão de um tribunal de honra, priva-o não só da patente, como de todos os foros e honras militares. Os oficiais inferiores têm igualmente direito a pedirem sua demissão, logo que completam o seu tempo de serviço, sendo-lhes sempre concedida com obrigação de passar, tendo servido até cinco anos, para a reserva; de cinco até 12, para o Landwehr de primeira classe; e de 12 até 19, para o de segunda classe. Com a mesma obrigação, e pelo mesmo teor, obtêm demissão os soldados voluntários, recrutados e capitulantes à proporção que concluem o seu tempo de serviço legal, ou convencional. II. O oficial demitido que, por causa do serviço, tornou-se incapaz de qualquer trabalho, tem direito a requerer uma pensão: temporária, se tiver servido até 15 anos, e vitalícia, se mais de 15. Consiste a pensão temporária na continuação do soldo àquele que tiver servido cinco anos, por mais um; até sete, por mais dois; até nove, por mais três; até 11, por mais quatro; e até 15, por mais cinco. A pensão vitalícia corresponde ao soldo regular da patente do demitido, se a tiver exercido por mais de ano, senão ao da patente anterior. No tempo de serviço para estas pensões, um ano de guerra é contado por dois; mas, ao prisioneiro, que não foi gravemente ferido, são descontados os meses ou anos da sua ausência do serviço. Para obter a pensão a que se julgar com direito, o oficial – por intermédio dos seus chefes – apresentará a el-rei a sua súplica, instruída: 1º.d’um certificado do cirurgião-mor, descrevendo a origem, tratamento e estado do mal que produziu a incapacidade, e 2º.uma declaração, escrita e assinada debaixo de palavra de honra por seu chefe e camaradas, abonando a carreira militar e a incapacidade do suplicante. Da pensão concedida se deduz anualmente certa contribuição para a caixa das pensões; e se o pensionista reside em país estrangeiro, a dita contribuição eleva-se a dez por cento da respectiva pensão. O seguinte quadro, igualmente extraído da obra de M. Haillot, 341 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 mostra, segundo os anos de serviço, e as patentes, a importância das pensões, e da contribuição deduzida. pensões anuais patentes Aumento depois De 15 a De 20 a de 30 anos de Contribuição 20 anos 30 anos serviço e verificado para a caixa de serviço de serviço de 10 em 10 anos 2º segundo-tenente e 1º tenente de 2.ª classe etc. 1.º tenente de 1.ª classe Capitão de 2.ª classe Capitão de 1.ª classe Major e tenente-coronel Coronel Dito, comandando brigada Major-general, comandando brigada Major-general, comandando divisão Tenente-general, comandando divisão Tenente-general, comandando corpo d’exército General d’infantaria ou cavalaria 11 18 55 92 129 218 252 307 426 575 1.020 1.391 445 667 556 834 927 1.391 1.391 2.077 1.855 2.782 2.597 3.895 2.875 4.303 3.338 5.008 4.173 6.251 5.101 7.642 7.420 11.130 9.275 13.912 222 278 467 575 927 1.298 1.428 1.669 2.077 2.541 3.710 4.637 A mor parte dos oficiais demitidos com pensão temporária ou vitalícia são empregados na Gendarmaria provincial, nos asilos e companhias de inválidos e em vários empregos civis. Para eles tem reservado o governo, em todos os ramos da administração pública, certos lugares em que possam empregar-se, como os de conselheiros provinciais, burgomestres, recebedores de rendas, chefes de postas, oficiais das alfândegas etc. Os empregados assim, ou deixam de receber as pensões, se os ordenados dos empregos lhes são iguais, ou apenas recebem a diferença destes para aquelas. Os oficiais da Gendarmaria e do Landwehr de primeira classe, nas mesmas circunstâncias dos do exército ativo, têm igualmente direito a solicitar pensões de menor importância. § 75. – inválidos, corpo de saúde, hospitais e capelães I. A paz que reina há 30 anos tem reduzido a pequeno número os inválidos do Exército Prussiano. Os oficiais inferiores com seis anos de serviço e os soldados com oito, que por causa do mesmo serviço se tornam inválidos, têm direito 342 Cadernos do CHDD aos socorros do Estado. Aos cirurgiões-mores compete inspecioná-los e dividi-los em duas classes: na primeira são colocados os que ainda podem prestar algum serviço e, na segunda, os incapazes de trabalho algum. Os inválidos da primeira classe são distribuídos pelas 18 companhias anexas às divisões da guarda e da linha, ou empregados na gendarmaria provincial, ou mesmo em pequenos cargos civis, e os da segunda são recolhidos ao asilo dos inválidos de Berlim e aos hospícios de Stolpe e Rybnitz. As pensões que os inválidos percebem mensalmente regulam: yy para os da primeira classe, por 11 francos aos sargentos e furriéis, 6½ aos cabos e anspeçadas, e quatro aos soldados; yy para os da segunda, por 20 aos primeiros, 15 aos segundos, 11 aos terceiros. A estas vantagens têm igualmente direito os oficiais inferiores que, depois de 12 anos de serviço, e os soldados que, depois de 16, se tornaram inválidos por causa alheia do mesmo serviço. II. O corpo de saúde consta dos médicos e cirurgiões empregados no serviço sanitário do exército, fortalezas e hospitais militares. O estado-maior deste corpo é formado pelo primeiro médico geral do exército (físico-mor), que tem a graduação de major-general; de um cirurgião-mor de regimento, de outro de batalhão; de um primeiro farmacêutico; e de um inspetor de hospitais de campanha. Em cada corpo de exército há um médico geral que dirige todo o serviço de saúde. Em cada regimento de cavalaria, brigada de artilharia e batalhão de infantaria, há um cirurgião-mor. Em cada esquadrão, batalhão de artilharia, hospital e fortaleza, um primeiro cirurgião; e em cada seção e companhia destaca[da], um segundo cirurgião. Os médicos gerais têm a graduação de oficiais superiores, os cirurgiões-mores de capitães, os primeiros cirurgiões de primeiros-tenentes, e os segundos de segundos-tenentes. O Instituto Médico de Frederico Guilherme e a Academia Médico-Cirúrgica (§ 12) formam os aspirantes a estes empregos. III. Há grandes e pequenos hospitais militares: aqueles, nas cidades em que se acham os quartéis-generais dos diversos corpos do exército; e, estes, nas praças fortes e lugares em que há guarnições permanentes de tropas. 343 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Cada um dos grandes hospitais é dirigido e fiscalizado por uma comissão de um oficial superior, um cirurgião-mor e um fiscal; e cada um dos pequenos, por outra comissão de um oficial subalterno, um cirurgião e um empregado de contabilidade. Em todos os hospitais há botica militar, independente dos médicos e cirurgiões militares e subordinada, unicamente, à respectiva comissão diretora. Além destes hospitais fixos e permanentes, há os ambulantes e de campanha, cujos móveis, instrumentos, boticas portáteis etc., existem prontos nos depósitos militares. Ao físico-mor do exército pertence a inspeção geral de todos os hospitais e ao intendente militar a particular e imediata dos que servem no seu corpo de exército. IV. No serviço religioso do exército são empregados, conforme o culto, capelães e pregadores. Ao capelão-mor do Exército, chefe da igreja da guarnição de Potsdam, jazigo de Frederico, o Grande, compete a inspeção do mesmo serviço e a proposta dos padres para estes empregos militares, entendendo-se com os bispos e consistórios. Há capelães e pregadores gerais nas divisões do exército, cidades de governo militar e praças fortes; e especiais nos regimentos, brigadas de artilharia e seções. Também os há desta classe nos hospitais, escolas e casas de educação militares. Na falta de qualquer capelão ou pregador especial, pode ser chamado a servir interinamente um padre do lugar. Cumpre aos capelães e pregadores, além do exercício das funções religiosas, dirigir as escolas regimentares e das guarnições, e tomar parte na direção das de divisões e brigadas. § 76. – montepio das viúvas dos militares Nenhum indivíduo, em serviço efetivo do exército, pode casar sem obter licença do Ministério da Guerra. Essa licença não é concedida aos tenentes, sem que estes provem devidamente – que por si, ou suas futuras esposas, têm uma renda certa de 600 thalers, além dos seus soldos e vencimentos. Nem tampouco é concedida a oficial algum senão debaixo da condição de entrar e contribuir para o montepio das viúvas. 344 Cadernos do CHDD Em consequência, apenas casa o oficial, é obrigado 1º.a declarar o valor da pensão que pretende deixar à sua viúva, 2º.a entrar logo com o mesmo valor por inteiro, e 3º.a contribuir mensalmente com uma quantia certa para o montepio. As pensões variam de 50 até 600 thalers. A contribuição mensal, calculada em relação à idade do contribuinte e ao valor da pensão, é a seguinte: Idade do contribuinte De 20 a 30 anos paga De 31 a 40 anos paga De 41 a 50 anos paga De 51 a 60 anos paga De mais de 60 anos paga Do valor da pensão 1 por cento 1½ por cento 2 por cento 2½ por cento 3 por cento Além disso, se o oficial, entre a idade de 59 a 60, é 30 anos mais velho que a mulher, ou em todo o caso se é maior de 61 anos, é obrigado a entrar para o Monte com o dobro do valor da pensão. Aos oficiais, que não podem realizar d’uma vez a entrada do valor simples ou dobrado da pensão, é permitido fazê-lo por prestações, pagando os juros de quatro por cento ao ano das que deverem, além da contribuição mensal. Os casados antes de serem oficiais, logo que entrarem no gozo das patentes devem proceder, a respeito do montepio, como os casados depois. O valor da pensão declarada pode ser aumentado ou diminuído ulteriormente; entrando o oficial para o Monte, no caso de aumento, com a diferença para mais; e recebendo do mesmo Monte, no caso de diminuição, a diferença para menos; também a contribuição mensal aumenta no primeiro caso, e diminui no segundo. Os comandantes dos corpos militares das diversas armas devem obrigar os seus oficiais a que estejam correntes com o montepio, satisfazendo com pontualidade o pagamento das entradas e contribuições respectivas. Os que deixarem de pagar as contribuições por três semestres sucessivos, perdem o direito às pensões e às somas com que houverem entrado. A contribuição para o Monte cessa: 1º.por morte do contribuinte e à vista de certidão de óbito apresentada pelo comandante respectivo, ou pela viúva do oficial, que entra desde logo a gozar da pensão; 345 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 2º.por morte da mulher do oficial, devidamente certificada; 3º.por divórcio, à vista do traslado da sentença legal. Nestes dois últimos casos, o Monte restitui ao viúvo, ou ao divorciado, o valor da pensão com que haviam entrado. O que fica dito a respeito dos oficiais, é aplicável aos da gendarmaria, reserva, e Landwehr e aos empregados militares do corpo de saúde e outros. Este montepio recebe anualmente uma subvenção do Estado para suprir o seu déficit, que flutua entre 18 e 24.000 thalers. § 77. – casas de educação para os órfãos e filhos dos militares Em vez de estabelecer, em favor deles, um fundo de pensões que podem ser mal aplicadas, o governo prussiano teve por mais conveniente encarregar-se da sua educação, mantendo para esse fim os seguintes estabelecimentos: 1º.Real Casa dos Órfãos Militares de Potsdam: vasto colégio, ricamente dotado, que contém ordinariamente 500 meninos de seis a 16 anos de idade. Para a admissão do órfão basta um certificado de haver nascido quando o pai servia no exército e de haver este falecido. A organização deste colégio é militar: um coronel o comanda e oficiais do exército mantêm nele a disciplina, a regularidade das aulas e dos serviços: os meninos usam uniforme e, divididos em companhias, fazem exercícios em certos dias e horas, servindo, os que mais se distinguem, de oficiais inferiores nas mesmas companhias. Em nove classes, regidas por mestres idôneos, recebem estes órfãos a instrução religiosa e literária de que carecem. Além disso, em diversas oficinas dentro do colégio, aprendem – segundo suas disposições naturais – os ofícios mecânicos mais necessários ao serviço do exército. Logo que chegam aos 17 anos de idade são mandados, os mais aproveitados em estudos, para a escola de oficiais inferiores; e, outros, para o exército como soldados, músicos e artífices. Os educados nesta real casa devem servir o dobro dos anos que nela permanecerem, além do tempo legal. Pela caixa deste grande estabelecimento são socorridos com mesadas, para a sua educação, não só alguns órfãos militares que, por excesso de concorrência, não puderam entrar como alunos, mas também os filhos dos oficiais e oficiais inferiores, que carecem de auxílio para o mesmo fim. 346 Cadernos do CHDD 2º.Instituto de Annaburg: outra grande casa de educação gratuita para os filhos dos militares, fundada por Frederico Augusto, eleitor de Saxônia e rei de Polônia, e conservado pelo rei da Prússia, quando, em 1815, entrou na posse da parte do território saxônico, que lhe foi adjudicada pelo Congresso de Viena. Contém de 400 a 500 meninos, filhos de oficiais inferiores e soldados, exigindo-se para a admissão a idade de dez a 12 anos e prova da filiação militar. A organização deste estabelecimento é semelhante à da Real Casa dos Órfãos de Potsdam: como nesta, os alunos de Annaburg recebem educação religiosa, literária, moral e civil; aprendem ofícios mecânicos e, na idade de 17 anos, passam os mais hábeis para a escola de oficiais inferiores e os outros para o serviço do Exército. 3º.Real Casa das Órfãs de Pretzsch: estabelecida em 1829 para as filhas dos militares falecidos no serviço, as quais, até aquele ano, eram recolhidas em parte do edifício da Real Casa de Potsdam: separadas atualmente, ou em casa própria, são convenientemente educadas 200 meninas, que além de receberem a instrução religiosa e literária, aprendem os ofícios próprios do seu sexo, para que possam viver honestamente, como mestras e artistas, quando aos 18 anos forem despedidas. 4º.Real Casa Pia de Stralsund: instituída por Gustavo III, rei de Suécia, e conservada depois da reunião da nova Pomerânia à Coroa da Prússia, em 1815, destinava-se à educação gratuita dos filhos e filhas dos militares; mas, por ordem do gabinete de 1816, foi especialmente aplicada à educação dos filhos e filhas dos inválidos e militares da reserva. Contém, em edifícios separados e contíguos, 90 meninos e 80 meninas, que recebem o mesmo ensino e têm o mesmo destino que os órfãos de Potsdam e as órfãs de Pretzsch. 5º.Escolas de guarnição: há uma em todas as cidades onde estacionam as divisões e brigadas do Exército. Em cada escola destas, dividida em aulas separadas para os dois sexos, dirigida por um oficial e pelo capelão militar, e regida por mestres e mestras de bom conceito, são admitidos gratuitamente os filhos e filhas dos militares da respectiva guarnição. § 78. – administração militar Acha-se concentrada, em todos os seus diversos ramos, no Ministério da Guerra, de cuja organização tratei no § 12. Nas seções, em que se subdivide este ministério, a saber: 347 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 yy dos negócios gerais, yy da artilharia, yy da engenharia, yy do pessoal, yy da contabilidade, yy do comissariado, yy dos fardamentos, yy do corpo de saúde, yy dos inválidos e yy das remontas, encontra o ministro, em dia, todas as informações e dados que lhe são precisos para acudir às necessidades do exército, dirigir e fiscalizar a sua administração. No que pertence ao serviço militar propriamente dito, o ministro tem por delegados imediatos os comandantes em chefe dos corpos do exército, os governadores das cidades e comandantes das praças fortes, os quais, pelas repartições e seções ministeriais competentes, recebem as instruções e dão conta das ocorrências que devem chegar ao conhecimento do governo. No que diz respeito à economia do exército, o ministro tem igualmente por delegado imediato, em cada corpo de exército, um intendente militar. A estes intendentes, oficiais superiores em graduação e independentes do comando militar, compete: 1º.inspecionar todas as repartições civis e hospitais do respectivo corpo do exército; 2º.fiscalizar todos os pagamentos de soldo, pret e outras despesas militares, e os fornecimentos de etape e outros víveres, nos quartéis e em marcha; 3º.dar balanços, inopinadamente, e verificar as contas das caixas regimentais. Cada caixa de regimento, ou d’outro corpo de tropas, é administrada por uma comissão composta do comandante, de um oficial combatente e de outro, de contabilidade, como fiscal. Isto tem lugar em todo e qualquer corpo de tropas, seja da guarda e da linha, seja da gendarmaria e Landwehr. No exercício de suas atribuições, os intendentes militares, ajudados por seus assistentes e delegados, dirigem-se aos presidentes em chefe das respectivas províncias, entendem-se com os comandantes dos corpos d’exército, divisões, brigadas etc., e dão conta de tudo ao 348 Cadernos do CHDD ministro da Guerra, diretamente. Cada um permanece junto ao seu corpo de exército e marcha com ele para dirigir todas as operações de comissariado, aboletamento etc. A despesa militar, fixada no orçamento ou budget geral, é distribuída pelo ministro da Guerra, de acordo com o da Fazenda, pelas tesourarias provinciais das 25 regências. Cada tesouraria recebe ordem para entregar, em prestações mensais, a soma que lhe cabe na distribuição, ao intendente, ou delegado seu, a cujo cargo estiver a despesa do respectivo corpo d’exército. As prestações, ou entram em parte para as caixas militares, ou ficam nas mesmas tesourarias à disposição dos intendentes, que vão ordenando os pagamentos por aquelas, ou estas, como o exige a conveniência do serviço, e comodidade das partes. Tais pagamentos são verificados pelos assistentes, ou delegados, e suas contas mensalmente tomadas pelos intendentes. E assim, ou sem grande movimento de fundos, nem detrimento do Tesouro, ou das partes, realiza-se toda a despesa do exército, que passa de 24.000.000 de thalers por ano. No que toca ao trabalho orgânico e a medidas de aperfeiçoamento militar, tem ainda o ministro como bons auxiliares a Comissão de Estudos Militares e o Corpo do Estado-Maior. A Comissão de Estudos, permanente em Berlim, compõe-se de um general e quatro oficiais superiores dos mais distintos pelo saber e experiência: tem a seu cargo a superior direção das escolas militares, menos a Geral da Guerra e o exame, e mesmo iniciativa, de quaisquer projetos, tendentes ao melhoramento do sistema e serviço militar. O Estado-Maior do Exército, também estacionado em Berlim, compõe-se de 50 a 60 oficiais de todas as classes, discípulos aproveitados da Escola Geral; em vez de jazer inerte durante a paz, tem a seu cargo: 1º. estudar os lugares, que possam servir de teatro a futuras campanhas e indicar as operações estratégicas mais convenientes etc. 2º.colher informações sobre a organização, disciplina e força dos exércitos estrangeiros e sobre as alterações que sofrerem etc. 3º.levantar as cartas geográficas, topográficas e corográficas dos estados prussianos. Para o desempenho dos seus deveres, o estado-maior dispõe de um gabinete trigonométrico, d’outro topográfico e de uma oficina litográfica: estes estabelecimentos, regularmente organizados, servidos por vários empregados, estão debaixo da direção e fiscalizados do chefe do mesmo estado-maior. 349 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 § 79. – justiça militar No antigo sistema gozavam do foro militar e eram julgados, no crime e no cível, pelos tribunais de guerra não só aqueles que pertenciam às fileiras ou se empregavam no serviço do exército, como todos os seus parentes. No atual sistema, porém, e segundo a lei de 1809, apenas gozam do mesmo foro e podem ser julgados no crime somente, pelos tribunais militares: 1º.os oficiais, oficiais inferiores e soldados do exército ativo e auxiliar, ou do Landwehr. 2º.os demitidos do serviço militar com pensão. 3. os recrutados, que juraram bandeiras e ficaram nos seus domicílios à espera de serem chamados a serviço. 4º.os empregados no serviço do exército, menos os do Ministério da Guerra e da auditoria geral, e os das administrações de depósitos de víveres, forragens, fardamentos etc., nas cidades e lugares abertos. 5º.os artífices que trabalham, agregados aos corpos de tropas, com obrigação de acompanhá-las em marcha. Os que assim ficaram gozando deste foro, devem responder nele não só pelos crimes e delitos militares propriamente ditos, como pelos crimes e delitos comuns, à exceção dos que cometerem por infração de leis ou regulamentos fiscais e policiais, e por quebra de promessa de casamento, falta de alimentos a filhos naturais e outros, de semelhante natureza, que passaram para os tribunais civis. A justiça militar é distribuída pelos tribunais militares, pela Auditoria Geral, pela Junta de Justiça Militar e pelos tribunais de honra. I. Os tribunais militares são de três espécies, a saber: tribunais de guerra, conselhos de guerra e comissões de guerra. a) Um tribunal de guerra (Kriegsgericht) compõe-se do comandante, investido da alta jurisdição, de um ou dois auditores e de certo número de vogais, nomeados pelo comandante, d’entre os oficiais somente, se o acusado é oficial; d’entre oficiais e oficiais inferiores, se é oficial inferior ou usa de talim; e dentre oficiais, oficiais inferiores e soldados, se é praça de pret. 350 Cadernos do CHDD Em cada corpo d’exército, divisão, inspetoria geral47, cidade de governo militar48 e praça forte49, há um tribunal de guerra, que se intitula de corpo d’exército, de divisão etc. São sujeitos à alçada destes tribunais, em tempo de paz: 1) todos os oficiais em geral e os cirurgiões-mores, seja qual for a acusação; 2) todos os outros militares, cirurgiões e empregados do exército, no caso de acusação a que corresponda pena de morte, expulsão do serviço, perda de nobreza, prisão em fortaleza ou presídio e confisco de bens. Em tempo de guerra, além dos precedentes: 3)todas as pessoas, que formarem a comitiva do exército e se empregarem nas indústrias e misteres conducentes ao seu cômodo ou satisfação das suas necessidades; 4) os oficiais estrangeiros, autorizados pelos seus governos a observar as operações militares e as pessoas de suas comitivas; 5) os prisioneiros de guerra; 6)todas as pessoas da classe civil que forem surpreendidas dentro do acampamento, cidade de governo militar, ou praça forte, em flagrante delito de traição, de espionagem, de comunicação verbal ou por escrito ao inimigo e de fornecimento de armas, munições, cavalos, vestimenta, víveres e forragens às tropas do exército contrário. b) Um conselho de guerra (Standgericht)50 compõe-se do coronel (ou comandante de regimento, batalhão e seção) investido da baixa jurisdição militar, de um ou dois oficiais preparadores, fazendo as vezes de auditores, e de certo número de vogais, nomeados pelo comandante, segundo a regra estabelecida para os tribunais de guerra. Havendo também um em cada corpo de tropas, são estes conselhos de guerra intitulados “de Regimento”, “de Batalhão” etc. 47 Há duas: a da Artilharia e [a da] Engenharia.(N.A.) 48 Há quatro, Berlim, Königsberg, Breslau e Luxemburgo (Praça federal).(N.A.) 49 Há 27, todas mais ou menos consideráveis. (N.A.) 50 No sentido literal significa “tribunal que corresponde ao estado ou condição da pessoa acusada”: - pareceu-me mais simples a versão em Conselho de Guerra.(N.A.) 351 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 São sujeitos à alçada destes conselhos de guerra 1) todos os oficiais inferiores e soldados 2) todos os cirurgiões e seus ajudantes, e outros empregados no respectivo corpo de tropas, por qualquer acusação que não pertença à alçada dos tribunais de guerra. Esta baixa jurisdição é exercida juntamente com a alta pelos tribunais de guerra das cidades de governo militar e das praças fortes. c) Uma comissão de guerra (Spruchkommission)51 é nomeada pelo comandante, investido de alta jurisdição e composta, segundo a condição ou estado do acusado, de um auditor, um oficial do estado-maior e um capitão, se o acusado é oficial; ou se o não é, de um auditor e dois oficiais subalternos, todos comissionados, investidos de jurisdição delegada para o exame e julgamento do caso que tornou necessária a sua nomeação. São submetidos ao juízo destas comissões de guerra todos os indivíduos, que, gozando do foro militar, não estão sujeitos à alçada dos tribunais e conselhos de guerra, à exceção daqueles cujo julgamento é privativo da auditoria geral, como depois se verá. As sentenças destas comissões são consideradas de primeira instância, e sujeitas à confirmação da auditoria geral. Quanto à competência destes tribunais militares, sua forma de processo e execução de suas sentenças, as regras estabelecidas são em substância as seguintes: (a)O foro militar prefere a qualquer outro. Um tribunal civil, avisado de ter encetado causa em que é parte algum militar, deverá suspender o processo, se não tiver ainda proferido sentença em primeira instância; se, porém, a tiver, cumpre-lhe continuá-lo, excepcionalmente, até que seja julgado em segunda instância: todavia, neste caso, será a sentença transmitida ao competente tribunal militar para homologá-la e comutar a pena civil em pena militar. (b)O acusado por crimes comuns, sujeitos ao foro militar e ao civil ao mesmo tempo, deverá responder ante um tribunal misto, convocado pelo comandante, ou pelo presidente do 51. Literalmente significa comissão de pronúncia, equivalente a 1.º julgamento; para evitar a redundância assentei de vertê-la em Comissão de Guerra.(N.A.) 352 Cadernos do CHDD tribunal civil, conforme tiver sido começada a causa: por um, ou por outro. (c)Não se pode encetar processo contra um oficial superior, ou general, sem prévio consentimento d’el-rei. (d)No processo do foro militar seguem-se as disposições dos códigos que regem o do foro civil. Os auditores e oficiais preparadores exercem as funções das juntas de inquisição (§ 40) e servem de secretários, escrevendo os termos precisos etc. (e)Nos crimes militares, não é ouvido o acusado antes da pronúncia, salvo se, para alcançar-se certo grau de certeza sobre a sua culpabilidade, for necessário ouvi-lo; ou, se a pena correspondente ao crime arguido for de dez anos de prisão, ou outra mais dura. (f)Também não é permitido, ao acusado de crime militar, defender-se por outrem, salvo quando houver dúvida sobre a sua culpabilidade, ou grande complicação nas circunstâncias do fato; devendo, em tal caso, nomear um auditor para servirlhe de defensor. (g)As decisões ou sentenças são proferidas por maioria de votos. Os auditores nos tribunais só têm voto consultivo; nas comissões de guerra, porém, o têm deliberativo. (h)Os processos ante os tribunais militares, de qualquer espécie, são livres de despesas forenses, salvo se forem intentados por injúrias yy contra oficiais do exército e yy contra oficiais pensionistas e empregados militares, que tenham graduação de oficiais. E então os emolumentos (cuja taxa é a mesma dos tribunais civis) pertencem, no primeiro caso, ao cofre do asilo dos inválidos; e, no segundo, aos auditores. (i)As sentenças dos tribunais e conselhos de guerra não são executadas senão depois de revistas pela auditoria geral e confirmadas por el-rei, ou pelo ministro da Guerra, ou pelo comandante em chefe do corpo de exército, conforme a gravidade da pena e classe do sentenciado. Quanto aos auditores de guerra, direi o estritamente necessário. São divididos em quatro classes: yy a primeira compreende os auditores da guarda, dos corpos de exército e da inspetoria geral da artilharia, que são considerados 353 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 como conselheiros; yy a segunda, os mais antigos das divisões e os das cidades de governo militar, considerados como presidentes de tribunais civis de primeira instância; yy a terceira, os das praças fortes federais52 e os mais modernos das divisões (que cada uma tem dois), considerados como juízes de tribunal civil de primeira instância; e yy [a] quarta, os das praças fortes nacionais, também considerados como juízes de primeira instância. Para ser nomeado auditor exige-se que o candidato: 1) apresente certificado do terceiro exame jurídico (§ 46) e 2.) tenha exercido gratuitamente o ofício de auditor em qualquer tribunal de guerra a contento do respectivo comandante. A nomeação é feita, sobre proposta da auditoria geral, por el-rei, ou pelo ministro da Guerra: o nomeado deve começar a servir na quarta classe. Depois de certo número de anos, os auditores passam para os tribunais civis, sendo-lhes permitido o praticarem desde logo, ou servirem gratuitamente nos mesmos tribunais, contanto que o possam fazer sem prejuízo do serviço militar. II. A auditoria geral (General-Auditoriat) compõe-se do auditor geral, conselheiro íntimo e de quatro auditores-mores, conselheiros superiores: com chancelaria, arquivo etc., e vários empregados. Exerce as funções de tribunal superior militar e compete-lhe: 1º.Inspecionar todos os tribunais, conselhos e comissões de guerra, para que a justiça seja distribuída imparcial e regularmente. 2º.Conhecer das querelas de nulidade contra as sentenças dos tribunais e conselhos de guerra, deferindo-as quando fundadas em lei expressa, ou referindo-as a el-rei quando seja duvidosa a inteligência da mesma lei. 3º.Rever e autenticar as sentenças dos mesmos tribunais e conselhos, e submetê-las à confirmação de el-rei, do ministro, ou do comandante em chefe, achando-as regulares; e, quando 52 Mogúncia, Luxemburgo etc.(N.A.) 354 Cadernos do CHDD não, propor a sua cassação e formação de novo processo e julgamento. 4º.Julgar em segunda instância as sentenças proferidas pelas comissões de guerra e pelo tribunal especial do Instituto Cirúrgico de Frederico Guilherme. 5º.Conhecer e decidir de todas as causas crimes, relativas aos auditores, capelães, pregadores e mestres das escolas militares, em efetivo serviço no exército. 6º.Propor à junta da justiça militar os candidatos que devam ser nomeados auditores, o avesso destes e a sua passagem para os tribunais civis. 7º.Apresentar anualmente a el-rei a estatística criminal do exército, explicada por tabelas e observações, compreendendo o número e classe dos acusados, a natureza dos crimes e das penas que lhe foram impostas, e propondo as medidas que julgar convenientes para a correção de quaisquer abusos na forma do processo e julgamento, repreensão dos delitos mais frequentes e promoção da moralidade no pessoal do exército. Para desempenho deste último dever, os auditores – no fim de cada trimestre e, em geral, no fim de cada ano – devem remeter à auditoria geral mapas, listas e informações circunstanciadas sobre a condição dos acusados, seus crimes ou delitos, penas que sofreram e modo por que foram processados em todas as causas preparadas pelos mesmos auditores e oficiais preparadores, comunicando estes àqueles os necessários esclarecimentos. O auditor geral segue o exército em campanha, faz parte do estado-maior general, inspeciona em pessoa todos os atos dos tribunais militares e exerce de pronto todas as atribuições da auditoria geral. III. Junta de justiça militar (Militar-Justiz-Department): é formada pelos ministros da Guerra e da Justiça, assistidos pelos conselheiros dos seus gabinetes, e compete-lhe: 1. Conhecer e julgar das queixas contra as decisões da auditoria geral. 2. Inspecionar a mesma auditoria, para que haja a necessária uniformidade, e acerto em todos os seus atos. 3. Rever as propostas para a nomeação, e acesso ulterior dos auditores, e sua passagem para os tribunais civis, antes de submetê-las à aprovação d’el-rei. 355 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 Esta junta, instituída em 1798, e modificada por mais de uma vez, é uma espécie de tribunal supremo militar. IV. Tribunais de honra. Foram instituídos em 1821 para conhecer e julgar das faltas, que, embora não sejam puníveis pelas leis militares e civis, ofendem contudo à honra e pundonor militar, e concorrem para marear o brilho da profissão das armas e desmoralizar o exército. São unicamente sujeitos a estes tribunais os capitães e oficiais subalternos de qualquer arma do exército ativo e auxiliar. Os generais e oficiais superiores têm, no juízo d’el-rei, para quem recorrem, o seu tribunal de honra. O ato de sujeitar-se um oficial a um tribunal de honra pode ser voluntário, se ele mesmo o requerer, ou obrigado, se for acusado por outros oficiais. O que requer deve dirigir-se ao general da sua divisão, que, ouvido o da brigada e do regimento, ou corpo do requerente, recusa-lhe, ou concede-lhe o julgamento. Os que acusam devem fazer outro tanto e ao general fica o mesmo arbítrio de conceder ou recusar. Cada regimento de infantaria ou cavalaria, brigada de artilharia, seção, batalhão do Landwehr, ou qualquer outro corpo de tropas, tem o seu tribunal de honra. Cada tribunal de honra compõe-se do auditor mais antigo da divisão e de todos os oficiais do corpo a que pertence o oficial que quer ou é obrigado a sujeitar-se ao seu julgamento. Não podem, porém, ser membros do mesmo tribunal, nem votar, aqueles oficiais do corpo, que servirem de testemunhas, ou forem acusadores, ou próximos parentes do acusado. E quando o número dos que se acharem assim impedidos exceder a ¼ da oficialidade do corpo, deve-se requerer a el-rei para que designe o tribunal de outro corpo para o julgamento do mesmo acusado. Convocado e constituído o tribunal de honra, os seus membros escolhem dentre si uma comissão – composta de capitão, primeiro-tenente e segundo-tenente – a qual se encarrega juntamente com o auditor, de preparar o processo, inquirir testemunhas e proceder aos necessários termos para levar a causa ao estado de ser julgada. O acusado pode apresentar a sua defesa por escrito. Submetida a causa, pela comissão, ao exame e decisão do tribunal, compete-lhe julgar, em sua consciência, o que lhe parecer mais justo: ou absolve, ou condena. Se condena, cabe-lhe também impor as penas, que segundo a lei pode aplicar, a saber: a de privação por certo tempo do direito 356 Cadernos do CHDD de acesso, ou a de ficar em disponibilidade, ou a de ser demitido e expulso do corpo. Nenhum julgamento é proferido senão por ¾ de votos dos membros presentes. A sentença, assinada pelo auditor e comissão do tribunal de honra, é submetida à confirmação régia antes de ser executada. Se a el-rei parece irregular o processo, ou desproporcionada a pena, manda proceder a novo julgamento pelo tribunal d’outro corpo. § 80. – observações Tenho por evidente que o sistema, que acabei de delinear, mal pode, no seu complexo, ser admitido em outro país, que não se ache precisamente nas condições da monarquia prussiana. Colocada no centro da Europa continental, estendendo-se das raias da França às da Rússia, limitando-se com 12 estados soberanos mais ou menos poderosos e oferecendo 800 léguas de fronteiras abertas à agressão estrangeira, a Prússia carece absolutamente d’uma organização militar, que comece pela instrução da mocidade e acabe pelo armamento do seu povo em massa. Além disso, tendo obtido pela força das suas armas o quinto lugar entre as grandes potências da Europa e contraído a obrigação honrosa de manter-se em tão elevado posto, a Prússia carece também d’um exército permanente, considerável, convenientemente acantonado e prestes a marchar ao primeiro grito de alarma. Curvado, pois, ante a necessidade indeclinável de precaver-se contra a fraqueza de sua posição geográfica e conservar-se aparelhado a sustentar sua preeminência política, o governo prussiano tem-se empenhado e ainda se esmera em desenvolver cada vez mais a sua força militar. Nem há prussiano, por mais elevado ou humilde que seja, que não se ufane em reconhecer a mesma necessidade, ou se negue a sacrifício algum indispensável para satisfazê-la, como o tem provado em mais d’uma conjuntura política. Isto posto, mui provável é que, se outras fossem as circunstâncias da monarquia prussiana, também outra seria a organização do seu exército. O que ora mantém, superior aos seus recursos, é mais uma condição de existência, que um instrumento de defesa. No dia em que privar-se do pessoal de guerra que ostenta, perderá o voto que tem no conselho europeu e a Prússia – moderna, central, bipartida, menos fértil 357 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 e vasta, com 16.000.000 de habitantes somente – deixará de colocarse acima da Espanha: antiga, marítima, compacta, mais extensa e rica, com igual população e magníficas colônias nas Antilhas e na Índia. Entretanto, se o todo do mesmo sistema, por demais peculiar, não pode quadrar a outro país, algumas das suas partes são dignas de imitação e ensaio. Não vejo dificuldade no emprego dos meios de que se serve a Prússia para melhorar, em vez de piorar, a sorte dos mancebos recrutados, ou chamados ao serviço do exército. Consistem estes meios principalmente em dar-lhes bom agasalho em quartéis cômodos; em sujeitá-los a uma disciplina severa e moralizadora, mas não brutal e ignominiosa; em proporcionar-lhes o ensino de que possam carecer a fim de habilitarem-se para qualquer carreira honesta de vida, quer instruindo-se nas escolas militares e adquirindo direito a postos e outras vantagens, quer contraindo hábitos de ordem e trabalho, e predispondo-se a exercer com proveito, ao deixar o serviço, o ofício ou indústria de sua vocação. Tais meios não só produziriam com o tempo o melhoramento desejado, como contribuiriam para que se atenuasse o horror que inspira o recrutamento e se escusasse a violência, que ainda se emprega para levá-lo a efeito. Tampouco me parece difícil a aplicação d’outros meios ali usados para atrair voluntários e tornar esperançosa a carreira das armas. Entre outros, apontarei os mais eficazes, que são: não admitir criminosos no serviço do exército; haver exatidão e pontualidade nas escusas, findo o tempo legal; estabelecer escolas regimentais de instrução primária e outras, de maior alcance, ou de instrução militar científica, nas brigadas e guarnições numerosas, para oficiais e aspirantes aos postos; fundar um montepio para as viúvas e casas de educação para os órfãos e filhos dos oficiais; assegurar a sorte dos inválidos. Nem presumo que seria inconveniente a adoção, em qualquer outro país, de quase todas as regras de administração, economia, disciplina e justiça militar, não só em vigor na Prússia, como abonadas pela experiência de três anos de guerra e 30 de paz. Sobretudo os tribunais de honra, já admitidos com manifesta utilidade em outros exércitos, creio que, pelo menos, poderiam ser ensaiados. v 358 Cadernos do CHDD appendix Nos sete anos decorridos entre a época em que foram escritos e a em que são publicados os precedentes artigos, grandes acontecimentos e profundas mudanças, provocadas pela Revolução Francesa de 1848, tiveram lugar na Europa e na Prússia. A brilhante quimera da pátria comum, há longo tempo afagada pelos professores das universidades e vários publicistas da Alemanha, pareceu realizar-se com a reunião de uma constituinte em Frankfurt e organização d’um Tesouro, d’um Exército, d’uma Marinha, d’um Ministério Central, e d’um chefe provisório do antigo Império Germânico. Enquanto durou o entusiasmo das massas e o tormento dos governos, tudo correu placidamente. Uma Constituição Imperial foi promulgada, e a Coroa do Império renascido oferecida a El-Rei de Prússia, que teve o bom senso de recusá-la. Logo, porém, que começou o inevitável conflito entre os interesses locais conhecidos e os gerais problemáticos, o bom senso público reconheceu a distância imensa que, às vezes, separa a teoria da prática. Depois, as veleidades dos homens das academias, os arroubos dos estadistas poetas, os devaneios dos socialistas, os desatinos dos comunistas, as urdiduras dos ambiciosos de todas as cores, deram em resultado cenas de tumulto e de sangue, que desvirtuaram a ideia da pátria comum, provocaram resistências, reanimaram os governos e trouxeram a reação. O arquiduque, chefe provisório, abdicou: Constituinte, Tesouro, Exército, Marinha, Ministério Central, tudo desapareceu. Apenas ficou, como ruína do improvisado edifício político, a Constituição Imperial, que já havia sido aceita, pura ou condicionalmente, por alguns soberanos alemães. Rejeitada agora por todos, nem mesmo essa ruína desperta a atenção, ou excita a simpatia das raças germânicas. A Prússia, como a mais ilustrada entre as potências da Alemanha, tomou parte mui distinta na revolução patriótica, predominou em Frankfurt, e não deixou de ganhar na refrega das paixões políticas. Cumpriu-se a solene promessa de Frederico Guilherme III: seu augusto filho outorgou uma constituição ao princípio limitada e por demais aristocrática, depois amplíssima e por demais democrática, e atualmente em processo de sábia reforma. Assim que, desde 1848, vigora na Prússia o governo parlamentar. Sinto não poder indicar todas as alterações, que esta nova situação deve ter produzido no essencial das doutrinas consignadas nos artigos 359 ano 13 • número 24 • 1º semestre 2014 que elaborei. À tamanha distância, não posso haver as informações necessárias, nem julgo prudente confiar nas publicações da imprensa periódica. Todavia, acho-me habilitado a assinalar com segurança algumas das mudanças ocorridas de então para cá. Na monarquia prussiana houve uma diminuição e uma aquisição nova de território. Deu causa à diminuição, o triunfo do Partido Radical da Suíça, e a nova Constituição Federal, que, subtraindo à soberania da Prússia o principado de Neuchâtel, considerou-o como simples cantão suíço; mas, reconhecido há pouco pelas grandes potências o antigo direito da Coroa prussiana àquele principado, mui provável é que, ou por meios pacíficos, atualmente empregados, ou pela força da armas, deixe de consumar-se a mesma diminuição. A aquisição, já verificada, proveio da reunião à Prússia dos dois principados de Hohenzollern (Eching e Sigmaringen) por efeito de convenção celebrada entre el-rei e os respectivos príncipes, seus augustos parentes, que reinavam nesses pequenos Estados, cuja superfície é de 21,3 milhas geográficas quadradas, com uma população de 66.000 almas. No governo, mais de uma alteração teve lugar. O Conselho d’Estado, suprimido ao princípio, foi restaurado depois. A atribuição, que tinha, de discutir as leis que deviam subir à sanção real, limita-se agora à preparação dos projetos, que o governo submete à deliberação do parlamento; quanto às suas outras funções, exerce-as como d’antes. O Conselho de Ministros deixou de ser presidido pelo príncipe real: compete agora a presidência a um dos ministros, designado como chefe do gabinete. Dois novos ministérios, o do Comércio e Obras Públicas e o da Agricultura, foram organizados: fundiram-se, no primeiro, a junta do comércio, e a repartição do Ministério da Fazenda, que dirigia as mesmas obras; e, no segundo, as seções, que no Ministério do Interior, tratavam dos negócios e interesses agrícolas. Na administração, nada mais tem havido, que o passageiro eclipse das dietas ou assembleias provinciais, dissolvidas logo que se reunira o parlamento e abertas dois anos depois. Na justiça, assim como na instrução pública, e no exército, nenhuma mudança, que me conste, tem havido até agora. 360 Cadernos do CHDD Nas finanças, porém, sérias alterações têm sido feitas pelo governo parlamentar. O imposto das classes, pela lei do 1.º de maio de 1851, foi modificado, alargando-se o círculo dos isentos, mormente nas classes menos abastadas. Em compensação acha-se estabelecida pela mesma lei a nova taxa sobre a renda individual, ou o income tax inglês. Consiste essa nova taxa em três por cento de qualquer renda anual, superior a 1.000 thalers, seja proveniente de bens rústicos e urbanos, ou de dividendos, juros, empregos públicos etc.; à exceção dos príncipes da real família e dos mediatizados, todos os outros súditos prussianos, presentes ou ausentes, devem pagá-la. O seu lançamento é feito, em cada círculo e cidade, por uma comissão composta de 1/3 de membros escolhidos pela autoridade fiscal, e 2/3 pelos contribuintes mais notáveis. Realiza-se o seu pagamento em frações ou prestações mensais, sendo livre ao contribuinte verificá-lo por inteiro no princípio do ano. Os contribuintes são divididos em 30 categorias, ou graus em escala ascendente: os da primeira pagam mensalmente 2½ thalers, ou 30 por ano; e os da 30ª contribuem com 600 por mês, ou 7:200 anualmente. O budget geral e provincial, que ainda em 1847 não excedia de 57.672.000 a receita, e de igual soma a despesa acha-se elevado a 97.001.000 de receita, 99.434.000 de despesa e um déficit descoberto de 2.433.000. A dívida pública tem sido aumentada com três sucessivos empréstimos: o primeiro de 15.000.000, em 1848; o segundo de 18.000.000, em 1850; e o terceiro de 16.000.000, em 1851. O Banco Geral foi convertido em Banco da Prússia e alargada a esfera de suas transações; mas, sempre debaixo da direção e suprema inspeção do governo e do parlamento. Outro, com o título de Banco de Berlim, foi instituído e também debaixo da mesma direção e suprema inspeção. É quando tem chegado ao meu conhecimento. v 361 Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H, Anexo II, Térreo 70170-900 Brasília - DF Telefones: (61) 2030-6033 / 6034 Fax: (61) 2030-9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: [email protected] Editora Executiva Maria do Carmo Strozzi Coutinho Revisão Daniel Russell Ribas Editoração Wilma R. d´Oliveira Kroff Capa Ingrid Erichsen Pusch Impresso no Brasil - 2014 Cadernos do CHDD / Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática. – Ano XIII, Número 24. – [Brasília, DF] : A Fundação, 2014. 362 p. ; 17 x 25 cm Semestral ISSN: 1678-586X 1. Brasil – Relações exteriores – História – Periódicos. 2. Diplomacia – Brasil – História – Periódicos. I. Fundação Alexandre de Gusmão. Centro de História e Documentação Diplomática. CDU 341.7(81)(0.91:05) Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14/12/2004. 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